quarta-feira, 31 de março de 2021

PROCESSO JUSTO E EQUITATIVO - INFRAÇÃO FINANCEIRA SANCIONATÓRIA - AJUSTE DIRETO – CRITÉRIO MATERIAL – EMPREITADA – CONSÓRCIO – PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA – EXCLUSÃO DE PROPOSTA - CULPA – NEGLIGÊNCIA – PUBLICAÇÃO DO CONTRATO – PORTAL DOS CONTRATOS PÚBLICOS – PAGAMENTOS – DISPENSA DE MULTA – RELEVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE

 

 

       TRIBUNAL DE CONTAS

Sentença nº 4/2019 – 3ª Secção

 

Processo nº 10/2018-JRF/3ª Secção

 

Sumário

 1.       A configuração concreta do modo de exercício da função jurisdicional, quanto à responsabilidade financeira, máxime os art.ºs 65º, 78º e 79º da LOPTC, consagram um processo justo e equitativo, nomeadamente na dimensão do direito a um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei prévia, não ocorrendo assim qualquer violação do art.º 20º, nº 4, da CRP.

 

2.         A responsabilidade por infração financeira exige uma culpa concreta e efetiva de um agente de uma determinada ação, a apurar e a provar em função de outros factos, nomeadamente por não observância dos deveres do agente da ação, enquanto gestores ou funcionários.

 

3.      Não se demonstrando nem justificando que as prestações objeto dos vários contratos de aquisição de serviços “só” podiam ser confiadas às entidades convidadas, por algum dos motivos ou fundamentos que o justificariam, ou seja, por “motivos técnicos, artísticos, ou relacionados com a proteção de direitos exclusivos”, os procedimentos adotados, de ajuste direto, com base nesse critério material, violaram o disposto no art.º 24º, nº 1, al. e) do CCP.

 

4.      Não é admissível a adjudicação, por ajuste direto, em função do critério do valor previsto no art.º 19º, nº 1, al. a), do CCP, de uma empreitada a um consórcio, constituído por uma entidade convidada para o procedimento e uma outra não convidada, por tal constituir violação do disposto no art.º 117º, nº 2, al. a), do CCP.

 

5.      Estando o procedimento de ajuste direto, com convite a três entidades, sujeito à observância dos princípios da concorrência, transparência e igualdade, foram violados tais princípios e as normas legais relativas à contratação pública, ao não se proceder à exclusão de duas propostas, em que havia indícios de falseamento das regras de concorrência, sendo ilegal a subsequente adjudicação da aquisição de bens a uma empresa subscritora de uma daquelas propostas.

 

6.      Não observando nem cumprindo as normas legais relativas à contratação pública, por não terem tido o devido cuidado na verificação da legalidade dos atos que praticaram, agiram os demandados com culpa, na modalidade de negligência.

 

7.      A ordem e a realização de pagamentos, em execução de contratos celebrados por ajuste direto e não publicitados no portal dos contratos públicos, são suscetíveis de integrar a previsão objetiva da infração tipificada na al. b) do nº 1 do art.º 65º, por violação de normas sobre o pagamento de despesas publicas.

 

8.      A não interiorização e assunção da culpa são incompatíveis com a possibilidade de dispensa de multa ou relevação da responsabilidade

 

PROCESSO JUSTO E EQUITATIVO - INFRAÇÃO FINANCEIRA SANCIONATÓRIA - AJUSTE DIRETO – CRITÉRIO MATERIAL – EMPREITADA – CONSÓRCIO – PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA – EXCLUSÃO DE PROPOSTA - CULPA – NEGLIGÊNCIA – PUBLICAÇÃO DO CONTRATO – PORTAL DOS CONTRATOS PÚBLICOS – PAGAMENTOS – DISPENSA DE MULTA – RELEVAÇÃO DA RESPONSABILIDADE

 


 

Juiz Conselheiro: António Francisco Martins


SENTENÇA Nº04                                              2019

 

 

 

Processo nº 10/2018/JRF

 

Demandante: Ministério Público

Demandados:

1.      1º Demandado

2.      2º Demandado

3.      3ª Demandado

4.      4ª Demandado

5.      5º Demandado

6.      6ª Demandado

7.   7ª Demandado

 

 

TRANSITADA EM JULGADO

 

 

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I – Relatório

 

1.      O demandante intentou o presente processo de julgamento de responsabilidade financeira, contra os demandados, acima identificados, pedindo a condenação dos mesmos, nos seguintes termos:

 

a) o primeiro demandado, pela prática, em concurso real, de quatro infrações financeiras sancionatórias, uma delas sob a forma continuada, a título negligente, na multa de 25 UC por cada uma das infrações;

 

b) o segundo demandado, pela prática, em concurso real, de duas infrações financeiras sancionatórias, a título negligente, na multa de 25 UC por cada uma das infrações;

 

c) a terceira demandada, pela prática, em concurso real, de quatro infrações financeiras sancionatórias, uma delas sob a forma continuada, a título negligente, na multa de 25 UC por cada uma das infrações;

 

d) a quarta demandada, pela prática, em concurso real, de uma infração financeira sancionatória, a título de dolo e em coautoria, na multa de 60 UC e quatro infrações financeiras sancionatórias, uma delas sob a forma continuada, a título negligente, na multa de 25 UC por cada uma destas infrações;

 

e) o quinto demandado, pela prática, em concurso real, de quatro infrações financeiras sancionatórias, uma delas sob a forma continuada, a título negligente, na multa de 25 UC por cada uma das infrações;

 

f) a sexta demandada, pela prática, em concurso real, de uma infração financeira sancionatória, a título de dolo e em coautoria, na multa de 60 UC e quatro infrações financeiras sancionatórias, uma delas sob a forma continuada, a título negligente, na multa de 25 UC por cada uma destas infrações;

 

g)       a sétima demandada, pela prática de uma infração financeira sancionatória, sob a forma continuada, a título negligente, na multa de 25 UC.

 

Alega, em resumo, que à data dos factos os primeiros cinco demandados eram membros da mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (doravante SCML) e as 6ª e 7ª demandadas eram diretoras de unidades administrativas daquela instituição e, nessas qualidades, no âmbito das suas funções, violaram diversas disposições legais respeitantes à contratação pública, as quais indica, tendo agido de forma livre, voluntária e conscientemente, na generalidade das situações que descreve, sem o devido cuidado na verificação da legalidade dos atos que praticaram, imputando porém, numa das situações, às 4ª e 6ª demandadas, o conhecimento de que estavam a interpelar para o procedimento, materialmente, apenas duas entidades, afetando a concorrência no mercado e quiseram, não obstante, que o procedimento fosse adjudicado a uma dessas sociedades, resultado para o qual contribuíram, informando e decidindo, em conjugação de esforços.

 

As situações alegadas pelo demandante reconduzem-se às seguintes: celebração de contratos de prestação de serviços sem se verificarem as condições que permitiam a escolha do procedimento por ajuste direto; admissão de proposta e adjudicação de uma empreitada a um consórcio, não sendo a empresa concorrente detentora de alvará necessário à realização da obra; proposta de adjudicação e decisão de adjudicação a um consórcio, constituído por uma das três sociedades convidadas e uma outra estranha ao procedimento, quando o procedimento por ajuste direto tinha sido adotado com base no valor máximo permitido; fornecimento de bens com convite a três sociedades, mas em que duas delas tinham o mesmo sócio gerente, interpelando assim para o procedimento, materialmente, apenas duas entidades, afetando a concorrência de mercado; publicitação no portal base.gov de vários contratos, os quais descreve, em momento posterior à respetiva produção de efeitos.

 

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2.         Contestou o 1º demandado, pedindo a sua absolvição e, subsidiariamente, a relevação da responsabilidade financeira, a dispensa de aplicação de multas ou a redução a metade dessas multas.

 

Posteriormente, após aquela contestação e encontrando-se já designado o julgamento, o 1º demandado veio solicitar a emissão de guias para pagamento voluntário das multas e emolumentos devidos, requerimento que veio a ser deferido, após procedência de recurso interposto pelo 1º demandado do despacho inicial que o tinha indeferido.

 

Nesta sequência o 1º demandado foi notificado para o pagamento voluntario das multas e emolumentos, tendo os autos prosseguido quanto aos demais demandados.

 

3.    Igualmente contestaram (1) os 2º a 6 demandados, pedindo a absolvição dos pedidos contra eles formulados ou, caso assim se não entenda, a dispensa de aplicação de multa ou a revelação da multa.

 

A título introdutório começam por alegar a natureza especial da SCML e das suas diversas áreas de atuação ou atribuições, para daí concluir que é “um desafio exigente para os responsáveis da SCML cumprir o CCP”, mas que souberam cumprir, incluindo nos casos pontuais deste processo.

 

No que tange aos três contratos celebrados por ajuste direto com a Sociedade X consideram que, ainda que se entenda que existiram ilegalidades, não existiu qualquer ilicitude na adjudicação dos mesmos à Sociedade X, pelo que os três procedimentos subjacentes a tais adjudicações não são aptos a gerar responsabilidade financeira.

 

Relativamente ao procedimento n.º 1-077-14-ADJ-Palácio de S. Roque-contrato com a Sociedade A, alegam que a ilicitude pode ser afastada, porque a decisão tomada se baseia numa interpretação possível da norma e tanto mais adequada quanto já existia um estudo prévio, a servir de base ao trabalho subsequente e, além disso, tal norma permitia ou até exigia a adjudicação direta a quem era titular de direitos de autor do estudo prévio, concedendo-lhe um direito exclusivo.

 

Quanto ao procedimento n.º 2-018-13-AJD-prédio n.º 115-conjunto de S. Roque em Lisboa- «obras de adaptação e remodelação do 3.º piso das antigas instalações do Hospital de S. Roque para instalação da DQI», alegam que a admissão de uma proposta instruída sem alvará não constitui ilegalidade alguma, já que este é um documento de habilitação, que só tem de ser entregue depois da adjudicação. Por outro lado, do ponto de vista da legalidade, pode ter havido violação formal do disposto no artigo 117°, n° 2, alínea a), do CCP, mas não houve ilicitude.

 

No procedimento n.º 12-ADJ360005-Fornecimento de produtos de higiene e conforto para os diversos equipamentos/serviços da SCML, a 4ª e a 6ª demandada invocam que os factos pelos quais o demandante pede a sua condenação são diferentes dos que constavam do relatório provisório e do relatório final, pelo que será nula qualquer condenação, a este título, baseada no requerimento inicial. Alegam, ainda, que desconheciam completamente, no momento do procedimento (tanto no momento do convite como na adjudicação) que duas das sociedades tinham o mesmo sócio gerente, não tendo indicado qualquer entidade a convidar e tendo confiado nos serviços e na lista de fornecedores da SCML, não tendo havido qualquer ilicitude na decisão de contratar. As 4ª e 6ª demandadas impugnam, ainda, a alegação do demandante de terem atuado com dolo neste procedimento.

 

Alegam ainda, os 2º a 6ª demandados, as suas condições pessoais, os pelouros atribuídos e as circunstâncias em que desempenharam as suas funções, bem como aquelas em que tomaram as deliberações em causa nos autos ou, no caso da 6ª demandada, a sua função de diretora da DIA e as circunstâncias em que deu concordância a propostas que estiveram na base daquelas deliberações.

 

Concluem, os 2º a 6ª demandados, que formaram a convicção de legalidade e oportunidade das decisões que adotaram como membros da mesa da SCML ou vogais, ou submeteram à decisão da mesa ou de vogais, isto no caso da diretora da DIA, com base nos elementos que instruíram as propostas e num princípio de confiança nos serviços, tendo agido com a diligência que era exigível a um funcionário zeloso e diligente, o que afasta terem atuado com culpa.

 

Alegam, finalmente, os 2º a 6ª demandados, à cautela, estarem reunidos os requisitos para a dispensa de aplicação da multa ou de relevação das multas, nos termos dos nºs 8 e 9 do art.º 65º da LOPTC.

 

Para finalizar - agora sim - invocam os 2º a 6ª demandados a inconstitucionalidade do presente processo, por desrespeito do direito a um processo justo, imparcial e equitativo e violação do nº 4 do art.º 20º da Constituição, arrimando-se ainda no art.º 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e no art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Mas também a inconstitucionalidade por violação do princípio da culpa, ínsito na Constituição.

 

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4.    Contestou, ainda, a 7ª demandada, pedindo a absolvição da instância ou a improcedência da ação e a absolvição do pedido ou, caso assim se não entenda, a relevação da responsabilidade financeira sancionatória, ou a dispensa de aplicação de multa, ou a aplicação de multa com especial atenuação.

 

Começa por invocar, como questão prévia, a falta de notificação do relatório de auditoria pelo que entende que tal relatório não pode fundamentar e servir de base à presente ação, por lhe ser ineficaz, devendo assim ser absolvida da instância.

 

Fundamenta a sua defesa alegando, em resumo, que não existia qualquer norma interna, regulamento, decisão ou lei que atribuísse à UAAT, de que foi diretora, a responsabilidade (ou competência) para proceder à publicação dos contratos no portal base.gov. Descreve, depois, a sua contribuição e participação no processo de implementação de um projeto de sistematização e organização de informação relativa a procedimentos aquisitivos efetuados entre 2008 e 2012, levado a cabo pela DIA e que se iniciou no final de março de 2014 para concluir que, em relação aos contratos descritos no requerimento inicial, atentas as suas datas, não tinha cometida qualquer função ou responsabilidade de publicitação dos mesmos no portal www.basegov.pt., pelo que não omitiu qualquer ação que lhe competisse.

 

Alega, ainda, que a UAAT era alheia aos procedimentos relacionados com a celebração dos contratos e a efetivação e concretização dos pagamentos, desconhecendo que tivessem sido efetuados pagamentos antes de ser realizada a publicitação, pelo que não lhe pode ser imputada qualquer ilicitude, não existindo também qualquer comportamento culposo, da sua parte, pelo que também não se verifica o elemento subjetivo da infração.

 

À    cautela alega que estão preenchidos os pressupostos para ser relevada a responsabilidade financeira sancionatória ou dispensada a aplicação de pena.

 

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5.   No exercício do direito ao contraditório o Mº Pº respondeu à exceção dilatória deduzida pela 7ª demandada, pugnando pela sua improcedência.

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6.   O Tribunal é competente, o processo é o próprio, não enfermando de nulidade total que o invalide, o Ministério Público e os demandados tem legitimidade e não se verificam nulidades secundárias, outras exceções dilatórias ou perentórias que obstem ao prosseguimento dos autos ou ao conhecimento do mérito da causa, tendo-se conhecido da suscitada “questão prévia” de “falta de notificação do relatório de auditoria”, com base na qual era pedida a absolvição da instância, julgando-a improcedente.

 

Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, como das atas consta.

 

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II    – Fundamentação A - De facto

A.A. Produzida a prova e discutida a causa, julgam-se como factos

provados (f. p.) (2), os seguintes:

A.A.1. Do requerimento inicial e da discussão da causa

 

1.    A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (doravante (SCML) é uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa;

 

2.   A SCML é administrada pelos seguintes órgãos de administração: mesa e provedor;

3.       A mesa é composta pelo provedor, pelo vice-provedor e por cinco

vogais;

 

4.   À data dos factos, o provedor era o 1º demandado (de 2011 a outubro de 2017), o vice-provedor o 2º demandado (de 13.09.2011 a 28.01.2016) e os vogais, as 3ª e 4ª demandadas (de setembro de 2011 a 2016) e o 5º demandado (de 14.09.2011 a 19.3.2015).

 

5.   À mesa compete, nomeadamente:

 

a)      elaborar os planos de atividades e orçamentos e submetê-los à aprovação da tutela;

 

b)    elaborar o relatório e as contas de gerência e submetê-los à aprovação

da tutela;

 

c)    definir as orientações e os objetivos a atingir pelos departamentos e serviços e elaborar os regulamentos e as normas internas necessários ao cabal funcionamento da SCML;

 

d)       criar, transformar e extinguir os estabelecimentos da SCML e regulamentar a sua organização e funcionamento;

 

e)    celebrar acordos de cooperação com outras entidades;

 

f)    contratar pessoal, de acordo com a legislação aplicável, e proceder à sua afetação pelos departamentos, serviços e estabelecimentos em função das necessidades;

 

g)    autorizar a aquisição de bens e serviços, de acordo com a legislação

aplicável;

 

h)    elaborar, quando tal se mostre necessário, proposta de contração de empréstimos a submeter à aprovação da tutela;

 

i)    criar ou participar na constituição de pessoas coletivas, quando tal se mostre adequado à prossecução das suas atribuições, obtida a autorização da tutela;

 

j)   nomear os representantes para os órgãos sociais das pessoas coletivas participadas pela SCML;

 

k)   adquirir, alienar e onerar bens imóveis da SCML, após autorização da

tutela;

l)   autorizar o recebimento de donativos;

m)    autorizar a cobrança de receitas e a realização de despesas;

 

n)    exercer os demais poderes que lhe forem atribuídos pela lei e pelos presentes estatutos ou que, neles estando previstos, não sejam da competência de outros órgãos (sendo o sublinhado da nossa autoria).

 

6.   Sob proposta do provedor, a mesa pode delegar competências para a realização de quaisquer dos atos necessários à prossecução das suas atribuições em um ou mais dos seus membros;

 

7.   Ao provedor compete, nomeadamente:

 

a)    convocar e presidir às reuniões da mesa, do conselho institucional e do conselho de jogos e dirigir os respetivos trabalhos;

 

b)    presidir aos conselhos diretivos do Hospital Ortopédico de Sant'Ana e do Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão;

c)    representar a SCML em juízo e fora dele;

 

d)   representar a SCML na outorga de contratos, protocolos e acordos de cooperação;

 

e)   promover à execução das deliberações da mesa e submeter a despacho da tutela os assuntos que dele careçam;

 

f)   dirigir, fiscalizar e coordenar superiormente a SCML;

 

g)   designar, de entre os membros da mesa, os administradores executivos dos departamentos, podendo indicar mais de um por departamento, quando tal se mostre necessário e distribuir os pelouros relativamente aos serviços instrumentais;

 

h)   autorizar despesas dentro dos limites da competência fixada pela mesa; 8. A tutela da SCML é exercida pelo membro do Governo que

 

superintende a área da Segurança Social e abrange, além dos poderes previstos nos Estatutos, a definição das orientações gerais de gestão, a fiscalização da atividade da Misericórdia de Lisboa e a sua coordenação com os organismos do Estado ou dele dependentes;

 

9.   Em regulamento orgânico aprovado pela mesa, através da deliberação n.º 183, aprovada em ata da 26.ª sessão ordinária, de 10.07.2009, e alterada pela deliberação n.º 709 na 72.ª sessão ordinária de 11.04.2013, a SCML consignou

 

à   direção de aprovisionamento (doravante DIA) a aquisição de bens e serviços, a locação de bens móveis e as empreitadas de obras públicas;

 

10.    A DIA era dirigida por um diretor e dois subdiretores e integrava, entre outras, uma unidade de compras, uma unidade de gestão de contratos e uma unidade de apoio administrativo e técnico (doravante UAAT).

 

11.    No período dos factos infra descritos, a 6ª demandada era a diretora

da DIA;

 

12.   A 7ª demanda foi, a partir de 18.06.2013 e até 20.01.2015, diretora da UAAT da DIA e, em certo período de tempo, em acumulação, subdiretora da DIA;

 

13.    Era o seguinte o organograma da DIA, no período dos factos infra descritos:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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A.A.1.1. Contratos de prestação de serviços entre a SCML e a Sociedade Y a) Procedimento 13AJD14019

 

14.     Em 20.02.2013, a interveniente B, diretora da direção central de comunicação e marketing (doravante DCCM), elaborou informação sobre “Contrato de Prestação de Serviços entre a SCML e Sociedade X, Adenda à I n.º 01/DICCM/2013” que remeteu à diretora da DIA, a 6ª demandada e, com conhecimento ao provedor, o 1º demandado.

 

15.    Informava, então, que:

 

“Em complemento à ID n.º 01/DICCM/2013 de 24/01 p.p. (em anexo) e no âmbito da reunião promovida pela DIA em 20/02 p.p. sobre o assunto supra, importa esclarecer que uma eventual interrupção dos serviços de Assessoria Mediática e Consultoria de Comunicação prestado pela Sociedade X à SCML, para se dar início, nesta fase, ao lançamento de um procedimento concursal enquadrado no CCP, de conteúdo idêntico ao contrato anteriormente estabelecido e que vigorou de 15.02.2012 a 14.02.2013 (3), requer formalidades e prazos que irão comprometer a concretização dos objetivos estratégicos definidos pela Mesa da SCML para 2013 e todo o trabalho em curso desenvolvido na Direção de Comunicação e Marketing.”;

 

16.    Nesta informação, no dia seguinte, foi aposto pela diretora da DIA “À UC” e, na área destinada a despacho, foi manuscrito “24.º 1 e)”.

 

17.     Em 08.03.2013, a interveniente B, diretora da DCCM, elaborou informação sobre “Contrato de Prestação de Serviços entre a SCML e Sociedade X - Esclarecimento à ID n.º 10/DICCM/2013” que remeteu à diretora da DIA, a 6ª demandada, com conhecimento ao provedor, o 1º demandado;

 

18.   Informava “sobre a necessidade efetiva de continuidade da prestação de serviços de Assessoria Mediática e Consultoria de Comunicação pela Sociedade X à SCML para o ano de 2013”, nos seguintes termos:

 

a) a SCML é uma estrutura que, pelas suas complexidade e dimensão, não é reconhecida na sua “ampla abrangência”, exigindo-se uma reorientação da estratégia de comunicação;

 

b) já em 2012 a Mesa tinha definido o reposicionamento da comunicação como um dos objetivos estratégicos;

c) o recurso a uma agência de comunicação é essencial;

 

d) a Sociedade X tem assegurado à DICM e Mesa da SCML, com caráter de continuidade, a prestação de serviços, desde 15.02.2012;

 

e) face à natureza dos serviços, o tempo considerado necessário para o conhecimento da instituição, identificação de oportunidades e esboço de recomendações estratégicas é de 1 ano;

 

f) do trabalho realizado no contrato anual celebrado, resultou um Plano de Comunicação Anual e um conjunto de Recomendações Estratégicas;

 

g. A continuidade de prestação de serviços pela Sociedade X é essencial para a concretização do plano aprovado;

 

h)       havendo outras empresas que prestam o mesmo serviço com qualidade, a contratação de uma nova empresa condicionaria a implementação do plano, pela necessidade de conhecimento prévio da realidade;

 

19. A diretora da DIA despachou, em 11.03.2013, remetendo à UC.

20. O provedor despachou, em 13.03.2013, nos seguintes termos:

 

“Face ao teor da informação é mesmo como está na frase inicial do último parágrafo? Coloco, simplesmente, a questão.”;

 

21. A frase em referência era a seguinte “Apesar da Sociedade X prestar um excelente serviço à SCML, não está em causa que outras empresas não o façam igualmente”;

 

22. A 22.03.2013, foi prestada informação pelo Núcleo de Compras para a respetiva diretora, interveniente D, tendo como assunto “Processo n.º 13ADJ14019 -Prestação de Serviços de Consultoria e Assessoria Mediática - Proposta de Abertura do Procedimento de Ajuste Direto”;

 

23.      Nesta, propõe-se a decisão de contratar, com base na referida Informação para Despacho n.º 10/DICCM/2013, de 20.2.2013, por preço que não exceda 63.000,00 euros, acrescido de IVA, por um prazo de 6 meses;

 

24.    A proposta, invocando o art.º 38.º do CPP, propõe “a adopção do procedimento de Ajuste Directo para a formação do contrato a celebrar, com base no critério material estabelecido pela al. e) do art.º 24.º do CPP”;

 

25.    Tal informação foi objeto de vários despachos:

 

a)    em 22.03.2013, do diretor da unidade de compras, interveniente E, remetendo à consideração superior, com a sua concordância;

 

b)    na mesma data, de igual conteúdo, da diretora do núcleo de compras;

 

c)    na mesma data, da diretora da DIA, a 6ª demandada, remetendo ao provedor, com a sua concordância.

 

26. Em sessão da mesa de 20.04.2013, com a presença dos 1º, 3º, 4º e 5º demandados, foi tomada a deliberação n.º 767/2013, de autorização;

 

27. O contrato foi celebrado em 06.09.2013, com início a 15.02.2013 e fim a 14.08.2013;

b)    Procedimento 13/ADJ14080

 

28. Em 04.09.2013, a subdiretora da DCCM, interveniente F, dirigiu à diretora dessa direção, interveniente B, a ID 42/DICM/2013:

 

a)   dando nota da cessação da prestação de serviços pela Sociedade X em 15.08.2013;

 

b)    propondo a consulta à Sociedade X, para o período de 6 meses, pelo preço de 63 000,00 €, acrescido de IVA;

 

c)      alegando que esta tinha vindo a aprofundar, em ano e meio, o conhecimento da instituição, era exclusiva detentora das ferramentas necessárias à prossecução da estratégia definida pela mesa e que a contratação de uma nova empresa comprometeria a concretização dos objetivos.

 

29. Na mesma data, foi aposto, pela destinatária, o despacho de concordância com remessa à diretora da DIA.

 

30. Em 05.09.2013, a diretora da DIA despachou “À UC”.

 

31. A mesa decidiu, em 12.09.2013, com a presença dos cinco primeiros demandados, através da deliberação n.º 1688/2013, a adjudicação nos termos propostos.

 

32. O contrato foi celebrado em 12.11.2013, mostrando-se a SCML representada pela diretora da DIA.

 

c)    Procedimento 14/ADJ14011

 

33. Em 31.01.2014, a subdiretora da DCCM, interveniente F, dirigiu à diretora dessa direção, interveniente B, a informação 8/DCIM/2014:

 

a)    afirmando a relação de continuidade, desde 15.02.2012, da prestação de serviços pela Sociedade X;

 

b)    alegando que esse apoio foi fundamental e louvando-se nas razões da ID 42/DICM/2013 de 04.09.2013;

 

c)   propondo novo contrato com a Sociedade X, pelo período de 6 meses e no valor de 73 500,00 €, acrescido de IVA.

 

34. Nesta informação, em 03.02.2014, a destinatária apôs o seguinte despacho:

 

“Concordo com o teor da presente informação. A despesa inerente à referida prestação de serviços encontra-se prevista no Orçamento da DCIM p/2014. À Ex.ma Senhora Diretora da DIA, para dar o seguimento adequado.”;

 

35. Em 04.02.2014, a diretora da DIA despachou “À UC.”;

 

36. A mesa, com a presença dos 1º, 3ª e 4ª demandados, aprovou a adjudicação, em 30.04.2014, através da deliberação nº 510/2014;

 

37. O contrato foi celebrado em 27.05.2014, por 6 meses, com início em 07.05.2014, sendo a SCML representada pela diretora da DIA;

 

38.       Os 2º a 6º demandados agiram de forma livre, voluntária e conscientemente;

 

39.   Sabiam que a norma invocada para aqueles ajustes diretos, o art.º 24º, nº 1, al. e), do CCP, visa as situações de existência, no mercado, de apenas uma entidade habilitada para a prestação em causa, por razões técnicas, artísticas ou de proteção de direitos exclusivos;

 

40.    Os 2º a 6ª demandados podiam e deviam agir em conformidade ou com observância das regras da contratação pública e não tiveram o cuidado devido na verificação da legalidade dos atos que praticaram;

 

41.   Os 2º a 6ª demandados tinham conhecimento, em razão das funções que exerciam e, em particular a 3ª demandada, da experiência acumulada no exercício de cargos políticos e públicos de direção, que o desrespeito das normas em causa, em matéria de contratação pública, afeta a concorrência e o dever de imparcialidade a que estavam sujeitos;

 

*

 

A.A.1.2. Procedimento 1-077-14-ADJ: Reabilitação do imóvel sito no Largo de Trindade Coelho 18-23 e Travessa da Queimada 2-18 – Palácio de S. Roque/Palácio Brito Freire- Aquisição de serviços para elaboração de projeto de arquitetura e coordenação geral

42.       Sob a referência 933/2014.DGIP/DIPO/UPO/RR, datada de 28.08.2014, a arquiteta interveniente G elaborou informação dirigida à diretora da unidade de projetos e obras, arquiteta interveniente H, dando conta:

 

a) da aquisição, em janeiro de 2014, do prédio identificado supra (Palácio de S. Roque/Palácio Brito Freire) e da sua valia patrimonial, histórica e arquitetónica;

 

b) da necessidade de uma obra global de reabilitação e reforço estrutural; c) de que a entidade vendedora (Sociedade Z) entregara à SCML, no contexto  do  processo  de  venda,  além  de  outros  Estudos  (Histórico  e Patrimonial, Estudo de Diagnóstico para a Reabilitação do Palácio de S. Roque e Levantamento Arquitetónico do Edificado, todos realizados por entidades

 

distintas), um Estudo Prévio de Arquitetura, da Sociedade C;

 

 

 

 


 

 

d)         de que este Gabinete revelaria, no citado Estudo Prévio, “conhecimento do edificado, qualidade técnica, bem como experiência em reabilitação, patente no currículo”;

 

e)     de que, por indicação da diretora do DGIP, foram elaborados os elementos necessários à abertura do procedimento para a aquisição de prestação de serviços àquele gabinete, ao abrigo do disposto na al. e) do n.º 1 do art.º 24.º do CCP;

 

f)    e propondo, assim, o lançamento do procedimento para aquisição de serviços de “Elaboração do Projeto de Arquitetura e Coordenação Geral dos Projetos das Especialidades para Reabilitação do Palácio de S. Roque/Palácio de Brito Freire;

 

g)    sendo o preço base proposto de 125 000,00 €;

43.   Sobre esta informação, foram exarados, sucessivamente, mas todos a

04.09.2014, os despachos de:

 

a) diretora da unidade de projetos e obras, arquiteta interveniente H, remetendo ao subdiretor do DGIP, interveniente I, concordando e propondo superiormente, para que “seja assegurada a qualidade estética e funcional necessária na Reabilitação do referido imóvel».”;

 

b) subdiretor do DGIP à respetiva diretora, interveniente J, com concordância e proposta da nomeação da arquiteta subscritora da informação para a Comissão de Análise das Propostas;

 

c) diretora da DGIP, interveniente J, com concordância e remessa à diretora da DIA, solicitando a “execução das diligências necessárias para autorização da despesa e abertura de um procedimento de ajuste direto em regime geral, nos termos da alínea e) do art.º 24º e dos artigos 112.º e segs do CCP”;

 

44.      Em 04.09.2014, data dos despachos antecedentes, o núcleo de aquisições informa a respetiva diretora, interveniente K, através da informação ID/1459/20140904-DIA/UC/NA/MMC, com referência ao procedimento 1-077-14-AJD, para adjudicação à Sociedade A, pelo preço base de 125 000,00 €, acrescido de IVA e o prazo de execução de 135 dias, nos termos da al. e) do n.º

 

1   do art.º 24.º do CCP;

 

45.   Sobre esta informação, foram proferidos os despachos da diretora do núcleo de aquisições, em 05.09.2014, de concordância e de submissão à consideração superior e da diretora do DIA, na mesma data, de concordância e remessa ao provedor;

 

46.   Em 11.09.2014, através da deliberação n.º 9317/2014, a mesa, com a presença dos primeiros cinco demandados, autorizou a adjudicação;

 

47.    Os 2º a 6.ª demandados agiram 1ivre, vo1untaria e conscientemente;

 

48.    Sabiam que a norma invocada para aquele ajuste direto, o art.º 24º, nº 1, al. e), do CCP, visa as situações em que ocorre a existência, no mercado, de apenas uma entidade habilitada para a prestação em causa, por razões técnicas, artísticas ou de proteção de direitos exclusivos;

 

49.    Os 2º a 6ª demandados podiam e deviam agir em conformidade ou com observância das regras da contratação pública e não tiveram o cuidado devido na verificação da legalidade dos atos que praticaram;

 

50.   Os 2º a 6ª demandados tinham conhecimento, em razão das funções que exerciam e, em particular a 3ª demandada, da experiência acumulada no exercício de cargos políticos e públicos de direção, que o desrespeito das normas em causa, em matéria de contratação pública, afeta a concorrência e o dever de imparcialidade a que estavam sujeitos;

 

*

 

A.A.1.3. Procedimento n.º 2-018-13-ADJ- “Prédio n.º 115 - Conjunto de S. Roque em Lisboa, Obras de Adaptação e Remodelação no 3.º Piso das antigas instalações do Hospital de S. Roque, para reinstalação do DQI”

 

51.   Em 01.03.2013, interveniente I, elaborou informação para despacho dirigida ao diretor da DIPO, relativa a “Obras de Adaptação e Remodelação no 3-º Piso das antigas instalações do Hospital de S. Roque, para reinstalação do DQI”, pelo preço base de 120 000,00 euros, por ajuste direto;

 

52.    Considerando as especificações técnicas anexas à informação, dava-se nota de que os concorrentes deveriam ser titulares dos alvarás de 1ª categoria, em Edifícios e Património Construído, e de 4.ª categoria, em Instalações Elétricas e Mecânicas;

 

53.   Sobre esta informação, foram proferidos, sucessivamente, despachos de concordância: de interveniente L, diretor da direção de projetos e obras (na mesma data), de interveniente M, diretor do departamento de gestão imobiliária e de aprovisionamento, em 04.03.2013, para “Instrução do processo aquisitivo para ser submetido à aprovação da Mesa da SCML” e da diretora da DIA, a 6ª demandada, em 05.03.2013, remetendo à UC;

 

54.         Em 06.03.2013, a informação n.º 2013/032/UCE/CA, de UC/Empreitadas para o diretor da unidade de compras, interveniente E, propõe:

 

a) nos termos do disposto na al. a) do art.º 19.º do CCP, a adoção de um ajuste direto;

 

b) o preço base de 120 000,00 €;

 

c) os alvarás de 1.ª categoria e de 4.ª categoria para as instalações elétricas e mecânicas;

d) o convite às empresas:

 

(i) Sociedade N, com sede no concelho de Leiria; (ii) Sociedade O;

 

(iii) Sociedade P, com sede no concelho de Leiria;

 

55.      Em 07.03.2013, o diretor da Unidade de Compras despachou, remetendo à consideração superior, com a sua concordância;

56.        Em 08.03.2013, a diretora da DIA despachou, com a sua concordância, ao provedor;

 

57.      Em sessão da mesa de 14.03.2013, foi tomada deliberação de concordância, com o n.º 537/2013.;

 

58.      Das sociedades convidadas, apenas a Sociedade O apresentou proposta, em 02.04.2013, em consórcio com a sociedade Q;

 

59.       Na informação para despacho 2013/048/UCE/CA, datada de 16.04.2013, após se dar conta de que das três empresas convidadas “apenas a empresa Sociedade O apresentou proposta”, foi proposta a adjudicação ao “consórcio Sociedade O e Sociedade Q”, na qual se sucedem despachos de concordância, ambos de 18.04, de interveniente E e da 6ª demandada, este último dirigido ao provedor;

 

60.       Em 26.04.2013, a mesa, com a presença dos 1º, 3ª, 4ª e 5º demandados, autorizou a adjudicação ao consórcio formado pela Sociedade O e Sociedade Q, através da deliberação nº 771/2013.;

 

61.     À data dos factos, a Sociedade O não dispunha de alvará de 4ª categoria, em Instalações Elétricas e Mecânicas, não tendo, em consequência, instruído a proposta com o documento que atestasse tal titularidade;

 

62.        Os 3ª a 5.º e 6.ª demandados agiram livre, voluntária e conscientemente;

 

63.       Sabiam da proibição legal expressa da integração da entidade convidada em agrupamento, quando o procedimento de ajuste direto tenha sido adotado, como foi, com base no valor máximo permitido;

 

64.    Os 3ª a 5º e 6ª demandados podiam e deviam agir em conformidade ou com observância das regras da contratação pública e não tiveram o cuidado devido na verificação da legalidade dos atos que praticaram;

 

65.     Os 3ª a 5º e 6ª demandados tinham conhecimento, em razão das funções que exerciam e, em particular a 3ª demandada, da experiência acumulada no exercício de cargos políticos e públicos de direção, que o desrespeito das normas em causa, em matéria de contratação pública, afeta a concorrência e o dever de imparcialidade a que estavam sujeitos;

 

*

 

A.A.1.4. Procedimento 12/ADJ36005 – “Fornecimento de Produtos de Higiene e Conforto para os diversos Equipamentos/Serviços da SCML, para o período de 3 meses”.

 

66.      Por despacho de 04.01.2013, da vogal da Mesa da SCML, a 4ª demandada, foi autorizada a abertura do procedimento 12/ADJ36005, com o objeto acima descrito.

 

67.    Foram convidadas as seguintes entidades:

a)   Sociedade AA;

b)    Sociedade AB;

c)   Sociedade AC.

 

 

68.    Das peças que instruíram o procedimento, constam as “Declarações de Indicação de Preço Contratual” das sociedades AA e AB, com a mesma data, 15.01.2013 e subscritas por Sócio AF, na qualidade de representante legal de ambas as sociedades;

 

69.    De igual modo, no rodapé de ambas aquelas declarações, encontra-se a indicação da sede de cada uma das sociedades, verificando-se que é coincidente: ……

 

70.   A outra sociedade convidada, Sociedade AC tinha como sócios sócio AG e Sócio AF;

 

71.     Em 05.02.2013 foi elaborada a informação n.º 120, no núcleo de compras, dirigida à respetiva diretora, dando nota do procedimento de consulta e seu resultado, propondo a adjudicação à Sociedade AA, por ter apresentado o preço mais baixo;

 

72.   Após informações de concordância da diretora do núcleo de compras e do diretor da unidade de compras, interveniente E, a diretora da DIA, a 6ª demandada, submeteu, em 08.02.2013, à aprovação da 4ª demandada, vogal da mesa, que, na mesma data, aprovou e autorizou a adjudicação;

 

73.    As 4.ª e 6.ª demandadas agiram livre, voluntária e conscientemente;

 

74.   Em 08.02.2013, quando a 6ª demandada submeteu a despacho e a 4ª demandada aprovou e autorizou a adjudicação, ambas tinham possibilidade de saber, por tal decorrer do plasmado no procedimento em causa nessa altura, que as sociedades convidadas Sociedade AA e Sociedade AB e que tinham apresentado propostas tinham o mesmo sócio-gerente;

 

75.    As 4ª e 6ª demandadas podiam e deviam agir em conformidade ou com observância das regras da contratação pública e não tiveram o cuidado devido na verificação da legalidade dos atos que praticaram;

 

76.    As 4ª e 6ª demandadas tinham conhecimento, em razão dos cargos que exerciam e da experiência acumulada em contratação pública, que o desrespeito das normas em causa, em matéria de contratação pública, afeta a concorrência e o dever de imparcialidade a que estão sujeitas;

 

*

A.A.1.5. Não publicação de contratos no portal base.gov

 

77.      No período compreendido entre 18.06.2013 e finais de 2014, relativamente aos contratos que tiveram por base os procedimentos que infra se identificam, a sua publicitação no portal base.gov apenas ocorreu em momento posterior à respetiva produção de efeitos:

78.       

 

Procedimentos 2-050-13-AJ D

 

2-047-13- AJD

 

2-031-14- AJD AD/835/2013/CMRA 038AD/2014/CMRA

 

 

                12/ AJD36004

14/ AJD29026

18AJD02013

9-048-14-AJD

14AD /2014/CMRA

13AD/2014/CMRA

AD911/2013/CMRA

902/2013/CM RA

14AJD27014

13/AJD52043

13AJ D270273

14AJD52004

12/AJD36005

13/ AJ D52005

 

 

78.    Integrantes do quadro infra reproduzido, os contratos que tiveram por base os procedimentos identificados no nº anterior, apenas foram publicitados no portal dos contratos públicos (base.gov.pt) nas datas indicadas na coluna “data publicitação”, ou seja, o número de dias referido na coluna “Diferença em dias (a-b)” depois da data de produção de efeitos, com referência

 

à              data de assinatura do contrato ou data consignada nos documentos do procedimento, quando não houve lugar à redução a escrito:

 

 

Publicitação obrigatória no BASE - Contratos celebrados ao abrigo de ajustes diretos (Art. 127º CCP)

 

 

Identificação de

 

Identificação de Prestador/

 

Data

 

Data de

 

Data

 

Data do 1º

 

Diferença em dias

 

 

 

 

 

 

 

 

celebração

 

produção

 

 

 

 

 

Procedimento

 

Fornecedor

 

 

 

publicitação

 

pagamento

 

 

 

 

 

 

 

 

 

contrato

 

de efeitos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

b)

 

c)

 

 

 

 

 

 

 

N.º

 

Tipologia

 

Denominação Social

 

1)

 

2)

 

 

 

( c) - (b)

 

 

(a) - (b)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2-050-13-AJD

Ajuste Direto

 

Sociedade AT

03.09.2013

15.10.2013

 

10.02.2014

 

09.01.2014

-32

-118

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2-034-12-AJD

Ajuste Direto

 

Sociedade AU

18.12.2012

2)

 

03.09.2013

 

08.08.2013

-26

2)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2-047-13-AJD

Ajuste Direto

 

Sociedade AV

14.10.2013

04.11.2013

 

27.12.2013

 

11.02.2014

46

-53

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2-031-14-AJD

Ajuste Direto

 

Sociedade AW

16.09.2014

2)

 

04.09.2015

 

10.02.2015

-206

2)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AD/835/2013/CMRA

Ajuste Direto

 

Sociedade Q

24.06.2013

25.06.2013

 

05.02.2016

 

10.01.2014

-756

-955

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

038AD/2014/CMRA

Ajuste Direto

 

Sociedade Q

16.09.2014

16.09.2014

 

05.02.2016

 

07.11.2014

-455

-507

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12/AJD36004

Ajuste Direto

 

Sociedade AQ

18.06.2013

18.06.2013

 

22.07.2015

 

27.12.2013

-572

-764

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

14/AJD29026

Ajuste Direto

 

Sociedade AQ

06.06.2014

23.05.2014

 

26.11.2014

 

26.06.2014

-153

-187

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12/AJD12068

Ajuste Direto

 

Sociedade X

07.11.2012

15.02.2012

 

19.04.2013

 

20.11.2012

-150

-429

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

18AJD0213

Ajuste Direto

 

Sociedade AR

02.09.2013

03.09.2013

 

27.12.2013

 

24.10.2013

-64

-115

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2-018-13-AJD

Ajuste Direto

 

Sociedade O

31.05.2013

05.07.2013

 

06.01.2014

 

27.12.2013

-10

-185

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

9-048-14-AJD

Ajuste Direto

 

Sociedade AX

30.09.2014

30.09.2014

 

23.06.2015

 

27.11.2014

-208

-256

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

14AD/2014/CMRA

Ajuste Direto

 

Sociedade AM

20.05.2014

21.05.2014

 

05.02.2016

 

28.11.2014

-434

-625

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

13AD/2014/CMRA

Ajuste Direto

 

Sociedade AM

20.05.2014

21.05.2014

 

05.02.2016

 

30.09.2014

-493

-625

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AD911/2013/CMRA

Ajuste Direto

 

Sociedade Q

06.02.2014

07.02.2014

 

05.02.2016

 

30.06.2014

-585

-728

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

902/2013/CMRA

Ajuste Direto

 

Sociedade Q

02.10.2013

03.10.2013

 

05.02.2016

 

21.12.2013

-776

-855

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

14AJD27014

Ajuste Direto

 

Sociedade Q

28.02.2014

28.02.2014

 

14.05.2015

 

22.05.2014

-357

-442

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12/AJD52041

Ajuste Direto

 

Sociedade AB

07.01.2013 3)

08.01.2013

 

05.02.2016

 

21.02.2013

-1079

-1123

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

9/086-12-AJD

Ajuste Direto

 

Sociedade Q

31.05.2013

01.06.2013

 

06.01.2014

 

27.05.2014

141

-219

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12AJD32019

Ajuste Direto

 

Sociedade AY

24.01.2013

24.01.2013

 

25.09.2013

 

27.03.2013

-182

-244

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

11/AJD13062

Ajuste Direto

 

Sociedade Q

17.02.2012

17.02.2012

 

16.09.2013

 

22.03.2012

-543

-577

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

13/AJD52043

Ajuste Direto

 

Sociedade A N

11.02.2014

11.02.2014

 

15.05.2015

 

10.04.2014

-400

-458

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2-013/12AJD

Ajuste Direto

 

Sociedade AZ

07.05.2012

2)

 

21.05.2012

 

24.04.2012

-27

2)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12AJD326014

Ajuste Direto

 

Sociedade Q

27.03.2013

27.03.2013

 

02.01.2014

 

13.06.2013

-203

-281

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12AJD27009

Ajuste Direto

 

Sociedade Q

17.01.2013 4)

18.01.2013

 

31.01.2014

 

20.06.2013

-225

-378

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

13AJD27027

Ajuste Direto

 

Sociedade Q

11.11.2013

23.10.2013

 

05.02.2014

 

13.02.2014

8

-105

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

14/AJD52004

Ajuste Direto

 

Sociedade AQ

01.04.2014 3)

02.04.2014

23.06.2015

 

17.06.2014

-371

-447

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12AJD13023

Ajuste Direto

 

Sociedade AP

17.07.2012

25.05.2012

 

30.08.2013

 

05.06.2012

-451

-462

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12/AJD13024

Ajuste Direto

 

Sociedade AM

11.07.2012

24.05.2012

 

03.09.2013

 

05.06.2012

-455

-467

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12AJD/36005

Ajuste Direto

 

Sociedade AA

23.07.2013

24.07.2013

 

28.01.2014

 

16.05.2013

-257

-188

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

13AJD52005

Ajuste Direto

 

Sociedade AQ

25.06.2013

26.06.2013

 

06.01.2014

 

30.07.2013

-160

-194

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

12/AJD52006

Ajuste Direto

 

Sociedade AM

07.05.2012 4)

08.06.2012

 

05.02.2016

 

19.07.2012

-1296

-1368

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Processos de aquisição e informação financeira da SCML

 

1)      Considerou-se a data constante do contrato escrito ou outra decorrente das regras do procedimento - caderno de encargos.

 

2)      Sem evidência no processo aquisitivo da data da consignação da obra. No entanto, em respeito do disposto no n.º 1 do art. 359º do CCP a consignação da obra deve estar concluída em prazo não superior a 30 dias após a data da celebração do contrato.

3)      Considerou-se a data da notificação da adjudicação.

 

 

 

4)      Considerou-se a data da nota de encomenda (o caderno de encargos é omisso quanto à vigência do contrato/sem contrato escrito).

 

5)      As publicitações ocorridas a 05/02/2016 e 04/09/2015 foram evidenciadas em sede de contraditório.

 

79.                            A 7.ª demandada atuou livre e conscientemente e conhecia o dever de publicitação dos contratos no portal base.gov.

*

A.A.2. Da contestação dos 2º a 6ª demandados e da discussão da

causa

 

80.   A auditoria realizada teve por objeto a área da contratação pública no triénio 2012/2014, sendo o número total dos contratos relativos àqueles três anos, segundo os relatórios de atividade da SCML, de 1867 contratos (353 em 2012, 846 em 2013 e 668 em 2014).

 

81.   No presente processo estão em causa seis contratos e ainda dezanove casos de contratos com alegada publicação tardia no BASE.

 

82.       O valor total dos contratos em causa no presente processo relativamente aos 2º a 6ª demandados é de cerca de € 500.000,00.

 

83.      Os aqui 2º a 5º demandados, então ainda membros da mesa, preocuparam-se e empenharam-se em melhorar o sistema de compras da SCML, quando se aperceberam das deficiências e riscos que acarretava aquele que estava em vigor na altura dos factos objeto do presente processo.

 

84.   Assim, os serviços da SCML sofreram uma restruturação no final de 2014/princípios de 2015, nomeadamente no melhoramento dos serviços de aprovisionamento e dos procedimentos internos de aplicação e controlo do CCP, com vista ao cumprimento das regras de contratação pública.

 

85.   Uma das áreas que se entendeu necessitar de reformulação foi a DIA, pelo excesso de competências que lhe estavam atribuídas, tendo-se dividido as responsabilidades de aprovisionamento pelas diferentes unidades orgânicas da SCML, criando-se as unidades de aprovisionamento na área da saúde, na área da ação social, e no departamento de gestão imobiliária e património, outra para os bens transversais à SCML, para além da já existente no departamento de jogos, tendo sido reforçados os meios humanos disponibilizados para essas tarefas.

 

86.    Esta reestruturação estava em curso na altura em que decorreu a

auditoria.

 

87.       Tendo a auditoria feito treze recomendações à SCML, esta implementou dez, uma foi parcialmente implementada e duas foram consideradas não cumpridas - sendo que parte daquela implementação resultava já da reestruturação referida -, tendo o processo de auditoria sido arquivado em 18.09.2018 por despacho do Inspetor Geral da Inspeção Geral do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social.

 

88.                            Na informação 01/DICCM/2013 de 24.01.2013 - complementada depois pela informação 10/DICCM/2013 de 20.02.2103 -, refere-se que seria «fundamental dar continuidade aos serviços prestados por uma Agência de Comunicação», e tendo em conta a «excelência na qualidade dos serviços prestados pela Sociedade X actualmente à SCML nas áreas de Assessoria Mediática e de Comunicação e o conhecimento que já possui da Instituição», propõe-se, na mesma informação, «a renovação dos termos e condições previstas no actual contrato pelo período de 1 ano, sem prejuízo de ser observada pela DIA a respectiva Viabilidade no quadro das novas regras estabelecidas no CCP».

 

89.    Com o edifício denominado Palácio de S. Roque, a SCML adquiriu os estudos que haviam sido realizados para o mesmo, desde logo, o estudo prévio de arquitetura elaborado pela Sociedade A, em abril de 2010, com quatro soluções para habitação e um outro, do mesmo gabinete, de julho de 2011, com a transformação do Palácio num hotel com capacidade para 41 quartos (e os outros estudos coordenados pelo mesmo arquiteto).

 

90.     Aquele edifício situava-se na área de reabilitação urbana e zona especial de proteção da DGPC.

 

91.   No procedimento relativo ao Palácio de S. Roque o prazo proposto no contrato para o estudo prévio é de 30 dias.

 

92.   Para o procedimento n.º 2-018-13-ADJ foi nomeado um júri.

 

93.   No procedimento n.º 12-ADJ360005 tratava-se de um procedimento com um preço base de € 50.000,00.

 

94.          Tinha havido, anteriormente, um concurso público para fornecimento de produtos de higiene para os diversos equipamentos e serviços da SCML que ficou deserto.

 

95.    Estavam em causa produtos de primeira necessidade - detergentes para garantir a limpeza dos diversos equipamentos sociais - imprescindíveis para assegurar o bem-estar das pessoas que a SCML tem a seu cargo, pelo que se tornava urgente a sua aquisição.

 

96.     Perante esta realidade e preocupada com a situação gerada, a 4ª demandada, que tinha o pelouro da ação social, resolveu abrir um procedimento por ajuste direto, por critério do valor, nos termos do artigo 20º, n.º l, alínea a), do CCP, na redação então em vigor, dentro do limite da sua competência, até aos 50 000,00 €, com vista a adjudicar o fornecimento destes produtos para três meses.

 

97.   Por razões de cuidado com a concorrência, a 4ª demandada entendeu que deveriam ser convidadas três empresas.

 

98.    Pediu assim à sua colaboradora interveniente R que tratasse disso junto dos serviços internos e que estes indicassem três empresas adequadas a serem convidadas para um ajuste direto, com vista ao fornecimento dos produtos em causa.

 

99.                            A 4ª demandada não indicou qualquer entidade a convidar (nem o fez a 6ª demandada), tendo confiado nos serviços, não se tendo apercebido que havia este tipo de relações entre as empresas constantes da lista (tal como a 6ª demandada quando despachou na proposta dos serviços).

 

100.     A decisão de abertura do procedimento n.º 12-ADJ360005 foi tomada com base numa informação de 03.01.2013 do assistente administrativo interveniente AD, da qual constava o nome das empresas a convidar;

 

101.     Nessa informação foi aposto um despacho de concordância da diretora do núcleo de compras, interveniente D, no mesmo dia, e em seguida um despacho a submeter à consideração superior do diretor da unidade de compras, interveniente E e, só depois disso, o despacho da 6ª demandada, de 04.01.2013: «à Exma. Vogal da Mesa, 4ª demandada» e a autorização da 4ª demandada, datada de 04.01.2013.

 

102.       A informação de interveniente AD transmitia que estavam cumpridos os limites do artigo 113.º, n.º 2, do CCP, em relação às entidades a convidar.

 

103.   As funções de membros da mesa da SCML eram tarefas exigentes e foram exercidas pelos 2º a 5º demandados com dedicação e muito trabalho;

 

104.   Cada um dos elementos da mesa tinha pelouros – áreas ou matérias próprias, sob a sua responsabilidade - atribuídas por delegação de competências do provedor nos termos dos estatutos da SCML;

 

105.       O cabal desempenho das matérias sob direta responsabilidade de cada um dos elementos da mesa exigia uma grande disponibilidade, sem prejuízo da colegialidade nas decisões que tinham de ser tomadas pelo órgão colegial, a mesa;

 

106.     As reuniões da mesa tinham uma periodicidade semanal e cada reunião tinha vários assuntos na ordem do dia, podendo situar-se em cerca de 50, 60, 70 ou mais assuntos;

 

107.   Cada um dos assuntos da ordem do dia era proposto pelo elemento da mesa com o pelouro em causa na deliberação a tomar;

 

108.       Eram reuniões participadas, discutidas, com priorização dos assuntos, assumindo uns uma maior relevância do que outros (pela sua importância para a SCML, pelo seu valor, pelas consequências que poderiam acarretar).

 

109.      As reuniões da mesa eram preparadas pelos serviços e assim apresentadas a cada um dos elementos da mesa.

 

110.    Em todos os procedimentos em causa nos autos as propostas de deliberação apresentadas à mesa foram justificadas e fundamentadas, nos termos das informações e propostas técnicas dos serviços, atrás descritas, e os elementos da mesa decidiam tendo por base estas propostas e informações;

 

111.     As matérias que eram deliberadas em mesa semanalmente, que reunia usualmente às quintas-feiras, eram de natureza variada e às vezes complexa, atendendo aos fins e objeto da instituição.

 

 

112.         Atendendo a estas circunstâncias, os membros da mesa institucionalizaram, desde 2012, pouco após o início dos seus mandatos, reuniões preparatórias das reuniões da mesa da SCML, em que participavam um assessor de cada um dos membros da mesa e eram presididas pela secretária-geral, nas quais eram previamente analisados todos os processos e assuntos que, na semana seguinte, seriam para serem submetidos à apreciação da mesa pelos vários departamentos e serviços da SCML, com o sentido de ser aferida da respetiva oportunidade e conformidade técnica e legal.

 

113.    Estas reuniões semanais usualmente eram realizadas à sexta-feira e duravam uma parte substancial do dia.

 

114.        A criação deste órgão informal, pelos membros da mesa, institucionalizando reuniões preparatórias, visou acautelar e permitir uma discussão prévia dos temas a agendar para a reunião de mesa.

 

115.    Com exceção do procedimento nº 12AJD360005, os contratos em questão nos autos não eram do pelouro de nenhum dos 2º a 5º demandados, sendo dos pelouros do provedor.

 

116.   O 2º demandado foi membro da mesa da SCML entre 01.07.2002 e 07.07.2005 e entre 13.09.2011 e 28.01.2016, tendo como pelouro a gestão do departamento de jogos e da direção de sistemas e tecnologias de informação, áreas de responsabilidade e complexidade, nas quais estão envolvidos muitos milhões;

 

117.   Nos procedimentos relativos à aquisição de serviços à Sociedade X, o 2º demandado apenas esteve presente na decisão de contratar do procedimento n.º 13AJD14080.

 

118.      O 2º demandado tem a profissão de gestor, é licenciado em economia, não tem quaisquer antecedentes em matéria de responsabilidades financeiras, nem esteve envolvido em qualquer processo desta natureza.

 

119.    A 3ª demandada é licenciada em Ciência Política, foi vogal da mesa da SCML desde setembro de 2011 até 28.02.2019, tendo a seu cargo o pelouro da saúde.

 

120.     A 4ª demandada é licenciada em política social, funcionária da SCML desde 1986, embora com interrupção dessas funções para exercer cargos técnicos de assessoria em gabinetes ministeriais e a sua área de trabalho sempre foi a área social.

 

121.    No exercício de funções teve vários anos em cargos de chefia, com bom desempenho e sem quaisquer antecedentes em matéria disciplinar ou de responsabilidade financeira.

 

122.     Foi membro da mesa da SCML de setembro de 2011 a final de fevereiro de 2016, cargo que aceitou e exerceu com entusiasmo, dedicação e empenho, de trabalho intenso, com sacrifício do seu descanso pessoal e profissional prejudicando muitos fins de semana e sem férias.

 

 

123.    Teve à sua responsabilidade várias áreas funcionais, mas o pelouro de que foi responsável e a sua essencial área de atuação na SCML foi a área social.

 

124.      A SCML substitui no concelho de Lisboa, por protocolo, a Segurança Social e tem cerca de 160 equipamentos sociais e serviços na sua dependência (adoção, respostas para a infância, para os idosos, para as pessoas com deficiência, para as pessoas sem abrigo ou em situação de emergência social, para as famílias vulneráveis; respostas diurnas e residenciais; atendimento social, equipas técnicas, RSI...), que abrangem cerca de 40 000 pessoas vulneráveis da cidade de Lisboa, contando a 4ª demanda com uma equipa afeta com cerca de 3 000 funcionários.

 

125.    A gestão dos diferentes equipamentos nas suas diversas vertentes, logística, recursos humanos, condições de trabalho e de bem-estar dos diversos públicos alvo que abrange, desde crianças, jovens e idosos, exigem uma gestão e poder decisório imediato para todos estes públicos vulneráveis que beneficiem do apoio social da SCML, muitos dos quais sem mais qualquer outro apoio.

 

126.     A 4ª demandada nomeou uma pessoa - interveniente G - para funcionar como interlocutora entre o seu pelouro, da ação social e a DIA, a quem deu acesso permanente ao seu gabinete, para resolução mais eficiente das questões críticas.

 

127.      Foi neste enquadramento que surgiu a urgente necessidade de adquirir produtos de limpeza para os diferentes equipamentos de ação social, por os mesmos já estarem em rutura de stock em alguns dos equipamentos.

 

128.   O concurso público anteriormente aberto para o efeito tinha ficado deserto e a 4ª demanda adotou a decisão de proceder à aquisição rápida, através do procedimento de ajuste direto, para resolver de imediato o assunto, não pondo em causa o bem-estar e a saúde pública de todos aqueles que são utentes da SCML.

 

129.     A 4ª demandada, no procedimento 12/AJD36005, adotou uma decisão de adjudicação a uma empresa, a qual lhe vinha proposta por um júri e este nada apontou relativamente ao facto de as propostas terem sido assinadas pela mesma pessoa.

 

130.     O relatório do júri não punha dúvidas nem colocava questões, concluindo no sentido da admissão das três propostas apresentadas.

 

131.   Na informação de interveniente AD, com a proposta de adjudicação que foi a despacho, afirma-se expressamente que «da análise das propostas apresentadas resultou não se verificar quaisquer causas de exclusão das mesmas (artigo 70. ° e artigo 146. °, este último por remissão do n.°2 do artigo 122.º, todos do CCP)».

 

132.   O 5º demandado foi membro da mesa da SCML entre 14.09.2011 e 19.03.2015 e tinha como pelouro os recursos humanos.

 

 

133.    A 6ª demandada desempenhou funções, como diretora da DIA, a partir de novembro de 2011 e até janeiro de 2015, tendo sido escolhida para o exercício dessas funções pelo então provedor da SCML, com quem tinha trabalhado na Câmara Municipal de Lisboa, sem ter experiência de contratação pública, nem ter realizado qualquer formação para o efeito.

 

134.    Quando iniciou aquelas funções a 6ª demandada deparou-se com uma desorganização interna, nomeadamente com a falta de um arquivo organizado dos processos da DIA e desempenhou-as num contexto de sacrifício da sua vida pessoal e familiar, prolongando, em regra, o trabalho para além do seu horário de trabalho.

 

135.    À data, a DIA não dispunha de sistemas de informação, pelo que toda a documentação circulava essencialmente em papel e por email.

 

136.    Verificava-se a falta de um registo fidedigno e sequencial de todos os procedimentos aquisitivos, aliada a uma dispersão de processos.

 

137.     Por isso, não lhe foi possível conhecer imediatamente todos os aspetos que à mesa diziam respeito, designadamente o que concerne a própria organização da DIA.

 

138.    À DIA estavam cometidas competências de natureza diversificada, que iam desde tarefas em matéria de planeamento das aquisições, passando pela obrigação de assegurar a execução do plano de execuções anuais, a preparação, organização e instrução dos processos de aquisição e respetiva tramitação procedimental, até à gestão, fiscalização e controlo de execução dos contratos, a gestão de stocks e armazéns e assegurar a atividade de logística e transportes, entre outras.

 

139.    À sua diretora competia «dirigir, orientar e coordenar a atividade global desenvolvida pela mesma», nos termos do art.º 4.º do regulamento orgânico da DIA.

 

140.      Os clientes internos (serviços da Santa Casa destinatários dos fornecimentos de bens e das prestações de serviços) davam início e preparavam os processos, e eram eles que apreciavam e propunham o tipo de procedimento a utilizar, indicando, nos ajustes diretos, o ou os concorrentes a convidar.

 

141.       Depois de preparado o processo relativo ao procedimento, enviavam-no para a DIA, a solicitar a abertura formal do procedimento, já com a indicação do tipo de procedimento e das empresas a convidar, ou a contratar.

142.    Chegado à DIA, o processo era distribuído ao núcleo de compras da unidade de compras, que preparava a sua formalização com os elementos fornecidos pelo “cliente interno”.

 

143.      Preparada a formalização do processo pelo referido núcleo de compras, o mesmo era devolvido ao “cliente interno” para este o validar, designadamente, as especificações técnicas do caderno de encargos.

 

 

144.     Depois de validado pelo “cliente interno”, o processo voltava à DIA, onde os serviços preparavam a proposta para ser submetida ao órgão competente (vogal ou mesa) para decisão.

 

145.    Só então a diretora da DIA intervinha para, sob a informação da unidade de compras, ou da unidade de gestão de contratos, conforme os casos, submeter os assuntos à consideração superior, através dos assessores dos membros da mesa, os quais os apresentavam para decisão à mesa ou aos vogais.

 

146.    À 6ª demandada competia o passo final de submissão dos assuntos

 

à    mesa, com base no trabalho técnico (incluindo jurídico) feito pelos serviços do “cliente interno”, pelo núcleo de compras da unidade de compras ou da unidade de gestão de contratos e constante das informações para despacho, que lhe eram presentes.

 

147.    A DIA relacionava-se com cerca de 20 serviços, envolvendo a sua atividade cerca de 190 estabelecimentos, 5 hospitais e cerca de 40 mil utentes.

 

148.    À 6ª demandada chegavam diariamente vários procedimentos para despacho, que podiam atingir os 20, recebendo diariamente várias dezenas de emails e telefonemas do “cliente interno” com a pressão das urgências, colocando variadas questões.

 

149.    Estavam adstritos à tramitação dos procedimentos, na DIA, cerca de vinte funcionários.

 

150.      Neste contexto, a diretora da DIA sempre atuou com muita dedicação e muito trabalho.

 

151.      Teve ainda a preocupação de fazer frequentes recomendações escritas e verbais, dirigidas aos seus serviços e aos clientes internos, visando o aperfeiçoamento dos procedimentos que estes que tinham a iniciativa e preparavam para apresentar.

 

152.    Na sequência do relatório de auditoria e das suas recomendações foram, entretanto, adotadas as seguintes medidas:

 

a) «Na sequência da reestruturação dos serviços de aprovisionamento da SCML iniciada em 2015 garantiu-se que em todas as respetivas estruturas existissem recursos humanos com formação jurídica adequada, sendo que, cada um destes serviços pode socorrer-se do Gabinete Jurídico da SCML. Acresce, a implementação de um novo sistema de informação da SCML (Sistema de Gestão Documental e de Processos) e nele de um workflow específico para a tramitação de procedimentos de contratação pública que prevê que a fundamentação da escolha de procedimentos aquisitivos com recurso a critérios materiais (...) seja sempre sujeita à validação prévia do Gabinete Jurídico da SCML, com carater vinculativo».

 

b) «No âmbito da circular interna emanada pelo Provedor da SCML, em outubro de 2014, passou a ser obrigatório, no âmbito de procedimentos de ajuste direto, a obtenção de certidão atualizada da Conservatória do Registo Comercial, com o objetivo de comprovar a adequação do objeto social das entidades a convidar com o objeto do procedimento, detetar eventuais relações de grupo entre entidades a convidar. (...) Para as empreitadas, acresce ao procedimento referido a junção à proposta do procedimento da evidência da consulta ao Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção para verificação das habilitações necessárias».

 

c)    «Todas as propostas de adoção de procedimentos de ajuste direto e também de consulta prévia são instruídas com a evidência das consultas ao SAP ECC (sistema informático onde são registados os valores adjudicados). O controlo do art.º 113.º foi aperfeiçoado, antes da entrada em vigor em janeiro de 2018 das alterações ao Código dos Contratos Públicos (CCP), permitindo um rastreamento de valores por CPV; e tendo por referência a data de adjudicação de cada procedimento (ao invés da data de emissão da nota de encomenda).

 

153. A 6ª demandada não tem antecedentes relativamente a infrações financeiras e vive do seu trabalho, desempenhando atualmente as funções de secretária geral adjunta da SCML.

 

154. Quando, no procedimento 12/AJD36005, a 6ª demandada proferiu despacho enviando o processo para adjudicação à 4ª demandada, apenas tomou em consideração a informação que lhe foi apresentada para despacho e o relatório do júri, onde não existiam indícios de que duas propostas tinham sido assinadas pela mesma pessoa, não tendo analisado a restante documentação do procedimento.

 

*

A.A.3. Da contestação da 7ª demandada e da discussão da causa

 

155.   A 7ª demandada iniciou funções na SCML a 18.06.2013, na DIA, na qualidade de diretora da UAAT.

 

156.    A 20.01.2014 iniciou funções de subdiretora da DIA continuando, no entanto, a assegurar a direção da UAAT.

 

157.   No decorrer das suas funções a 7ª demandada apercebeu-se que não existia ainda um sistema organizado relativo às publicitações dos contratos da SCML.

 

158.       A direção da DIA deparava-se com uma quase inexistente organização e sistematização de procedimentos aquisitivos anteriores a 2012.

 

159.   Constatou-se que as publicitações efetuadas entre a entrada em vigor do CCP e 13.09.2011, eram em número muito escasso face à totalidade de contratações identificadas.

 

160.    À data, a DIA não dispunha de sistemas de informação, pelo que toda a documentação circulava essencialmente em papel e por email.

 

161.    Verificava-se a falta de um registo fidedigno e sequencial de todos os procedimentos aquisitivos, aliada a uma dispersão de processos.

 

162.   O provedor da SCML, ao ter conhecimento desta situação, ordenou a regularização, por ordem cronológica, de todas as publicações não efetuadas.

 

163.      Foi então que se iniciou a implementação de um projeto de sistematização e organização de informação relativa a procedimentos aquisitivos efetuados entre 2008 e 2012, levado a cabo por um grupo de trabalho e que se iniciou em março de 2014.

 

164.     Procedeu-se, então, à criação de uma base de dados de todas as informações para despacho existentes dos anos de 2008 a 2011, dado que não existia nenhum suporte físico ou digital com a informação em questão.

 

165.      Foi necessário recolher previamente a informação, a qual era fornecida por duas vias: unidade de compras, no caso de adjudicações em relação às quais não existia necessidade de redução de contrato a escrito (artigo 95.º do CCP); e unidade de gestão de contratos, que preparava as minutas dos contratos para assinatura em articulação com a secretaria geral e, após a outorga dos mesmos, comunicava a data e fornecia a respetiva documentação.

 

166.        Verificando-se que se tratava de informação insuficiente e incompleta, providenciou-se o tratamento dos processos físicos provenientes da unidade de compras e da secretaria geral, que estavam em arquivo morto.

 

167.   Foi necessário criar uma equipa de trabalho, inicialmente constituída pelo núcleo de apoio administrativo e técnico, um elemento do núcleo de contratos gerais, um elemento do núcleo de gestão da frota e de dois elementos da unidade de compras, para tratamento dos processos físicos em causa, que se estimava em aproximadamente 3.000 processos.

 

168.    De forma a não colidir com o trabalho normal diário dos núcleos, estas pessoas participaram no projeto em tempo parcial, algumas horas por semana.

 

169.     A coordenação da equipa ficou a cargo da interveniente AE, do núcleo de apoio administrativo e técnico da UAAT.

 

170.   Procedeu-se ao levantamento, tratamento e sistematização de todos os procedimentos aquisitivos relativos aos anos de 2008 a 2012, que evidenciam um total de cerca de 5000 procedimentos registados e tratados.

 

171.    A colaboradora que passou, num determinado momento, a efetuar essas publicitações, necessitou de aprender a interagir com as plataformas eletrónicas de contratação e o portal base.gov e de ter um mínimo de formação, o que levou algum tempo;

 

172.    Efetuou-se a respetiva publicação no portal dos contratos públicos www.basegov.pt uma vez que, a maioria dos procedimentos, não estavam publicados naquele portal.

 

173.     A DIA não era responsável pela elaboração dos procedimentos aquisitivos próprios do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (doravante CMRA) e Hospital Ortopédico de Sant’Ana (doravante HOSA), nem pela gestão dos respetivos contratos, os quais desconhecia, facto que impossibilitava a respetiva publicação, por parte daquele grupo de trabalho dos

 

procedimentos                   AD/835/2013/CMRA,                     AD902/2013/CMRA,

 

 

AD911/2013/CMRA, 13AD/2014/CMRA, 14AD/2014/CMRA e 038AD/2014/CMRA.

 

174.     A DIA apenas era envolvida nos procedimentos de contratação relativamente ao CMRA e HOSA, no caso de prestações de serviços e aquisições de bens transversais a toda a SCML.

 

175.      A UAAT apenas tinha atribuições na área pré-contratual, não cuidando de quaisquer atos dos procedimentos de aquisição a jusante da celebração do contrato, como o caso da publicitação no portal dos contratos públicos.

 

176.    Os contratos, depois de formalizados, não regressavam, nem eram do conhecimento da UAAT, pois a sua intervenção esgotava-se após remessa das peças do procedimento.

 

177.    A intervenção no referido grupo de trabalho, da técnica do núcleo (núcleo de apoio administrativo e técnico) inserido na UAAT, deveu-se ao facto de a mesma ter competências na área informática que permitiu a adoção do procedimento acima descrito.

 

178.   Enquanto diretora da UAAT da DIA, a 7ª demandada sempre atuou com zelo e diligência, tendo contribuído, desde o início, para a melhoria da organização e funcionamento desta direção, nomeadamente através da participação na implementação de um projeto de sistematização e organização de informação relativa a procedimentos aquisitivos efetuados entre 2008 e 2012.

 

179.    A UAAT era alheia a todos os procedimentos relacionados com a celebração dos contratos e a efetivação e concretização dos pagamentos.

 

180.              Todos os contratos celebrados entre 2008 e 2012 foram publicitados em data anterior à realização da auditoria, na sequência do esforço organizativo que foi impresso para resolver as questões pendentes, acima descrito.

 

181.            Os contratos 12/AJD36004 (18/06/13), 13/AJD52005 (25/06/13), 2-018-13-AJD (31/05/13) e 12/AJD36005 (23/07/13), foram celebrados em datas anteriores ou coincidentes com a assunção de funções pela 7ª demandada.

 

182.    Não houve qualquer recomendação do TdC ou de qualquer órgão de controlo interno ao serviço auditado para correção de irregularidades identificadas como não publicitação dos contratos no portal base.gov.

 

183.    A 7ª demandada é reconhecida publicamente pela sua competência e dedicação.

 

*

 

A.B. E julgam-se como factos não provados (f. n. p.), todos os que, com relevância para a discussão da causa, estejam em oposição – direta ou indireta com os atrás considerados provados -, nomeadamente:

 

A.B.1. Do requerimento inicial

 

 

1.      As 4ª e 6ª demandadas sabiam que estavam a convidar para o procedimento, materialmente, apenas duas entidades, afetando a concorrência no mercado;

 

2.     Tal conhecimento decorria do plasmado no procedimento até ao momento do convite e de terem procedido à contratação usual de serviços a sociedades de que eram sócios gerentes Sócio AF ou Sócio AG, nos termos do quadro infra:

 

Sociedade

Sede

Sócios/PCA

Gerente

Contratos com a


 

 

 

 

SCML


 

 

 

 

 


 

 

Sócios: Sociedade

 

3 (toda a atividade


Sociedade O

……

Q/Sociedade AL e

Sócio AG

contratual da sociedade


 

 

sócio AG

 

inscrita na BASE)


 

 

 

 

 


 

 

 

 

19 (de um total de 20


Sociedade Q

……

PCA: Sócio AG

Sócio AG

contratos da sociedade


 

 

 

 

inscrita na BASE)


 

 

 

 

 


Sociedade

 

 

 

1 (toda a atividade


……

 

Sócio AF

contratual da sociedade


AA

 


 

 

 

inscrita na BASE)


 

 

 

 


 

 

 

 

 


Sociedade

 

 

 

2 (toda a atividade


……

 

Sócio AF

contratual da sociedade


AB

 


 

 

 

inscrita na BASE


 

 

 

 


 

 

 

 

 


Sociedade

 

 

Sócio AG  e Sócio

1 (toda a atividade


……

 

contratual da sociedade


AC

 

AF


 

 

inscrita na BASE)


 

 

 

 


 

 

 

 

 


 

 

 

Sócio AG,

6 (toda a atividade


Sociedade

 

 

substituído, em


……

Sócio AG

contratual da sociedade


AM

2016, por Sócio


 

 

inscrita na BASE)


 

 

 

AF


 

 

 

 


 

 

 

 

 


 

 

Sócio AG (e outros)

 

 


 

 

que adquiriu a quota

 

7 (de um total de 8


Sociedade

 

à sócia AO, mulher

 


……

sócia AO

contratos inscritos na


AN

de Sócio AF que,


 

 

BASE)


 

 

por sua vez, cedeu a

 


 

 

 

 


 

 

quota a outro sócio

 

 


 

 

 

 

 


Sociedade

 

Sócia AO e Sócio

 

1 (toda a atividade


……

sócia AO

contratual da sociedade


AP

AF


 

 

inscrita na BASE)


 

 

 

 


 

 

 

 

 


Sociedade

 

 

 

4 (toda a atividade


……

 

sócia AO

contratual da sociedade


AQ

 


 

 

 

inscrita na BASE)


 

 

 

 


 

 

 

 

 


 

 

 

 

Sociedade

 

 

 

1 (toda a atividade

……

 

Sócio AS

contratual da sociedade

AR

 

 

 

 

inscrita na BASE)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sociedade

 

 

 

 

AT

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3.    As 4ª e 6ª demandadas quiseram, não obstante, que o procedimento fosse adjudicado à Sociedade AA, resultado para o qual contribuíram, informando e decidindo, em conjugação de esforços;

 

4.   Competia à diretora da UAAT da DIA, ora 7.ª demandada, diligenciar pela publicitação dos 19 contratos identificados supra na base.gov.pt e proceder

à   respetiva fiscalização, nos termos e prazos legais;

 

5.  A 7.ª demandada conhecia o dever que sobre ela recaía de publicitação dos contratos em causa, bem como as consequências legais e financeiras que para ela decorriam da respetiva violação;

 

6.  A 7.ª demandada não agiu com o zelo, o cuidado e a prudência que lhe eram exigíveis, no âmbito do exercício de funções dirigentes.

 

*

 

7.   O estudo prévio anterior da Sociedade A, tinha de ser adaptado, mas tratava-se de mera adaptação, de acordo com o destino diferente para o edifício

 

– instalação de parte dos serviços da SCML -, relativamente ao que estava pensado pelo seu anterior proprietário.

 

8.    Ao incluir no objeto do procedimento do Palácio de S. Roque um estudo prévio, o novo contrato não se refere a um estudo prévio totalmente novo, do zero, mas antes a uma adaptação às necessidades da SCML daquilo que já existia.

 

9.     Nenhum arquiteto (por melhor que conheça o edifício) faria um estudo prévio novo em 30 dias.

 

10.    O valor pago pela execução do contrato com Sociedade A foi de €

52 840,61.

 

11.    As 4ª e 6ª demandadas desconheciam completamente no momento do procedimento n.º 12-ADJ360005 (tanto no momento do convite como na adjudicação) que as sociedades Sociedade AA e Sociedade AB, tinham o mesmo sócio gerente.

 

12.    Perante o que foi trazido à mesa e o conhecimento que tinham da situação, os elementos da mesa, entre os quais o 2º demandado, ficaram perfeitamente convencidos de que a decisão de convidar a Sociedade A era uma decisão juridicamente válida e a melhor decisão do ponto de vista do interesse público.

 

 

13.     Relativamente a esta decisão, o valor pago pela execução deste contrato, € 52.840,61, e o prazo, 30 dias, para adaptação do estudo prévio, criam também a convicção de que foi uma boa decisão para o interesse da SCML.

 

14.        Os 3ª a 5º demandados ficaram convencidos, quanto aos procedimentos n.º 13AJD14019, n.º 13AJD14080 e n.º 14/AJD14011, com as propostas que foram apresentadas à mesa e com os documentos que as instruíram.

 

15.   A proposta de adjudicação, no procedimento n.º 2-018-13-AJD, não suscitou dúvidas à 3ª demandada.

 

16.      Relativamente ao procedimento n.º 1-077-14-ADJ-Palácio de S. Roque - contrato com a Sociedade A e ao procedimento n.º 2- 018-13-AJD, a 4ª e o 5º demandados decidiram convencidos da legalidade das decisões, com base nas informações que foram à Mesa.

 

17.   A primeira preocupação da diretora da DIA, após início de funções, foi a de pôr todo o seu zelo e diligência na melhoria da organização e do funcionamento do serviço.

 

18.     Empenhou-se, desde logo, em regularizar situações passadas que exigiram um enorme esforço seu e da equipa, em articulação com as tarefas do dia-a-dia.

 

19.   Ao atribuir à diretora da DIA todas as competências que lhe estavam atribuídas, a própria SCML estava a determinar-lhe que lhe competia apenas fazer uma análise breve das propostas, verificar a sua conformidade e fundamentação aparentes e fazê-las seguir para despacho.

 

20.   Não se lhe pedia que assumisse a responsabilidade pela regularidade de todas elas.

 

21.   Relativamente aos procedimentos n.º 13AJD14019, n.º 13AJD14080 e n.º 14/AJD14011, ao procedimento n. 1-077-14-ADJ-Palácio de S. Roque-contrato com a Sociedade A e ao procedimento n.º 2-018-13-AJD, a diretora da DIA formou a consciência no sentido da legalidade das decisões que lhe eram propostas.

 

*

A.B.3. Da contestação da 7ª demandada

 

22.   Só após o desenvolvimento do trabalho descrito, pelo referido grupo de trabalho, foi elaborado o manual de procedimentos da DIA, que começou a vigorar em setembro de 2014, quando já há alguns meses a 7ª demandada exercia funções de subdiretora da DIA.

 

23.     No qual, aproveitando a experiência adquirida pelo NAAT, foi decidido que a unidade de compras/núcleo de aquisições deveria remeter os contratos à UAAT para depois serem publicados.

 

24.   Tal deveria acontecer entre setembro de 2014 e a data de extinção da DIA (15.01.2015), mas não aconteceu, uma vez que os contratos não foram remetidos pela UC/NA à UAAT/NAAT.

 

25.     Os contratos 13/AJD52043, 14AJD27014 e 14/AJD52004, não foram reduzidos a escrito, pelo que a 7ª demandada não poderia conhecer os prazos para a respetiva publicitação.

 

26.   O contrato 13AJD27027 não teve qualquer pagamento antes da data em que foi publicitado.

 

27.    Os contratos 2-018-13-AJD, 2-050-13-AJD e 2-047-13-AJD são de empreitada, cuja tramitação pré-contratual nunca ocorreu na UAAT.

 

28.     Qualquer dos contratos do ano de 2014 não foram remetidos à UAAT pelas outras unidades que conduziam o processo até ao contrato.

 

*

 

A.3. Motivação da decisão de facto

 

1. Os factos descritos como provados foram assim julgados após análise crítica da globalidade da prova produzida, com observância do estatuído nos nºs 4 e 5 do art.º 607º do CPC, aplicável ex vi art.ºs 80º e 94º, nº 3, ambos da LOPTC, tendo-se nomeadamente tomado em consideração:

 

a)       os factos admitidos por acordo pelos demandados, por não impugnados, nomeadamente os respeitantes aos factos materiais apurados no âmbito da auditoria realizada, ou até por expressamente admitidos por acordo (v. a título exemplificativo o art.º 52º da contestação dos 2º a 6ª demandados);

 

*

 

b)    os documentos constantes do processo de auditoria, nomeadamente os incluídos no apenso do vol. II, os documentos juntos aos autos pelo demandante, a fls. 289 a 470, os documentos juntos pelos demandados com as contestações, os documentos cuja junção foi determinada oficiosamente pelo tribunal, constantes de fls. 580/583, tudo documentos que não foram impugnados;

 

*

 

c)    os depoimentos das seguintes testemunhas, as quais depuseram com razão de ciência, que lhes advém do conhecimento dos factos em virtude das funções descritas infra, sendo os seus depoimentos relevantes para a prova dos factos descritos supra como provados, por se terem considerado depoimentos credíveis e isentos relativamente a tal factualidade (nomeadamente não afetados por relações de amizade com demandados, no caso de algumas testemunhas):

 

1ª – interveniente AH (inspetora da Inspeção Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, tendo integrado a equipa que procedeu à auditoria à SCML), a qual confirmou os termos em que a auditoria foi levada a cabo, bem com as evidências recolhidas e documentadas na mesma, tendo ainda explicado que: as matérias objeto da denúncia anónima que esteve na origem da inscrição da auditoria no plano de atividades da IGMTSSS, para o ano de 2015, tinham a ver com a contratação pública por ajustes diretos e a celebração de contratos com empresas que tinham sido constituídas em datas próximas dos concursos; a SCML não dispunha de uma lista de fornecedores, concluindo isso do facto de não haver evidências de uma base de dados ou um ficheiro informático e de, apesar de a inspeção ter solicitado essa lista, ter-lhes sido transmitido que não existia; nos casos em apreciação no julgamento, em que foram feitos convite a empresas para concursos, a auditoria não recolheu evidência de quem e como foram propostas as empresas.

 

2ª – interveniente AI (funcionária da SCML desde 1992, com funções de secretária-geral entre 2004 e 2013), a qual deu conta da sua participação nas reuniões preparatórias da mesa da SCML, com os assessores de cada um dos vogais, bem como a forma como se fazia a inscrição dos diversos pontos na agenda, homologada pelo provedor, estando em crer que a mesa atuava, nas suas reuniões, ainda que como órgão colegial, numa “base de confiança” em face daquelas reuniões preparatórias. Considerou, ainda, que a diretora da DIA, a 6ª demandada, “trabalhava muito”.

 

3ª – interveniente AJ (funcionária da SCML desde julho de 2010, com funções de secretária geral desde 04.06.2013 a julho de 2017), a qual transmitiu a sua participação nas reuniões preparatórias da mesa da SCML, com os assessores dos vogais da mesa, os quais não seriam todos juristas. Não se recordava se os procedimentos de aquisição de serviços à Sociedade X foram analisados nessas reuniões preparatórias, estando convicta de que o quadro de pessoal da DIA “não seria suficiente para todas as solicitações” que tinha.

4ª – interveninte U (funcionária da SCML desde outubro de 2013, como diretora da direção de obras inicialmente e com funções de diretora do departamento de gestão imobiliária e património a partir de janeiro de 2014), a qual afirmou que foi “consciente” a escolha do procedimento por ajuste direto

 

à   Sociedade A porque “achámos que era o melhor para a SCML”.

 

5ª – interveniente R (funcionária da SCML desde 1982, com funções na área da ação social), a qual explicou que foi colocada pela 4ª demandada a trabalhar junto da DIA, como “elo de ligação” entre a DIA e a área da ação social, para ajudar na agilização dos procedimentos desta área, até pelo seu elevado número e, em regra, urgência, descrevendo a 4ª demandada como pessoa “trabalhadora e conhecedora” do pelouro que tinha, o da ação social, considerando ainda que a 6ª demandada estava “sobrecarregadíssima” de trabalho.

 

6ª – interveniente S (funcionária da SCML há 24 anos, desempenhando as funções de diretora de comunicação à data dos factos, 2012/2013), a qual explicou que quando pretendiam a implementação do plano de comunicação que a Sociedade X tinha elaborado durante o primeiro ano de prestação de serviços, face ao términus do contrato, “optaram” pelo convite novamente à Sociedade X, para “não interromper o ciclo de comunicação”.

 

7ª – interveniente T (funcionária da SCML desde 2005, desempenhando funções de assistente administrativa na DIA à data dos factos e até 2014, altura em que passou a exercer funções de assessora da 3ª demandada), a qual descreveu a forma como se processava o “processo aquisitivo” na SCML, recordava-se de uma circular emitida pela 6ª demandada aos “clientes internos”, no sentido de deverem ser estes a indicar os fornecedores a convidar, nos procedimentos de aquisição e dando ainda conta que, na sua avaliação, a DIA era “vítima de trabalho gigantesco” e que a 6ª demandada era “diligente e trabalhadora”.

 

8ª – Interveniente V (funcionária da SCML há 25 anos, desempenhando as funções de secretária geral adjunta entre 2004 e julho de 2017 e, atualmente, as funções de secretária geral), a qual descreveu o funcionamento da mesa, à data dos factos em causa nos autos, transmitindo a quantidade de assuntos ou pontos da agenda levados às sessões da mesa. Considerou os anos de 2012-2014 como os “anos de maior volume de trabalho” e com um aumento substancial de processos a tramitar na DIA, até porque na altura esta abarcava todas as áreas dos processos aquisitivos.

 

9ª – interveniente W (funcionária da SCML desde 2006, desempenhando as funções de diretora da DIA de 2009 a 2011, assessora do provedor de meados de 2012 a finais de 2014 e, atualmente, as de vogal da mesa, com o pelouro da central de compras), a qual informou que a DIA foi criada na sequência de exigências por força das regras da contratação pública e deu conta da forma como funcionavam as reuniões de preparação da mesa, em linha com depoimentos anteriores, incluindo quanto ao nº de assuntos ou pontos de cada reunião, em média. Explicitou que a preocupação, nessas reuniões era, quanto aos procedimentos aquisitivos, saber se os mesmos estavam instruídos, formalmente, com a documentação subjacente ao assunto em causa e que cada assessor tinha a função de apresentar a proposta de cada membro da mesa que assessorava.

 

10ª – interveniente AK (funcionária da SCML desde 2007, desempenhando as funções de assistente administrativa na DIA desde dezembro de 2012 e secretária, na mesma divisão, a partir de 2013), a qual deu conta que não havia sistema informático da DIA e que “era tudo muito desorganizado”, tendo explicado as circunstâncias e as tarefas do “grupo de trabalho” que integrou, com vista à recuperação da contratação levada a cabo desde 2008 a 2012, tendo em vista a sua publicação, no portal base.gov. Transmitiu a opinião de que a 7ª demandada era “muito profissional e muito dedicada”.

 

*

 

d)    as declarações dos 2º a 7ª demandados, no que tange aos períodos e às áreas/pelouros ou unidade orgânica de exercício de funções na SCML, bem como às respetivas condições pessoais e, ainda, nos segmentos em que tais declarações foram credíveis, por serem coerentes com as regras de experiência comum e/ou coerentes com outra prova (documental e/ou testemunhal), nomeadamente quanto:

 

 

(i)     ao facto de os procedimentos em causa nos autos terem origem ou estarem relacionados com as áreas da responsabilidade do provedor;

 

(ii)      à circunstância de as sessões da mesa serem antecedidas, na semana anterior em regra, de reuniões de um grupo de trabalho, integrado pela secretária geral da SCML e um assessor de cada membro da mesa, que procediam à análise, do ponto de vista técnico e jurídico, dos diversos pontos a levar à agenda da mesa;

 

*

 

e) as regras de experiência comum, quanto:

 

(i)    à capacidade e dever dos demandados, como gestores nomeados para gerir uma IPSS, ainda que com “uma imensidão de tarefas a seu cargo” (cf. art.º

 

9º da contestação dos 2º a 6º demandados) de agir em conformidade ou com observância das regras da contratação pública e relativamente à falta de cuidado devido na verificação da legalidade dos atos que praticaram;

 

(ii)     ao conhecimento, por parte dos demandados, em razão dos cargos que exerciam e da experiência acumulada em contratação pública por parte da 3ª demandada, que o desrespeito das normas em causa, em matéria de contratação pública, afeta a concorrência e o dever de imparcialidade a que estavam sujeitos;

 

(iii)     ao facto de só ser compreensível, por falta de leitura mínima dos documentos que instruíram os procedimentos nº 2-018-13ADJ e nº 12/ADJ36005, que os demandados que informaram e decidiram os mesmos não se tenham apercebido que: naquele procedimento, era proposta a adjudicação a um consórcio (integrado por uma empresa convidada e outra estranha ao procedimento), quando nenhum consórcio tinha sido convidado para apresentar proposta; neste procedimento, as propostas das sociedades AA e AB eram assinadas pela mesma pessoa como sócio gerente, sendo ainda coincidente a ambas a mesma sede social.

 

*

 

2.    Igualmente quanto aos factos julgados não provados se procedeu à análise crítica da globalidade da prova produzida, nos termos referidos supra.

 

Porém, da ponderação dessa prova, não resultou a convicção para o Tribunal da ocorrência desses factos, nomeadamente porque:

 

a)       não estão provados documentalmente, no âmbito da auditoria realizada ou pelos documentos juntos aos autos, sendo ainda certo que:

 

(i)      o depoimento da interveniente AJ não confirmou a informação constante do ponto 2 do e-mail enviado à equipa de auditoria, junto como doc. J-30 (fls. 155/156 do vol. II apenso), tendo explicado que crê ter fornecido tal informação apenas por aquilo que foi a sua perceção física de quem dirigia o serviço que procedia à tarefa de publicitação dos contratos no portal base;

(ii)                           ao contrário do alegado, o valor de 52 848,61 €, referido na pág. 236 do relatório de auditoria, não pode considerar-se como o valor global e final pago pela Sociedade C, na sequência do procedimento por ajuste direto porquanto, como bem se destaca na pág. 190 do mesmo relatório, esse contrato “ainda se encontra em vigência” no momento de realização da auditoria, donde decorre que ainda não tinha sido integralmente executado e, consequentemente, ainda não tinha sido pago o valor final do mesmo.

 

*

 

b)    os depoimentos das testemunhas acima indicadas foram insuficientes para formar convicção do tribunal no sentido de terem ocorrido os factos dados como não provados, sendo certo que:

 

(i) o depoimento da testemunha interveniente U não se revelou credível quanto a diversos aspetos, nomeadamente o facto de considerar que o estudo prévio pedido no procedimento não partia do “zero” (no sentido de ser seguimento ou aproveitamento do estudo prévio anterior) e que o estudo feito na sequência do ajuste direto previa uma zona de comércio no rés-do-chão e no último piso, alojamento local. A falta de credibilidade resulta, desde logo, de a consideração de o estudo prévio não partir do “zero” não ter qualquer suporte no programa do procedimento e de não haver evidência de o estudo feito na sequência do ajuste direto ter o conteúdo que lhe indicou, sendo certo que embora os estudos em causa não tivessem sido fornecidos à equipa de auditoria, foi-lhe transmitida a informação de que os estudos iniciais apresentavam soluções para “habitação” e “hotel” e o realizado na sequência do concurso era para instalação de serviços da SCML (cf. doc. D.1, junto a fls. 15/17 do vol. II apenso). A convicção que resultou para o Tribunal é que a testemunha estava a procurar justificações para aquilo que, na sua perspetiva, “era o melhor para a SCML”, até em face de, quando questionada, ter acabado por admitir que havia outros gabinetes de arquitetura que tinham também portfólio e experiência na área de reabilitação de edifícios com estas características, históricas e arquitetónicas.

 

(ii) o depoimento da testemunha interveniente R não permitiu perceber em que circunstâncias foram elaborados os relatórios do júri, a que presidiu, relativamente ao procedimento nº 12/ADJ36005 e à conclusão constante de tais relatórios de que “da análise das propostas apresentadas resultou não se verificarem quaisquer causas de exclusão das mesmas”, conclusão que não é compatível com o facto de duas das declarações de indicação de preço contratual, por parte de duas empresas concorrentes, serem subscritas pela mesma pessoa e tendo tais empresas a sede no mesmo local (conforme doc. I.2, junto a fls. 123 e vº do vol. II anexo), admitindo que “nem se está a olhar para isso” e que a “análise e avaliação” do júri não atentou nisso;

 

(iii) o depoimento da testemunha interveniente S foi pouco credível, pois recordava-se de alguns aspetos, como ter havido uma reunião, envolvendo o provedor da SCML, assessores e os serviços de aprovisionamento, “para ver como é que se poderia dar continuidade a este serviço da Sociedade X”, mas não conseguiu explicar: a razão de os contratos com a Sociedade X, subsequentes ao primeiro, serem contratos por 6 meses, quando o primeiro foi por um ano e tinha sido considerado estratégico, pela mesa da SCML, haver um plano de comunicação e uma assessoria para o efeito, o que apontava para uma necessidade regular e não esporádica; porque é que os serviços que dirigia não procederam à preparação do concurso público para a prestação de serviços de assessoria mediática e consultoria de comunicação, na sequência da comunicação que lhe foi transmitida pelo e-mail de 21.03.2013, junto a fls. 583 dos autos; porque é que o provedor terá feito a pergunta que consta da ID nº 13/DICCM/2013 (doc. A.1., junto a fls. 4/6 do vol. II anexo) e o que lhe terá sido explicado na sequência da mesma;

 

(iv)    o depoimento de interveniente W foi pouco credível pois, afirmando que o processo de contratação da Sociedade X não lhe era estranho e explicando que até foram necessários “esclarecimentos e justificações” para o primeiro ajuste direto de seis meses, já que não era possível uma “renovação” dado que o contrato inicial não a previa, acabou por, inicialmente, não ter explicação ou justificação para essa alteração do prazo de contratação, de 12 meses para 6 meses, apesar da regularidade da necessidade desses serviços, para implementação do plano de comunicação. Depois procurou “explicar” essa redução para 6 meses com a ideia de lançamento posterior de um concurso público, assim como procurou transmitir a ideia que este não teria sido lançado por dificuldade na construção técnica do caderno de encargos. Além de este depoimento, nesta parte, não ser minimamente coerente com o depoimento da testemunha interveniente S que, como diretora da direção central de comunicação e marketing, não desconheceria esses factos, a serem reais e não os transmitiu, o mesmo não foi também credível por não ter sido espontâneo. Muito pelo contrário, essa falta de espontaneidade foi nitidamente visível quando, perante a exibição dos e-mails de fls. 581/583, quase não precisou de tempo para se inteirar dos mesmos – até parecendo que recentemente tinha tido acesso aos mesmos – avançando logo para aquelas “explicações”, que pareciam estar preparadas.

 

*

 

c)      as regras de experiência comum não permitem concluir – pelo contrário, como atrás se salientou invocando essas mesmas regras – que os 2º a 5º demandados decidiram convencidos da legalidade das decisões, com base nas informações que foram à mesa, que não se pedia à 6ª demanda que assumisse a responsabilidade pela regularidade das propostas que encaminhava para o provedor ou para a mesa e que esta demandada formou a consciência no sentido da legalidade das decisões que lhe eram propostas.

 

*

 

B – De direito

1.  As questões decidendas

 

 

 

Considerando os pedidos formulados no requerimento inicial e o seu fundamento, bem como as defesas apresentadas nas contestações, as questões a decidir podem enunciar-se nos seguintes termos:

 

1ª - O presente processo padece de inconstitucionalidade, por desrespeito do direito a um processo justo e equitativo, em violação do art.º 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (doravante Constituição ou CRP)?

 

2ª – Ocorre violação do princípio da culpa, ínsito na Constituição por se tratar, quanto às infrações em causa, de uma culpa presumida?

 

3ª – Os demandados violaram as disposições legais respeitantes à contratação pública nos termos imputados e verificam-se os demais pressupostos da responsabilidade financeira sancionatória que lhes vem assacada, nos termos do art.º 65º, nº 1, alíneas b) e l), da Lei nº 98/97 de 26.08, esta última na redação introduzida pelo art.º 1º da Lei nº 61/2011 de 07.12 (Lei de Organização e Processo dos Tribunal de Contas, doravante LOPTC e diploma legal a que pertencerão os preceitos adiante citados sem qualquer outra indicação)?

 

4ª – No caso de resposta positiva à questão antecedente, os demandados devem ser condenados nas multas peticionadas pelo Mº Pº ou devem ser dispensados de multa ou relevada a mesma, como requerem os 2º a 6º demandados, ou ser a 7ª demandada dispensada da aplicação da multa, ou aplicada a multa com especial atenuação, como igualmente requer?

 

Vejamos.

*

2.  Enquadramento

 

O Ministério Público imputa aos demandados diversas infrações de natureza sancionatória, previstas no art.º 65º, nº 1, alíneas b) e l), tendo por base as condutas sumariamente descritas no relatório supra.

 

Note-se que, pese embora o Ministério Público qualifique uma das infrações em causa pela al. e), do nº 1, daquele preceito (cf. nº 59 do requerimento inicial), afigura-se-nos que estamos perante mero lapso material, dado que a situação em causa, descrita nos nºs 46 a 58 daquele requerimento, é reconduzível, em termos de infração, às que vêm qualificadas pela al. l) do nº 1 do citado art.º 65º e não tem qualquer relação com a referida al. e), que qualifica como infração financeira os “adiantamentos por conta de pagamentos nos casos não expressamente previstos na lei”.

 

Percebe-se assim, pelo contexto da peça processual em causa, que estamos perante um erro de escrita, cuja retificação é admissível, nos termos do art.º 146º, nº 1, do Código de Processo Civil (doravante CPC), este como os demais deste diploma legal adiante citados, aplicáveis ex vi art.º 80º da LOPTC.

 

Sob a epígrafe “Responsabilidades financeiras sancionatórias” prevê-se, no nº 1 daquele art.º 65º, que o “Tribunal de Contas pode aplicar multas”:

 

-      “Pela violação das normas sobre a elaboração e execução dos orçamentos, bem como da assunção, autorização ou pagamento de despesas públicas ou compromissos” – al. b);

 

 

-       “Pela violação das normas legais ou regulamentares relativas à contratação pública, bem como à admissão de pessoal” – al. l).

 

Por outro lado, no nº 2 do citado preceito são estatuídos os limites, mínimo (25 UC) e máximo (180 UC) da multa, sem prejuízo daquele limite mínimo ser igual a um terço do limite máximo no caso de dolo (nº 4 do art.º 65º citado) e, deste limite máximo, ser reduzido a metade em caso de negligência (nº 5 do mesmo preceito).

 

Perante este enquadramento normativo, considera-se adequado começar por analisar as questões de constitucionalidade suscitadas pelos 2º a 6ª demandados dado que, no caso de resposta positiva às mesmas, tal inviabilizará o conhecimento das demais questões que, assim ficarão prejudicadas.

 

Caso se conclua não haver fundamento para se formular qualquer juízo de inconstitucionalidade importa então apurar, para responder à terceira questão equacionada supra, se os demandados, com culpa, incorreram na previsão das imputadas infrações sancionatórias.

 

Posteriormente, no caso de resposta positiva a esta questão, se analisará em que termos se deve proceder à graduação da multa ou se é caso de usar os institutos de relevação da responsabilidade, dispensa de pena ou atenuação especial da multa.

 

*

 

3.          Direito a um processo justo e equitativo e alegada inconstitucionalidade

 

Os 2º a 6ª demandados alegam que o seu direito a um processo justo e equitativo é colocado em causa pela legislação orgânica do Tribunal de Contas, na medida em que da mesma decorre que ao Tribunal de Contas cabe investigar, instruir, julgar em primeira instância e em recurso matéria relativa a responsabilidade financeira (sancionatória), sem possibilidade de recurso ordinário para uma instância jurisdicional externa à sua estrutura, configurando assim uma situação de ausência de imparcialidade ou, pelo menos, aparência de ausência de imparcialidade, que é um corolário essencial do direito a um processo justo e equitativo.

 

Concluem depois que, a existir condenação nos termos peticionados pelo Ministério Público, essa decisão terá necessariamente por base a aplicação de normas inconstitucionais, em especial as normas constantes dos artigos 65.º, 78.º e 79.º da LOPTC, por violação do n.º 4 do artigo 20.º da CRP.

 

Ponderada a argumentação dos 2º a 6ª demandados, não cremos que lhes assista razão, afigurando-se-nos aliás que tal argumentação está parcialmente viciada por partir de pressupostos errados, especialmente no que tange ao presente processo, como a seguir se procurará evidenciar.

 

Comecemos por deixar como inquestionável que temos como certo que a configuração concreta do modo de exercício da função jurisdicional, quanto responsabilidade financeira, não pode prescindir de um processo justo e equitativo.

 

A consagração do direito a um processo justo e equitativo consta de diversos instrumentos de direito internacional (4) e, também, no art.º 20º, nº 4, da nossa Constituição, ao estatuir que “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.

 

A própria LOPTC confere ao juiz do julgamento “todos os poderes necessários…para assegurar a justa decisão da causa” cf. art.º 93º-A, nº 1.

 

Porém, quer aqueles instrumentos de direito internacional quer o referido normativo constitucional não fornecem uma suficiente concretização ou densificação daquele conceito, nas suas diversas dimensões.

 

A doutrina vem interpretando o conceito de “processo equitativo” ou “processo justo”, correspondente às expressões do direito anglo-saxónico “due process of law” e “fair trial”, ou do direito brasileiro, “devido processo legal”5, como

 

“um processo justo na sua conformação legislativa” (6) e considerando que “o processo justo é aquele que permite uma aplicação correcta da lei a factos verdadeiros” e que “para atingir este resultado, é necessário satisfazer algumas condições organizativas e atender a alguns direitos das partes e às finalidades que devem ser prosseguidas pelo processo” (7).

 

Afigura-se-nos assim poder concluir-se, em face dos mencionados preceitos do direito internacional e, também, do citado preceito constitucional, que, entre o conjunto de garantias que um processo justo e equitativo deve fornecer, uma das suas dimensões é o direito a um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei prévia.

 

Porém, ao contrário do que pretextam os 2º a 6ª demandados, da legislação orgânica do Tribunal de Contas, máxime dos invocados preceitos da LOPTC, não ressalta qualquer aparente ou efetiva ausência de imparcialidade na jurisdição financeira, como a seguir se procurará evidenciar.

 

Os presentes autos iniciaram-se com um requerimento do Ministério Público e têm subjacente um relatório de auditoria de um órgão de controle interno, a Inspeção Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

 

Ou seja, ao contrário do que os 2º a 6ª demandados alegam, a instrução ou investigação das infrações em causa não foram levadas a cabo pelo Tribunal de Contas, nomeadamente pela 2ª Secção do Tribunal, nos termos da competência estabelecida no art.º 78º da LOPTC. Por outro lado, a propositura da ação foi levada a cabo pelo Ministério Público, no âmbito da sua autonomia estatutária, enquanto magistratura.

 

Não se vislumbra, assim, qualquer contaminação entre quem realizou a auditoria e quem propôs a ação, por um lado, em relação a quem tem competência para o julgamento, os juízes colocados na 3ª secção do Tribunal, por outro, que possa fundamentar qualquer juízo de imparcialidade, ainda que aparente.

 

Por desnecessário, dado ser inaplicável ao caso, não nos alongaremos na justificação do entendimento de que, ainda que o relatório de auditoria tivesse sido aprovado pela 2ª Secção do Tribunal de Contas, não haveria violação do principio do processo justo e equitativo.

 

Apenas se dirá que as competências da 2ª Secção e da 3ª Secção do Tribunal de Contas estão bem delimitadas e são estanques, como resulta do disposto nos art.ºs 78º e 79º da LOPTC. Assim como estanques são o exercício de funções por parte dos diversos juízes que integram tais secções do Tribunal de Contas, dado que quem realiza auditorias não intervém no julgamento de infrações evidenciadas nessas auditorias, sendo que na 3ª secção devem ser colocados “prioritariamente …os juízes do Tribunal oriundos das magistraturas” - cf. art.º 15º, nº 4, da LOPTC.

 

Essa delimitação e estanquicidade são suporte suficiente de exercício de funções com absoluta imparcialidade, por parte de qualquer juiz, a exercer funções na 2ª ou na 3ª Secção do Tribunal de Contas.

 

Quanto ao argumento de o Tribunal de Contas concentrar as funções de julgar em primeira instância e em recurso, matéria relativa à responsabilidade financeira, sem possibilidade de recurso ordinário para uma instância jurisdicional “externa à sua estrutura”, não cremos que tal seja fundamento para se poder dizer que tal coloca em causa o direito a um processo justo e equitativo.

 

Neste âmbito convém começar por deixar claro que os 2º a 6ª demandados parecem laborar em equívoco quando, invocando o art.º 71º, nº 3 (por lapso material referem o nº 2 - cf. nº 688 da contestação) e o art.º 79º, nº 1, al. a), ambos da LOPTC, deixam, subliminarmente, a ideia de que o juiz que julga em 1ª instância vai integrar o coletivo ou plenário que vai julgar o recurso.

 

Só por uma leitura menos cuidada da lei é possível ter tal ideia.

 

Com efeito, o julgamento em 1ª instância é da competência de juiz singular – cf. art.º 79º, nº 3 – e, no caso de recurso, o mesmo não pode ser relatado por aquele juiz, “o qual não intervém igualmente no respetivo julgamento” – cf. art.º 97º, nº 2, da LOPTC.

 

É                            pois claro, interpretando as referidas normas, que a competência para o julgamento e o recurso das infrações financeiras é cometido a órgãos jurisdicionais diferentes. No caso do julgamento em 1ª instância a um juiz singular e, no caso de recurso, a um tribunal coletivo, do qual não pode fazer parte aquele juiz singular.

 

Nesta medida não vislumbramos em que medida é que esta configuração concreta do direito ao recurso, no âmbito do exercício da função jurisdicional, quanto à responsabilidade financeira, é suscetível de colocar em causa a imparcialidade ou aparência de imparcialidade do tribunal.

 

Finalmente, quanto ao argumento de não ser possível interpor “recurso ordinário, para outro órgão jurisdicional, fora da sua estrutura”, igualmente não lhe reconhecemos valia.

 

Importa, quanto a esta questão, tomar em devida consideração a organização dos tribunais, estabelecida constitucionalmente.

 

O que decorre dessa organização é que o legislador constitucional estabeleceu, entre as diversas categorias de tribunais, o Tribunal de Contas como “órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe, competindo-lhe, nomeadamente”, entre outras competências, a de “efectivar a responsabilidade por infracções financeiras, nos termos da lei” – cf. art.º 209, nº 1 e 214º, nº 1, ambos da CRP.

 

Desta forma é no âmbito das diversas instâncias do Tribunal de Contas que deve efetivar-se o julgamento por responsabilidades resultantes de infrações financeiras, não tendo sentido, por constitucionalmente não ser admissível, um “recurso ordinário para outro órgão jurisdicional, fora da sua estrutura”, como pretextam os 2º a 6ª demandados. Isso iria contra a consagração constitucional do Tribunal de Contas como “órgão supremo”, naquelas matérias. Tudo isto sem prejuízo, claro, da competência do Tribunal Constitucional, como tribunal “ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional” – cf. art.º 221º da CRP.

 

Diga-se, finalmente, que não há nesta matéria nenhuma especificidade do Tribunal de Contas.

 

Da mesma forma os tribunais administrativos e fiscais julgam, no âmbito da organização desses tribunais, da 1ª à última instância, as matérias da sua competência, ou seja, o “julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” – cf. art.º 212º, nº 3, da CRP.

 

Assim como os tribunais judiciais julgam, da 1ª instância ao STJ, as causas da competência “dos tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – cf. art.º 211º, nº 1, da CRP.

 

Em conclusão e, em resumo, cremos que a configuração concreta do modo de exercício da função jurisdicional, quanto à responsabilidade financeira, máxime os apontados art.ºs 65º, 78º e 79º da LOPTC, consagram um processo justo e equitativo, não ocorrendo violação do art.º 20º, nº 4, da CRP, não assistindo assim razão aos 2º a 6º demandados na invocada inconstitucionalidade.

 

*

4. Princípio da culpa e sua alegada violação

 

Os 2º a 6ª demandados alegam que, no presente caso, a imputação de culpa aos mesmos assenta, pura e simplesmente, na sua qualidade de responsáveis da SCML, tratando-se, no limite, de uma “culpa presumida”, resultante da mera função desempenhada pelos demandados. Argumentam, ainda, que as funções desempenhadas podem servir para, de forma fundamentada, avaliar o grau de culpa, mas nunca para fundar a própria culpa, o que é especialmente relevante quando está em causa matéria de responsabilidade financeira, como é o caso.

 

Concluem, depois, que “uma eventual condenação fundada nas normas constantes da alínea l) do n.º 1, n.ºs 2 e 5 do artigo 65.º e nos n.ºs 1 tendo por base o n.º 5 do artigo 61.º e o n.º 1 do artigo 64.º do mesmo diploma, significaria uma interpretação e aplicação das mesmas num sentido vedado pela Constituição, na medida em que colocaria em causa o princípio da culpa, ínsito no princípio da dignidade da pessoa humana”.

 

Se bem percebemos a argumentação dos 2º a 6º demandados, não lhes assiste razão.

 

A responsabilidade por infração financeira não tem na sua base ou pressuposto qualquer culpa presumida.

 

Muito pelo contrário.

 

Tal responsabilidade exige uma culpa concreta e efetiva de um agente de uma determinada ação, como resulta do art.º 61º, nºs 1 e 5, aplicáveis à responsabilidade financeira sancionatória, por força do estatuído no nº 3 do art.º 67º. Por sua vez, poderão ser agentes da ação aqueles que se enquadrem nas categorias funcionais ou orgânicas previstas nos nºs 3 e 4 do citado art.º 61º e, por ação ou omissão, em função da infração, levem a cabo as condutas tipificadas nas diversas alíneas do nº 1 do art.º 65º.

 

Ou seja, não será pela simples circunstância de terem a qualidade de “responsáveis da SCML”, como referem, que se poderá afirmar e concluir que os 2º a 6ª demandados terão atuado com culpa e serão culpados.

 

Na verdade, a qualidade de membros da mesa da SCML, por parte dos 2º a 5º demandados, em função das competências estatutárias da mesa e, por outro lado, a competência funcional da 6ª demandada na SCML, poderão apenas fundamentar a possibilidade de tais demandados poderem vir a ser considerados agentes da ação, à luz dos nºs 1, 3 e 4 do art.º 61º.

 

Mas, se não tiverem levado a cabo nenhuma ação, nenhuma infração lhes pode ser imputada.

 

Se tiverem levado a cabo uma das ações típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do art.º 65º, nomeadamente a que está em causa nos autos, prevista na al. l), mas não tiverem agido com culpa, continuará a não ser possível assacar-lhes responsabilidade, pois não cometeram qualquer infração.

 

Porém, se tiverem agido com culpa, seja na modalidade de dolo ou de negligência, a apurar e a provar em função de outros factos, nomeadamente por não observância dos seus deveres, enquanto gestores ou funcionários, então teremos uma culpa concreta e o cometimento de uma infração financeira.

 

Nestes termos parece-nos linear que não sendo fundada em culpa presumida a responsabilidade financeira imputada aos 2º a 6º demandados, não

 

é    colocado em causa o princípio da culpa, ínsito no princípio da dignidade da pessoa humana e não se verifica qualquer aplicação das referidas normas de forma inconstitucional.

 

*

 

5.       Preenchimento, ou não, dos requisitos ou pressupostos das infrações financeiras sancionatórias imputadas

 

5.1.   Infração relacionada com os procedimentos nºs 13AJD14019, 13/ADJ14080 e 14/ADJ14011 e subsequentes contratos de prestação de serviços entre a SCML e a Sociedade X

 

A infração financeira sancionatória imputada aos 2º a 6ª demandados, relacionada com os procedimentos e subsequentes contratos de prestação de serviços entre a SCML e Sociedade X, tem por base a violação das normas legais relativas à contratação pública, concretamente quanto à escolha do procedimento por ajuste direto, por não estarem preenchidos os pressupostos para tal, devendo a aquisição de tais serviços ter sido realizada mediante concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação.

 

Vejamos, desde já, o regime jurídico.

 

Posteriormente nos debruçaremos sobre a aplicação do mesmo aos factos provados.

 

Não se suscitam dúvidas sobre o dever de observância, por parte da SCML, do regime da contratação pública, previsto no Código dos Contratos Públicos (doravante CCP), aprovado pelo art.º 1º do DL 18/2008 de 29.01 e publicado em anexo a este diploma legal, com alterações posteriores( 8), dado que a SCML é de considerar como “entidade adjudicante”, à luz do art.º 2º, nº 2, al. a), do CCP.

 

Nessa medida, ainda que o CCP seja visto como um “enorme peso burocrático”, constituindo “um desafio exigente para os responsáveis da SCML cumprir o CCP” (cf. art.º 11º da contestação dos 2º a 6º demandados), a contratação a realizar pela SCML, com vista à celebração de contratos de aquisição de bens e serviços e realização de empreitadas, submetidos ou suscetíveis de estar submetidos à concorrência, não pode deixar de observar as normas legais relativas à contratação pública. Assim como deve ter em consideração a necessidade de acautelar e garantir “os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência”, especialmente aplicáveis na contratação pública, por força do art.º 1º, nº 4, do CCP, na redação vigente à data dos factos aqui em análise (9).

 

Na observância daquelas normas legais importa tomar em consideração, desde logo, que a decisão de contratar deve ser fundamentada, assim como a escolha do procedimento a adotar, a qual deve, além disso, observar os requisitos que definem e enquadram tais procedimentos, como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 16º e 36º do CCP.

 

Importa ainda atentar em que a escolha do procedimento, “em função de critérios materiais” permite, em princípio, “a celebração de contratos de qualquer valor, sem prejuízo das excepções expressamente previstas” - cf. art.º 23º do CCP.

 

Uma dessas exceções é precisamente, quanto à aquisição de serviços por ajuste direto, o limite de € 75 000,00 a partir da redação dada à al. a) do nº 1 do art.º 20º do CCP, pelo DL n.º 149/2012, de 12.07 (10), com início de vigência em 11.08.2012.

 

Acresce ainda ser de tomar em consideração, quanto ao regime legal, que o procedimento por ajuste direto pode adotar-se, qualquer que seja o objeto do contrato a celebrar, nas situações elencadas nas diversas alíneas do nº 1 do art.º 24º do CCP, entre as quais quando “Por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, a prestação objecto do contrato possa ser confiada a uma entidade determinada” - cf. al. e) do citado preceito, sendo o sublinhado da nossa autoria para enfatizar aquilo que a jurisprudência vem salientando, nesta matéria.

 

Por um lado, como se decidiu no Acórdão do Tribunal de Contas, n.º 16/2015-09.JUN-1ª S/PL (11), que «em matéria de contratação pública, a interpretação das excepções à obrigatoriedade de utilização de procedimentos concursais deve ser “estrita” e rigorosa de modo a garantir a máxima salvaguarda da concorrência» e que «a invocação de uma derrogação implica a prova da verificação das circunstâncias excepcionais que a justificam, o que envolve, além do mais, um acrescido dever de fundamentação do acto, ao qual se impõe que, para além de invocar a excepção em termos de direito, a demonstre em termos factuais».

 

Por outro lado, como bem se salienta no Acórdão do Tribunal de Contas, nº 24/2010/19.09-1S/PL, que «o ajuste direto radicado em “motivos técnicos” [vd. Art.º 24º, nº 1, al. e), do Código dos Contratos Públicos] só é admissível quando, no mercado, e atenta a complexidade e exigência dos serviços a prestar, exista uma única entidade disponível e com aptidão técnica para assegurar a respectiva prestação”.

 

Finalmente, importa ponderar o enquadramento jurídico, descrito no item 2. supra.

 

*

 

Procedendo agora à aplicação deste regime jurídico aos factos provados, afigura-se-nos que é de concluir que os 2º a 6ª demandados incorreram na previsão objetiva da infração financeira sancionatória que lhes vem imputada, como a seguir se procurará justificar.

 

Na verdade, a 6ª demandada, ao dar seguimento para o provedor, com concordância, às diversas informações visando a adjudicação, por ajuste direto, dos serviços em causa e os 2º a 5º demandados, ao aceitarem a proposta de escolha do procedimento de aquisição por ajuste direto, em função daquele critério material, bem como ao adjudicarem a aquisição de tais serviços à Sociedade X, não escolheram o procedimento adequado, dado que não se verificam os pressupostos para o ajuste direto.

 

Não observaram assim as regras da contratação pública, assim como não acautelaram nem garantiram os princípios da transparência, igualdade e concorrência, já que a aquisição dos serviços em causa devia ter seguido os procedimentos de concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação.

 

Foi violado, desde logo, o art.º 24º, nº 1, al. e) do CCP, porquanto não é possível justificar e concluir que as prestações objeto dos vários contratos de aquisição de serviços à Sociedade X “só” podia ser confiada a esta entidade por algum dos motivos ou fundamentos que o justificariam, à face daquele normativo, ou seja, por “motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos”.

 

Estamos, com efeito, perante serviços de “assessoria mediática e consultoria de comunicação” que podiam ser prestados por outras empresas existentes no mercado, pelo menos com iguais capacidades e competências. Aliás, é de salientar que os próprios serviços internos da SCML reconhecem isso mesmo na ID 13/DCCM/2013 de 08.03.2013, onde se refere que “apesar da Sociedade X prestar um excelente serviço à SCML, não está em causa que outras empresas não o façam igualmente”.

 

 

Nesta medida, considerando o valor dos contratos em causa (63 500,00

 

     os dois primeiros e 73 500,00 € o terceiro), o seu período de duração, abrangendo os anos de 2013 e 2014 e os princípios da unidade da despesa e de proibição de fracionamento da mesma, consagrados no art.º 16º do DL 197/99 de 08.06, os serviços em causa deviam ter sido adquiridos através de procedimento por concurso público ou por concurso limitado por prévia qualificação, nos termos do disposto no art.º 20º, nº 1, al. b), do CCP, na redação dada pelo DL 149/2012 de 12.07.

 

*

 

Os 2º a 6ª demandados procuram na sua defesa esgrimir com vários argumentos no sentido da validade e legalidade do procedimento de ajuste direto adotado.

 

Não nos convencem, porém, tais argumentos.

 

Não cremos que, ao contrário do que pretextam aqueles demandados, a norma em causa atribua à entidade adjudicante uma “margem de livre decisão”, no sentido de a sua aplicação depender da forma como tal entidade “avaliou a sua necessidade”, nesta linha relevando o “fator temporal”, cabendo à entidade adjudicante definir e atribuir “força suficiente à sua necessidade para lhe permitir «vencer» o princípio da concorrência na ponderação com o interesse público”.

 

O sentido da possibilidade de escolha do procedimento por ajuste direto, ao abrigo do citado art.º 24º, nº 1, al. e), não é o de permitir que a entidade adjudicante tenha possibilidade de postergar o princípio da concorrência, em função de critérios subjetivos próprios. Muito pelo contrário, o que a norma em causa permite é que, quando não há possibilidade de concorrência na situação em concreto, precisamente porque “só” a uma entidade determinada pode ser confiada a prestação objeto do contrato, então, como não tem sentido iniciar um procedimento concorrencial, pode proceder-se a um ajuste direto a essa única entidade.

 

Assim, no caso em análise, como não se verificam estes requisitos, aquele princípio da concorrência devia ter sido observado, como se impunha no art.º 1º, nº 4 do CCP, na redação então vigente

 

Acresce que, ao contrário do invocado, não há, in casu, qualquer “fator temporal” que impossibilitasse um novo prestador de prestar os serviços em causa, pela necessidade de se inteirar da realidade da SCML. O que aqueles procedimentos e contratos subsequentes demonstram é uma falta de planificação da contratação, de tal forma que só se iniciava um procedimento de contratação quando já tinha cessado a vigência do contrato anterior. A título de exemplo veja-se a ID 42/DICM/2013 de 04.09.2013, em que se inicia o procedimento para uma nova contratação dando conta de que a anterior cessou em 15.08.2013. Mas a situação repete-se nas outras contrações – cf. doc. A.1. e C.1, constantes do apenso II anexo)

 

 

A seguir-se a tese dos 2º a 6ª demandados, haveria sempre a possibilidade de a entidade adjudicante conformar a sua necessidade com determinadas características – nomeadamente sendo suficientemente negligente para não fazer uma adequada e programada planificação das suas necessidades de contratação – para depois poder invocar que só aquela entidade que convidou estava apta a satisfazer essa necessidade. Por ser urgente, claro. Por ser indispensável, sempre.

 

Aliás, não deixa de ser curioso salientar-se que o primeiro contrato celebrado entre a SCML e a Sociedade X não foi celebrado ao abrigo deste critério material do art.º 24º, nº 1, al. e), do CCP, mas antes com fundamento apenas no art.º 20º, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal. Tinha o prazo de um ano, vigorou entre 15.02.2012 e 14.02.2013 e o seu valor foi de € 126 000,00 – cf. nº 15 dos f. p., nota de rodapé nº 3 e docs J.2 e A.1, constantes de fls. 4/6 e 125 do anexo II apenso).

 

O que é que mudou para, simultaneamente, mudar a fundamentação do ajuste direto e o prazo do contrato ser reduzido a metade? Ainda para mais, no que tange a este aspeto, quando o plano de comunicação e marketing da SCML tinha sido considerado “um dos objetivos estratégicos definidos pela Mesa da SCML em 2012 e que se reforça em 2013” – cf. doc. A.1. citado supra?

 

Cremos que a resposta é simples: mudou o ordenamento jurídico.

 

Com efeito, com a nova redação dada à al. a) do nº 1 do art.º 20º do CCP, pelo DL 149/2012, deixou de ser possível à SCML proceder à contração dos serviços da Sociedade X, por ajuste direto, por valor superior a € 75 000,00.

 

Precisamente por isso a atuação seguida não foi a de manter uma aquisição daqueles serviços, nos mesmos termos, nomeadamente pelo mesmo período temporal, considerando a sua necessidade regular então perspetivada.

 

A atuação seguida foi antes a de ajustar os procedimentos com vista à aquisição de serviços por seis meses, por situados em patamar inferior àqueles

 

   75 000,00 e ajustar também a fundamentação, encaixando-a agora na al. e) do nº 1 do art.º 24º, provavelmente na sequência da reunião com os serviços, referida pela testemunha interveniente S, “para ver como é que se poderia dar continuidade a este serviço”.

 

Salienta-se, também ainda nesta dimensão, um outro facto não menos curioso, o de que os serviços administrativos da própria SCML tiveram a perceção, pelo menos em determinada altura, de que a prestação dos serviços em causa deveria ser objeto de um procedimento por concurso público. Tanto assim que, em 21.03.2013, foi transmitida a informação de que o procedimento que estava em curso, o nº 13AJD14019, estava a ser ultimado e seria levada proposta da sua aprovação a reunião da mesa de 28.03.13, mas foi dada indicação, “por ordem superior”, de que, para o futuro, “a SCML deverá preparar um concurso público para a prestação destes serviços” (cf. doc. de fls.

 

583).

 

 

Não obstante tal indicação a verdade é que não foi realizado qualquer concurso público, seguindo-se antes mais dois procedimentos por ajuste direto, os procedimentos nºs 13/ADJ14080 e 14/ADJ14011.

 

Argumentam ainda os 2º a 6ª demandados que, relativamente a todos os procedimentos aqui em questão, relativos aos serviços adjudicados à Sociedade X teria sido possível o ajuste direto, ao abrigo do art.º 27º, nº 1, al. b), do CCP, na redação então vigente, pelo que ainda que tivesse havido invalidade, tal não corresponde a uma ilicitude, de molde a responsabilizar os seus autores.

 

Não cremos que tal argumento seja válido.

 

Embora se possam qualificar os serviços em causa, de consultoria em comunicação e assessoria mediática, como “serviços de natureza intelectual”, já não é possível justificar e concluir que a natureza da prestação desses serviços “não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam qualitativamente definidos atributos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º…”, como exige a norma em causa.

 

Com efeito, era possível densificar o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos dos art.ºs 74º, nº 1, al. a) e 75º do CCP, na redação então vigente, através de fatores e subfactores, abrangendo “os aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência”, nomeadamente com uma certa carga horária de disponibilidade, o número de atos de consultoria ou assessoria a prestar e, até, o número de pessoas a envolver na prestação dos serviços, assim como o nível dessas pessoas (seniores, juniores, etc.).

 

Aliás a demonstração da falta de validade daquele argumento dos 2º a 6ª demandados está na sua falta de aderência à realidade e pelo absurdo do seu corolário. Com efeito, o corolário de tal tese seria o de que os serviços em causa não seriam suscetíveis de concorrência e a realidade o que demonstra é precisamente o contrário, uma concorrência e muito grande, pelo mercado, por parte das diversas empresas de comunicação e marketing.

 

Nestes termos, considerando o regime legal atrás analisado é de concluir que os 2º a 6ª demandados, ao terem violado normas legais sobre a contratação pública, a 6ª demandada informando e propondo e os 2º a 5º demandados decidindo proceder a adjudicação de serviços mediante ajustes diretos ilegais, com fracionamento da despesa, quando deveriam ter submetido os procedimentos aquisitivos em causa a concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, incorreram em responsabilidade financeira sancionatória, mostrando-se preenchida a previsão objetiva da infração sancionatória que lhes vem imputada, a p. e p. no art.º 65º, nº 1, al. l).

 

Concretiza-se e explicita-se o já atrás explanado, quanto à responsabilidade dos 2º a 6ª demandados.

 

 

 

Os 2º a 5º demandados são de qualificar como agentes da ação, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art.º 61º, aplicável ex vi art.º 67º, nº 3, porquanto foi deles a decisão de aquisição de serviços em causa de forma ilegal, por ajuste direto, com violação das normas legais relativas à contratação pública. A mesa da SCML era um órgão colegial, que incluía esses demandados e foi esse órgão que deliberou a aquisição daqueles serviços, naqueles termos.

 

Por sua vez a 6ª demandada é de considerar como responsável à luz do nº 4 do art.º 61º, igualmente aplicável ex vi art.º 67º, nº 3, na medida em que, ao dar seguimento às propostas de aquisição de serviços daquela forma ilegal, apresentando-as para decisão de aquisição, aos órgãos dirigentes da SCML, provedor e mesa, não esclarecendo tal contratação de harmonia com a lei, sendo certo que a contratação em causa era da competência do departamento que dirigia, como sua diretora.

 

À   exceção do 2º demandado, que apenas participou numa deliberação de aprovação de adjudicação de um dos contratos subjacentes a um daqueles procedimentos, concretamente na sessão da mesa de 12.09.2013 através da deliberação 1688/2013 relativa ao procedimento 13/ADJ14080, os 3º a 5º demandos participaram em mais do que um procedimento e deliberação e a 6ª demandada prestou informação de concordância em todos eles.

 

Nesta medida, à exceção do 2º demandado, em que a infração é única, relativamente aos 3ª a 6ª demandados, a pluralidade de condutas infratoras deve ser analisada sob o prisma do instituto do “crime continuado”, à luz dos critérios definidos no art.º 30º, nº 2, do Código Penal, aplicável subsidiariamente por força do art.º 67º, nº 4, da LOPTC.

 

Ora, sendo o bem jurídico protegido pela norma que pune as infrações em causa o mesmo, e sendo as condutas executadas por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior, que tem influência na menor culpa do agente, ao repetir as infrações, é de considerar que as infrações dos 3ªº a 6ª demandados devem qualificar-se como infrações na forma continuada.

 

*

 

Cumpre ainda justificar que se mostra preenchido o elemento subjetivo da infração em causa porquanto os 2º a 6ªº demandados agiram com culpa, na modalidade de negligência – cf. art.º 61º, nº 5, aplicável ex vi art.º 67º, nº 3, ambos da LOPTC.

 

Com efeito, a conduta destes demandados não pode deixar de ser censurada porquanto, em função da qualidade e responsabilidade de que estavam investidos, vogais da mesa os 2º a 5º demandados e diretora da direção de aprovisionamento a 6ª demandada, de uma entidade sujeita às regras da contratação pública, tinham o dever de observar e cumprir as normas legais relativas à contratação pública, que não cumpriram, por não terem tido o devido cuidado na verificação da legalidade dos atos que praticaram.

 

 

Assim, não deviam ter procedido à aquisição dos serviços em causa mediante ajuste direto, por não estarem preenchidos os pressupostos para tal, e antes deviam ter procedido a tais aquisições mediante concurso publico ou concurso limitado por prévia qualificação, como atrás se justificou.

 

No sentido de que “age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas atua sem se conformar com essa realização (negligência consciente); ou não chega sequer a representar a possibilidade dessa realização do facto (negligência inconsciente)” cf. o Acórdão do STJ, de 05-07-1989 (Relator: Manso Preto) 12 .

 

Classificando da mesma forma a negligência consciente e inconsciente e caracterizando os ilícitos negligentes como constituídos por “três elementos: a violação de um dever objetivo de cuidado; a possibilidade objetiva de prever o preenchimento do tipo; e a produção do resultado típico quando este surja como consequência da criação ou potenciação pelo agente, de um risco proibido de ocorrência do resultado”, em que a aferição da violação daquele primeiro elemento deve fazer-se por «apelo às capacidades da sua observância pelo “homem médio”» e, quanto ao agente concreto, “de acordo com as suas capacidades pessoais, [de] cumprir o dever de cuidado a que se encontra obrigado”, cf. o Acórdão. do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.09.2014 (Relator: Orlando Gonçalves) 13.

 

Em resumo, pelos fundamentos expostos, quanto a uma das dimensões da 3ª questão equacionada supra, conclui-se que os 2º a 6º demandados incorreram em responsabilidade financeira sancionatória, nos termos do art.º 65º, nº 1, al. l), primeira parte, (violação de normas legais relativas à contratação pública), na medida em que se mostram preenchidos os pressupostos, objetivo e subjetivo, desta infração, sendo a infração única quanto ao 2º demandado e na forma continuada quanto aos demais demandados.

 

*

 

5.2. Infração relacionada com o procedimento nº 1-077-14-ADJ e subsequente contrato de aquisição de serviços entre a SCML e a Sociedade A

 

A infração financeira sancionatória imputada aos 2º a 6ª demandados, relacionada com o procedimento e subsequente contrato de prestação de serviços entre a SCML e a Sociedade A tem por base a violação das normas legais relativas à contratação pública, concretamente quanto à escolha do procedimento por ajuste direto, por não estarem preenchidos os pressupostos para tal, devendo a aquisição de tais serviços ter sido realizada mediante concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação.

 

No que tange ao regime jurídico, são aqui aplicáveis as asserções e considerações tecidas sobre tal matéria nos itens 2. e 5.1. supra, as quais se dão aqui por reproduzidas.

 

Acrescentar-se-á apenas, por pertinente, que também nesta matéria o Tribunal  de  Contas    teve       oportunidade  de         elaborar  jurisprudência,         no Acórdão nº 3/2017-4.ABR-1ªS/SS, nos seguintes termos:

 

“Não se verificam os pressupostos da exceção invocada para a realização do ajuste direto, com base em critério material, constante do artigo 24.º, n.º 1, alínea e), do CCP, uma vez que os motivos artísticos não são relevantes no domínio da arquitetura, que não é demonstrado que a prestação objeto do contrato só poderia ser confiada a uma entidade determinada e que o contrato integra serviços de diversos tipos”, para concluir que

 

“A adjudicação por ajuste direto não era legalmente possível, impondo-se que o contrato tivesse sido precedido da realização de um concurso público ou limitado por prévia qualificação”.

 

Procedendo à aplicação deste regime jurídico aos factos provados, cremos que é de concluir que os 2º a 6ª demandados incorreram na previsão objetiva da infração financeira sancionatória que lhes vem imputada, como a seguir se procurará justificar.

 

Na verdade, a 6ª demandada, ao dar seguimento para o provedor, com concordância, à informação visando a adjudicação, por ajuste direto, dos serviços em causa e os 2º a 5º demandados, ao aceitarem a proposta de escolha do procedimento de aquisição por ajuste direto, em função daquele critério material, bem como ao adjudicarem a aquisição de tais serviços à Sociedade A não escolheram o procedimento adequado legalmente, dado que não se verificam os pressupostos para o ajuste direto.

 

Não observaram assim, tais demandados, as regras da contratação pública, além de que não acautelaram nem garantiram os princípios da transparência, igualdade e concorrência, já que a aquisição dos serviços em causa devia ter seguido os procedimentos de concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação.

 

Foi violado, desde logo, o art.º 24º, nº 1, al. e) do CCP, porquanto não é possível justificar e concluir que as prestações objeto do procedimento em causa “só” podiam ser confiados ao Gabinete de Arquitetura convidado por algum dos motivos ou fundamentos que o justificariam, à face daquele normativo, ou seja, por “motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos”.

 

Os serviços em causa, realização de um “estudo prévio”, “projeto de licenciamento de arquitetura”, “projeto de execução” e “assistência técnica da obra”, podiam ser prestados por outros gabinetes de arquitetura existentes no mercado, pelo menos com iguais capacidades e competências.

 

 

Repare-se que, em bom rigor, os próprios serviços internos da SCML não propõem o convite à Sociedade A por considerarem que o mesmo era o único capaz de prestar os serviços em causa.

 

Com efeito, na ID 1459/20140904-DIA/UC/NA/MMC de 04.09.2014, justifica-se que a “escolha do gabinete de arquitectura tem como pressuposto todo o conhecimento adquirido pelo projetista, demonstrado pelos estudos já elaborados, o que comprova a necessária qualidade técnica para a elaboração de um projeto deste tipo”. Diremos que tudo isso são boas razões para, eventualmente, tal Gabinete de Arquitetura vir a participar num concurso limitado, por prévia qualificação. O que não invalidaria que outros gabinetes de arquitetura pudessem, num concurso daquela natureza, comprovar também a necessária qualidade técnica para a elaboração do projeto em causa. Até porque, como também se refere naquela ID, o que era fundamental era “garantir que os projetos de arquitetura, de estruturas e demais especialidades sejam executados por técnicos com a capacidade, qualidade e experiência devidamente comprovadas”, objetivo alcançável precisamente através de um concurso limitado, por prévia qualificação.

 

Nesta medida, não havendo fundamento para adquirir os serviços em causa por ajuste direto, atentas as cláusulas do caderno de encargos, os serviços em causa deviam ter sido adquiridos através de procedimento por concurso público ou por concurso limitado por prévia qualificação, nos termos do disposto no art.º 20º, nº 1, al. b), do CCP, na redação dada pelo DL 149/2012 de 12.07.

 

Não obstante os 2º a 6ª demandados procurarem na sua defesa argumentar no sentido da validade e legalidade do procedimento de ajuste direto adotado neste caso, não cremos que tal argumentação seja procedente.

 

Começando pelo argumento de que “ao incluir no seu objeto um estudo prévio, o novo contrato não se refere a um estudo prévio totalmente novo, do zero, mas antes a uma adaptação às necessidades da SCML daquilo que já existia”, dir-se-á que tal argumento não tem qualquer fundamento na factualidade provada. Aliás, tal é manifestamente contrário aos termos do procedimento, onde se refere que o “estudo prévio”, assim como os outros serviços, devem ser “integralmente executados” nas fases e prazos que a seguir prevê. Realça-se que o procedimento e os termos do convite não previam a adaptação de um estudo anterior, feito com vista a certa funcionalidade, para uma outra funcionalidade.

 

Não existiam assim quaisquer “razões técnicas” para considerar que o arquiteto que elaborou o estudo prévio seria aquele que poderia desenvolver o referido estudo, até porque não se tratava de qualquer desenvolvimento e muito menos, “razões técnicas” ou “artísticas” para justificar que “só” o gabinete de arquitetura que tinha elaborado o estudo prévio é que estaria em condições de poder realizar o “estudo prévio” incluído nos serviços a prestar.

 

 

 

Relativamente ao argumento de que assistiria à SCML uma “margem de livre apreciação” para considerar que só o arquiteto que tinha elaborado o estudo prévio anterior estaria em condições de realizar os serviços a adquirir, reafirma-se o entendimento exposto no item 5.1 supra, fazendo notar que o ajuste direto, ao abrigo do art.º 24º, nº 1, al. e) do CCP, não é justificável com base no entendimento subjetivo da entidade adjudicante sobre o modo como ela avalia a sua necessidade. Os motivos “técnicos ou artísticos” devem justificar, objetivamente, que a prestação objeto do contrato só possa ser confiada a uma certa entidade. Assim será nomeadamente quando “só” tal entidade está em condições de prestar tais serviços.

 

No que tange aos argumentos de que a norma em causa até exigia “a adjudicação direta a quem era titular de direitos de autor do estudo prévio, concedendo-lhe um direito exclusivo” e que o valor pago pela execução do contrato até “permitia a celebração por ajuste direto, nos termos do artigo 20.º, n.º l, alínea a), do CCP”, são argumentos, desde logo, sem qualquer suporte na factualidade provada.

 

Com efeito, o procedimento por ajuste direto em causa não previa a utilização do estudo prévio em termos que pudessem colocar em causa os direitos de autor do estudo prévio anterior e o valor alegado, € 52 840,61, não se provou que tivesse sido o valor pago pela integralidade da execução do contrato. Além de que o relevante, para efeitos de escolha do procedimento, sempre seria o valor base constante do convite € 125 000,00 e não um eventual valor menor, na sequência duma eventual execução do contrato por valor inferior.

 

Nestes termos, considerando o regime legal atrás analisado é de concluir que os 2º a 6ª demandados, ao terem violado normas legais sobre a contratação pública, a 6ª demandada informando e propondo nesse sentido, e os 2º a 5º demandados decidindo proceder a adjudicação da aquisição dos serviços mediante um ajuste direto ilegal, quando deveriam ter submetido o procedimento aquisitivo em causa a um concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, incorreram em responsabilidade financeira, mostrando-se preenchida a previsão objetiva da infração sancionatória que lhes vem imputada, a p. e p. no art.º 65º, nº 1, al. l).

 

Dão-se aqui por reproduzidas, por inteiramente aplicáveis, as considerações explanadas no item 5.1 supra acerca da justificação para concluir que os 2º a 5º demandados são de qualificar como agentes da ação, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art.º 61º, aplicável ex vi art.º 67º, nº 3 e que a 6ª demandada é de considerar como responsável à luz do nº 4 do art.º 61º, igualmente aplicável ex vi art.º 67º, nº 3, todos da LOPTC.

 

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Justificando o preenchimento do elemento subjetivo da infração em causa, igualmente remetemos para as asserções produzidas sobre este aspeto, no item 5.1. supra, as quais são aqui aplicáveis e das quais resulta que os 2º a 6ª demandados agiram com culpa, na modalidade de negligência – cf. art.º 61º, nº 5, aplicável ex vi art.º 67º, nº 3, ambos da LOPTC.

 

Em resumo, pelos fundamentos expostos, quanto a uma das dimensões da 3ª questão equacionada supra, conclui-se que os 2º a 6º demandados incorreram em responsabilidade financeira sancionatória, nos termos do art.º 65º, nº 1, al. l), primeira parte, (violação de normas legais relativas à contratação pública), na medida em que se mostram preenchidos os pressupostos, objetivo e subjetivo, desta infração.

 

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5.3. Infrações relacionadas com o procedimento nº 2-018-13-ADJ e subsequente adjudicação do contrato de empreitada ao consórcio Sociedade O e Sociedade Q

 

As infrações financeiras sancionatórias imputadas aos 2º a 6ª demandados, relacionadas com o convite para concorrer e a adjudicação do contrato de empreitada ao consórcio Sociedade O e Sociedade Q, tem por base, segundo o requerimento inicial, a violação das normas legais relativas à contratação pública.

 

Concretamente quanto a uma das infrações, a admissão de uma proposta em violação do disposto no art.º 81.º, n.ºs 2 e 3 do CCP e, quanto à outra infração, a proposta da 6ª demandada e a decisão dos 3.º a 5.º demandados de decidirem adjudicar a empreitada a um consórcio, constituído por uma das três sociedades convidadas e uma outra estranha ao procedimento, violando o estatuído no art.º 117.º, n.º 2, alínea a), do CCP, por referência à alínea a) do art.º 19.º, do mesmo diploma legal.

 

Vejamos o regime jurídico, tendo desde logo em consideração o enquadramento a que se procedeu no item 2. supra, o qual se dá aqui assim por reproduzido, analisando posteriormente a aplicação de tal regime jurídico aos factos provados.

 

No procedimento da contratação pública e na sequência de convite formulado pela entidade adjudicante, a empresa ou sociedade convidada pode apresentar uma proposta, a qual constitui a sua manifestação de “vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo” - cf. art.º 56º, º 1, do CCP. Tal proposta deve ser instruída com os documentos previstos no art.º 57º, do CCP e, no caso de se tratar de procedimento de formação de contrato de empreitada, essa proposta deve conter ainda a lista, o plano e o estudo exigidos pelo nº 2 do art.º 57º citados.

 

Subsequentemente à apresentação de propostas e à sua análise, tomada a decisão de adjudicação é a mesma notificada a todos os concorrentes, sendo ainda o adjudicatório notificado para “apresentar os documentos de habilitação exigidos nos termos do disposto no artigo 81.º”, conforme se dispõe no art.º 77º, nº 2, al. a), do CCP, na redação dada pelo DL 131/2010 de 14.12.

Entre esses documentos estão “os alvarás ou os títulos de registo emitidos pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I. P., contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução da obra a realizar”, conforme se preceitua no nº 2 do art.º 81º citado.

 

A consequência para a não apresentação dos documentos de habilitação, nomeadamente os alvarás, é a de caducar a adjudicação realizada, devendo proferir-se nova decisão de adjudicação à proposta ordenada em lugar subsequente – cf. art.º 86º, nºs 1 e 4, do CCP, na redação dada pelo DL 149/2012.

 

Por outro lado, estando em causa, como estava, um procedimento por ajuste direto ao abrigo do art.º 19º, al. a), do CCP, considerando como valor máximo do contrato a celebrar o montante de 120 000,00 € só podiam apresentar propostas as entidades convidadas, sendo expressamente proibido pelo art.º 117º, nº 2, al. a), do CCP, que uma entidade convidada integrasse um agrupamento para efeitos de apresentar proposta no procedimento em causa.

 

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Procedendo agora à aplicação deste regime jurídico aos factos provados, afigura-se-nos que é de concluir que, apenas em relação a uma das imputadas infrações, se verificam os pressupostos objetivos da mesma. Consequentemente só em relação a tal infração é de concluir pela responsabilidade dos 3º a 6ª demandados, como a seguir se procurará justificar.

 

Com efeito, no que tange à imputada violação das normas legais relativas

 

à   contratação pública, por admissão de uma proposta que não era instruída com documento que titulasse a habilitação de alvará de 4.ª categoria, em Instalações Elétricas e Mecânicas, por parte da empresa concorrente, afigura-se-nos, ressalvada melhor opinião naturalmente, que não ocorre a aponta violação de normas legais, máxime o invocado art.º 81º, nºs 2 e 3, do CCP.

 

Como decorre do regime legal atrás explanado, as propostas dos concorrentes não têm que ser instruídas com documento que titule a habilitação de alvará adequado e necessário à realização dos trabalhos a levar a cabo no âmbito da empreitada, pelo que não ocorreu violação do citado art.º 81º, nºs 2 e 3. Tal documento só é exigível ser apresentado pelo adjudicatário e após lhe ser comunicada a decisão de adjudicação, com a consequência de, caso não o apresente, caducar tal adjudicação.

 

Admite-se que em termos de boas práticas e considerando o tipo de procedimento em causa, ajuste direto, só devam ser, à partida, convidadas empresas ou sociedades titulares de alvarás ou títulos de registo com as habilitações adequadas e necessárias à execução da obra a realizar. Dessa forma se viabiliza que todas possa concorrer e nenhuma fique impossibilitada de o fazer por não dispor de competências ou qualidades reconhecidas. Não é difícil para a entidade adjudicante observar tal cuidado, de convidar apenas empresas habilitadas, bastando-lhe uma simples consulta ao sítio da internet do Instituto da Construção e do Imobiliário, I. P.

 

 

Mas uma coisa é a não observância dessas boas práticas, outra é o cometimento de uma ilegalidade na admissão de uma proposta.

 

Nestes termos é de concluir que não se verifica o pressuposto objetivo da infração imputada aos 3º a 6ª demandas no art.º 74º do requerimento inicial pelo que devem ser absolvidos da mesma.

 

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No que tange à outra infração que, na sequência do procedimento e adjudicação aqui em apreciação é imputada aos 3º a 6ª demandados, afigura-se-nos que é de concluir que se verificam os pressupostos objetivos da mesma.

 

Na verdade, a 6ª demandada, ao dar seguimento para o provedor, com concordância, à informação visando a adjudicação, por ajuste direto, da empreitada objeto do procedimento e os 3ª a 5º demandados, ao aceitarem e deliberaram adjudicar tal empreitada ao “consórcio Sociedade O e Sociedade Q”, quando a Sociedade Q não tinha sido convidada para o procedimento, procederam a uma adjudicação ilegal.

 

Não observaram assim as regras da contratação pública, dado que apenas poderiam adjudicar a empreitada a quem apresentou propostas e só podiam apresentar propostas as entidades convidadas, o que não tinha sido o caso de tal consórcio.

 

Foi violado o citado art.º 117º, nº 2, al. a) considerando que estávamos perante um procedimento por ajuste direto, em função do critério do valor previsto no art.º 19º, nº 1, al. a), do CCP.

 

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Na contestação apresentada, os 3º a 6ª demandados argumentam que, embora possa ter ocorrido uma ilegalidade, não existiu ilicitude, pelo que se tratou “formalmente” da violação de uma norma legal, o citado art.º 117º, nº 2, al. a), “mas não mais do que isso”

 

Afigura-se-nos, porém, que tal argumentação, que parece considerar haver violações formais e substanciais da norma em causa, embora sem adiantar o critério para as classificar duma forma ou de outra, e que as violações formais não teriam qualquer consequência, não tem acolhimento legal.

 

Atente-se que, na realidade, estamos perante um procedimento visando a adjudicação de uma empreitada por ajuste direto, em que foram convidadas a apresentar propostas três empresas, tendo uma delas apresentado proposta, mas em que a adjudicação é feita a um consórcio composto por essa empresa, que apresentou proposta e por uma outra, que não tinha sido convidada.

 

Ou seja, substancialmente o que estamos é perante um procedimento nulo, à luz do art.º 133º, nºs 1 e 2, al. f), do Código de Procedimento Administrativo então em vigor, aprovado pelo art.º 1º do DL 442/91 de 15.11, na medida em que não é possível o ato de adjudicação a quem não foi convidado a apresentar proposta e num procedimento em que não é possível a apresentação de proposta por um consórcio. Com efeito, em rigor, não houve qualquer procedimento quanto ao consórcio adjudicatório, pois não houve convite ao mesmo, no âmbito do procedimento em causa, carecendo assim tal procedimento, em absoluto, de forma legal, relativamente ao consórcio a quem foi adjudicada a empreitada.

 

Nestes termos, considerando o regime legal atrás analisado é de concluir que os 3ª a 6ª demandados, ao terem violado normas legais sobre a contratação pública, a 6ª demandada informando e propondo e os 3ª a 5º demandados decidindo proceder à adjudicação da empreitada a um consórcio, integrado por uma das empresas convidadas, o que era expressamente proibido pois estávamos perante um procedimento por ajuste direto adotado tendo por base o valor previsto na al. a) do art.º 19º do CCP, incorreram em responsabilidade financeira sancionatória, mostrando-se preenchida a previsão objetiva da infração sancionatória que lhes vem imputada, a p. e p. no art.º 65º, nº 1, al. l).

 

São aqui inteiramente aplicáveis as considerações explanadas no item 5.1 supra acerca da justificação para concluir que os 3ª a 5º demandados são de qualificar como agentes da ação, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art.º 61º, aplicável ex vi art.º 67º, nº 3 e que a 6ª demandada é de considerar como responsável à luz do nº 4 do art.º 61º, igualmente aplicável ex vi art.º 67º, nº 3, todos da LOPTC, pelo que são tais considerações aqui dadas por reproduzidas.

 

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Relativamente ao preenchimento do elemento subjetivo da infração em causa, igualmente remetemos para as asserções produzidas sobre este aspeto, no item 5.1. supra, porquanto são aqui inteiramente aplicáveis e das quais resulta que os 3ª a 6ª demandados agiram com culpa, na modalidade de negligência – cf. art.º 61º, nº 5, aplicável ex vi art.º 67º, nº 3, ambos da LOPTC.

 

Em resumo, pelos fundamentos expostos, quanto a uma das dimensões da 3ª questão equacionada supra, conclui-se que os 3ª a 6ª demandados incorreram em responsabilidade financeira sancionatória, nos termos do art.º 65º, nº 1, al. l), primeira parte, (violação de normas legais relativas à contratação pública), na medida em que se mostram preenchidos os pressupostos, objetivo e subjetivo, desta infração.

 

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5.4. Infração relacionada com o procedimento nº 12/ADJ36005 e subsequente contrato de fornecimento de bens entre a SCML e Sociedade AA

 

A infração financeira sancionatória imputada às 4ª e 6ª demandadas, relacionada com o procedimento para fornecimento de bens, mediante ajuste direto, até ao valor de 50 000,00 € e subsequente contrato entre a SCML e Sociedade AA, tem por base a violação das normas legais relativas à contratação pública, concretamente a admissão pela 6ª demandada e a adjudicação pela 4ª demandada, de proposta que violava o disposto no art.º 70º, nº 2, al. g) e art.º 1º, nº 4, ambos do CCP, imputando-se àquelas demandadas o conhecimento e a vontade de estarem a interpelar para o procedimento, materialmente, apenas duas entidades, afetando precisamente por isso a concorrência no mercado e o dever de imparcialidade a que ambas estavam sujeitas.

 

Comecemos por atentar no regime jurídico para, posteriormente, procedermos à sua aplicação aos factos provados.

 

Como já atrás se deu nota, a decisão de contratar deve ser fundamentada, bem como a escolha do procedimento a adotar, a qual deve, além disso, observar os requisitos que definem e enquadram tais procedimentos, como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 16º, 36º e 38º, todos do CCP.

 

No caso, como estávamos perante um procedimento respeitante à aquisição de bens móveis, até ao valor de 50 000,00 €, o mesmo podia ser levado a cabo mediante ajuste direto, com convite apenas a uma entidade, subsequente admissão de proposta e adjudicação, nos termos do disposto no art.º 20º, nº 1, al. a), do CCP, na redação vigente à data dos factos, introduzida pelo DL nº 149/2012 de 12.07.

 

Diferente é o regime atualmente vigente - não aplicável ao caso em análise - o qual exige a “consulta prévia, com convite a pelo menos três entidades, quando o valor do contrato seja inferior a (euro) 75 000,00” só podendo utilizar-se o ajuste direto “quando o valor do contrato seja inferior a (euro) 20 000,00” - cf. art.º 20º, nº 1, alíneas c) e d), do CCP, na redação introduzida pelo DL 111-B/2017 de 31.08.

 

Porém a realidade aqui em análise foi a de que foi adotado o procedimento por ajuste direto, mas com convite a três entidades e não apenas a uma entidade, por opção inicial do órgão com capacidade para contratar, in casu, a 4ª demandada, na sequência de delegação de competências.

 

Nessa medida, deviam ter sido observados, efetivamente, os princípios da transparência, igualdade e concorrência, então com consagração no art.º 1º, nº 4, do CCP.

 

O que implicava, em face do estatuído no art.º 70º, nº 2, al. g), do CCP, a exclusão de propostas cuja análise revelasse a “existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência”.

 

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Procedendo agora à aplicação deste regime jurídico aos factos provados, afigura-se-nos que é de concluir que a 4ª e a 6ª demandadas incorreram na previsão objetiva da infração financeira sancionatória que lhes vem imputada, ou seja, na violação de normas legais relativas à contratação pública, como a seguir se procurará justificar.

 

Na verdade, embora a decisão de contratar se mostre fundamentada, assim como a escolha do procedimento por ajuste direto, já o demais não observa as regras da contratação pública.

 

Com efeito, tendo sido decidido proceder ao convite a três entidades e estando assim perante um procedimento aberto à concorrência, era expetável e, aliás, juridicamente exigível, que tal concorrência fosse efetiva. Só dessa forma, ou seja, com concorrência real e não formal ou aparente, o princípio da concorrência podia ter sido observado. Mas também só assim, com concorrência efetiva, poderiam ser observados os princípios da transparência e igualdade.

 

Não pode, sob uma aparência formal de legalidade, proceder-se, na prática, a um desvirtuamento total da concorrência, da transparência e da igualdade.

 

No caso, considerando as relações subjacentes às três entidades convidadas a apresentarem propostas, dificilmente estariam criadas as condições para vir a ser observado o princípio da concorrência.

 

Mas o que não poderia ter acontecido foi o que veio a ocorrer, ou seja, a admissão de todas as propostas apresentadas, como se não houvesse nenhum impedimento a tal admissão.

 

Impunha-se, por haver fundamento, precisamente a circunstância de haver indícios de falseamento das regras da concorrência que, ao abrigo do art.º 70º, nº 2, al. g), do CCP, pelo menos duas das propostas, subscritas pelo mesmo gerente de ambas as sociedades, Sociedade AA e Sociedade AB, tivessem sido excluídas. O que não ocorreu.

 

Consequentemente, não podia nem devia ter sido adjudicado à sociedade AA, como veio a ser, o contrato para o fornecimento de bens, produtos de higiene e conforto para os equipamentos/serviços da SCML, até ao valor de 50 000,00 €, num procedimento pouco claro, para não dizer opaco, beneficiando esta concorrente e colocando assim em causa o princípio da igualdade.

 

Nessa medida, estando o procedimento em causa, com convite a três entidades, sujeito à observância dos princípios da concorrência, transparência e igualdade e tendo sido violados tais princípios, cremos que pode concluir-se pela violação das normas legais relativas à contratação pública, pelo que a 4ª e 6ª demandadas incorreram em responsabilidade financeira sancionatória, mostrando-se preenchida a previsão objetiva da infração sancionatória que lhes vem imputada, a p. e p. no art.º 65º, nº 1, al. l).

 

São aqui inteiramente aplicáveis as considerações explanadas no item 5.1 supra acerca da justificação para concluir que a 4ª demandada é de qualificar como agente da ação, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art.º 61º, aplicável ex vi art.º 67º, nº 3 e que a 6ª demandada é de considerar como responsável à luz do nº 4 do art.º 61º, igualmente aplicável ex vi art.º 67º, nº 3, todos da LOPTC, pelo que são tais considerações aqui dadas por reproduzidas.

 

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Cumpre ainda justificar que se mostra preenchido o elemento subjetivo da infração em causa porquanto, embora não se provando que a 4ªº e a 6ªº demandados agiram com dolo, nos termos imputados, ainda assim se pode concluir, em face da factualidade provada, nomeadamente a descrita nos nºs 73 a 76 dos f. p., que agiram com culpa, na modalidade de negligência – cf. art.º 61º, nº 5, aplicável ex vi art.º 67º, nº 3, ambos da LOPTC.

 

Com efeito, a conduta destas demandadas não pode deixar de ser censurada porquanto, em função da qualidade e responsabilidade de que estavam investidos, vogal da mesa a 4ª demandada e diretora da direção de aprovisionamento a 6ª demandada, de uma entidade sujeita às regras da contratação pública, tinham o dever de observar e cumprir as normas legais relativas à contratação pública.

 

Assim, não deviam ter procedido à adjudicação do fornecimento dos bens à Sociedade AA, antes deviam ter excluído a proposta apresentada por esta sociedade.

 

Em resumo, pelos fundamentos expostos, quanto a uma das dimensões da 3ª questão equacionada supra, conclui-se que a 4º e a 6ª demandados incorreram em responsabilidade financeira sancionatória, nos termos do art.º 65º, nº 1, al. l), primeira parte, (violação de normas legais relativas à contratação pública), na medida em que se mostram preenchidos os pressupostos, objetivo e subjetivo, desta infração.

 

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5.5. Infração relativa à não publicitação dos contratos no portal base.gov.

 

A infração financeira sancionatória imputada à 7ª demandada, relativa à não publicitação de 19 contratos no portal base.gov. antes da sua produção de efeitos, vem apoiada na alegação de que cabia a tal demandada diligenciar por essa publicitação e fiscalizar os prazos e termos em que a mesma deveria ocorrer, dever que teria omitido ao não inscrever tais contratos no portal atempadamente.

 

Vejamos o regime jurídico especifico desta infração, considerando aqui reproduzidas as considerações tecidas no item 2. supra, sobre o enquadramento jurídico genérico, nomeadamente a circunstância de a infração imputada à 7ª demandada ser considerada, no requerimento inicial, uma violação das als b) e l) do nº 1 do art.º 65º.

 

Preceituava o art.º 127º do CCP, na redação vigente à data dos factos, introduzida pela L nº 64-B/2011 de 30.12., o dever, para a entidade adjudicante, de publicitação no portal da internet dedicado aos contratos públicos, da celebração de quaisquer contratos, na sequência de ajuste direto, estabelecendo ainda, no nº 3 do preceito, que tal publicitação é “condição do respectivo contrato, independentemente da sua redução ou não a escrito, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos”.

 

Perante aquele dever e esta consequência da não publicitação afigura-se-nos, ressalvada melhor opinião naturalmente, que o não cumprimento daquele dever não pode qualificar-se como uma “violação de normas legais ou regulamentares relativas à contratação publica” e, assim, ser subsumido à previsão da infração da al. l) do nº 1 do art.º 65º.

 

 

Com efeito, a contratação pública está a montante do art.º 127º. Ou seja, já decorreu, já foram celebrados os contratos, na sequência de procedimento por ajuste direto. Diremos que a formação do contrato ou a contratação pública está concluída e há, subsequentemente, um dever de publicitação do contrato, no referido portal dos contratos públicos. Porém, a norma que estipula esse dever, o referido art.º 127º, não pode considerar-se como atinente ou com vista

 

à      realização da contratação publica. Estabelece um dever acessório, na sequência da realização da contratação pública, quando esta é feita por ajuste direto.

 

Mas  estabelecendo  aquela  consequência,  ou  seja,  a  publicitação  é

 

“condição do respectivo contrato”, temos que enquanto não houver publicitação não há contrato válido. Consequentemente não existindo contrato válido não é possível proceder a quaisquer pagamentos, o que a parte final do referido nº 3 torna muito claro, ao prever que a publicitação é condição do contrato “nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos”.

 

Assim, serão a ordem e a realização de pagamentos, em execução de contratos celebrados por ajuste direto e não publicitados no portal dos contratos públicos, que são suscetíveis de integrar a previsão objetiva da infração tipificada na al. b) do nº 1 do art.º 65º, por violação de normas sobre o pagamento de despesas publicas.

 

Por outro lado, os responsáveis por tal infração serão, em face do art.º

 

61º, nº 1, da LOPTC, “o agente ou agentes da ação”, ou seja, quem ordenar tal pagamento e quem o vier a realizar.

 

*

 

Procedendo agora à aplicação deste regime jurídico aos factos provados, não temos dúvidas em concluir que não está preenchida a previsão objetiva da infração financeira sancionatória imputada à 7ª demandada.

 

Mesmo na perspetiva do requerimento inicial e da previsão da al. l) do nº 1 do art.º 65º citado, considerando que não se provou ser dever da 7ª demandada diligenciar pela publicitação dos 19 contratos em causa no portal base.gov.pt, nos termos e prazos legais e proceder à respetiva fiscalização, não teria havido omissão desse dever nem violação de normas legais.

 

Centrando, porém, a infração em causa no preenchimento da previsão objetiva da al. b) do nº 1 do art.º 65º da LOPTC, como nos parece que deve ser colocada, cremos que não foi alegada factualidade que permitisse concluir poder ser a 7ª demandada agente da ação de tal infração, por não lhe serem imputadas ordens de pagamento daqueles contratos não publicitados ou a realização das ações concretizando esses pagamentos.

 

Em resumo, pelos fundamentos expostos, quanto a uma das dimensões da 3ª questão equacionada supra, conclui-se que a 7ª demandada não incorreu na responsabilidade financeira sancionatória que lhe vem imputada, pelo que deve ser absolvida.

 

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6. Graduação da multa versus dispensa de pena ou relevação da responsabilidade Considerando as conclusões antecedentes, impõe-se agora dilucidar e

 

resolver a 4ª questão equacionada supra, na parte que subsiste, que se prende com o pedido do Mº Pº de condenação dos 2º a 6ª demandados nas multas peticionadas em contraponto com a pretensão destes demandados de ser “dispensada a aplicação da multa” ou “ser relevada a multa”.

 

Uma breve nota para explicitar que, dada a conclusão a que atrás se chegou sobre a absolvição da 7ª demandada, mostra-se prejudicado o conhecimento dos demais aspetos suscitados, naquela 4ª questão, quanto a tal demandada.

 

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6.1) Dispensa da aplicação de multa e relevação da responsabilidade

 

Os 2º a 6ª demandados alegam que se encontram reunidos todos os requisitos que, nos termos dos nºs 8 e 9 do art.º 65º da LOPTC, permitem que o Tribunal dispense a aplicação de multa ou, se assim se não entender, para relevar a responsabilidade financeira.

 

Preceitua, efetivamente, o nº 8 do art.º 65º invocado que “o Tribunal pode dispensar a aplicação da multa quando a culpa do demandado for diminuta e não houver lugar à reposição ou esta tiver sido efetuada”.

 

Por sua vez, verificadas as circunstâncias previstas nas diversas alíneas do nº 9 do mesmo art.º 65º, entre as quais evidenciar-se, suficientemente, que a falta só pode ser imputada ao seu autor a título de negligência, pode ser relevada a responsabilidade por infração financeira apenas passível de multa.

 

Deve começar por salientar-se que a aplicabilidade destes regimes não pode entender-se como uma obrigação ope legis do Tribunal, mas antes um poder/dever, a operar em função de todas as circunstâncias do caso concreto.

 

É   isso que decorre, a nosso ver, dos incisos “pode” e “podendo” utilizados nos nºs 8 e 9 do citado art.º 65º.

 

Ora, analisadas as condutas de cada um dos 2º a 6ª demandadas, afigura-se-nos, ressalvada melhor opinião naturalmente, que não estão preenchidos aqueles pressupostos, no segmento atinente à “culpa diminuta” ou a uma evidente negligência, não havendo assim fundamento para a dispensa da aplicação de multa ou relevação da responsabilidade.

 

Globalmente o que ressalta, no que tange às condutas que estiveram na origem das infrações em causa é que a culpa dos 2º a 6ª demandados não pode qualificar-se como diminuta ou em que possamos concluir que estamos perante uma simples negligência, patente e evidente, que seja desculpável ou compreensível.

 

Atente-se, por exemplo, nos casos dos procedimentos conducentes aos contratos de prestação de serviços com a Sociedade X e a Sociedade C em que, desde logo, o critério material para a escolha do procedimento por ajuste direto não está minimamente justificado e em que uma análise minimamente crítica das próprias informações dos serviços deveriam suscitar, nos demandados, a legalidade dos ajustes diretos, nesses termos. Com efeito, o que ressalta do conjunto dos factos, quanto aos procedimentos relativos à Sociedade X, é indiciador de uma mudança na fundamentação da razão do ajuste direto e uma diminuição do prazo de prestação do serviço, para ajustar isso a uma alteração legislativa, entretanto ocorrida após a celebração do primeiro contrato com tal agência de comunicação. E, quanto ao procedimento para prestação de serviços relativos à reabilitação do Palácio de S. Roque, parece que as razões de maior facilidade no ajuste direto por convite apenas a uma entidade sobrepuseram-se a um procedimento concursal mais exigente, como seria um concurso público ou um concurso limitado por prévia qualificação.

 

No que tange aos procedimentos tendo em vista a empreitada e o fornecimento de produtos de higiene e conforto a equipamentos e serviços da SCML, também a culpa dos demandados envolvidos nesses procedimentos não pode considerar-se diminuta, desculpável ou compreensível.

 

Na verdade, uma leitura minimamente atenta das diversas peças desses procedimentos deveria tornar claro, para os demandados gestores e para a demandada responsável pela direção de aprovisionamento, que tais procedimentos enfermavam de ilegalidades, que não deveriam informar e adjudicar a empreitada a um consórcio, por este não ser concorrente e não ser possível um consórcio no procedimento em causa, assim como, que havia fundamento para a exclusão de propostas de duas entidades que eram representadas pelo mesmo gerente e tinham sede no mesmo local. Essa falta de leitura e cuidado não são compatíveis com a diligência e o zelo que são exigíveis de gestores da SCML (caso dos 2º a 5ª demandados) e de uma responsável máxima de um serviço de centralização de compras (caso da 6ª demandada).

 

Acresce a tudo isto que, como ressalta da contestação dos 2º a 6ª demandados, não parece haver interiorização e assunção de qualquer culpa por banda destes demandados, continuando a considerar que os procedimentos em causa foram realizados com plena legalidade.

 

Essa falta de interiorização e assunção da culpa são incompatíveis, a nosso ver, com a possibilidade de dispensa de multa ou relevação da responsabilidade. Estamos perante institutos cuja aplicabilidade tem sentido quando, desde logo pela interiorização e assunção da culpa, não se justifica uma intervenção sancionatória por parte do Tribunal, por estarem assegurados os fins de prevenção especial que se visam alcançar com tais sanções.

 

Nesta medida, é de concluir que não estão preenchidos os pressupostos para a requerida dispensa de multa ou relevação da responsabilidade.

 

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6.2. Graduação das multas

 

Como se deu conta no relatório supra, o Mº Pº formulava a pretensão de condenação dos demandados em multas de 25 UC, por cada uma das infrações, exceção da infração imputada a titulo doloso às 4ª e 6ª demandadas, relativa ao procedimento 12/ADJ36005, de “Fornecimento de Produtos de Higiene e Conforto para os diversos Equipamentos/Serviços da SCML, para o período de 3 meses”, em que peticionava a condenação das mesmas na multa de 60 UC.

 

Vejamos.

 

Desde logo importa tomar em consideração, quanto a esta última infração, que a factualidade provada não permite concluir por uma atuação dolosa das 4ª e 6ª demandadas. Antes e apenas se provou terem atuado de forma negligente, como atrás se justificou, pelo que a moldura abstrata, relativamente a tal infração, situa-se entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 90 UC - cf. art.º 65º, nºs 2 e 5, da LOPTC.

 

No que tange às demais infrações, não obstante a mesma moldura abstrata, situada entre 25 UC e 90 UC, considerando que o demandante formula o pedido pelo montante de 25 UC, atento o princípio do dispositivo e os limites decisórios, nos termos consagrados no art.º 609º, nº 1, do CPC, aplicável ex vi art.º 80º da LOPTC, esse é um limite máximo inultrapassável.

 

Impõe-se ainda ponderar a possibilidade de a multa pode ser especialmente atenuada, com aqueles limites abstratos a serem reduzidos a metade, “quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à infração que diminuam por forma acentuada a ilicitude ou a culpa” - cf. nº 7 do art.º 65º da LOPTC, na redação dada pelo art.º 2º da Lei nº 20/2015 de 09.03.

 

A circunstância de esta norma ter sido introduzida na LOPTC pelo art.º 2.º da Lei n.º 20/2015, de 09.03, ou seja, em momento posterior à prática das infrações em causa nos autos, não será, a nosso ver, razão impeditiva da sua aplicação ao caso sub judicio.

 

Com efeito, no caso de sucessão de regimes legais, como é o ora em análise, por força do princípio geral de aplicação do regime que concretamente se mostre mais favorável, consagrado no art.º 2º, n º 4, do Código Penal e aplicável ex vi art.º 67º, nº 4, da LOPTC, nada impedirá a aplicação de tais normas, desde que se verifiquem os seus pressupostos.

 

No que tange à 6ª demandada e ponderadas todas as circunstâncias do caso, nomeadamente as descritas nos nºs 133 a 138, 147, 148, 150 e 151 dos f. p., ou seja, e em resumo, que não tinha nem experiência nem formação em termos de contratação pública para o cargo e as funções - por escolha pessoal do provedor - de diretora dum departamento que centralizava as aquisições de bens e serviços de um elevado número de equipamentos e serviços da SCML, tendo recebido o departamento com uma grande desorganização interna e mal preparado, em termos de recursos humanos e modernização (pouco recurso aos sistemas informáticos), a que acresce a carga de trabalho cometida à 6ª demandada, cremos que se justifica concluir que ocorrem circunstâncias anteriores à infração que diminuem, por forma acentuada, a culpa desta 6ª demandada e, nessa medida, justificam a atenuação especial da multa, com a redução daqueles limites mínimo e máximo a metade, situando-se assim entre 12,5 UC e 45 UC.

 

Considerando, outrossim, os critérios de graduação da multa, previstos no nº 2 do art.º 67º da LOPTC, nomeadamente:

 

(i)    a culpa, na forma de negligência, quanto aos 2º a 6ª demandados;

 

(ii)    que não podem considerar-se especialmente graves os factos, nem as suas consequências, em função da circunstância das despesas geradas terem tido contrapartida na prestação de serviços ou fornecimento de bens;

 

(iii)     não existirem elementos que permitam concluir ter havido lesão de valores públicos, em termos económicos, ainda que não seja despiciendo considerar a lesão decorrente da violação dos princípios da concorrência, igualdade e transparência, pelos danos que isso causa em termos de confiança por parte dos agentes económicos;

 

(iv)     a condição dos diversos demandados, os 2º a 5ª, vogais da mesa da SCML, o nível mais elevado, na instituição em causa, em termos de responsabilidade no que tange à regularidade e legalidade da assunção de compromissos públicos e a condição da 6ª demandada, responsável máxima do serviço administrativo de aquisições da SCML;

 

(v)     as condições económicas dos 2º a 6ª demandados, de reputar como acima da média, atentas as funções exercidas e as profissões das mesmas;

 

(vii)     a inexistência de antecedentes ao nível de infrações financeiras, por parte do 2º a 6ª demandados, nem falta de acatamento de anteriores recomendações do Tribunal;

 

Conclui-se que se mostra ajustado fixar as multas a impor, por cada uma das infrações, nos limites mínimos, ou seja, quanto aos 2º a 5ª demandadas em 25 UC (14) e, quanto à 6ª demandada, considerando a atenuação especial de que deve beneficiar, acima justificada, em 12,5 UC.

 

*

 

III – Decisão

 

Pelo exposto, ao abrigo dos preceitos legais citados, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

 

1.    Absolvo os 3ª, 4ª, 5º e 6ª demandados, da infração financeira de natureza sancionatória que lhes vinha imputada no nº 74 do requerimento inicial;

2.    Absolvo a 7ª demandada, da infração financeira que lhe vinha imputada no nº 101 do requerimento inicial;

 

3.  Condeno o 2º demandado, pela prática de duas infrações de natureza sancionatória, pp. e pp. no art.º 65º, nº 1, al. l), primeira parte, (violação de normas legais relativas à contratação pública), nºs 2 e 5, na multa de 25 (vinte e cinco) UC, por cada uma das infrações;

 

4.   Condeno a 3ª demandada, pela prática de três infrações de natureza sancionatória, uma delas sob a forma continuada, pp. e pp. no art.º 65º, nº 1, al. l), primeira parte, (violação de normas legais relativas à contratação pública), nºs 2 e 5, na multa de 25 (vinte e cinco) UC, por cada uma das infrações;

 

5.      Condeno a 4ª demandada, pela prática de quatro infrações de natureza sancionatória, uma delas sob a forma continuada, pp. e pp. no art.º 65º, nº 1, al. l), primeira parte, (violação de normas legais relativas à contratação pública), nºs 2 e 5, na multa de 25 (vinte e cinco) UC, por cada uma das infrações;

 

6.   Condeno o 5º demandado, pela prática de três infrações de natureza sancionatória, uma delas sob a forma continuada, pp. e pp. no art.º 65º, nº 1, al. l), primeira parte, (violação de normas legais relativas à contratação pública), nºs 2 e 5, na multa de 25 (vinte e cinco) UC, por cada uma das infrações;

 

7.      Condeno a 6ª demandada, pela prática de quatro infrações de natureza sancionatória, uma delas sob a forma continuada, pp. e pp. no art.º 65º, nº 1, al. l), primeira parte, (violação de normas legais relativas à contratação pública), nºs 2 e 5, na multa de 12,5 (doze e meia) UC, por cada uma das infrações;

 

Condeno ainda os 2º, 3ª, 4ª, 5º e 6ª demandados, nos emolumentos devidos – cf. art.ºs 1º, 2º e 14º nºs 1 e 2 do DL 66/96 de 31.05.

 

D. n., incluindo registo e notificações.

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Lisboa, 26 de abril de 2018

 

 

 

(António Francisco Martins)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1   Esta peça processual, com 710 artigos, tem todos os requisitos para qualificar-se como um articulado prolixo, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 530º, nº 7, do CPC. Estamos, com efeito, perante várias repetições desnecessárias de alegação que, nalguns casos, os próprios demandados admitem (cf. a titulo de exemplo, os art.ºs 347º, 385º, 386º, 400º, 401º, 404º, 407º, 431º, 434º, 470º, 475º, 478º, 480º, 481º, 485º, 499º a 503º, 543º, 546º, 549º, 551º, 554º, 556º, 557º, 605º, 631º, 636º, 640º, 648º, 649º, 651º, 652º e 656º da contestação) e, até, perante alegações contraditórias (cf., mais uma vez como mero exemplo, os art.ºs 20º e 603º), quando, como bem referiu o 1º demandado, “a matéria de facto em causa no presente processo não é particularmente densa nem tão-pouco de difícil compreensão” (v. art.º 39º da sua contestação).

2 Esclareça-se que apenas se consideraram como provados ou não provados os “factos”, entendendo-se como tal os “estados” ou “acontecimentos” da realidade e não considerações ou conclusões e, muito menos, alegações, na medida em que o que é objeto de prova, nos termos do art.º 341º, do Código Civil, é a “demonstração da realidade dos factos”.

 

Por outro lado, considerando que na contestação dos 2º a 6ª demandados são repetidos muitos factos alegados no requerimento inicial - daí alguma da prolixidade de tal peça processual -, optou-se por não repetir como provados tais factos, sem prejuízo de dar como provados, no segmento dos factos provados atinentes ao requerimento inicial, complementos dos mesmos, resultantes da discussão da causa e/ou concretizados na contestação dos 2º a 6ª demandados.

3 Este contrato anterior, que vigorou entre 15.02.2012 e 14.02.2013, pelo valor de € 126 000,00, teve como fundamento o “art.º 20º, nº 1, al. a), do Código dos Contratos Públicos”, conforme publicação efetuada no portal dos contratos públicos (v. doc. J.2, a fls. 125, do anexo II apenso)

4   Concretamente, no art.º 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art.º 14º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, no art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no art.º 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no art.º 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

 

5  Cf. art.º 5º, inciso LIV da Constituição da República Federal do Brasil.

 

6  Joaquim Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 415.

7  Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lex, 2ª edição, 2000, pág. 27.

 

9  Uma nota marginal para dar conta que a necessidade de observância desses princípios e de outros, como os da legalidade, da prossecução do interesse público, da imparcialidade, da publicidade, da transparência, da igualdade de tratamento e da não-discriminação, foi reforçada com a introdução do art.º 1º-A no CCP, na sequência das alterações introduzidas pelo DL n.º 111-B/2017, de 31.08.

 

10    Na redação originária do CCP, para o caso de entidades adjudicantes referidas no nº 2 do art.º 2º do CCP, como era o caso da SCML, a escolha do procedimento, por ajuste direto, para aquisição de serviços, permita a celebração de contratos por “valor inferior ao referido na alínea b) do artigo 7.º da Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março”, ou seja, por valor inferior a € 249 000,00.

 

11   Este acórdão, como os demais deste Tribunal adiante citados, encontram-se acessíveis em www.tcontas.pt, em Actos/Acórdãos.

12Acessível em www.dgsi.pt, Supremo Tribunal de Justiça, sob o nº de processo 040148.

 

13   Acessível em www.dgsi.pt, Tribunal da Relação de Coimbra, sob o nº de processo 150/12.0EACBR.C1

 

14 De harmonia com o Regulamento das Custas Processuais, publicado em anexo ao DL n.º 34/2008, de 26.02, a UC é a quantia monetária equivalente a um quarto do valor do Indexante de Apoios Sociais (doravante IAS), vigente em dezembro do ano anterior, arredondado à unidade euro, atualizável anualmente com base na taxa de atualização do IAS.

 

Assim, considerando a data da prática dos factos e atento o disposto no art.º 3.º do DL nº 323/2009, de 24.12, que fixa o valor do IAS para 2010 em € 419,22 €, a que acresce que o regime de atualização anual do IAS se encontrou suspenso desde 2010 até 2016 (cf. alínea a) do artigo 67.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro e Portaria nº 4/2017 de 03.01) o valor da UC é de 102,00€.