sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

AQUISIÇÃO PROGRAMA INFORMÁTICO - TRIBUNAL CONTAS - RECUSA VISTO - NULIDADES SENTENÇA


(Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, que foi objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e cujo Acórdão foi publicado na postagem anterior)

Proc. 3003/09.6BEPRT    TCAN    8 Out 2010

I. O visto do Tribunal de Contas constitui uma decisão de controlo jurídico externo, prévio e preventivo sob actos/contratos da administração, tendo como finalidade essencial a prevenção na realização de despesas públicas em desconformidade com a ordem jurídica financeira.
II. Tal acto constitui uma “conditio iuris” que relativamente aos actos/contratos sobre os quais incide se revela como um requisito da eficácia ou, em certos casos, de manutenção de eficácia do acto (quanto aos efeitos não financeiros), pelo que a recusa do visto não implica ou importa a invalidade do acto/contrato.
III. Face ao que se mostra enunciado conjugadamente nos arts. 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 23.º do CCP a opção inicial pelo concurso público ou pelo limitado, ou ainda pelo ajuste directo, não envolve por parte da Administração o exercício dum poder discricionário mas ao invés dum poder vinculado.
IV. A opção pelo ajuste directo tendo como fundamento a al. e) do n.º 1 do art. 24.º do CCP só ocorrerá quando no mercado, por razões técnicas, artísticas ou de protecção de direitos exclusivos, apenas exista ou se mostre habilitada uma pessoa/empresa capaz de executar a prestação/fornecimento de serviço, pelo que não faria sentido a Administração ter de se socorrer do procedimento concursal quando de antemão sabia que só aquela pessoa/empresa poderia ser admitida.
V. O recurso ao ajuste directo por uma questão de premência de cumprimento de prazos e de compromissos assumidos em matéria de execução de missões e objectivos definidos pela entidade adjudicante ou que lhe são impostos não encontra sua cobertura legal no art. 24.º, n.º 1, al. e) do CCP, nem igualmente nesta sede vale a argumentação que contenda com aproveitamento dos dinheiros já pagos no âmbito de anterior execução contratual que se veio a mostrar ineficaz em termos financeiros, nem com um potencial ou real aumento de custos financeiros envolvidos na intervenção de nova empresa e/ou da não continuação da anterior adjudicatária.
VI. Também não se enquadra no normativo em referência quando a situação que importa e urge resolver derive de actuação ou omissão imputável à entidade adjudicante, como resulta ocorrer na situação vertente mercê do facto da mesma ser consequência da recusa da concessão do visto ao anterior contrato em virtude daquela entidade haver incumprido ilegal e ilegitimamente as regras procedimentais legais tal como se conclui no acórdão do T.Contas que se pronunciou sobre a legalidade financeira do contrato e respectivo procedimento de formação.
VII. Da referência a uma “especificidade técnica do software” não resulta como reunida e adquirida a conclusão de que apenas a entidade adjudicatária se afirme como a única entidade disponível no mercado que detém capacidade e aptidão técnicas bastantes para fazer face à complexidade e exigência dos serviços a prestar/fornecer

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“A…, SA”, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 09.04.2010, que julgou improcedente a acção administrativa de impugnação urgente [contencioso pré-contratual] pela mesma deduzida nos termos dos arts. 100.º e segs. do CPTA contra “INSTITUTO PORTUGUÊS DE ONCOLOGIA DO PORTO FRANCISCO GENTIL, EPE” (doravante “IPOPFG, EPE”) e a contra-interessada “G…, LDA.”, ambos igualmente identificados nos autos, na qual peticionava a anulação da deliberação do Conselho de Administração do “IPOPFG, EPE” de 17.12.2008 que procedeu à escolha do procedimento por ajuste directo para o fornecimento dum sistema de informação hospitalar e, subsidiariamente, a anulação do contrato celebrado.
Formula a recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 210 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
1. Tendo havido um primeiro procedimento no qual não foi obtido visto do Tribunal de Contas e, consequentemente, declarada a ineficácia do contrato celebrado, é necessário saber como deverá a entidade adjudicante agir, isto é, como deverá executar o Acórdão em causa.
2. Para executar o Acórdão em causa é necessário ter em consideração que a razão pela qual foi negado visto se prendeu com o facto de a vontade administrativa não ter sido validamente formada.
3. Deste modo, nunca será admissível o recurso ao ajuste directo como forma de execução do Acórdão, sob pena de haver uma clara fraude à lei, na medida em que o que a entidade adjudicante faz é escolher precisamente o mesmo adjudicatário por outra via, quando deveria formar novamente a sua vontade.
4. Embora o sistema jurídico não trata de forma directa as consequências da não obtenção de visto, quando é aberto um novo procedimento para adquirir o mesmo bem, indirectamente a entidade adjudicante está a anular o anterior procedimento.
5. Deste modo, será aplicável ou o artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 197/99 ou o artigo 79.º do CCP, os quais em termos materiais consagram soluções idênticas: uma vez anulada ou decidida a não adjudicação a entidade adjudicante tem que abrir um novo procedimento e este tem que ser do mesmo tipo do anterior.
6. A Sentença em crise limita-se a remeter a não aplicabilidade do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 197/99 ao caso concreto com mera remissão para a argumentação de uma das partes.
7. A fundamentação por mera remissão para o articulado por uma das Partes não pode ser considerada fundamentação, pelo que a Sentença em crise é nula, o que expressamente se invoca.
8. Mesmo que se entendesse que nem o artigo 58.º Decreto-Lei n.º 197/99 nem o artigo 79.º do CCP são subsumíveis ao caso concreto, sempre o recurso ao ajuste directo constituiria uma clara violação do princípio da boa-fé e da confiança administrativa, questão sobre a qual o Tribunal não se pronunciou.
9. O que constitui omissão de pronúncia, sendo, por conseguinte, a sentença nula o que expressamente se argui.
10. Tendo um procedimento sido iniciado na vigência de um Lei e considerando que a Lei nova apenas dispõe para o futuro como é o caso, as consequências decorrentes da anulação (assim como a execução de um contrato), têm que ser analisada à luz da Lei que regulou esse mesmo procedimento, sob pena de se estar a aplicar à execução de um procedimento o novo Código dos Contratos Públicos, o que contraria não só a letra como o espírito do artigo 16.º do Decreto que aprovou o Código dos Contratos Públicos.
11. A simples leitura da fundamentação da Sentença com crise demonstra à evidência que não estão reunidos os requisitos susceptíveis de preencher a hipótese do constante do artigo 24.º, n.º 1, alínea e) do CCP, porquanto o seu preenchimento: não se basta com a existência de razões técnicas ou autorais que tornem mais fácil ou mais cómodo a adjudicação a uma empresa, sendo necessário demonstrar que apenas uma entidade concreta é capaz de executar os serviços em causa.
12. Não foi alegado ou dado como provado que a prestação do contrato só pudesse ser confiada a uma entidade determinada.
13. A 22 de Setembro de 2008, a contra-interessada havia apenas fornecido um relatório. E apenas foi feito para um dos módulos (posição 1).
14. Em concreto, o contrato apenas esteve em execução entre 5 de Junho e 15 de Julho e entre 15 de Setembro e 22 de Setembro. Ou seja, cerca de um mês.
15. A forma de pagamento, ou melhor, o escalamento do pagamento não está de acordo com o que é efectivamente feito no terreno, mas sim adiantada, porque há um substancial pagamento à cabeça.
16. Ao contrário do afirmado na Sentença, não corresponde à realidade que «as licenças de software (…) já tinham sido fornecidas e facturadas», na medida em que, a 22 de Setembro de 2008, tudo o que a contra-interessada havia produzido resumia-se a papel.
17. Mesmo que as licenças em causa tivessem sido fornecidas seria necessário demonstrar que as mesmas são impeditivas da utilização do software de terceiros. Tanto mais que a entidade adjudicante se encontra sempre defendida atento o disposto no art. 447.º por aplicação do disposto no art. 451.º (ambas as disposições do Código dos Contratos Públicos).
18. Também ao contrário do que Tribunal a quo refere na Sentença não é verdade que «[é] do conhecimento geral que este tipo de software contém especificidades técnicas que impedem a sua utilização por outras entidades tendo associados direitos de autor».
19. Por imperativo legal qualquer software pode ser utilizado por terceiros, mediante o desenvolvimento do respectivo interface, porquanto nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro «A descompilação de partes de um programa necessário à interoperabilidade desse programa de computador com outros programas é sempre lícita (…).» (realce nosso).
20. Não é à Recorrente que cabe provar que outras entidades poderiam executar os serviços em causa, mas sim à entidade adjudicante que cabe provar que uma e apenas uma entidade se encontrava apta a levar a cabo as prestações objecto do contrato.
21. Fundamentar o recurso ao ajuste directo no facto de um concurso não permitir antecipadamente saber quem seria o vencedor ou no facto de o mesmo pressupor álea, é uma afronta clara aos mais elementares princípios da contratação pública e até da actividade administrativa.
22. Não há, na Sentença em crise, qualquer referência às várias outras ilegalidades procedimentais alegadas pela Recorrente:
a. Inexistência de caderno de encargos;
b. Inexistência de documentos de habilitação;
c. Inexistência de publicação.
23. Não havendo qualquer referência às supra referidas ilegalidades procedimentais a sentença em análise é nula por omissão de pronúncia, o que expressamente se alega.
24. Para além do acto de adjudicação ser anulável por enfermar de vício de violação de Lei, em concreto dos artigos 115.º, n.º 4, 126.º e 127.º do CCP.
25. A entidade adjudicante funda a sua decisão de recorrer ao ajuste directo na «necessidade de salvaguardar os trabalhos já feitos pelo anterior adjudicatário».
26. Sendo certo que nunca especifica quais foram, em concreto, esses trabalhos.
27. Porém, a verdade é que, em 22 de Setembro de 2008, tudo quanto a contra-interessada havia produzido limitava-se a papel. Em concreto havia sido produzido um relatório com o levantamento das necessidades do Hospital no que se refere a 1 das 5 posições.
28. Com efeito, nessa data, apenas há notícia nos autos da aprovação do relatório, como resulta de forma clara da alínea h) dos factos assentes: «em 15 de Setembro de 2008 foi aprovado pela entidade demandada o relatório de análise (…)».
29. Basta fazer apelo às regras da experiência para perceber que um contrato que tem um prazo de execução de 9 meses e um valor total de Eur. 1.300.000,00, tendo sido executado durante apenas um mês, os serviços prestados não podem ser valorizados e, como tal, validamente pagos cerca de Eur. 1.000.000,00.
30. A mera facturação não é em concreto o mais relevante: para aferir se há erro sobre os pressupostos de facto, o determinante é saber quais os trabalhos efectivamente prestados e, quanto a esse aspecto, não há a menor dúvida: em 22 de Setembro apenas havia sido fornecido um relatório.
31. A factura que se refere na alínea k) dos factos assentes não está de acordo com a programação contratual, como, aliás, é confessado pela Recorrida que, tal como decorre da alínea n) dos factos assentes, expressamente refere que a factura em causa apenas foi aceite «no contexto de contratação que venha a seguir-se para a conclusão da aquisição (...)».
32. Destarte e em conclusão, em 22 de Setembro de 2008:
a) A contra-interessada apenas havia fornecido um relatório à entidade adjudicante;
b) O plano de pagamento constante do contrato não tem qualquer sintonia com os trabalhos efectivamente prestados (na medida em que num mês não se prestam cerca de 80% dos serviços previstos no contrato).
c) Mesmo tendo apenas em consideração o plano de pagamentos estipulado no contrato, a entidade adjudicante efectuou pagamentos antes dos mesmos serem devidos.
33. No âmbito do segundo contrato, (o de ajuste directo) foi dado como provado que o projecto arrancou a 30-11-2009 e três dias depois foi interposta providência cautelar (que a recorrida tomou conhecimento de imediato) suspendendo a execução do contrato (caso ele já estivesse em execução) e concomitantemente a presente acção de contencioso pré-contratual.
34. A Ré não elaborou Resolução Fundamentada nos termos disposto no art. 128.º do CPTA tendo, ainda assim, prosseguido com a execução do contrato em crise continuado a receber e pagar facturas entretanto emitidas e vencidas.
35. Os compromissos financeiros que tenham sido - bem ou mal - assumidos pela entidade adjudicante são indiferentes para fundamentar um posterior ajuste directo. Sob pena de se cair num intolerável «benefício ao infractor». Tendo a sentença em crise validado quer a imprudência da Ré ao dar execução o 1.º contrato antes da obtenção de visto prévio, quer, a seguir, no âmbito do 2.º contrato, a sua insensibilidade aos efeitos op legis da interposição da presente acção, prosseguir com a sua execução.
A sentença em crise ao decidir como o fez violou por errada interpretação e aplicação as disposições dos arts. 58.º, n.º 2 da lei 197/99 de 8 de Junho; arts. 14.º, n.º 1 al. f), 16.º, 24.º, n.º 1 al. e) 36.º, 38.º, 40.º, n.º 1 al. a), 74.º, 88.º,112.º a 127.º, e art. 447.º por aplicação do disposto no art. 451.º do Código dos Contratos Públicos; arts. 12.º, 133.º, 134.º do CPTA; arts. 668.º, 659.º e 660.º, n.º 2 do CPC e n.º 2 do art. 342.º do Código Civil …”.
Pugna pela revogação da decisão e total procedência da acção.
Dos RR., aqui recorridos, apenas o “IPOPFG, EPE” apresentou contra-alegações (cfr. fls. 240 e segs.), nas quais conclui nos termos seguintes:
...
1.ª A douta sentença recorrida faz uma adequada selecção dos factos e uma correcta subsunção dos mesmos ao direito aplicável, sendo desatendida de forma clara e categórica a pretensão da Autora aqui recorrente;
2.ª A Recorrente não formula uma só crítica que contenha um argumento lógico-jurídico que ponha em crise a sentença recorrida;
3.ª No essencial, é correcta e adequada a aplicação do regime constante do art. 24.º do Código dos Contratos Públicos para fundamentar validamente a via do ajuste directo como meio pré-contratual de contratação do remanescente do Serviço de informação Hospitalar (SIH) de que carecia a entidade adjudicante;
4.ª A declaração judicial de recusa de visto prévio do Tribunal de Contas por relação a um determinado contrato público não coarcta a liberdade de estipulação da entidade pública para a contratação futura, nem a desonera da observância da legalidade na nova contratação;
5.ª Na nova contratação, em que se insere o procedimento pré-contratual de ajuste directo e o contratação subsequente objecto dos presentes autos, a aqui entidade recorrida foi rigorosa na aplicação da lei, observando o quadro normativo aplicável - aquele Código dos Contratos Públicos - como se mostra a sentença recorrida;
6.ª Excluída a fundamentação da opção pela via procedimental do procedimento pré-contratual, não tem a recorrente legitimidade para invocar vícios como o da falta de resolução fundamentada, inútil aliás nos casos em que o acto contratual está no essencial executado;
7.ª E não tem porquanto o único «direito» que a Recorrente alega ter «afectado» é o de, se tivesse havido concurso público internacional ao invés de procedimento por ajuste directo, poder ter sido candidata a tal concurso! …”.
O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts.146.º e 147.º ambos do CPTA veio apresentar parecer/pronúncia no sentido da improcedência do recurso jurisdicional (cfr. fls. 274/275), o qual submetido a contraditório mereceu resposta discordante da A. (cfr. fls. 278 e segs.).
A Mm.ª Juiz “a quo” sustentou a decisão quanto à arguida nulidade (cfr. fls. 291/293).
Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, se pese embora por um lado, o objecto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redacção introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
As questões suscitadas e de que cumpre decidir resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão judicial recorrida ao julgar improcedente a pretensão deduzida pela A., nos termos e pelos fundamentos dela constantes, incorreu, por um lado, em nulidade [falta de fundamentação e omissão de pronúncia - arts. 668.º, n.º 1, als. b) e d), 659.º, 660.º, n.º 2 do CPC] e, por outro lado, em erro de julgamento por desrespeito, nomeadamente, aos princípios da boa-fé e confiança administrativa e ao disposto nos arts. 58.º do DL n.º 197/99, de 08.06, 14.º, n.º 1, al. f) e 16.º do DL n.º 18/08, de 29.01, 24.º, n.º 1, al. e), 36.º, 38.º, 40.º, n.º 1, al. a), 74.º, 88.º, 112.º a 127.º e 447.º todos do CCP, 12.º, 133.º, 134.º do CPTA, e 342.º do CC [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
I) Por anúncio publicado em 29.03.2007, no Diário da República, a entidade demandada (IPO do Porto) abriu o concurso público internacional n.º 180002/2007, para o fornecimento e instalação de um sistema de informação hospitalar.
II) A A. apresentou proposta ao referido concurso, a qual ascendeu ao montante de 3.576.624,00€;
III) A proposta da adjudicatária, a contra-interessada “G..., LDA.”, ao tempo denominada “C..., Lda.”, ascendeu a 1.395.314,00€;
IV) A entidade demandada celebrou com a contra-interessada o contrato escrito de fls. 76 a 86 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual está escrito, designadamente, que:
Cláusula 6 (Facturação): «O segundo contraente facturará o presente contrato de acordo com o seguinte modelo:
a) No momento da adjudicação:
. 50% do valor de licenciamento ao que corresponde 276.251€ (…) acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
. 30% do valor total de serviços ao que corresponde 156.886,50€ (…) acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
b) No momento da aprovação do relatório Product Walkthrough POSIÇÃO 1: 30% do valor da posição na componente de serviços ao que corresponde 96.070,50€ (…) acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
c) No momento da aprovação do relatório Product Walkthrough POSIÇÃO 1: 15% do valor de licenciamento ao que corresponde 82.875,00€ acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
(…)
h) No momento da recepção provisória da POSIÇÃO 1: 30% do valor da posição na componente de serviços ao que corresponde 96.070,50€ (…) acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
i) No momento da recepção provisória da POSIÇÃO 1: 20% do valor de licenciamento ao que corresponde 110.500,00€ (…) acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
(…)
n) No momento da recepção definitiva da POSIÇÃO 1: 30% do valor da posição na componente de serviços ao que corresponde 10.920,00€ (…) acrescido de IVA à taxa legal em vigor (…)».
Cláusula 22 (Propriedade e Acesso): «Todos os resultados da implementação dos sistemas - elementos de trabalho e produtos desenvolvidos especificamente para o Primeiro Outorgante ficarão propriedade do Primeiro Outorgante, que os poderá utilizar em contextos futuros, sem prejuízo da aplicabilidade das regras gerais quanto ao direito autoral em matéria de propriedade das obras originárias».
V) Em 17.03.2008 a entidade demandada elaborou a nota de encomenda que consta do documento de fls. 100 destes autos principais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
VI) Em 05.05.2008 deu-se o arranque do projecto de implementação do «SIH», conforme consta do documento de fls. 101 junto aos autos principais e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
VII) A 30.06.2008 a contra-interessada emitiu a factura n.º 1001274, com vencimento em 30.07.2008, referente a «1 - 50% do valor de licenciamento das aplicações ao abrigo do contrato de Fornecimentos SIH-SAL 006/2008EQ», e a «2 - 30% do valor total de serviços ao abrigo do contrato de fornecimentos SIH-SAL-006/2008EQ», no valor total (com IVA incluído) de 524.096,38€.
VIII) Em 15.09.2008 foi aprovado pela entidade demandada o relatório de análise «Product Walkthrougt (PWT) da Área Clínica», Posição 1 do projecto de implementação do SIH - cfr. doc. de fls. 104 dos autos principais.
IX) Em 20.09.2008 a contra-interessada emitiu a factura n.º 22800046, com vencimento em 20.10.2008, referente a «1 - 30% do valor da Posição 1, na componente de serviços, referente ao Fornecimento e Instalação de Sistema de Informação Hospitalar - SIH - conforme contrato de Fornecimentos SIH-SAL 006/2008EQ», e a «2 - 15% do valor da Posição 1, na componente de serviços, referente ao Fornecimento e Instalação de Sistema de Informação Hospitalar - SIH - conforme contrato de Fornecimento de SIH-SAL 006/2008EQ» no valor total (com IVA incluído) de 214.734,60€ - cfr. doc. de fls. 103 dos autos principais.
X) Por Acórdão do Tribunal de Contas, de 22.09.2008, proferido no Processo n.º 811/2008, foi decidido recusar o visto ao respectivo contrato;
XI) Em 20.10.2008 a contra-interessada emitiu a factura n.º 22800047, com vencimento em 19.11.2008, referente a «35% do valor do software do Sistema de Informação Hospitalar», no valor total (com IVA incluído) de 232.050,00€ - cfr. doc. de fls. 106 dos autos.
XII) Em 04.11.2008 a entidade demandada emitiu a autorização de pagamento n.º 07132, no valor de 524.096,38€ referente à factura mencionada em IX) - cfr. doc. de fls. 98 dos autos principais.
XIII) Por deliberação de 17.12.2008, do Conselho de Administração da entidade requerida (IPO), junta aos autos a fls. 53 a 56, cujo teor aqui se dá por reproduzido, foi aprovada a proposta de 17.12.08, da qual consta, designadamente, que:
«… Avaliada a situação e considerada a informação técnica fornecida pelo Gabinete Jurídico, propõe-se o seguinte:
Aceitação da decisão da decisão do Tribunal de Contas e consequências legais derivadas: a ineficácia jurídica do contrato e pagamento à empresa C... dos trabalhos realizados e bens e serviços adquiridos até 26 de Setembro de 2008.
Valor facturado no momento da adjudicação, conforme contrato - 433.137,5€.
Valor relacionado com aprovação do PWT da posição 1 do contrato - 178.945,5€.
Valor referente ao remanescente das licenças do software - 193.375€.
(…) Atendendo:
À importância deste projecto para a concretização de objectivos estratégicos para o IPOP;
À especificidade técnica do software e à impossibilidade da sua implementação sem a continuação da colaboração da empresa C..., com aproveitamento da despesa realizada até à data da decisão do Tribunal de Contas;
Ao novo enquadramento legal do Código de Contratação Pública (Decreto-lei n.º 18/2008);
Propõe-se a contratação dos serviços necessários à conclusão do projecto por ajuste directo, ao abrigo dos artigos … 23, … 24- alínea e) e 112.º e 129.º do novo Código da Contratação Pública, pelo facto deste normativo possibilitar por motivos técnicos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, a prestação do objecto do contrato por ajuste directo.
Anexa-se:
(…)
Pareceres do gabinete Jurídico de 08/10/08 e 07/11/08».
XIV) Teor do documento junto aos autos a fls. 97, do qual consta, designadamente, que:
«(…) aceitação, com reservas, da V. Factura n.º 22800047 (relativa aos 35% da licença aí identificada).
(…) compreendendo a singularidade da situação e em homenagem ao nosso próprio interesse contratual, declaramos a aceitação daquela factura, no contexto da contratação que venha a seguir-se para a conclusão da aquisição do referido SIH».
XV) Na sequência do referido em X), a entidade demandada, por fax datado de 12.01.2009, informou os concorrentes e a aqui A. que “foi proferida decisão no sentido da recusa de visto prévio, com a consequência legal da ineficácia do contrato entretanto celebrado com a adjudicatária do concurso em questão” - cfr. doc. de fls. 24 dos autos.
XVI) A A. foi também informada que “a nova contratação terá lugar ao abrigo do Código dos Contratos Públicos” - cfr. doc. de fls. 24 dos autos.
XVII) No âmbito do procedimento por ajuste directo a contra-interessada apresentou, a 21.01.2009, a proposta de fls. 98 a 110 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
XVIII) Na sequência do referido no ponto VII), a A., por carta datada de 04.02.2009, informou o «IPO» que «na qualidade de concorrente no referido concurso» tinha «interesse em apresentar nova proposta, aguardando que, nos termos legais seja notificada da abertura do novo procedimento» - cfr. doc. de fls. 25 dos autos.
XIX) Na sequência do referido no ponto que antecede, a entidade demandada informou a A., por carta datada de 09.02.2009 que «o procedimento deliberado pelo Instituto para a nova contratação foi o de ajuste directo com a entidade com a qual já havia celebrado o contrato cuja ineficácia resultou das vicissitudes do processo de obtenção de visto (…); com efeito, ao abrigo do Código dos Contratos Públicos, vigente desde 29 de Junho de 2008, e, designadamente, com base nas normas dos seus arts. 24.º e 112.º e segs., atentas as circunstâncias de facto que foram consideradas, foi deliberado contratar por aquela via de ajuste directo a negociação do remanescente do objecto contratual antes frustrado» - cfr. doc. de fls. 26 dos autos.
XX) Após a recepção da informação referida no ponto que antecede, a A. enviou à entidade demandada carta datada de 18.02.2009, junta aos autos a fls. 27, cujo teor aqui se dá por reproduzido, solicitando a emissão de certidão da acta do Conselho de Administração onde foi deliberada a contratação por ajuste directo e a informação de quais os trabalhos efectivamente realizados pelo adjudicatário ao abrigo do Concurso Público Internacional n.º 180002/2007 - SIH.
XXI) Em resposta, a entidade demandada enviou a carta datada de 02.03.2009, junta aos autos a fls. 28, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
XXII) Em 10.03.2009 a entidade demandada emitiu a autorização de pagamento n.º 0786, no valor de 446.784,60€ referente às facturas mencionadas em IX) e XI) - cfr. doc. de fls. 102 dos autos principais.
XXIII) Por sentença de 12.05.2009 do TAF do Porto a entidade demandada foi condenada a passar certidão da acta do Conselho de Administração onde foi deliberada a contratação por ajuste directo, da anterior adjudicatária do concurso público internacional n.º 180002/2007, passar a certidão do pedido de visto prévio ao Tribunal de Contas decorrente daquela nova adjudicação, informar quais os trabalhos efectivamente realizados pela referida adjudicatária ao abrigo do CPI n.º 180002/2007 e permitir a consulta do processo de formação do contrato com a adjudicatária por ajuste directo, sentença que foi integralmente confirmada por Acórdão do TCA do Norte - docs. de fls. 24 a 49 dos autos;
XXIV) A 22.05.2009 foi celebrado contrato com a contra-interessada no âmbito do procedimento por ajuste directo, nos termos que constam do documento de fls. 169 a 170 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
XXV) A 20.10.2009, a entidade demandada passou certidão da acta do Conselho de Administração onde foi deliberada a contratação por ajuste directo, da anterior adjudicatária do concurso público internacional n.º 180002/2007 - cfr. doc. de fls. 50 a 71 dos autos.
XXVI) Em 20.11.2009 deram entrada neste Tribunal os autos de providência cautelar com processo n.º 3003/09.6BEPRT-A.
XXVII) Em 24.11.2009 foi instaurada a presente acção.
XXVIII) O sistema de informação hospitalar encontra-se em produção desde o passado dia 30.11.2009, data em que, neste domínio, foi descontinuada a anterior aplicação - cfr. docs. de fls.166 dos autos.
XXIX) As demais prestações contratadas à “G..., Lda.”, encontram-se em execução.
XXX) A contra-interessada “G…” emitiu, em 31.12.2009, a factura n.º 1001471 referente a “AJUSTE DIRECTO - EXECUÇÃO DO REMANESCENTE DO SIH/ Ajuste directo de acordo com a proposta n.º 220090001 de 21.01.2009”, no valor total de 323.997,60€ - cfr. doc de fls. 112 junto aos autos principais.
XXXI) Por ofício de 18.02.2010 a entidade demandada procedeu à devolução da factura referida no ponto que antecede, porquanto «Segundo a informação do n/serviço de Informática, os trabalhos da proposta n.º 220090001 de 21.01.2009 ainda não estão concluídos” - cfr.doc. de fls.110 dos autos principais.
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3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade antecedente, que, aliás, não foi objecto de qualquer impugnação importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional “sub judice”.
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3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF do Porto em apreciação da pretensão anulatória deduzida pela A., aqui recorrente, concluiu pela inverificação das ilegalidades assacadas ao acto/contrato objecto de impugnação.
*
3.2.2. DA TESE DA RECORRENTE
Argumenta a mesma que tal decisão judicial fez errado julgamento já que o acto/contrato em crise padece de todas as ilegalidades que lhe foram imputadas nos autos pelo que assim não haver concluído o TAF do Porto incorreu em nulidade [falta de fundamentação e omissão de pronúncia - arts. 668.º, n.º 1, als. b) e d), 659.º, 660.º, n.º 2 do CPC] e em erro de julgamento violação, nomeadamente, dos princípios da boa-fé e confiança administrativa e do que se mostra disposto nos arts. 58.º do DL n.º 197/99, 14.º, n.º 1, al. f) e 16.º do DL n.º 18/08, 24.º, n.º 1, al. e), 36.º, 38.º, 40.º, n.º 1, al. a), 74.º, 88.º, 112.º a 127.º e 447.º todos do CCP, 12.º, 133.º, 134.º do CPTA, e 342.º do CC.
*
3.2.3. DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.3.1. DAS NULIDADES
Deriva das alegações da recorrente [cfr. conclusões 07.ª, 08.ª, 09.ª, 22.ª e 23.ª)] a invocação da existência de nulidades decorrentes da preterição do disposto nos arts. 668.º, 659.º, 660.º, n.º 2 do CPC, sem que, todavia, nas mesmas se explicite qual das alíneas do n.º 1 se mostram infringidas pela decisão judicial em crise.
Analisemos.

3.2.3.1.1. Estipula-se no aludido normativo, no segmento que se reputa relevar, que é “… nula a sentença: … b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ...”.
As situações de nulidade da decisão encontram-se legalmente tipificadas no art. 668.º, n.º 1 do CPC, cuja enumeração é taxativa, comportando causas de nulidade de dois tipos [de carácter formal - art. 668.º, n.º 1, al. a) CPC - e várias causas respeitantes ao conteúdo da decisão - art. 668.º, n.º 1, als. b) a e) CPC], sendo que a qualificação como nulidade de decisão de ilegalidades integradoras de erro de julgamento não impede o Tribunal “ad quem” de proceder à qualificação jurídica correcta e apreciar, nessa base, os fundamentos do recurso.
Caracterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infracção ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC temos que a mesma só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não constem com o mínimo de suficiência e de explicitação os fundamentos de facto e de direito que a justificam.
A este respeito, a doutrina [J. Alberto dos Reis in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 140; J. Rodrigues Bastos in: “Notas ao Código de Processo Civil”, 3.ª edição, vol. III, pág. 193; Anselmo de Castro in: "Direito Processual Civil Declaratório", Tomo III, pág. 141; Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora in: "Manual de Processo Civil", 2.ª edição, pág. 687] e a jurisprudência [cfr. Acs. STJ de 14.04.1999 in: BMJ n.º 486, págs. 250, de 09.02.1999 - Proc. n.º 98A1228, de 10.05.2000 - Proc. n.º 00A3277, de 12.05.2005 - Proc. n.º 5B840, de 17.04.2007 - Proc. n.º 07B956 in: «www.dgsi.pt/jstj»; Acs. STA de 24.10.2000 (Pleno) - Proc. n.º 037128, de 26.03.2003 - Proc. n.º 047441, de 10.09.2009 - Proc. n.º 0940/08 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. deste TCAN de 21.10.2004 - Proc. n.º 00060/04, de 21.02.2008 - Proc. n.º 00462/2000 - Coimbra, de 24.04.2008 - Proc. n.º 00507/06.6BEBRG, de 08.05.2008 - Proc. n.º 00222/03-Coimbra, de 02.04.2009 - Proc. n.º 01993/08.5BEPRT, de 18.06.2009 - Proc. n.º 01411/08.9BEBRG-A, de 11.03.2010 - Proc. n.º 00228/08.5BEBRG in: «www.dgsi.pt/jtcn»], têm feito notar que não deve confundir-se a eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, pois, só a esta última se reporta a alínea em questão.
Já no que diz respeito à nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC a mesma prende-se com o dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2 CPC).
Trata-se, nas palavras de M. Teixeira de Sousa, do “... corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte) …” que “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
(...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221).
Questões para este efeito são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …” (cfr. A. Varela in: RLJ, Ano 122.º, pág. 112) e não podem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …” (cfr. J. Alberto dos Reis in: ob. cit., pág. 143).
Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido.
Afirma ainda M. Teixeira de Sousa que o “... tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (...) Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados (...) ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor (...).
Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. (...)
Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder.
… Como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte], ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer. (...).
O excesso de pronúncia pode ser parcial ou qualitativo, consoante o tribunal conheça de um pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte. Este excesso de pronúncia parcial ou qualitativo também conduz à nulidade da decisão [arts. 661.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, al. e)], mas ele é distinto do excesso de pronúncia previsto no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte, pela seguinte razão: - se o tribunal condena no pedido formulado, mas utiliza um fundamento que excede os seus poderes de conhecimento, a hipótese cabe na nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte; - mas se o tribunal, mesmo utilizando os fundamentos admissíveis, condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, o caso inclui-se na previsão do art. 668.º, n.º 1, al. e).
(...) O art. 661.º, n.º 3 (...) constitui uma excepção a este fundamento de nulidade da decisão …” (in: ob. cit., págs. 220 a 223).
A sentença ou o acórdão constituem decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, num caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses (públicos e/ou privados) no âmbito das relações jurídicas administrativas (cfr. arts. 01.º e 04.º ambos do ETAF).
Os mesmos conhecem do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para aquele caso concreto, pelo que a sentença ou o acórdão podem estar viciados de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:
- Por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
- Por outro, como actos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretados e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do art. 668.º do CPC.

3.2.3.1.2. Munidos destes considerandos antecedentes de enquadramento quanto ao conceito de nulidade de decisão judicial e em particular das nulidades de que importa apreciar centremos, desde logo, nosso juízo quanto à alegada nulidade por infracção ao que se dispõe na al. b) do preceito legal em referência.
É certo que estamos perante decisão sobre a qual se impõe a observância do dever de fundamentação (art. 158.º, n.º 1 do CPC) e que a justificação a expender na mesma não poderá “… consistir na simples adesão aos fundamentos alegados … na oposição” (cfr. n.º 2 do art. 158.º do CPC).
Contudo, na lógica do que se veio a decidir, analisados seu teor e fundamentos, temos que a sentença recorrida na análise que realiza sob o “ponto I)” do enquadramento de direito [violação do art. 58.º do DL n.º 197/99] acaba por desenvolver toda uma primeira linha própria argumentativa fundamentadora ou motivadora do juízo de improcedência da invocada ilegalidade [cfr. 167 a 173 dos autos], surgindo a remissão para a argumentação sustentada na contestação pelo co-R. “IPOPFG, …” como um último “reforço” de fundamentação [“de segunda linha”] [cfr. pág. 173 último parágrafo quando se refere na sentença, e passa-se a citar, o seguinte: “…Mas ainda que assim não fosse e se entendesse que a Entidade Demandada ao tempo em que proferiu a deliberação impugnada estava sujeita ao regime jurídico decorrente do Decreto-Lei n.º 197/99, …, ainda assim a situação em causa não seria reconduzível à previsão da norma do artigo 58.º desse diploma, como bem sustenta a Entidade Demandada, com cujos argumentos concordamos …”].
Assim, mostrando possuir fundamentação própria o juízo de improcedência feito quanto àquele concreto fundamento de ilegalidade, que o permite sobreviver e manter-se sem necessidade do pretenso acrescento de fundamentação, temos que para efeitos do preenchimento da previsão da al. b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC irreleva no caso tal deficiente linha argumentativa que contraria o que se dispõe no art. 158.º do CPC [“ex vi” art. 01.º do CPTA], não enfermando, pois, a decisão judicial sindicada de nulidade por falta de fundamentação.

3.2.3.1.3. Quanto à nulidade decorrente da al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC temos que a mesma apenas procede parcialmente.
Com efeito, lida atentamente a decisão judicial objecto de impugnação temos que na mesma a Mm.ª Juiz “a quo” apenas omitiu pronúncia relativamente à pretensa infracção ao art. 115.º, n.º 4 do CCP por parte da deliberação/contrato impugnado [ilegalidade decorrente da inexistência de caderno de encargos - alegada nos arts. 73.º e 74.º da p.i.].
É que ao longo de tal decisão nada se diz quanto a esta concreta ilegalidade que foi invocada na petição inicial, mormente, no que se desenvolveu e expendeu em sede de apreciação sob o ponto IV) do enquadramento jurídico da causa.
Já quanto à arguida nulidade por omissão de pronúncia enquanto estribada nos demais fundamentos a mesma será de desatender porquanto as pretensas ilegalidades que se traduziriam na infracção aos arts. 126.º e 127.º do CCP [inexistência de documentos de habilitação e preterição das regras de publicitação] não foram concretizadas enquanto ilegalidades “a se” em sede de articulado inicial [cfr. arts. 30.º e 32.º daquela peça processual]. Nada ali se referiu ou se concluiu nesse sentido ainda que com um mínimo de suficiência, não havendo a aqui recorrente extraído da sua alegação factual quaisquer consequências jurídicas em termos da sua invocação quanto a tais concretos fundamentos de ilegalidade a imporem efectivação de pronúncia judicial. Atente-se, ainda, que quanto às pretensas ilegalidades não supre tal ónus de impugnação [art. 78.º, n.º 2, al. g) do CPTA] o que se veio a alegar no requerimento/resposta à matéria de excepção apresentado pela A. sob o registo entrada n.º 190368 [datado de 24.03.2010 e inserto a fls. 136/140 dos autos].
Por fim, temos igualmente como improcedente a arguição de nulidade por omissão de pronúncia quanto à pretensa ausência de decisão relativamente à violação dos princípios da boa fé e da confiança por parte da deliberação administrativa objecto de impugnação. Na verdade, se é certo que a tal fundamento de ilegalidade a sentença aquando da análise do ponto I) do enquadramento jurídico da causa não se aludiu temos que o mesmo acabou por ser objecto de análise e decisão [no sentido da sua improcedência] sob o ponto III) daquele mesmo enquadramento.
De harmonia com o exposto, temos que no caso em apreço procede apenas a arguição de nulidade assacada à decisão judicial recorrida consubstanciada na omissão de pronúncia relativamente à ilegalidade decorrente da inexistência de caderno de encargos em infracção ao art. 115.º, n.º 4 do CCP [alegada nos arts. 73.º e 74.º da p.i.], desatendendo-se as demais nulidades invocadas.
*
3.2.3.2. DA VIOLAÇÃO ARTS. 58.º DL N.º 197/99 e 79.º CCP, 14.º, N.º1, AL. F) e 16.º DL N.º 18/08
Sustenta a recorrente que a decisão judicial recorrida efectuou errada interpretação e aplicação do quadro normativo referido em epígrafe porquanto no caso o procedimento desenvolvido pelo co-R. “IPOPFG …” na sequência do acórdão do Tribunal de Contas n.º 110/08 (doravante T.Contas) [Proc. n.º 811/08 - recusa visto ao contrato de fornecimento e instalação de sistema de informação hospitalar outorgado em 19.06.2008 - cfr. n.ºs IV) e X) dos factos provados] deveria passar pela abertura de procedimento concursal similar àquele que esteve na origem do contrato que viu recusado o visto, já que só dessa forma se respeitaria o julgado por aquele Tribunal e o que se dispõe nos arts. 58.º do DL n.º 197/99, 79.º do CCP e 16.º do DL n.º 18/08 [cfr. conclusões 01.ª, 02.ª, 03.ª, 04.ª, 05.ª, 06.ª e 10.ª]
Vejamos, trazendo previamente à colação o pertinente quadro legal.

3.2.3.2.1. Dispunha-se no art. 58.º do DL n.º 197/99 [diploma que veio a ser revogado, com excepção dos arts. 16.º a 22.º e 29.º, pelo DL n.º 18/08, de 29.01 - cfr. art. 14.º, n.º 1, al. f) daquele DL -, revogação essa que opera desde 29.07.2008 data em que entrou em vigor o CCP - cfr. art. 18.º do mesmo diploma], sob a epígrafe de «anulação do procedimento», que a “… entidade competente para autorizar a despesa pode anular o procedimento quando: a) Por circunstância imprevisível, seja necessário alterar os elementos fundamentais dos documentos que servem de base ao procedimento; b) Outras razões supervenientes e de manifesto interesse público o justifiquem …” (n.º 1), sendo que na situação prevista na reproduzida al. a) “… é obrigatória a abertura de um procedimento do mesmo tipo, no prazo de seis meses a contar da data do despacho de anulação …” (n.º 2), na certeza de que a “… decisão de anulação do procedimento deve ser fundamentada e publicitada nos mesmos termos em que foi publicitada a sua abertura …” (n.º 3) e os “… concorrentes que, entretanto, tenham apresentado propostas devem ser notificados dos fundamentos da decisão de anulação do procedimento e, ulteriormente, da abertura do novo procedimento …” (n.º 4).
Preceitua-se, por sua vez, no art. 16.º do DL n.º 18/08, relativo à «aplicação no tempo» do CCP, que este código “… só é aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a data da sua entrada em vigor e à execução dos contratos que revistam natureza de contrato administrativo celebrados na sequência de procedimentos de formação iniciados após essa data, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 18.º …” (n.º 1), sendo ainda que o mesmo “… não se aplica a prorrogações, expressas ou tácitas, do prazo de execução das prestações que constituem o objecto de contratos públicos cujo procedimento tenha sido iniciado previamente à data de entrada em vigor daquele …” (n.º 2).
Por fim, no regime actualmente vigente e no âmbito que aqui releva prevê-se no art. 79.º do CCP, referente às «causas de não adjudicação», que não “… há lugar a adjudicação quando: a) Nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta; b) Todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas; c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento após o termo do prazo fixado para a apresentação das propostas; d) Circunstâncias supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem; e) No procedimento de ajuste directo em que só tenha sido convidada uma entidade e não tenha sido fixado preço base no caderno de encargos, o preço contratual seria manifestamente desproporcionado; f) No procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante …” (n.º 1), sendo que no “… caso da alínea c) do n.º 1, é obrigatório dar início a um novo procedimento no prazo máximo de seis meses a contar da data da notificação da decisão de não adjudicação …” (n.º 3).

3.2.3.2.2. Munidos do enquadramento legal antecedente temos que não assiste razão à recorrente nas críticas que nesta sede assaca à decisão judicial recorrida já que, desde logo, e partindo do pressuposto, que não se concede, de que a situação “sub judice” ainda é subsumível ao regime decorrente do DL n.º 197/99 não se vislumbra como preenchida a previsão do n.º 2 do art. 58.º do citado DL porquanto a mesma reporta-se apenas às situações em que a entidade competente para autorizar a despesa anulou o procedimento por verificação de circunstância imprevisível que conduziu à necessidade de alterar os elementos fundamentais dos documentos que servem de base ao procedimento [situação enunciada na al. a) do n.º 1 do art. 58.º].
Ora a deliberação aqui impugnada, tomada pela entidade competente para autorizar a despesa, não procedeu à anulação do procedimento, mormente, da decisão de adjudicação que esteve na origem do contrato que viu recusado o visto pelo Tribunal de Contas, e ainda que assim se considerasse não o fez com fundamento em circunstância imprevisível que tivesse conduzido à necessidade de alterar os elementos fundamentais dos documentos que servem de base ao procedimento.
As motivações avançadas naquela deliberação como justificação para a opção ou escolha pelo concreto procedimento concursal em questão (ajuste directo) não se integram minimamente na previsão do art. 58.º do DL n.º 197/99, que, assim, não pode ter-se como infringido, na certeza de que o mesmo, à luz do regime aplicação da lei no tempo definido pelo art. 16.º do DL n.º 18/08 e considerando a data em que foi tomada a deliberação impugnada, não se mostra já passível de disciplinar a legalidade daquele acto e procedimento tal como se conclui com acerto na sentença recorrida neste âmbito, visto que a parte II do Código da Contratação Pública ser aplicável aos procedimentos de formação de contratos que tenham tido seu início após a respectiva data de entrada em vigor (29.07.2008) e no caso o procedimento em causa iniciou-se em 17.12.2008 com a tomada da decisão de contratar posta em crise nos autos (cfr. art. 36.º, n.º 1 do CCP), sendo esse o momento relevante para aferir da aplicabilidade ou não do CCP ao concreto procedimento de contratação pública.

3.2.3.2.3. Por outro lado, não se divisa como infringido o art. 79.º do CCP. Com efeito, à luz da factualidade que se mostra apurada nos autos também não se vislumbra preenchida a previsão do aludido normativo [não estamos, desde logo, em face duma “decisão de não adjudicação” e muito menos, tal como supra concluímos no quadro do anterior regime, que a mesma tenha tido por fundamento situação enquadrada na previsão da al. c) do n.º 1 do art. 79.º], não enfermando a deliberação impugnada de ilegalidade por violação daquele preceito, nem incorrendo a decisão judicial recorrida de erro de julgamento ao haver sufragado tal entendimento.

3.2.3.2.4. Atente-se, por fim, que na situação em presença a deliberação impugnada visou, por um lado, extrair em termos da legalidade financeira as pertinentes consequências jurídicas decorrentes da decisão do T.Contas que recusou a concessão de visto ao contrato outorgado na sequência do procedimento referido e descrito sob os n.ºs I) a IV) dos factos apurados para assim “ultrapassar” a ineficácia daquele contrato e introduzir novo procedimento a sujeitar, também ele, àquele controlo financeiro, e, por outro lado, procurou alegadamente repor a legalidade administrativa com prolação de decisão que acaba por consubstanciar implícita e consequentemente uma revogação do anterior acto adjudicatório e do contrato na sequência do mesmo outorgado [que obteve a aceitação da co-R. contra-interessada pelo menos quando responde afirmativamente ao convite que lhe foi endereçado e ulteriormente vem a outorgar o novo contrato], decisão essa cuja eficácia só operou desde a data em que foi tomada e apenas para o futuro [revogação “ex nunc”], mantendo para o passado tudo o que entretanto ocorreu e teve lugar.
Na verdade, decorre do art. 45.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (abreviadamente LOPTC - Lei n.º 98/97, de 25.08) que os “actos, contratos e demais instrumentos sujeitos à fiscalização prévia do Tribunal de Contas podem produzir todos os seus efeitos antes do visto ou da declaração de conformidade, excepto quanto aos pagamentos a que derem causa e sem prejuízo do disposto nos números seguintes …” (n.º 1), sendo que nos “… casos previstos no número anterior, a recusa do visto implica apenas ineficácia jurídica dos respectivos actos, contratos e demais instrumentos após a data da notificação da respectiva decisão aos serviços ou organismos interessados” (n.º 2) e os “trabalhos realizados ou os bens ou serviços adquiridos após a celebração do contrato e até à data da notificação da recusa do visto poderão ser pagos após esta notificação, desde que o respectivo valor não ultrapasse a programação contratualmente estabelecida para o mesmo período” (n.º 3) (sublinhados nossos).
Deriva do regime acabado de transcrever que a actual LOPTC veio prever a possibilidade dos contratos sujeitos a visto naquele Tribunal produzirem todos os seus efeitos próprios a partir do momento da sua outorga ou celebração, salvo os efeitos financeiros, pois, em caso de recusa do visto o contrato considera-se como ineficaz. Contudo, não sendo o visto prévio em relação à celebração do contrato gerador da despesa cuja regularidade o visto visa controlar temos que ainda assim se permite, dentro de certo condicionalismo, a efectivação de pagamentos que seriam ilegais no que diz respeito à parte dos contratos executada até ao momento da notificação da recusa do visto.
Ora o visto do T.Contas constitui uma decisão de controlo jurídico externo, prévio e preventivo sob actos/contratos da administração, tendo como finalidade essencial a prevenção na realização de despesas públicas em desconformidade com a ordem jurídica financeira [cfr. arts. 209.º, n.º 1, al. c), 214.º, n.º 1, al. d) da CRP, 01.º, 02.º, 05.º, 07.º, 08.º, 44.º e segs., 71.º e segs., 80.º e segs., 96.º e segs. LOPTC] [cfr. José F.F. Tavares in: “O Tribunal de Contas. Do Visto, em especial …”, Almedina, 1998, págs. 37 e segs., 120 e segs., em especial, 157 e segs.; em “A fiscalização prévia do Tribunal de Contas e o recurso contencioso do acto administrativoin: CJA n.º 18, págs. 17/19; e ainda do mesmo autor em “Extensão e limites dos poderes do Tribunal de Contasin: CJA n.º 71, pág. 41].
Tal acto constitui uma “conditio iuris” que relativamente aos actos/contratos sobre os quais incide se revela como um requisito da eficácia ou, em certos casos, de manutenção de eficácia do acto (quanto aos efeitos não financeiros), pelo que a recusa do visto não implica ou importa a invalidade do acto/contrato [cfr. José F.F. Tavares in: ob. e loc. citados, págs. 180/181 e pág. 18; Tiago Duarte em “Tribunal de Contas, visto prévio e tutela jurisdicional efectiva?
Yes we can in: CJA n.º 71, pág. 33; Acs. do STA de 16.12.1997 - Proc. n.º 42108 in: Apêndice DR, de 25.09.2001, págs. 9032 e segs., de 18.06.2003 - Proc. n.º 41969 in: Apêndice DR, de 07.07.2004, págs. 5373 e segs., de 31.10.2006 - Proc. n.º 0875/05, de 12.02.2009 - Proc. n.º 01068/08 in: «www.dgsi.pt/jsta»].
O contrato anteriormente celebrado que viu ser-lhe recusado o visto torna-se juridicamente inviável na medida em que sem o visto nunca o mesmo poderá produzir efeitos financeiros e assim legitimar os pagamentos realizados com sua cobertura legal.
Daí que face à recusa do visto do T.Contas incumbia à entidade administrativa optar entre impugnar a decisão ou proferir decisão de não pretender superar as deficiências que levaram a tal recusa desenvolvendo, então, os procedimentos tendentes a conformar e legalizar a sua actividade de molde a obter aquele visto.
No caso vertente o ente demandado optou por esta última solução, opção essa que, face à natureza e consequências da decisão de recusa de visto pelo T.Contas, não impede que o ente administrativo não possa posteriormente desenvolver, no estrito cumprimento da lei e do julgado, outros procedimentos e celebrar novo contrato em que sejam superadas aquelas deficiências.
Não envolvendo ou implicando a decisão de recusa do visto pelo T.Contas uma declaração de nulidade ou anulação do acto/contrato submetido à sua apreciação não estava a entidade administrativa demandada impedida ou condicionada na sua acção pelo referido julgado de, no uso dos seus poderes, agir e conformar os actos e obrigações contratuais praticados e desenvolver os procedimentos e praticando os actos reputados como necessários à prossecução do interesse público sem prejuízo da sua sujeição em sede e local próprios ao controlo de legalidade financeira e administrativa nos e pelos entes competentes.
Do exposto resulta que a decisão administrativa impugnada não ofende o julgado, não envolvendo o seu conteúdo uma “execução” indevida da decisão do T.Contas, na certeza de que a mesma não preenche, pelo seu teor, alcance e consequências expressas e implícitas atrás aludidas, as previsões dos arts. 58.º do DL n.º 197/99 (no pressuposto de ser aplicável) e 79.º do CCP de harmonia com os considerandos supra desenvolvidos.
Improcede, por conseguinte, o fundamento de ilegalidade invocado e pretenso erro de julgamento assacado à decisão judicial recorrida.
*
3.2.3.3. DA VIOLAÇÃO ART. 24.º, N.º1, AL. E) CCP
Argumenta, nesta sede, a recorrente que a decisão judicial recorrida incorreu em erro de julgamento na medida em que ao efectuar a subsunção jurídica dos factos apurados o fez em infracção ao que se mostra disciplinado no normativo em epígrafe já que na situação em presença não se mostravam, nem se mostram preenchidos os pressupostos legalmente definidos naquele preceito.
Analisemos.
3.2.3.3.1. Atentemos, desde já, no quadro legal tido por pertinente, na certeza de que a situação fáctica vertente não se mostra minimamente subsumível ou enquadrável no âmbito das previsões dos arts. 25.º, 26.º e 27.º todos do CCP.
Dispõe-se no art. 112.º do CCP, sob a epígrafe de «noção de ajuste directo» que este “… é o procedimento em que a entidade adjudicante convida directamente uma ou várias entidades à sua escolha a apresentar proposta, podendo com elas negociar aspectos da execução do contrato a celebrar …”.
E no n.º 1 do art. 24.º do mesmo Código, relativo à «escolha do ajuste directo para a formação de quaisquer contratos», disciplina-se, no âmbito que cumpre apreciar, que qualquer “… que seja o objecto do contrato a celebrar, pode adoptar-se o ajuste directo quando: … e) Por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, a prestação objecto do contrato só possa ser confiada a uma entidade determinada …”, preceito esse com o qual se visou transpor o que se mostrava já enunciado no n.º 1, al. b) do art. 31.º da Directiva n.º 2004/18/CE, de 31.03 (publicada no JOUE L 134/114 de 30.04.2004) e que possui o seguinte teor: “As entidades adjudicantes podem celebrar contratos públicos recorrendo a um procedimento por negociação, sem publicação prévia de um anúncio, nos seguintes casos: 1) No caso dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços: … b) Quando, por motivos técnicos, artísticos ou atinentes à protecção de direitos de exclusividade, o contrato só possa ser executado por um operador económico determinado …”.
Atente-se, ainda, que no âmbito do anterior regime legal que disciplinava este tipo de procedimentos constava do art. 86.º, n.º 1 do DL n.º 197/99 comando normativo similar ao actualmente vigente, já que ali se previa que o “… ajuste directo pode ter lugar, independentemente do valor, quando: … d) Por motivos de aptidão técnica ou artística ou relativos à protecção de direitos exclusivos ou de direitos de autor, a locação ou o fornecimento dos bens ou serviços apenas possa ser executado por um locador ou fornecedor determinado …” [cfr. ainda no anterior regime o que se dispunha em sentido similar no art. 136.º, n.º 1, al. b) do DL n.º 59/99 relativo às empreitadas de obras públicas].

3.2.3.3.2. Cientes desde quadro legal importa focalizar a nossa atenção no aferir se, em concreto, a regra em função do critério material de escolha do procedimento de ajuste directo se mostra preenchida, sendo certo que, face ao que se mostra enunciado conjugadamente nos arts. 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 23.º do CCP em articulação com o demais quadro legal atrás invocado, a opção inicial pelo concurso público ou limitado, ou ajuste directo, não envolve por parte da Administração o exercício dum poder discricionário mas ao invés dum poder vinculado.
E respondendo, desde logo, ao objectivo que importa dilucidar e conhecer nesta sede afirmamos que a situação fáctica descrita nos autos não encontra enquadramento e cobertura legal no art. 24.º, n.º 1, al. e) do CCP, que, assim, se considera infringido.
O concurso público constitui o procedimento regra no domínio da contratação pública visto através da sua peculiar tramitação constituir uma forma particular de dar alento e substância aos princípios jurídicos da concorrência, da igualdade, da imparcialidade e da transparência tão caros no âmbito da contratação pública e que, aliás, se mostram expressamente plasmados no art. 01.º, n.º 4 do CCP.
Daí que os demais procedimentos de formação de contrato [cfr. elenco constante do art. 16.º, n.º 1 do CCP], em particular o que aqui ora releva, o ajuste directo, constituam reais excepções ao regime regra, a demandarem, como tal, cuidados redobrados na aferição dos critérios legais definidos para a sua convocação.
Com efeito, no preceito em referência, tal como nos artigos 25.º a 27.º e 31.º, n.º 3 do CCP, enunciam-se uma série de critérios materiais que uma vez verificados legitimam a adopção do procedimento de ajuste directo para a formação de quaisquer contratos (v.g., contratos de empreitadas de obras públicas, de locação ou aquisição de bens móveis e de serviços).
Deriva do quadro legal aludido que são três as principais ordens de razões que justificam a opção pelo ajuste directo, ou seja, razões procedimentais [cfr. art. 24.º, n.º 1, als. a), b) e c), 25.º, n.º 1, als. a) e c), 26.º, n.º 1, al. e) e 27.º, n.º 1, als. a) e h) do CCP], razões relativas ao objecto do contrato [cfr. art. 24.º, n.º 1, als. d) a f), 25.º, n.º 1, al. b), 26.º, n.ºs 1, als. a) a d) e f) e 2, e 27.º, n.º 1, als. b) a g) do CCP] e razões de interesse público [cfr. art. 31.º, n.º 3 do CCP], sendo certo que no âmbito deste procedimento se mostram actualmente incluídas as situações anteriormente cobertas pelo concurso limitado sem publicação prévia de anúncio ou sem apresentação de candidaturas, pelo procedimento de negociação sem publicação prévia de anúncio e pela consulta prévia.
Procurando enquadrar o critério material invocado como justificação/fundamento do procedimento de formação de contrato pelo qual se optou temos que com o mesmo se exige que ocorram motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos que conduzam a que a prestação objecto do contrato só possa ser confiada a uma entidade determinada.
À luz deste normativo temos que o procedimento de ajuste directo só se mostrará legitimado quando a entidade adjudicante demonstre que só aquele concreto prestador de serviços está técnica ou artisticamente habilitado ou detém direitos exclusivos objecto de protecção para executar o serviço pretendido.
É certo que a aferição da aptidão técnica e artística, bem como da existência de direitos exclusivos que beneficiem de protecção, dever ser analisada em concreto e não em abstracto.
Mas daí não deriva, como referimos supra, que a entidade adjudicante goze de poder discricionário conformador da definição e aferição daqueles critérios materiais à luz de outras razões tidas na prossecução do interesse público, porquanto, nesta sede, o legislador conferiu àquela entidade o poder-dever jurídico estritamente vinculado de, por ajuste directo, vir a adjudicar, nomeadamente, o fornecimento de determinados serviços a um concreto fornecedor, dado aquele concreto fornecimento, por motivos de aptidão técnica, artística ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, só por aquele possa ser executado.
Ora a opção pelo ajuste directo tendo como fundamento a al. e) do n.º 1 do art. 24.º do CCP só ocorrerá, no caso vertente, quando no mercado, por razões técnicas, artísticas ou de protecção de direitos exclusivos, apenas exista ou se mostre habilitada uma empresa capaz de executar a prestação/fornecimento de serviço, pelo que não faria sentido a Administração ter de se socorrer do procedimento concursal quando de antemão sabia que só aquela empresa poderia ser admitida.
Nessa medida, não podem ter-se como susceptíveis de integrar a previsão deste comando as situações em que a Administração crie, ela própria, as circunstâncias fácticas conducentes a que só uma empresa lhe possa executar uma determinada prestação/fornecimento de serviços.

3.2.3.3.3. Ora o enquadramento e explicitação do conteúdo de norma similar à previsão da actual al. e) do n.º 1 do art. 24.º do CCP já havia sido objecto de controvérsia e pronúncia uniforme por parte do T.Contas.
Com efeito, aquele Tribunal por referência à al. d) do n.º 1 do art. 86.º do DL n.º 197/99 e em situações com contornos algo semelhantes aos em questão foi sedimentando e firmando jurisprudência no sentido de que tal comando legal “… confere ao decisor público o poder-dever jurídico de, por ajuste directo, adjudicar o fornecimento de determinados serviços a um concreto fornecedor, quando aquele fornecimento, por motivos de aptidão técnica, só por aquele possa ser executado …”, ou que o “… ajuste directo, com o fundamento de que o serviço apenas pode ser executado por um fornecedor determinado, só é admissível porque o legislador entendeu que, havendo apenas uma empresa capaz de executar uma determinada prestação de serviços, a Administração não deveria recorrer a um concurso, por se saber à partida que só aquela empresa poderia ser admitida …”, sendo que se a “… Administração cria as circunstâncias fácticas conducentes a uma situação em que só uma empresa pode executar uma determinada prestação de serviços, então teremos de dar por inverificada a previsão e a estatuição do art. 86.º n.º 1 alínea d) do Decreto-Lei 197/99 …” [cfr., entre outros, Acs. do T.Contas n.º 202/05 de 06.12.2005 (1.ª S/SS) - Proc. n.º 2179/05, n.º 6/06 de 01.02.2006 (1.ª S/PL) - Proc. n.º 1561/05, n.º 18/06 de 14.03.2006 (1.ª S/PL) - Proc. n.º 2765/05, n.º 57/06 de 14.11.2006 (1.ª S/PL) - Proc. n.º 1102/06, n.º 81/07 de 22.05.2007 (1.ª S/SS) - Proc. n.º 314/07, n.º 37/08 de 10.03.2008 (1.ª S/SS) - Proc. n.º 31/08, n.º 09/08 de 15.07.2008 (1.ª S/PL) - Proc. n.º 31/08 in: «www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos.shtm»].
Assim, pode ler-se, nomeadamente, na fundamentação do acórdão do T.Contas n.º 18/06, proferido em 14.03.2006 (Proc. n.º 2765/05 citado supra), que manteve a recusa do visto ao contrato de aquisição de serviços de informática celebrado entre a DGITA e empresa da área, o seguinte “… Compreende-se a preferência da DGITA pela adjudicatária, até pela continuidade que assegura. Porém, isso não equivale à «exclusividade» de prestação dum tal serviço no mercado de informática. Temos como certo que há muitas empresas no mercado capazes de prestar o serviço para que a adjudicatária foi contratada. E se na situação concreta a entrada dum novo operador pode, inicialmente, criar alguma perturbação nos serviços, isso deve-se a culpa exclusiva da DGITA que não soube, a tempo, tomar as medidas necessárias para que tal nunca viesse a acontecer. Sendo assim, não pode agora invocar tal situação para justificar o recurso ao ajuste directo.
Dizer-se, como diz o recorrente no seu requerimento de interposição do recurso … que a interrupção dos serviços da adjudicatária «comprometeria o processamento da informação fiscal em tempo útil, com a consequente repercussão negativa da imagem da Administração Tributária perante os contribuintes», a ser verdade seria demasiado grave. Como se pode compreender que o Estado se coloque ou se deixe arrastar para uma situação de tão grave dependência em relação a uma empresa que de um momento para o outro pode pura e simplesmente desaparecer do mercado? Como se escreveu em recente acórdão deste Tribunal (de 1 de Fevereiro de 2006, proferido no recurso ordinário n.º 1/2006 - Processo n.º 1561/05), «o ajuste directo, com o fundamento descrito (o mesmo deste recurso), só é admissível porque o legislador entendeu que, havendo apenas uma empresa capaz de executar uma determinada prestação de serviços, a Administração não deveria recorrer a um concurso, por se saber à partida que só aquela empresa poderia ser admitida. Esta é o ratio da norma. Se a Administração cria ela própria as circunstâncias fácticas conducentes a uma situação em que só uma empresa pode executar uma determinada prestação de serviços, então teremos de dar por inverificada a previsão e a estatuição da alínea d) do n.º 1 do art. 86.º, do Decreto-lei n.º 197/99 …” (sublinhados nossos).
Também no seu acórdão n.º 57/06, proferido em 14.11.2006 (Proc. n.º 1102/06 também supra citado), que manteve igualmente a recusa do visto ao contrato de aquisição de serviços de informática no âmbito do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos em Cirurgia celebrado entre o Instituto Gestão Informática e Financeira da Saúde e outra empresa da área, se depreende da sua fundamentação o seguinte “… Não se pode ter por demonstrado que a empresa adjudicatária é a única com aptidão técnica para prestar os serviços em causa conforme o exigido pela citada al. d) do n.º 1 do art. 86.º, porquanto: (i) não releva, para o efeito, a declaração passada pelo próprio adjudicatário em que este afirma que é o único com aptidão técnica para prestar os serviços em causa; (ii) o próprio contrato contempla a possibilidade de o adjudicatário ceder a sua posição contratual, o que implicitamente pressupõe e admite a existência de terceiros capazes de prestar os serviços objecto do contrato; (iii) a entidade adjudicante admite como teoricamente possível «o cumprimento estrito dos procedimentos legalmente adequados à situação presente»; (iv) o que o IGIF invoca e alega são razões de continuidade na prestação de um serviço que se iniciou em 2004, evidenciando que a E…, porque se encontra no terreno e porque já conhece o sistema terá, porventura numa fase inicial, maior facilidade em prestar aqueles serviços; (v) não está, por isso, demonstrado que a E… seja a única empresa com aptidão técnica para prestar os serviços objecto do presente contrato …”.
E reportando-se ao enquadramento daquele preceito legal refere-se ainda que de “… acordo com a interpretação que temos por correcta, este tipo de procedimento só estará legitimado quando a entidade adjudicante demonstre que só aquele concreto prestador de serviços está tecnicamente habilitado a executar o serviço objecto do contrato.
Nesta perspectiva, estamos de acordo com o Recorrente, quando este afirma que a aptidão técnica dever ser analisada em concreto.
Com o que não estamos de acordo é com a afirmação de que «a aptidão técnica» deve ser aferida, ou também aferida, em função do interesse público subjacente ao contrato, traduzido na premência da concretização do objecto contratual, que só a entidade adjudicatária, em tempo útil e com menos custos, poderá levar a cabo.
A Administração pode actuar no exercício de poderes vinculados e no exercício de poderes discricionários. O poder é vinculado quando a lei não remete para o critério do respectivo titular a escolha da solução concreta mais adequada; é discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titular, que pode e deve escolher o procedimento a adoptar em cada caso como o mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere.
Ou seja, só faz sentido falar em interesse público (ou no princípio da prossecução do interesse público), como parâmetro de actuação da Administração, quando esta actua no exercício de poderes discricionários; quando esta actua no exercício de poderes vinculados, o interesse público, como parâmetro de actuação da Administração, não adquire qualquer autonomia, uma vez que aquele se confunde com o cumprimento rigoroso dos pressupostos de facto e de direito da norma a aplicar.
No caso em apreço, o legislador confere ao decisor público o poder-dever jurídico de, por ajuste directo, adjudicar o fornecimento de determinados serviços a um concreto fornecedor, quando aquele fornecimento, por motivos de aptidão técnica, só por aquele possa ser executado.
Ou seja, o acto adjudicatório é rigorosamente vinculado quanto ao critério de adjudicação.
O ajuste directo, com o fundamento descrito, só é admissível porque o legislador entendeu que, havendo apenas uma empresa capaz de executar uma determinada prestação de serviços, a Administração não deveria recorrer a um concurso, por se saber à partida que só aquela empresa poderia ser admitida (…).
Por outras palavras: aplica-se a alínea d) do n.º 1 do art. 86.º do DL 197/99 …, quando, por razões de mercado, existe apenas uma única empresa tecnicamente habilitada a executar determinados serviços.
A premência na concretização de um determinado contrato, que, a realizar-se, se traduzirá numa melhor e mais célere satisfação de um direito fundamental - direito à protecção da saúde (art. 64.º da CRP) - é algo que deverá estar subjacente à actuação da Administração Pública, e que, por isso, deverá por esta ser ponderado em tempo útil, não podendo, salvo os casos previstos na lei, ser satisfeito através de um procedimento - o ajuste directo, com fundamento na alínea d) do art. 86.º do DL 197/99 -, que foi criado para dar resposta a situações em que, por razões de mercado, só exista uma única entidade tecnicamente habilitada a executar determinados serviços, e que, por isso mesmo, nada tem a ver com situações de premência na satisfação de direitos fundamentais.
Ou seja, nem mesmo em termos teleológicos se poderá sustentar a tese de que a alínea d) do n.º 1 do art. 86.º do DL 197/99 … deve ser interpretada em função do interesse público que, em concreto, se pretendeu acautelar …” (sublinhados nossos).
Para depois concluir que não releva nesta sede a alegação feita pela entidade adjudicante no sentido de que a adjudicatária era em concreto a única capaz de prestar e executar os serviços objecto do contrato mercê de “dificuldades técnicas desproporcionadas” que envolveriam uma nova entidade do processo de implementação do aplicativo, do “aumento de custos” com a intervenção daquela nova entidade e do “distúrbio gerado por uma eventual descontinuidade da aplicação”, já que “… não está minimamente demonstrado que a E… seja a única entidade tecnicamente habilitada a executar os serviços de informática, objecto do contrato (SIGIC); o que está demonstrado é que a E…, por ser a prestadora inicial e conhecer o sistema (SIGIC), está habilitada a desenvolvê-lo e a ampliá-lo, sendo bastante provável que aquela, comparativamente com outras entidades, possa vir a executar os referidos serviços em menos tempo e com custos financeiros e organizacionais bastante menores …”.

3.2.3.3.4. Já no âmbito do regime actualmente vigente aquele mesmo Tribunal, no seu acórdão n.º 24/10 de 14.09.2010 (1ª S/PL) (Proc. n.º 2285/09 in: «www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos.shtm») pronunciando-se sobre a al. e) do n.º 1 do art. 24.º do CCP (no caso dizia respeito eventual integração no conceito de motivo de ordem “artística”) sustentou-se o seguinte “… Previamente, e com referência ao teor da norma contida no art. 24.º, n.º 1, al. e), de CCP, importa sublinhar a indeterminação conceptual das expressões legais «motivos técnicos» e «artísticos» aí contidas, cujo sentido e alcance material cabe ao intérprete preencher. Fazendo-o, «in casu», com recurso a critérios restritivos, por forma a garantir os princípios a que se subordina a contratação pública.
Mais:
Tal como se verteu no acórdão recorrido, é imperioso evidenciar que, embora, amiúde, se considere a arquitectura ainda uma manifestação artística, o Código dos Contratos Públicos não acolhe tal orientação, deixando entender, isso sim, que arte e arquitectura se acolhem a realidades específicas e não confundíveis.
… É, assim, seguro que a al. e), do art. 24.º, do CCP, ao referenciar «motivos artísticos», não integra aí serviços desenvolvidos no âmbito da arquitectura. Donde decorre que o recurso ao ajuste directo só poderá ser agora ponderado em função da (in) verificação de motivos técnicos que tal legitimem.
… Mau-grado a indeterminação conceptual da expressão «motivos técnicos» constante do citado art. 24.º, n.º 1, al. e), do CCP, importa sublinhar que a melhor compreensão deste pressuposto factual obriga à sua interligação com a parte final do preceito, admitindo-se, assim, que o ajuste directo é viável quando a complexidade e singularidade técnicas são tais que a prestação do objecto do contrato só pode ser confiada a uma entidade determinada. Ou seja, e ainda na esteira da jurisprudência deste Tribunal de Contas, o ajuste directo só é admissível quando, no mercado, e atenta a complexidade e exigência dos serviços a prestar, exista uma única entidade disponível e com aptidão técnica para assegurar a respectiva prestação. E, decorrentemente, só, assim, se legitima a dispensa do concurso público, ou, ainda, outro procedimento, mas de natureza concursal …”.

3.2.3.3.5. Valendo aqui tudo quanto se desenvolveu em sede de enquadramento deste fundamento impugnatório ao longo dos pontos antecedentes e presente o quadro factual que se mostra apurado nos autos [cfr. n.ºs IV), V), VI), VII), VIII), X), XIII), XIV), XIX), XXIV), XXVIII) e XXIX) da matéria de facto apurada] dúvidas não se nos colocam de que a situação concreta que a entidade administrativa tinha em presença quando desenvolveu a actuação e procedimento em causa não preenchia a previsão da al. e) do n.º 1 do art. 24.º do CCP, não podendo encontrar neste comando o respectivo fundamento de legalidade.
É que não resulta apurado com um mínimo de suficiência que ocorressem razões técnicas ou que existissem direitos de exclusivo cuja protecção reclamassem ou impusessem a opção tomada por aquele concreto tipo de procedimento de formação de contrato.
Desde logo, não se descortina que, enquanto aplicativo informático, a solução técnica quanto ao fornecimento e instalação do sistema de informação hospitalar apresentada pela co-R. contra-interessada, no âmbito do contrato que viu ser-lhe recusado o visto e que estava a ser implementado quando ocorreu tal recusa, envolva qualquer solução que por razão de aptidão técnica apenas pudesse ser fornecida pela mesma empresa, mormente e em especial, na parte que faltava implementar.
Se é certo que nesta situação se podem admitir e aceitar ocorrerem maiores dificuldades na implementação ou na adaptação do sistema de informação hospitalar por uma terceira entidade adjudicatária, que tal pode envolver atrasos nessa implementação e adaptação e, eventualmente, maiores custos financeiros, daí não deriva, como consequência directa e necessária, que então estejamos na situação enunciada na al. e) do n.º 1 do art. 24.º do CCP.
Desde logo, o recurso ao ajuste directo por uma questão de premência de cumprimento de prazos e de compromissos assumidos em matéria de execução de missões e objectivos definidos pela entidade adjudicante ou que lhe são impostos não encontra sua cobertura legal naquele preceito, nem igualmente nesta sede vale a argumentação que contenda com aproveitamento dos dinheiros já pagos no âmbito de anterior execução contratual que se veio a mostrar ineficaz em termos financeiros, nem com um potencial ou real aumento de custos financeiros envolvidos na intervenção de nova empresa e/ou da não continuação da anterior adjudicatária.
Também não se enquadra no normativo em referência quando a situação que importa e urge resolver derive de actuação ou omissão imputável à entidade adjudicante, como resulta ocorrer na situação vertente mercê do facto da mesma ser consequência da recusa da concessão do visto ao anterior contrato em virtude daquela entidade haver incumprido ilegal e ilegitimamente as regras procedimentais legais tal como se conclui no acórdão do T.Contas que se pronunciou sobre a legalidade financeira do contrato e respectivo procedimento de formação.
Atente-se, por outro lado, que da referência a uma “especificidade técnica do software” não resulta como reunida e adquirida a conclusão de que apenas a entidade adjudicatária, aqui recorrida, se afirme como a única entidade disponível no mercado que detém capacidade e aptidão técnicas bastantes para fazer face à complexidade e exigência dos serviços a prestar/fornecer. Note-se que, como deriva da mera leitura do acórdão do T.Contas referido em X) dos factos provados [Ac. n.º 110/08, de 22.09.2008 (1.ª S/SS - Proc. n.º 811/08) - consultável e disponível em «www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos.shtm»], ao procedimento na sequência do qual foi outorgado o contrato que viu ser-lhe recusado o visto apresentaram-se oito empresas, sem que nenhuma haja sido excluída ou posta em causa a valia e capacidade técnica para o fornecimento e implementação do sistema objecto daquele procedimento, sendo ainda certo que em matéria de interoperabilidade dos vários programas de computador importa considerar o regime enunciado e imposto no art. 07.º do DL n.º 252/94, de 20.10.
Não se revela, pois, como demonstrado, no procedimento que esteve na base da decisão impugnada nos presentes autos e na sua respectiva fundamentação, que no mercado apenas a co-R., aqui recorrida, era a única empresa dotada da capacidade e aptidão técnicas necessárias à execução ou à continuação da execução e implementação do concreto sistema de informação hospitalar em questão, resultando antes que foi a própria entidade adjudicante que, por razões a si imputáveis, criou as condições para que aquela adjudicatária pudesse aparente e alegadamente surgir como a única empresa com competências, para sem interrupções, proceder à sua implementação e manter o sistema como pretendido.
Por fim, sem pôr em causa os direitos de autor que a empresa adjudicatária pudesse, eventualmente, vir a reivindicar importa ter presente que tal motivação ou razão não foi avançada na justificação e fundamentação da deliberação impugnada nos autos, sendo certo que a mesma contende com o teor da própria clausula 22.ª do contrato outorgado e que se mostra descrito no n.º IV) dos factos apurados.
Têm-se, assim, como violadores do disposto no art. 24.º, n.º 1, al. e) do CCP a deliberação impugnada [cfr. n.º XIII) da factualidade apurada] e contrato que veio a ser outorgado em sua decorrência [cfr. n.º XXIV) da mesma factualidade], ilegalidade essa que os inquina e invalida.
Ao assim não haver julgado incorreu a decisão judicial recorrida em erro de julgamento procedendo, nessa medida, a acção e o recurso jurisdicional “sub judice”.
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3.2.3.4. DOS DEMAIS FUNDAMENTOS IMPUGNATÓRIOS
Face ao julgado sob o ponto antecedente [3.2.3.3)] tem-se como precludido e prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos impugnatórios e questões que nos autos subsistam.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Conceder provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e, em consequência, revogar a decisão judicial recorrida no segmento em que a mesma se julgou insubsistente a infracção ao disposto no art. 24.º, n.º 1, al. e) do CCP;
B) Julgar, nos termos e fundamentação antecedente, verificada aquela ilegalidade e, em consequência, procedente a presente acção, anulando-se a deliberação impugnada [cfr. n.º XIII) da factualidade apurada] e o contrato outorgado em sua decorrência [cfr. n.º XXIV) da mesma factualidade], com todas as legais consequências.
C) Julgar precludido/prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do presente recurso jurisdicional e questões que nos autos subsistam.
Custas nesta instância a cargo do co-R. “IPOPFG …”, aqui recorrido, sendo que na mesma a taxa de justiça, não revelando os autos especial complexidade, se atenderá ao valor resultante da secção B) da tabela I anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC, 04.º “a contrario”, 06.º, 12.º, n.º 2, 25.º e 26.º todos do referido Regulamento, e 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 30.000,01€ [cfr. art. 12.º, n.º 2 do RCP].
Custas em 1.ª instância a cargo de ambos os co-RR., fixando-se a taxa de justiça de harmonia com a tabela II anexa ao RCP [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC, 04.º “a contrario”, 07.º, 25.º e 26.º todos do referido Regulamento, e 189.º do CPTA].
Notifique-se. D.N..
Restituam-se, oportunamente, aos ilustres mandatários das partes os suportes informáticos que hajam sido gentilmente disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA).
Porto, 08 de Outubro de 2010
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador
Ass. Rogério Paulo da Costa Martins (concordo com o sentido dispositivo do acórdão; não teria, no entanto, conhecido das nulidades de sentença, por entender que esse conhecimento está prejudicado pela decisão de mérito: em todo o caso aquelas questões não deveriam ter sido conhecida