quinta-feira, 15 de março de 2012

FALTA DE INTERESSE EM AGIR – ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA


Proc. 8364/11    TCAS     23.02.2012  

I – O meio processual previsto nos artigos 100º e segs. do CPTA é um processo especial, instituído em razão da urgência na obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa, a que se aplica o regime processual da acção administrativa especial [regulado nos artigos 46º e segs.], e tem por objecto a impugnação de actos administrativos praticados no âmbito dos procedimentos relativos à formação do elenco de tipos contratuais enunciados no nº 1 desse artigo.

II – O carácter impugnável dos actos relativos à formação dos contratos é determinado à luz dos princípios gerais consagrados no artigo 51º, aplicável por remissão do artigo 100º, nº 1.

III – Deste modo, não apenas o acto de exclusão de um candidato ou o acto final de adjudicação, mas também actos procedimentais susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos poderão ser abjecto de impugnação, dentro dos condicionalismos supra indicados, nas notas ao artigo 51º, e não apenas os actos primários, mas também os actos secundários, como é o caso de um acto de anulação do procedimento pré-contratual ou de revogação da adjudicação, são impugnáveis através da presente forma de processo.

IV – Não obstante ter reconhecido que [ainda] não havia acto lesivo, a decisão recorrida considerou que a petição não era ininteligível, mas sim que ocorria manifesta falta de interesse em agir e, como tal, julgou extinta a instância.

V – Ocorre manifesta falta de interesse em agir na medida em não foi praticado nenhum acto lesivo, susceptível de impugnação pelo meio processual previsto nos artigos 100º e segs. do CPTA, nem a recorrente logrou identificar um só acto que fosse que pudesse ser enquadrado nesse meio processual, pelo que não se vislumbra qual a utilidade que poderia derivar para a recorrente da procedência da acção [cfr. artigo 26º do CPCivil, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA].

VI – A consequência processual da falta de interesse em agir da recorrente não é a extinção da instância, mas sim a absolvição da mesma, nos termos do artigo 89º, nºs 1 e 2 do CPTA, por referência ao disposto nos artigos 493º, nº 2 e 494º do CPCivi

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
N………… – Reparação ………….., Ldª”, com sede em Setúbal, intentou no TAF de Almada, ao abrigo dos artigos 100º e segs. do CPTA, uma Acção de Contencioso Pré-Contratual contra a “T ……………. – T………………, SA”, pedindo a “confirmação da revogação dos actos nulos da ré, a tempestividade da reclamação da autora ao 2º relatório preliminar, cuja caducidade foi declarada pela ré na providência, revogando-se a mesma e a final dar a presente acção como procedente e provada, considerando a autora a ser o único concorrente que preenche integralmente os requisitos contratuais, excluindo-se a co-interessada N ……………., por apresentar um preço acima da base concursal ou, assim não sendo, superior ao da autora”.
Indicou como contra-interessada a sociedade “N ……………. – Reparação e ……………….., SA”.
Por sentença datada de 14-10-2011, o TAF de Almada julgou extinta a instância, absolvendo da mesma a ré e a contra-interessada [cfr. fls. 229/233 dos autos].
Inconformada, veio a “N …………. – Reparação …………………., Ldª” interpor recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
I – QUANTO À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA
1ª – Quanto à matéria de facto, concluímos dever-se alterar para o seguinte a alínea e):
e) Em 16-6-2011, o Júri do concurso colocou em "esclarecimentos" para comunicação aos concorrentes, que revogou a decisão de adjudicação que havia tomado em 27-5-2011 e que tinha colocado na plataforma electrónica em 31-5-2011 e facultou aos concorrente o prazo de 5 dias para exercerem o direito de audiência prévia sobre o segundo relatório preliminar datado de 9-5-2011, em que se previa a referida decisão de adjudicação;
2ª – Eliminar-se a frase final desta alínea – doc. nº 1 junto com a contestação da ré e acordo;
3ª – Eliminar-se a alínea f) da MFA;
4ª – Caso não se entenda que o erro da colocação em "esclarecimentos" torna nulo o direito de audição, afectando as regras do procedimento concursal por indeterminação dos prazos, [deve] seguir-se para julgamento com fixação de base instrutória como segue:
1º – O facto da autora apresentar em 29-6-2011 a sua resposta em sede de audiência prévia, deve-se à colocação da notificação para o exercício do direito de audição, em "esclarecimentos"?
II – QUANTO À MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
5ª – A autora não foi notificada em 16-6-2011 para exercer o direito de audição;
6ª – A colocação em "esclarecimentos" não pode configurar uma notificação da autora para exercer o seu direito de audição, quando na plataforma há lugar exacto para essa notificação;
7ª – A plataforma não contêm um aviso específico deste desvio, não alertando as partes e não adivinhando a autora o facto;
8ª – Tal desvio foi fundamental para o não exercício atempado do direito de audição;
9ª – A autora só depois de avisada extra-oficialmente exerceu esse direito;
10ª – Apurar a data para o exercício do direito de audição é fundamental para a contagem dos prazos sob pena de indeterminação destes;
11ª – Ou este vício não é absoluto e constitui simples anulabilidade face às revogações dos actos, e pela errada colocação em "esclarecimentos" a autora, que estava à espera de 2º relatório preliminar no sítio devido, foi enganada e o seu direito de audição começa a partir do telefonema referido no artigo 64º da sua PI e é exercido a 29-6-2011 e, como tal, respondeu em tempo.
12ª – Ou tal vício ferindo o próprio concurso, porque não pode ser dado um prazo extra face às regras do CCP, sendo mais que um simples vício de forma, por comportar um desvio que fere o conteúdo de um direito essencial que é o direito de audição e como tal assim cominado [artigo 103º, nº 2, alínea d) do CPA] constitui nulidade sendo insuprível, devendo o concurso ser anulado.
13ª – Concurso aliás cheio de erros, quer por falhas humanas, quer por falhas sistémicas, mas que tiveram a ambiciosa virtualidade de permitir que tenham sido praticados actos de execução imediatos que permitiram entregar a obra antes da adjudicação, para depois se poder invocar o estado avançado da obra e o interesse público na anulação e até a negação de indemnização a quem de direito, pese embora um CCP com quase 500 artigos;
14ª – Actos que se nos configuram nulos e insusceptíveis de revogação, porque os seus efeitos não caducaram nem se encontram esgotados;
15ª – É que na primeira adjudicação revogada pela ré, não foi exercido o direito de audição da autora, tendo esta sido obrigada a intentar uma providência cautelar anexa ao principal, para suspender a nulidade concursal;
16ª – Em consequência, a douta sentença deveria ter considerado o acto nulo ao abrigo do artigo 133º, nº 2, alínea d) do CPA, norma que se considera violada;
17ª – E de acordo com o artigo 139º, nº 1 do CPA, alíneas a), b) e c), são insusceptíveis de revogação os actos nulos e como tal se pediu ao Tribunal [que] o confirmasse [decidisse sobre os actos revogatórios];
18ª – A douta sentença recorrida não conheceu de todas as causas invocadas, nos termos do artigo 95º, nº 2 do CPTA;
19ª – Existe interesse em agir da autora para saber da natureza dos actos revogatórios da ré e da efectiva notificação do direito de audição atenta a colocação em "esclarecimentos" do 2º relatório preliminar, por o Tribunal dever sindicar a data correcta e os prazos para o exercício do direito de audição, prévios à adjudicação, sob pena de indeterminação destes;
20ª – O seu não apuramento, atento a forma como entendemos discordar da alínea e) da matéria de facto, contêm omissão de pronúncia, por dizer respeito ao conteúdo essencial de um direito da autora: o direito de audição;
21ª – Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, a douta decisão falha quando remete para a adjudicação [poder da ré] a sanação de vícios essenciais do concurso geradores de nulidade relativamente ao direito de audição e faz impender as custas do processo para a autora;
22ª – E incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d) do CPCivil "ex vi" artigo 1º do CPTA.” [cfr. fls. 241/255 dos autos].
A contra-interessada “M ……………………., SA” – que entretanto sucedeu à “N………… – Reparação ………, SA” –, contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida [cfr. fls. 264/279 dos autos].
Neste TCA Sul o Digno Magistrado do Ministério Público, não obstante notificado para o efeito, não emitiu parecer.
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. O júri do concurso elaborou relatório preliminar em 15-4-2011, em que propunha a adjudicação da proposta apresentada pela autora – cfr. doc. nº 3 junto com a P.I.;
ii. Apresentadas resposta em sede de audiência prévia, o júri do concurso elaborou relatório final em que refere que o segundo relatório preliminar havia sido comunicado aos concorrentes, em sede de audiência prévia e que os mesmos não se haviam manifestado e delibera adjudicar a proposta apresentada pela contra-interessada “N………….., S.A.”, pelo preço de € 68.600,88 – cfr. doc. nº 6 junto com a P.I.;
iii. A decisão de adjudicação no concurso público foi publicada na plataforma electrónica, em 31 de Maio de 2011 – cfr. doc. 7 junto com a P.I.;
iv. A autora reclamou da decisão de 31 de Maio de 2011, alegando, entre o mais, que não foi notificada para o exercício do direito de audiência prévia – cfr. doc. nº 8 da P.I.;
v. Em 16-6-2011, o júri do concurso comunicou aos concorrentes que revogou a decisão de adjudicação que havia tomado em 27-5-2011 – e que tinha colocado na plataforma electrónica em 31-5-2011 – e facultou aos concorrente o prazo de 5 dias para exercerem o direito de audiência prévia sobre o segundo relatório preliminar datado de 9-5-2011, em que se previa a referida decisão de adjudicação – cfr. doc. nº 1 junto com a contestação da ré e acordo;
vi. A ré introduziu o segundo relatório preliminar datado de 9-5-2011, na secção da plataforma informática "esclarecimentos" – acordo;
vii. Em 26 de Julho de 2011, foi remetida a P.I. da presente acção para este Tribunal – cfr. doc. de fls. 2;
viii. Em 29-6-2011, a autora apresentou a sua resposta em sede de audiência prévia – cfr. doc. nº 15 junto com a P.I.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A recorrente começa por invocar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia – artigo 668º, nº 1, alínea d) do CPCivil – pelo facto da sentença recorrida não ter conhecido de todas as causas [de invalidade] invocadas, nos termos do artigo 95º, nº 2 do CPTA, além de não ter apurado a data correcta e os prazos para o exercício do direito de audição, prévios à adjudicação, sob pena de indeterminação destes.
Vejamos se lhe assiste razão.
A autora intentou a presente acção invocando o disposto nos artigos 100º e segs. do CPTA, pedindo a “revogação dos actos nulos da ré, a tempestividade da reclamação da autora ao 2º relatório preliminar, cuja caducidade foi declarada pela ré na providência, revogando-se a mesma e a final dar a presente acção como procedente e provada, considerando a autora a ser o único concorrente que preenche integralmente os requisitos contratuais, excluindo-se a co-interessada N…………., por apresentar um preço acima da base concursal ou, assim não sendo, superior ao da autora”.
Como resulta dos preceitos invocados, trata-se de um processo especial, instituído em razão da urgência na obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa, a que se aplica o regime processual da acção administrativa especial [regulado nos artigos 46º e segs.], e tem por objecto a impugnação de actos administrativos praticados no âmbito dos procedimentos relativos à formação do elenco de tipos contratuais enunciados no nº 1 do artigo 100º.
Como sustentam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha [no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, a págs. 667], “o carácter impugnável dos actos relativos à formação dos contratos é determinado à luz dos princípios gerais consagrados no artigo 51º [aplicável por remissão do artigo 100º, nº 1]. Deste modo, não apenas o acto de exclusão de um candidato ou o acto final de adjudicação, mas também actos procedimentais susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos poderão ser abjecto de impugnação, dentro dos condicionalismos supra indicados, nas notas ao artigo 51º. Não apenas os actos primários, mas também os actos secundários, como é o caso de um acto de anulação do procedimento pré-contratual ou de revogação da adjudicação, são impugnáveis através da presente forma de processo”.
Porém, como decorre dos autos, e mais concretamente do pedido formulado pela autora, esta não impugna nenhuma dessas categorias de actos, limitando-se a pedir a revogação dos actos nulos da ré [sem contudo os identificar], a tempestividade da reclamação da autora ao 2º relatório preliminar, cuja caducidade foi declarada pela ré na providência, revogando-se a mesma [questão cuja apreciação deveria ter requerido no âmbito da providência em causa e, se desatendida, no recurso interposto ou a interpor dessa decisão] e, a final, dar a presente acção como procedente e provada, considerando a autora a ser o único concorrente que preenche integralmente os requisitos contratuais, excluindo-se a co-interessada N……………., por apresentar um preço acima da base concursal ou, assim não sendo, superior ao da autora [questão que o tribunal não poderia conhecer, como reconheceu a decisão recorrida, por o júri do concurso ainda não ter proferido decisão e, consequentemente, inexistir acto de adjudicação].
Deste modo, a sentença não podia ter conhecido de causas de invalidade que não se reportavam a nenhum acto concreto, pois que nenhum foi impugnado pela recorrente, não incorrendo desse modo na nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPCivil.
Mas mais.
A situação dos autos é facilmente enquadrável na previsão do artigo 89º, nº 1, alínea a) do CPTA, por referência ao artigo 193º, nº 2, alínea a) do CPCivil, que comina com a nulidade de todo o processo quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, pois não existe – nem a recorrente o indicou – qualquer acto lesivo susceptível de impugnação.
Em tais casos, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância quando verifique a existência dessa excepção dilatória, posto que o conhecimento da mesma é oficioso, face ao que dispõe o artigo 495º do CPCivil.
Contudo, não obstante ter reconhecido que [ainda] não havia acto lesivo, a decisão recorrida considerou que a petição não era ininteligível, mas sim que ocorria manifesta falta de interesse em agir e, como tal, julgou extinta a instância.
Embora se discorde da decisão, na parte em que considerou que a petição não era ininteligível, não pode a mesma ser reapreciada pois que não foi atacada com esse fundamento. Porém, também se nos afigura ocorrer manifesta falta de interesse em agir já que, como se viu, não foi praticado nenhum acto lesivo, susceptível de impugnação pelo meio processual previsto nos artigos 100º e segs. do CPTA, nem a recorrente logrou identificar um só acto que fosse que pudesse ser enquadrado nesse meio processual, pelo que não se vislumbra qual a utilidade que poderia derivar para a recorrente da procedência da acção [cfr. artigo 26º do CPCivil, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA].
Porém, a consequência processual da falta de interesse em agir da recorrente não é a extinção da instância, mas sim a absolvição da mesma, nos termos do artigo 89º, nºs 1 e 2 do CPTA, por referência ao disposto nos artigos 493º, nº 2 e 494º do CPCivil.
Por conseguinte, ocorrendo manifesta falta de interesse em agir da recorrente, impunha-se a absolvição da ré e da contra-interessada da instância e não, como ajuizou a decisão recorrida, a extinção da instância.
Tal conclusão não obsta, contudo, à improcedência das conclusões da alegação da recorrente.

IV. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os juízes do TCA Sul em negar provimento ao recurso e, com fundamento na falta de interesse em agir da recorrente, absolver a ré e a contra-interessada da instância.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012
[Rui Belfo Pereira – Relator]
[Paulo Gouveia]
[António Coelho da Cunha]

PREÇO ANORMALMENTE BAIXO.


Proc. Nº 8460/12   TCAS   23.02.2012

 
-Nem sempre a um preço anormalmente baixo obtido por aplicação do disposto no art.º 71.º, n.º 1, do CCP, corresponde um preço anormalmente baixo segundo a lógica do mercado;

-Tal situação ocorre, designadamente, quando se constata que o preço base é anormalmente alto, isto é, quando é substancialmente mais elevado que a média dos preços de todas as propostas apresentadas.

-Nessa situação, e sem embargo da aplicação do citado n.º 1 do art.º 71.º do CCP, a diferença entre o mais baixo preço proposto e o preço base não legitima uma conclusão automática de se estar perante uma proposta de preço anormalmente baixo segundo a lógica de mercado;

-Nesse contexto a apreciação das notas justificativas e os esclarecimentos prestados pelos concorrentes deve levar em conta o preço base como critério meramente indicativo, e ainda todas as circunstâncias de ordem técnica, económica, financeira, social, de mercado e mesmo o planeamento de execução da obra ou do fornecimento, que enformam a proposta.
Nessa apreciação o dono da obra não está vinculado a atender exclusivamente aos critérios estabelecidos no art.º 71.º, n.º 4, do CCP, gozando ainda de ampla discricionariedade quanto à aferição da razoabilidade e pertinência dos esclarecimentos prestados, desde que respeite os princípios a que se subordina a contratação pública


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório
a) - As partes e o objecto do recurso
V……….., S.A., com os demais sinais nos autos, interpôs no TAF de Ponta Delegada acção de contencioso pré-contratual contra a ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DAS …………….. - A……….., S.A., e em que figura como contra-interessada J………….., LDA., com sede na Zona ……………., Lotes 109-110-111, Apartado ………-999 ……………..
Pediu a anulação do ato de adjudicação à contra-interessada do "Fornecimento e montagem de bombas centrífugas para o sistema de combate a incêndio no Terminal de Navios de Cruzeiro de Ponta Delgada", no âmbito do procedimento concursal n° 1471/2011, que a ré anunciou no Diário da Republica de 31 de Março de 2011, condenando-se esta à prática de novo ato que, excluindo a proposta da contra-interessada, adjudique o fornecimento à autora, por violação do disposto nos artigos 57.°, n.° 1, alínea d), 71.°, n.° 4, e 146.°, n.° 2, alínea d), do Código dos Contratos Públicos (CCP).
Inconformada com a sentença que absolveu a ré e a contra-interessada do pedido, interpôs recurso jurisdicional em cujas alegações conclui como segue:
1. A sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia - al. d) do n.° 1 do art. 668° do CPC.
2. O Tribunal a quo não respondeu à questão "apresentou a contra-interessada documentos que justificassem a apresentação de “preço anormalmente baixo", sendo esta resposta fundamental para apreciar o cumprimento pela entidade adjudicante da alínea d) do n°2 do art. 146 do CCP, na remissão operada para o art. 57° n° 1 ai d).
3. O Tribunal também não apreciou a alegação de que os elementos constantes do procedimento não permitem fazer um juízo sobre a licitude do preço apresentado pela contra-interessada.
4. O Tribunal não apreciou a alegação de que a entidade adjudicante tinha, em cumprimento do art. 71°, que investigar, ainda que de forma superficial, os elementos da proposta da contra-interessada.
5. A entidade adjudicante só cumpre o art. 71° do CCP se cumprir o seu dever de investigar se a proposta de preço anormalmente baixo é sustentável, sendo este um dever estabelecido não só para protecção do concorrente que apresenta tal proposta, mas também para protecção dos restantes concorrentes.
6. A omissão dessa investigação constante dos presentes autos viola o art. 71° do CCP (cfr. acórdãos citados nas alegações).
7. A R. não sabe nem tem elementos no procedimento para saber a resposta a nenhuma das questões que devem, em obediência às mais elementares questões cuja existência de um regime de preços anormalmente baixos impõe que se coloquem.
8. O regime dos preços anormalmente baixos procura salvaguardar o bem "concorrência", tendo esta salvaguarda que ser feita através da protecção de outros bens de que esta depende, designadamente a igualdade de oportunidades no procedimento, e a igualdade de oportunidades a nível do mercado, uma vez que um mercado que contenha distorções (como seja a prática de preços ditados por outros mecanismos que não a lei da oferta e da procura - por exemplo, "dumping") é um mercado anti-concorrencial por natureza.
9. A R. não sabe nem possui elementos no procedimento para saber a resposta a nenhuma das questões que devem, em obediência às mais elementares questões cuja existência de um regime de preços anormalmente baixos impõe que se coloquem.
10. A R. entende que não deve saber a resposta a nenhuma destas questões, e como tal, nem sequer as procurou, violando o art. 71° n°3 do CCP.
11. A discricionariedade existe na apreciação de facto s. A interpretação do direito, que é a questão central destes autos, continua, apesar da demissão do Tribunal "a quo", a ser tarefa dos Tribunais.
12. A entidade adjudicante é livre (fora erro grosseiro) de apreciar os elementos que dispõe. Não é, contudo, livre para demitir-se de pedir os elementos indispensáveis a essa apreciação, investigando todos os elementos indispensáveis para, a final, poder apreciar tais elementos, sendo somente este último juízo o que se enquadra dentro da sua discricionariedade técnica.
13. A conduta da R. e a jurisprudência do tribunal "a quo" permitem, no limite, um concorrente apresentar material contrabandeado a preços que serão naturalmente anormalmente baixos sem que ninguém queira saber o porquê, implementando-se na contratação pública portuguesa uma espécie de "don't ask don't tell" relativamente aos preços apresentados, por mais anormais que estes sejam, o que é terreno fértil, designadamente, para receptação de bens furtados, lavagem de capitais ou utilização de mão de obra escrava e, naturalmente, dumping salarial, ambiental ou abuso de posição dominante para extermínio da concorrência.
A recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo não tinha elencar quaisquer pretensos facto s relacionados com (í) a "questão: apresentou a contra-interessada documentos que justificassem a apresentação de preço anormalmente baixo?'" ou com (ii) a "questão: tinha o júri elementos suficientes em sua posse para fazer qualquer juízo técnico que preenchesse as exigências legais'", cujo carácter é manifestamente conclusivo.
2. A matéria de facto constante dos artigos 51.°, 52.°, 81.", 82.°, 83.°, 84.°, 86.°, 87.°, 88.°, 89.°, 91.°, 92.°, 93.°, 94.°, 95.°, 96.°, 98.°, 99.°, 100°, 101.° e 102.° da contestação da APSM não foi seleccionada pelo Tribunal a quo, apesar de poder ser relevante para a decisão a proferir, na hipótese de a sentença recorrida não subsistir. Deveria, por isso, ser ampliada a matéria de facto , de maneira a incluir esse âmbito, o que se invoca a título subsidiário e nos termos do artigo 684.°-A, n.° 2, do Código de Processo Civil, indicando como meios de prova as propostas que se encontram juntas ao processo instrutor.
3. A sentença recorrida não padece de qualquer omissão de pronúncia, tendo o Tribunal a quo cumprido o dever previsto no n.° 2 do artigo 660.° do CPC, pelo que não se verifica a nulidade referida na alínea d) do n.° 1 do artigo 668.° do mesmo Código, seja porque os aspectos apontados pela Recorrente neste domínio nem sequer constituem verdadeiras questões, seja porque todos eles foram, afinal, tidos em conta pelo Tribunal a quo.
4. A invocação pela Recorrente, apenas em sede de recurso jurisdicional e de uma forma totalmente inovadora, de uma pretensa violação, por parte do ato impugnado, do disposto no n.° 3 do artigo 71.° do CCP, consubstancia uma ampliação da causa de pedir processualmente inadmissível, pelo que a conclusão 10 e as três primeiras linhas da décima página da alegação da V………., a partir de "na medida (...)" devem ser tidas como não escritas, para todos os efeitos legais, o que aqui se requer.
5. Clarifica-se, em qualquer caso, que tal pretensa violação não ocorreu.
6. As preocupações relacionadas com a concorrência subjacentes ao regime da contratação pública não permitem enquadrar a disciplina respeitante às propostas de preço anormalmente baixo. A necessidade de conciliar adjudicação ao mais baixo preço com a diminuição do risco de uma execução contratual insatisfatória corresponde ao interesse directa e imediatamente protegido pelo regime respeitante às propostas de preço anormalmente baixo - e, portanto, à razão de ser de tal regime -, enquanto que o mercado e a concorrência surgem, apenas, e de forma subalterna, como um interesse reflexamente protegido ou, quanto muito, como um interesse indirectamente protegido por aquele mesmo regime.
7. O elenco de situações justificativas de preços anormalmente baixos constante das alíneas do n.° 4 do artigo 71.° do CCP é meramente exemplificativo, pelo que, na consideração de propostas contemplando tais preços é admissível que sejam tidas outras realidades para além das mencionadas naquelas alíneas.
8. As entidades adjudicantes gozam de uma ampla margem de livre decisão (qualificável como discricionariedade de critério e como discricionariedade técnica) na apreciação de propostas contemplando preços anormalmente baixos, porquanto o juízo sobre a formação de um preço assenta num pressuposto intelectual de raiz essencialmente técnica.
9. Por isso, a actuação das entidades adjudicantes em matéria de preço anormalmente baixo não pode ser jurisdicionalmente sindicada, a não ser em caso de erro manifesto, e aquelas, no exercício da margem de livre decisão, as entidades adjudicantes podem, para os efeitos da apreciação de preços anormalmente baixos, socorrer-se de quaisquer elementos.
10. De harmonia com o quadro normativo assim gizado, os motivos pelos quais a proposta da CONTRA-lNTERESSADA foi admitida ao Concurso, não obstante o carácter anormalmente baixo do respectivo preço, (i) contemplaram as justificações apresentadas por aquele concorrente, mas não se limitaram às mesmas, já que (ii) foram tidos em conta outros aspectos da proposta em causa (os quais não deixaram de ser relacionados com as justificações apresentadas pela CONTRA-1NTERESSADA) e que são naturalmente passíveis de ponderação.
11. A A………. dispunha, pois, de todos os elementos para apreciar o preço proposto pela CONTRA-lNTERESSADA.
12. Os motivos pelos quais o preço proposto pela CONTRA-lNTERESSADA foi admitido - designadamente, a diferença de preços nas bombas a montar e a economia na montagem e trabalhos acessórios - não padecem de qualquer erro patente ou grosseiro, ao contrário do que se depreende da alegação da V………….
13. A tentativa de assimilação pela V………….. dos domínios da concorrência e da contratação pública é totalmente incorrecta, já que os procedimentos pré-contratuais públicos não são a sede própria da investigação de aspectos específicos de concorrência, nem o conceito de preço anormalmente baixo, relevante em matéria de contratação pública, se confunde com o conceito de preço preciatório, relevante em matéria de concorrência.
14. No caso dos autos, procedeu-se a verificações que permitiram concluir pela exequibilidade da proposta da CONTRA-lNTERESSADA, pelo que não tem qualquer sentido invocar qualquer incumprimento de um qualquer dever de investigação, pelo que improcede a invocação de um suposto incumprimento de um qualquer dever de investigação.
A contra-interessada não contra-alegou.
O EMMP não emitiu parecer.
*
b) - Questões a decidir
¾
Saber se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;
¾
Se foi colocada questão nova neste recurso, que o tribunal não possa conhecer;
¾
Se é necessário o alargamento da matéria de facto ;
¾
Se o júri do procedimento estava vinculado a uma averiguação exaustiva da justificação do “preço anormalmente baixo” apresentado pela contra-interessada.
*
2 – Fundamentação
a) - De facto
A sentença julgou provados os seguintes factos:
a)
A ré publicou no Diário da Republica de 31 de Março de 2011, na Parte L, anúncio de concurso público (procedimento n° ………/2011), relativo ao concurso público que tem como objecto o "Fornecimento e montagem de bombas centrífugas para o sistema de combate a incêndio no Terminal de Navios de Cruzeiro …………".
b)
A prestação do adjudicatário consiste no fornecimento e montagem de duas bombas centrífugas para água salgada, de accionamento por motor diesel, para um caudal de 250 m3/hora, no fornecimento e montagem de colectores de aspiração, tubagem, órgãos de manobra, dispositivos de utilização, exteriores e acabamentos e na execução dos trabalhos de construção civil necessários, no Terminal de Navios de Cruzeiro de ………………...
c)
Apresentaram-se a concurso:
- P…… - Tratamento de ……………, Lda, com o preço de 285.628,04 €;
- J ………… , Lda, com o preço de 164.280,00 €;
- C ……………., Lda, com o preço de 247.999,79 €;
- V …………, SA, com o preço de 240.000,01 €.
d)
O preço base do procedimento é de 400.000,00 €.
e)
O ponto 14.1 do programa de procedimento dispõe que "para efeitos do artigo 71° do CCP, o valor a partir do qual o preço total resultante de uma proposta é considerado anormalmente baixo, é de 40% ou mais inferior ao preço base fixado no Caderno de Encargos".
f)
Para justificar o preço da sua proposta, a contra-interessada apresentou declaração de preço anormalmente baixo, conforme cópia de fls 20.
g)
A pedido do júri do concurso, foram prestados esclarecimentos adicionais relativos a essa declaração.
h)
Após relatório preliminar e audição das concorrentes, foi elaborado relatório final de análise das propostas, no qual foi proposta a adjudicação do fornecimento à contra-interessada.
i)
Nesse relatório refere-se, no que concerne ao preço anormalmente baixo da proposta desta:
"No âmbito da apreciação global feita dos argumentos apresentados, o júri considerou a apresentação de um preço anormalmente baixo, como justificada.
Acresce o facto de os argumentos apresentados, ao contrário do que diz o concorrente n° 4 na sua reclamação, registarem enquadramento na alínea a) do n° 4 do artigo 71° do CCP, nomeadamente no que se refere à economia dos processos de construção e prestação de serviço. De qualquer modo, as alíneas do n° 4 do referido artigo são meramente indicativas e não taxativas, pelo que outros argumentos para a justificação de um preço anormalmente baixo poderão ser apresentados pelos concorrentes e tidos em conta pelo júri do procedimento.
Actualmente e ao abrigo do artigo 71° do CCP, e ao contrário do que o concorrente n° 4 afirma na sua reclamação ao dizer "(...) o objectivo daquela regulamentação prendia-se com a necessidade de evitar o aviltamento dos preços e a consequente degradação da indústria", abandonou-se claramente a perspectiva indicada pelo concorrente uma vez que actualmente é permitida a execução de trabalhos com um preço anormalmente baixo, desde que devidamente justificados e aceite essa justificação, o que leva à conclusão de que "(...) deixará de repugnar à Administração Pública obter o bem ou serviço objecto do contrato à injusta custa do contraente particular" (in Silva, Jorge Andrade da, Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado, 2 edição 2009, Almedina, página 272).
Diz ainda o concorrente n° 4 que "o concorrente J……., Lda, não apresentou nenhum facto concreto (...), que justifique o motivo de possuir vantagens competitivas sobre os restantes concorrentes resultantes de uma maior eficiência da sua operação". No entanto, também o concorrente n° 4 não apresentou, na sua reclamação, nenhum argumento concreto, através do qual seja possível ao júri concluir no mesmo sentido que o reclamante.
Pelo contrário, o júri ao avaliar a lista de quantidades e preços de ambos os concorrentes em causa, verificou no item "Fornecimento e Montagem de duas bombas centrífugas", (itens possíveis de comparação) que a diferença de preços é de cerca de 15%, valor que no âmbito de um processo negocial se considera razoável. Este ponto comprova que a diferença de preço global de ambas as propostas (concorrente n° 2 e 4) está nos itens relativos à montagem e trabalhos acessórios, pelo que o júri entende ver-se comprovado o argumento da declaração apresentada pela J ………, Lda, de que 'A nossa empresa (...) possuir uma equipa de trabalho com larga experiência neste tipo de obras (...) ".
Em conclusão, verifica-se que o concorrente n° 2 demonstrou conhecer o local da obra e o modo como se irão executar os trabalhos (condicionalismos no acesso à zona portuária), o que lhe permite ter uma maior eficiência na execução dos trabalhos, situação esta que lhe permitiu apresentar uma proposta competitiva e com uma pequena margem de lucro de comercialização, conforme consta expressamente da declaração de preço anormalmente baixo".
*
b) - De Direito
(i) – Da nulidade da sentença
A recorrente alega a nulidade da sentença, por não se ter pronunciado sobre questão(ões) que suscitou. Concretamente alega que a sentença não se referiu à inaptidão dos documentos apresentados pela contra-interessada para justificar o preço da sua proposta, que não sindicou a “alegação de que os elementos constantes do procedimento não permitem fazer um juízo sobre a licitude do preço apresentado pela contra-interessada” e de que “não apreciou a alegação de que a entidade adjudicante tinha, em cumprimento do art. 71°, que investigar, ainda que de forma superficial, os elementos da proposta da contra-interessada”.
O Mm.º Senhor Juiz a quo não se pronunciou, implicitamente rejeitando assim a existência de qualquer nulidade.
A diferença entre argumento e questão tem sido tão amplamente vincada na doutrina e na jurisprudência, ambas com um sentido uniforme, que causa alguma perplexidade, salvo o devido respeito, a frequente insistência em confundir argumentos com questões, precisamente o que se passa no caso vertente, o que nos dispensa de tecer mais alargadas considerações sobre tais figuras.
Dir-se-á, apenas, que saber se os documentos possuem ou não idoneidade para o fim visado, se os elementos constantes do procedimento são ou não suficientes para o juízo de credibilidade do preço apresentado pela contra-interessada, ou se o júri investigou ou não as afirmações daquela, são argumentos que podem ser esgrimidos, num ou noutro sentido, quanto ao desfecho da verdadeira questão, que consiste em determinar se devem considerar-se aceitáveis os esclarecimentos prestados quanto ao preço anormalmente baixo constante da proposta da recorrida contra-interessada. Ora, como argumentos que são, o tribunal a quo não estava obrigado a discuti-los em concreto, tanto mais que ao acolher a posição da recorrida implicitamente também os rechaçou, ou seja, não os considerou procedentes.
Não há, por isso, qualquer nulidade por omissão de pronúncia [cf. art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC], sendo certo que, como infra melhor se demonstrará, a aptidão dos documentos e elementos procedimentais para atingirem a finalidade acima referida resulta das circunstâncias que se perfilam no caso sub judice, que diminui o grau de exigência quanto à amplitude e completude dos esclarecimentos prestados ao júri do procedimento.
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(ii) – Da alegada ampliação do objecto da causa (questão nova colocada no recurso) e do alargamento da matéria de facto
Relega-se a pronúncia sobre estas questões para final, já que a utilidade da sua apreciação está directamente correlacionada com o desfecho da última questão.
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(iii) – Da justificação do “preço anormalmente baixo” apresentado pela contra-interessada.
Antes de entrarmos na discussão jurídica da questão nuclear neste recurso, importa fazer uma advertência: é de que o recurso ao elemento histórico de interpretação, que a recorrente amplamente convoca, não é necessária nem conveniente.
Não é necessária porque a solução que se adoptará o dispensa nem é conveniente face ao regime legal actual, plasmado no CCP.
Posto isto e entrando então na apreciação de mérito, principiar-se-á por dizer que a questão central que neste recurso se coloca gira em volta do conceito indeterminado de “preço anormalmente baixo”.
Tal conceito pode ser perspectivado de dois ângulos: numa óptica puramente natural, balizada por razões de ordem prática e de senso comum; ou segundo uma visão estritamente jurídica.
Vem isto a propósito do disposto no art.º 203.º da Constituição da República Portuguesa que determina que os tribunais apenas estão sujeitos à lei, consagrando uma orientação positivista do nosso direito, que contudo não dispensa uma aproximação ao jusnaturalismo, já que é pacificamente entendido que o direito também procura dar resposta às tensões da sociedade, reflectindo por isso e em grande medida a ideia de Baptista Machado, segundo o qual o Direito não pode alhear-se da “nossa condição humana e social (1)
Por isso, a interpretação do art.º 71.º do CCP, ao estabelecer o regime do preço anormalmente baixo, não exige uma visão estritamente jurídica nem impede, bem pelo contrário, que a mesma seja intermediada por considerações de ordem natural, social ou técnica.
Ora, para o senso comum um preço anormalmente baixo significa um preço que escapa a toda a lógica de mercado, irrazoável, sem qualquer justificação a não ser a que é ditada por razões de conveniência e urgência inadiáveis ou por qualquer outro motivo oculto. Representa aquilo que se entende comummente por prática de preços ao desbarato, na maioria dos casos motivada por alguma situação desesperante e urgente do oferente.
Se esta ideia do conceito em causa pudesse ser transposta, sem mais, para a contratação pública, o preço anormalmente baixo seria ditado não por um comando legal mas antes pela sua relativização com o preço que em circunstâncias normais um contraente razoável e prudente ofereceria.
É que, esta relação entre o preço anormalmente baixo e o preço base pode conduzir a uma situação em que o preço apresentado não é anormalmente baixo em função das regras de mercado mas já o é em função do procedimento concursal. Expliquemo-nos: se a entidade adjudicante, aquando da preparação do concurso e no que toca à fixação do preço base adoptar critérios excessivamente latos ou permissivos, tecnicamente pouco rigorosos ou acautelar em demasia a hipótese do concurso ficar deserto, pode estabelecer um preço que é anormalmente elevado para os padrões habitualmente vigentes em função do mercado e do tipo e modalidade de empreitada ou fornecimento em causa.
Deste modo, a construção do conceito de preço base anormalmente elevado parte necessariamente do conceito de preço normal, regular ou habitual obtido segundo os ditames da técnica e das condições do mercado, para a obra ou fornecimento em concreto.

Ora, admitindo que todos e cada um dos concorrentes pretendem que lhes seja adjudicado o contrato e obter lucro, que não há concertação entre eles, o preço razoável, normal, equilibrado de um procedimento concursal corresponde à média dos preços propostos pelos vários concorrentes, ou seja, equivale ao preço que um contraente de diligência e conhecimentos médios, colocado na posição da entidade adjudicante, estaria disposto a pagar.
Obtido o preço normal e verificando-se um desvio significativo, para mais, entre este e o preço base, temos um preço base anormalmente alto ou elevado. Tal preço implica que uma proposta com preço inferior (preço baixo) às demais propostas mas ainda assim dentro da bitola de preços que o mercado consente, sem que haja o risco de alguma imputação ou suspeita de dumping ou de degradação ou aviltamento do preço por razões financeiras, económicas, conjunturais ou outro motivo ou finalidade oculta, pode ser juridicamente qualificada como proposta de preço anormalmente baixo. Isto é, uma mera proposta de baixo preço segundo as regras de mercado pode ser encarada como proposta de preço anormalmente baixo para efeitos do procedimento concursal.
As consequências que daí derivam, quer em termos concorrenciais, quer na boa aplicação dos dinheiros públicos, impelem o intérprete a ser cuidadoso na interpretação e aplicação do conceito em causa. É que, bem vistas as coisas, um preço base anormalmente alto pode ser tão restritivo da concorrência e tão lesivo dos interesses públicos quanto o preço anormalmente baixo. Na verdade, o preço base anormalmente alto possibilita a apresentação de propostas de preço elevado, que eventualmente podem reflectir soluções técnicas que poderiam ser vantajosamente substituídas por outras menos onerosas, levando a que eventuais interessados que destas disponham sejam excluídos por mera aplicação do conceito jurídico de preço anormalmente baixo. Como é evidente, tal situação lesa a concorrência e vicia a boa gestão da coisa pública, pelo que a opção mais neutral seria, pois, considerar que o preço base a ter em conta deveria resultar da média do preço das propostas (2).
Como se sabe, não foi esse o caminho seguido pelo legislador, que optou por considerar que, no âmbito do CCP, uma proposta é de preço anormalmente baixo quando seja 40 % ou mais inferior ao preço base fixado no caderno de encargos, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada, ou 50 % ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de qualquer dos restantes contratos (cf. art.º 71.º, n.º 1, do CCP, aplicável ao caso vertente já que o programa de concurso fixava um preço base) (3).
Ora, como na tarefa hermenêutica o intérprete não deixar de dar relevo ao elemento literal (art.º 9.º, n.º 2, do CC), não é possível na contratação pública substituir a vontade do legislador pela orientação que nos pareceria ser a mais correcta no modo de definir ou operacionalizar o conceito de preço anormalmente baixo. E isso tem como consequência que, embora seja possível afirmar alto e bom som que nem sempre o conceito jurídico de preço anormalmente baixo equivale ao conceito prático de preço de mercado anormalmente baixo, essa afirmação não tem efeitos concursais. O que não impede que neste contexto se possa e deva afrouxar os critérios relativos às justificações a ser apresentadas ou solicitadas, que além de serem meramente indicativos sob o prisma legal comportam ampla margem de discricionariedade, como a doutrina e a jurisprudência amplamente referem e adiante melhor se explicitará.
Dito de outro modo, se houver suficientes indícios de que o preço base do concurso foi mal calculado, não é exigível que em tais circunstâncias se imponha ao concorrente afectado uma explicitação exaustiva do preço proposto nem deve ser imposto ao júri do concurso que adopte uma postura de grande exigência no que concerne às explicações solicitadas. Cai-se, por isso, numa situação de discricionariedade técnica reforçada, que só perante a constatação de erro gravíssimo, manifestamente grosseiro ou notoriamente palmar pode ser sindicada.
Além disso, deve ter-se em consideração que nessas circunstâncias os esclarecimentos a prestar pelos concorrentes ou solicitados pelo júri não constituem tarefa fácil, já que se mostra algo difícil esclarecer um preço que é ajustado ao mercado sem cair em generalidades ou lugares comuns, que nada acrescentam à proposta que desejavelmente deve ser auto-explicativa, clara e concisa.
Doutro passo, um preço base anormalmente alto reduz ou elimina mesmo as dúvidas que poderiam pairar sobre a proposta de preço juridicamente anormalmente baixo, quanto à sua seriedade, congruência e vontade de ser cumprida.
À luz destes considerandos e volvendo os olhos para o caso sub judice, constata-se a existência de um facto indesmentível e destacado, qual seja a de todas as propostas se situarem bem abaixo do preço base fixado pelo dono da obra - € 400.000,00 - distribuindo-se uniformemente em torno de uma média de € 257.876,06 (4). Com apenas um desvio mais saliente, para menos, da proposta da contra-interessada, que em relação a esse valor apresenta um desvio, para menos, de cerca de 36%.
Sendo por isso patente a inexistência de concertação – que a existir certamente aproximaria os preços propostos do valor do preço base – esse mero factor estatístico do valor médio leva-nos a concluir de que os valores das propostas apontam no sentido do preço base ser bastante elevado e, concomitantemente, o preço da proposta da contra-interessada não significar um aviltamento do preço que justifique cautelas adicionais, designadamente quanto a eventual propósito de remeter para a fase de execução da obra os problemas que possam emergir do preço apresentado ou quanto a uma execução tecnicamente deficiente.
Como a estatuição relativa aos esclarecimentos não aponta para uma enunciação taxativa dos critérios mas antes para uma narração meramente exemplificativa, podem ser considerados outros critérios que o júri do procedimento entenda dever aplicar, sendo que no que concerne à bondade ou pertinência dos esclarecimentos prestados a Administração actua sem qualquer vinculação. Por conseguinte, quer na aplicação dos critérios, quer na aceitação ou não dos esclarecimentos prestados, a Administração – desde que respeite os princípios da adequação ao interesse público, da justiça, da imparcialidade, da boa fé, da igualdade e da proporcionalidade (5) - goza de verdadeira discricionariedade, que lhe confere liberdade de ponderação e escolha e ampla latitude no que respeita à sustentação e definição do conteúdo da decisão (6).
Resumindo:
a) Nem sempre a um preço anormalmente baixo obtido por aplicação do disposto no art.º 71.º, n.º 1, do CCP, corresponde um preço anormalmente baixo segundo a lógica do mercado;
b) Tal situação ocorre, designadamente, quando se constata que o preço base é anormalmente alto, isto é, quando é substancialmente mais elevado que a média dos preços de todas as propostas apresentadas.
c) Nessa situação, e sem embargo da aplicação do citado n.º 1 do art.º 71.º do CCP, a diferença entre o mais baixo preço proposto e o preço base não legitima uma conclusão automática de se estar perante uma proposta de preço anormalmente baixo segundo a lógica de mercado;
d) Nesse contexto a apreciação das notas justificativas e os esclarecimentos prestados pelos concorrentes deve levar em conta o preço base como critério meramente indicativo, e ainda todas as circunstâncias de ordem técnica, económica, financeira, social, de mercado e mesmo o planeamento de execução da obra ou do fornecimento, que enformam a proposta.
e) Nessa apreciação o dono da obra não está vinculado a atender exclusivamente aos critérios estabelecidos no art.º 71.º, n.º 4, do CCP, gozando ainda de ampla discricionariedade quanto à aferição da razoabilidade e pertinência dos esclarecimentos prestados, desde que respeite os princípios a que se subordina a contratação pública.
Concluindo: sendo esta a situação retratada nos autos, logo se vê que à recorrente não assiste razão na invocada violação dos art.os 57.°, n° 1, alínea d), 71.°, n.º 3 e 4, e 146.°, n° 2, alínea d), do CCP, o que conduz à inelutável consequência de se negar provimento ao recurso, embora com argumentos substancialmente diferentes dos que foram convocados na sentença.
O que prejudica, por manifesta inutilidade, a apreciação das questões do alargamento da matéria de facto e alegada questão nova invocada no recurso.
*
3 - Dispositivo:
Em face de todo o exposto, acordam em negar provimento ao recurso confirmando, embora com fundamentação substancialmente diferente, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 2012-02-23
________________ (Benjamim Barbosa, Relator)
_____________________ (Sofia David)
_____________________ (Carlos Araújo)

(1) J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, 12.ª Impressão, Coimbra, Almedina, pág. 215.
(2) Este é o caminho seguido na Proposta de DIRECTIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO relativa aos contratos públicos COM/2011/0896 final - 2011/0438 (COD), cujo considerando 42 diz o seguinte:
As propostas que se revelem anormalmente baixas em relação à prestação em causa podem ser baseadas em pressupostos ou práticas incorretos do ponto de vista técnico, económico ou jurídico. Para evitar eventuais desvantagens durante a execução do contrato, as autoridades adjudicantes devem ser obrigadas a pedir uma explicação do preço indicado se uma proposta apresentar preços significativamente inferiores aos dos outros proponentes. Se o proponente não conseguir dar uma explicação válida, a autoridade adjudicante deve ter o direito de excluir a proposta. Essa exclusão deve ser obrigatória nos casos em que a autoridade adjudicante tenha determinado que o preço anormalmente baixo resulta do incumprimento de legislação obrigatória da União nos domínios do direito social, laboral ou ambiental ou de disposições internacionais em matéria de direito do trabalho.
E o art.º 69.º dispõe:
Propostas anormalmente baixas
1. As autoridades adjudicantes exigem que os operadores económicos expliquem os preços ou custos cobrados quando se verificarem todas as seguintes condições:
(a) O preço ou custo cobrado é inferior em mais de 50% ao preço ou ao custo médio das restantes propostas;
(b) O preço ou custo cobrado é inferior em mais de 20% ao preço ou ao custo da segunda proposta mais baixa;
(c) Foram apresentadas pelo menos cinco propostas.
2. Caso as propostas se afigurem anormalmente baixas por outros motivos, as autoridades adjudicantes podem também solicitar as correspondentes explicações.
3. As explicações mencionadas nos n.os 1 e 2 referem-se, designadamente:
(a) Aos dados económicos do método de construção, do processo de fabrico ou dos serviços prestados;
(b) Às soluções técnicas escolhidas ou a quaisquer condições excecionalmente favoráveis de que o proponente disponha para a execução das obras, para o fornecimento dos produtos ou para a prestação dos serviços;
(c) À originalidade das obras, produtos ou serviços propostos pelo proponente;
(d) À observância, pelo menos por via de equivalência, das obrigações estabelecidas pela legislação da União no domínio do direito social e do trabalho ou do direito ambiental ou das disposições do direito internacional no domínio do direito social e ambiental constantes do anexo XI ou, quando não sejam aplicáveis, à observância de outras disposições que assegurem um nível de proteção equivalente;
(e) À possibilidade de obtenção de um auxílio estatal pelo proponente.
4. A autoridade adjudicante verifica as informações prestadas consultando o proponente. Só pode excluir a proposta quando os meios de prova não justificarem o baixo nível de preços ou custos, tendo em conta os elementos a que se refere o n.º 3.
As autoridades adjudicantes excluem a proposta caso determinem que esta é anormalmente baixa por não cumprir as obrigações estabelecidas pela legislação da União no domínio do direito social e do trabalho ou do direito ambiental ou das disposições do direito internacional no domínio do direito social e ambiental constantes do anexo XI.
5. Caso a autoridade adjudicante verifique que uma proposta é anormalmente baixa por o proponente ter obtido um auxílio estatal, a proposta só pode ser excluída unicamente com esse fundamento se, uma vez consultado, o proponente não puder provar, num prazo suficiente fixado pela autoridade adjudicante, que o auxílio em questão foi compatível com o mercado interno na aceção do artigo 107.º do Tratado. Se a autoridade adjudicante excluir uma proposta nestas circunstâncias, deve informar do fato a Comissão.
6. Quando solicitados a fazê-lo, os Estados-Membros colocam à disposição dos outros Estados-Membros, em conformidade com o artigo 88.º, as informações relacionadas com as provas e os documentos apresentados em ligação com os elementos enunciados no n.º 3.
(Negrito nosso).
(3) Mas se o caderno de encargos não fixar o preço base, ou quando o convite ou o programa de concurso indicar, ainda que por referência ao preço base fixado no caderno de encargos, um valor a partir do qual o preço total resultante de uma proposta é considerado anormalmente baixo, o órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar a decisão de considerar que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo (n.º 2).
(4) Não considerando a proposta da contra-interessada, atento o seu valor mais baixo em relação às restantes. Se entrarmos com esse valor a média ponderada do preço das propostas desce para € 234.477,04, sendo o desvio da proposta da contra-interessada de cerca de 30%.
(5) Cf. Esteves de Oliveira, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 1980, p. 252 ss. e Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra, Almedina, 2003, p. 95
(6) Idem, ibidem, p. 93.

CONTRATOS MISTOS - CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO – PREÇO MAIS BAIXO


Proc. Nº 7721/11  TCAS     1 de Março de 2012-03-15

I - No caso dos autos verifica-se a previsão do art. 32º, nº 1 do CCP, uma vez que a previsão da realização dos trabalhos de construção decorre da necessidade de garantir o regular fornecimento das refeições no estabelecimento em que aqueles eram necessários, com a maior brevidade possível, tendo-se ainda em vista evitar um possível aumento de custos decorrente de eventuais atrasos ocorridos durante aquela obra, o que poderia ocorrer caso a mesma viesse a ser assumida por entidade distinta do fornecedor das refeições;

II - A celebração de um contrato de fornecimento de refeições e de empreitada, autónomos, para assegurar as obrigações vertidas no contrato em análise causaria graves inconvenientes para o Recorrido, que está obrigado a assegurar o fornecimento de refeições aos utentes dos seus estabelecimentos, e, por isso, este lançou o concurso nos termos em que o fez, dentro dos seus poderes de conformação do contrato, e de acordo com a solução que se lhe afigurou mais adequada aos fins que visa prosseguir;

III - Prevê o art. 32º, nº 4 do CCP que “a formação dos contratos mistos referidos nos n.ºs 2 e 3 está sujeita aos trâmites procedimentais específicos, devidamente conjugados, dos procedimentos de formação de todos os contratos cujas prestações sejam objecto do contrato misto a celebrar”.

IV - Este preceito legal foi integralmente cumprido pelo Recorrido na qualidade de Entidade Adjudicante, já que, tal como exigido para ambos os tipos contratuais, o contrato em análise foi precedido de concurso público, com Anúncio publicado no JOUE, contendo programa de procedimento e caderno de encargos;

V - Nesse caso, o projecto de execução deve ser acompanhado de uma descrição dos trabalhos preparatórios ou acessórios e uma lista completa de todas as espécies de trabalhos necessárias à execução da obra a realizar e do respectivo mapa de quantidades;

VI - Ora, o CE é composto pelo “Programa Funcional para Remodelação, Ampliação e Adaptação da Cozinha e Refeitório do Estabelecimento Bela Vista”, e este documento contém todos os elementos exigidos pelo art. 43º do CCP, neste tipo de situações;

VII – E o art. 318º do CCP permite a subcontratação, resultando do probatório que foram respeitados os requisitos exigidos no nº 3 daquele preceito.

VIII - O art. 81º do CCP foi cumprido, como decorre da referida documentação, sendo que a subcontratação de uma empresa para assegurar esses trabalhos é expressamente admitida pelo CE, desde que devidamente autorizada pela entidade adjudicante, o que sucedeu (cfr. cláusula 19ª do CE e referido art. 318º do CCP);

IX - Porque, para além do preço, todos os demais aspectos de execução do presente contrato se encontram inteiramente definidos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 74º, nº 2 do CCP, o critério de adjudicação previsto pela entidade adjudicante para o presente concurso, ou seja, o do preço mais baixo, é legal.

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso da sentença do TAF do Funchal que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção, absolvendo o réu do pedido, fixando o valor da causa em €5.200.000,00 (o preço-base do concurso).
Em alegações são formuladas as seguintes conclusões:
1.ª errou a douta decisão recorrida ao não ter considerado extemporânea a contestação apresentada pela entidade demandada, o centro de segurança social da madeira (cssm);
2.ª ao contrário do que consta da decisão recorrida, o dies ad quem relativo à contagem do prazo de vinte dias para o oferecimento da contestação em juízo terminava no dia 1 de junho de 2009 (e não em 15 de novembro de 2009) uma vez que, como resulta do entendimento doutrinário acima mencionado, o n.º 2 do artigo 486.º do cpc (relativo à contagem do prazo de defesa de vários réus), como norma excepcional que é, não é aplicável à contagem do prazo da entidade demandada para contestar, previsto no artigo 102.º, n.º 3, alínea a), do cpta;
3.ª Pelo que, tendo a contestação sido apresentada em juízo pelo cssm apenas no dia 15 de junho de 2009, essa peça processual É manifestamente extemporânea, com todas as legais consequências;
4.ª consequentemente, a douta decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente o DISPOSTO NOS ARTIGOS 102.º, Nº 3, ALÍNEA a), DO CPTA E 486.º, N.º 2, DO CPC, ESTE ÚLTIMO INAPLICÁVEL À CONTAGEM DO PRAZO PARA CONTESTAR A PRESENTE ACÇÃO;
5.ª ERROU A DOUTA DECISÃO RECORRIDA AO TER FIXADO À CAUSA O VALOR DE € 5.200.000,00, CORRESPONDENTE AO PREÇO-BASE DO CONCURSO EM APREÇO;
6.ª COMO SE RECONHECE NA DOUTA DECISÃO RECORRIDA, O PRESENTE PROCESSO É RELATIVO À IMPUGNAÇÃO DE UM ACTO ADMINISTRATIVO DE ADJUDICAÇÃO PRATICADO NUM PROCEDIMENTO DE FORMAÇÃO DE CONTRATO, PELO QUE O CONTEÚDO ECONÓMICO, NÃO SENDO APLICÁVEL NENHUM DOS CASOS PREVISTOS NO ARTIGO 33.º DO CPTA, TERIA DE SER VISTO, ANTES DE MAIS, EM FUNÇÃO DA REGRA GERAL CONSTANTE DO N.º 2 DO ARTIGO 32.º DO CPTA QUE MANDA ATENDER, PARA EFEITOS DE FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA, À QUANTIA EQUIVALENTE AO BENEFÍCIO QUE SE PRETENDE OBTER COM A ACÇÃO;
7.ª O recorrente pede a anulação do acto de adjudicação mas não pede a condenação da administração À prática de nova adjudicação a seu favor no âmbito do concurso a que se REPORTAM OS PRESENTES AUTOS E, EMBORA NA SUA CAUSA DE PEDIR INVOQUE A INVALIDADE DAS PEÇAS PROCEDIMENTAIS E A IMPOSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DO CONCURSO, TAL NÃO SIGNIFICA QUE O VALOR DA CAUSA POSSA CORRESPONDER AO PREÇO-BASE DO MESMO CONCURSO;
8.ª COMO TAL, NÃO É O PREÇO-BASE NEM O LUCRO PREVISTO NA PROPOSTA QUE APRESENTOU NAQUELE CONCURSO QUE CORRESPONDE AO BENEFÍCIO QUE O RECORRENTE PRETENDE OBTER ATRAVÉS DA ANULAÇÃO DO ACTO DE ADJUDICAÇÃO, PELO QUE NÃO É IGUALMENTE APLICÁVEL O DISPOSTO NO ARTIGO 32.º, n.º 2, DO CPTA;
9.ª como resulta da petição inicial, o benefício que o recorrente pretende obter através da anulação do acto de adjudicação corresponde ao valor dos prejuízos patrimoniais irreparáveis ou de difícil reparação que, ao arrepio do princípio da concorrência e em face da restrição de comércio decorrente daquele acto, lhe serão causados em virtude de ficar impedido, durante pelo menos três anos (prazo de execução do contrato previsto no caderno de encargos), de apresentar proposta e de lhe poder ser adjudicado, em procedimento válido, o fornecimento de refeições inerente à aquisição dos serviços de alimentação aos utentes dos estabelecimentos oficiais e respectivo pessoal do cssm;
10.ª esse benefício que se pretende obter e que resultará da anulação do acto de adjudicação impugnado não é determinável uma vez que não é possível quantificar o valor daqueles detrimentos ou, de outra face, dos lucros que o recorrente poderá auferir caso, em concurso válido, lhe seja adjudicado o sobredito fornecimento das refeições;
11.ª daí que o recorrente, não lhe sendo possível quantificar os lucros que poderia auferir num PROCEDIMENTO VÁLIDO, TENHA INDICADO O VALOR DE € 30.000,01 POR APLICAÇÃO DO CRITÉRIO SUPLETIVO ESTABELECIDO NO ARTIGO 34.º DO CPTA, DEVENDO SER ESTE O VALOR DA PRESENTE CAUSA E NÃO O DETERMINADO NA DECISÃO RECORRIDA;
12.ª AO FIXAR À CAUSA O VALOR DE € 5.200.000,00, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA VIOLOU AS DISPOSIÇÕES DOS ARTIGOS 31.e, Nº 1, e 34.º, n.º 2, DO CPTA;
13.ª ERROU TAMBÉM A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA AO JULGAR PROCEDENTE A EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO E AO, CONSEQUENTEMENTE, TER ABSOLVIDO A ENTIDADE DEMANDADA DO PEDIDO;
14.ª ao contrário do que consta da decisão recorrida e como resulta dos autos, a presente acção deu entrada em juízo no dia 6 de maio de 2009 e não no dia 15 de junho de 2009;
15.ª a douta decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente o disposto nos artigos 100.º, nºs 2 e 101.º do cpta, pois que, ao contrário do que consta da fundamentação da decisão em crise, a falta de impugnação directa, no prazo de um mês, das peças procedimentais não preclude o direito do recorrente de impugnar o acto de adjudicação do objecto do concurso em apreço com fundamento na ilegalidade das respectivas peças procedimentais;
16.ª COMO RESULTA DO DISPOSTO NO ARTIGO 100.º, n.º 2, DO CPTA, A IMPUGNAÇÃO DIRECTA DAS PEÇAS PROCEDIMENTAIS CONSTITUI UMA MERA PRERROGATIVA COMPLEMENTAR E ANTECIPATÓRIA DO INTERESSADO E QUE DECORRE DA TRANSPOSIÇÃO DAS DIRECTIVAS RECURSOS 2004/17/CE E 2008/17/CE, PELO QUE O SEU NÃO EXERCÍCIO NO PRAZO PREVISTO NO ARTIGO 101.º DO CPTA NÃO AFASTA A POSSIBILIDADE DE RECURSO AO MEIO NORMAL, ORA A IMPUGNAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO DE ADJUDICAÇÃO QUE PROCEDE À APLICAÇÃO DAS NORMAS CONTIDAS NAS PEÇAS PROCEDIMENTAIS;
17.ª NÃO CONSTITUINDO O OBJECTO DO PEDIDO FORMULADO NA PRESENTE ACÇÃO A IMPUGNAÇÃO DIRECTA DAS PEÇAS PROCEDIMENTAIS DO CONCURSO MAS SIM A IMPUGNAÇÃO DO ACTO DE ADJUDICAÇÃO PROFERIDO NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO CONTRATO COM FUNDAMENTO NA INVALIDADE DAQUELAS PEÇAS PROCEDIMENTAIS, NÃO PODIA O JULGADOR A QUO CONSIDERAR CADUCADO O DIREITO DE ACÇÃO do recorrente, porquanto o prazo para impugnação do acto administrativo não terminava NO DIA 24 DE MARÇO DE 2009 MAS APENAS NO PRAZO DE UM MÊS A CONTAR DA DATA DA NOTIFICAÇÃO DO ACTO DE ADJUDICAÇÃO, O QUAL FOI RESPEITADO PELO RECORRENTE;
18.ª pelo QUE A PRESENTE ACÇÃO, VISANDO A IMPUGNAÇÃO DAQUELE ACTO DE ADJUDICAÇÃO, NÃO PODE DEIXAR DE SE CONSIDERAR TER SIDO OPORTUNAMENTE INTERPOSTA PELO RECORRENTE;
19.ª AO TER DECIDIDO JULGAR PROCEDENTE A PUTATIVA EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO POR FALTA DE IMPUGNAÇÃO DIRECTA DAS PEÇAS PROCEDIMENTAIS, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA violou o disposto nos artigos 51.º, 100.º, n.º 1, do cpta e nas sobreditas directivas recursos, implicando uma ilegal e iníqua restrição ao direito de impugnação contenciosa do acto de adjudicação pelo recorrente e uma violação ostensiva do direito comunitário aplicável, pondo igualmente em causa os princípios da legalidade, da concorrência e da não discriminação;
20.ª não tendo sido apreciados pelo julgador a quo os fundamentos e o pedido formulado pelo ora recorrente na sua petição inicial, assiste ao venerando tribunal central administrativo sul, como tribunal de apelação, o poder de decidir o objecto da causa, CONHECENDO DE FACTO E DE DIREITO E, BEM ASSIM, DE APRECIAR AS QUESTÕES SUSCITADAS E O PEDIDO
FORMULADO NAQUELA PETIÇÃO - CFR. NÚMEROS 1, 3 E 4 DO ARTIGO 149.º DO CPTA;
21.º O OBJECTO DO CONCURSO EM APREÇO, PATENTEADO NAS RESPECTIVAS PEÇAS PROCEDIMENTAIS, É MANIFESTAMENTE ILEGAL E INADMISSÍVEL POR ESSE OBJECTO (PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ALIMENTAÇÃO AOS UTENTES DOS ESTABELECIMENTOS OFICIAIS E RESPECTIVO PESSOAL DO CSSM) NÃO PODER INCORPORAR A ADJUDICAÇÃO DE UMA VERDADEIRA OBRA PÚBLICA COM AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTOS, MAIS PRECISAMENTE A OBRA DE REMODELAÇÃO E AMPLIAÇÃO DO ESTABELECIMENTO DA BELA VISTA, A QUAL CONSTITUI UMA OBRIGAÇÃO TOTALMENTE AUTÓNOMA E NÃO MERAMENTE ACESSÓRIA DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ALIMENTAÇÃO, FICANDO O ADJUDICATÁRIO DESTES SERVIÇOS OBRIGADO A CONCEBER O PROJECTO, REALIZAR AS OBRAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL E FORNECER OS EQUIPAMENTOS NECESSÁRIOS;
22.ª DE HARMONIA COM O CADERNO DE ENCARGOS, A EMPREITADA DE CONSTRUÇÃO CIVIL, FORNECIMENTO E INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTOS SERÁ PAGA PELA ENTIDADE ADJUDICANTE (DONO DE OBRA) AO ADJUDICATÁRIO ESTANDO ESSE ENCARGO, PARA TANTO, PREVISTO E INCORPORADO NO PREÇO DAS REFEIÇÕES, PELO QUE NÃO É O ADJUDICATÁRIO QUEM SUPORTA TAL ENCARGO;
23.ª O PLANO CONTRATUAL PREVISTO NO CADERNO DE ENCARGOS DO CONCURSO EM APREÇO VIOLA O DISPOSTO NO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS POIS QUE, ESTANDO TAMBÉM EM CAUSA A ADJUDICAÇÃO DE UMA EMPREITADA DE OBRA PÚBLICA (EXECUÇÃO DE TRABALHOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL EM IMÓVEL PÚBLICO E AFECTO AO INTERESSE COLECTIVO), ESSA EMPREITADA NÃO PODE SER ADJUDICADA A UM MERO OPERADOR DO SECTOR DE RESTAURAÇÃO COLECTIVA COMO A CONTRA-INTERESSADA E......., QUE NÃO DETÊM AS NECESSÁRIAS HABILITAÇÕES LEGAIS PARA O EFEITO - ERGO, ALVARÁ OU TÍTULO DE REGISTO COMO EMPREITEIRO DE OBRAS PÚBLICAS, EMITIDO PELA ENTIDADE COMPETENTE;
24.ª AS PEÇAS PROCEDIMENTAIS E, COMO TAL, O ACTO DE ADJUDICAÇÃO IMPUGNADO, PARA ALÉM DE FALSEAREM A CONCORRÊNCIA, VIOLAM O DISPOSTO NO ARTIGO 81.º, n.º 2, DO CCP, DADO QUE NEM O programa do concurso - cfr. artigo 14.º - exige a detenção daquelas habilitações pelo adjudicatário, nem o objecto do concurso, na parte que se reporta à empreitada de obras públicas, pode ser adjudicado a um mero operador do sector alimentar, como consta das pecas procedimentais;
25.ª as peças procedimentais não preenchem igualmente os requisitos legais exigidos para as pecas atinentes a concursos públicos de adjudicação de empreitada de obras públicas, sendo evidente que o caderno de encargos não contém os elementos obrigatórios previstos no artigo 43.º do ccp, sendo, como tal, claramente inválido;
26.ª a falta de informação constante do anúncio do concurso quanto à verdadeira natureza "mista" do contrato a celebrar (por incluir, na realidade, uma empreitada de obra pública), viola também, desde a publicitação do procedimento, os princípios da concorrência, da transparência e da publicidade porquanto apenas se reporta à adjudicação do serviço de refeições e não a prestações verdadeiramente autónomas e de diferente natureza que também fazem parte do objecto do concurso;
27.ª a entidade adjudicante deveria, conforme requerido no procedimento concursal pelo ora requerente, ter determinado a anulação do procedimento concursal;
28.ª Se, como resulta da contestação do recorrido, a entidade adjudicante pretendia a celebração de um contrato misto ou híbrido (abrangendo prestações típicas dos contratos de obras públicas e de aquisição de serviços de alimentação), à luz dos princípios acima referidos estava, por um lado, obrigada a publicitar o objecto desse contrato misto, o que não fez;
29.ª por outro lado, se pretendia celebrar esse contrato misto, a entidade adjudicante, na formulação das peças procedimentais, teria de dar cumprimento, de forma conjugada, a todas as disposições aplicáveis aos procedimentos adjudicatórios de aquisição de bens e serviços e de adjudicação de empreitada, o que também não fez - cfr. n.º 4 do artigo 32.º do CCP;
30.ª outrossim, teria também a entidade adjudicante de declarar e assegurar, no momento da escolha do procedimento a adoptar, a verificação dos pressupostos de aplicação do artigo 32.º do ccp, nos termos do qual só é permitida a celebração de contratos mistos se as prestações a abranger pelo respectivo objecto forem técnica e funcionalmente incindíveis ou, não o sendo, se a sua separação causar graves inconvenientes para a entidade adjudicante;
31.ª no entanto, nem a prestação do serviço de alimentação é tecnicamente incindível da empreitada de remodelação do estabelecimento da bela vista, nem a entidade adjudicante demonstrou previamente, no momento de aprovação da despesa e da escolha do procedimento, que a cindibilidade de ambas as prestações principais em causa causaria graves prejuízos para o interesse público. pelo contrário;
32.ª pelo que foram também violadas pelas pecas procedimentais aprovadas pela entidade adjudicante todas as regras previstas no artigo 32.2 do ccp, implicando, consequentemente, essa violação, a invalidade tanto dessas peças como do acto de adjudicação que procedeu à sua aplicação;
33.ª ao contrário do que refere o recorrido, é inaplicável ao caso em apreço o disposto no artigo 318.º do ccp dado que o caderno de encargos não prevê sequer qualquer cessão ou subcontratação parcial (total ou parcial) no momento da formação do contrato, ficando a mesma dependente de consentimento da entidade adjudicante somente na fase de execução do contrato;
34.ª mais, a possibilidade de cessão ou subcontratação jamais permitiria suprir a falta de habilitações do adjudicatário para realizar a obra pública em causa, cuja comprovação lhe teria de ser exigida na fase de formação do contrato (e não fol), não exigindo, ademais, as regras procedimentais que o subcontratado disponha ele próprio das devidas habilitações legais para aquele efeito;
35.ª a cessão ou subcontratação na fase de execução do contrato também não permite suprir a falta de habilitações do adjudicatário que, in casu, continua a ser sempre responsável perante o contraente público por todas as prestações contidas no objecto do contrato -cfr. artigo 321.º do ccp;
36.ª o objecto do concurso em apreço viola o regime das despesas públicas por pôr em causa os princípios da legalidade, da igualdade e da concorrência porquanto, tal como se decidiu no douto acórdão do tribunal de contas acima citado, a contratação conjunta não pode ser justificada pelo evitar de dois concursos ou de fazer pagar por despesas correntes (alimentação) as de investimento (obras públicas), o que ademais redundaria, tal como SUCEDE NO CASO EM APREÇO, EM QUE FOSSE DIRECCIONADA PARA O FORNECEDOR DE ALIMENTAÇÃO (não habilitado) a garantia/responsabilidade pela obra e não para o empreiteiro;
37.ª O CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO PREVISTO NO PROGRAMA DE CONCURSO (O DO MAIS BAIXO PREÇO) VIOLA O DISPOSTO NO ARTIGO 74.º, n.º 2, DO CCP PORQUANTO RESULTA CLARO QUE NÃO SE ENCONTRAM previstos no caderno de encargos todos os restantes aspectos de execução do contrato, o QUE RESULTA CLARO, POR EXEMPLO, DO SEU ANEXO 12 ONDE SE DEIXA AO "FORNECEDOR DOS SERVIÇOS de alimentação /empreiteiro" a possibilidade de concretizar os trabalhos que serão EXECUTADOS AO APRESENTAR OS RESPECTIVOS PROJECTO BASE E PROJECTO DE DURAÇÃO DAS OBRAS;
38.ª pelo que o critério adoptado pela entidade adjudicante poderia ter sido o da proposta ECONOMICAMENTE MAIS FAVORÁVEL QUE PONDERASSE ASPECTOS NÃO DEFINIDOS NO CADERNO DE encargos e nunca o critério do mais baixo preço;
39.ª O ESQUEMA DE PAGAMENTO DO PREÇO PREVISTO NO CADERNO DE ENCARGOS - E QUE PASSA POR FAZER PAGAR POR DESPESAS CORRENTES (ALIMENTAÇÃO) AS DE INVESTIMENTO (OBRAS PÚBLICAS) - VIOLA O DISPOSTO NO ARTIGO 18.º DO CIVA POR IMPLICAR, TAL COMO CONSTA DO CONTRATO CELEBRADO ENTRE o recorrido e a contra-interessada E......., a emissão de facturação pelo adjudicatário COM ERRADA LIQUIDAÇÃO DA TAXA DE IVA APLICÁVEL, POIS QUE, COMO É EVIDENTE, A TAXA DE IVA QUE INCIDE SOBRE O PREÇO DO SERVIÇO DE ALIMENTAÇÃO É INFERIOR À TAXA DE IVA QUE INCIDE SOBRE O PREÇO DA EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS.
40.ª como tal, o caderno de encargos que contempla aquele esquema de pagamento, mais do que anulável, é verdadeiramente nulo por constituir a prática continuada de uma infracção tributária;
41.ª sendo, por tudo o exposto, ilegais e inválidas as peças procedimentais e o respectivo concurso, é também ilegal e inválido o acto de adjudicação impugnado, o qual não pode manter-se na ordem jurídica.
42.ª ao não ter, infundadamente, apreciado as invalidades suscitadas na petição inicial, a douta decisão recorrida violou ainda todos os princípios e normas do ccp acima invocados.

Em contra-alegações o Centro de Segurança Social da Madeira (CSSM) formulou as seguintes conclusões:
I - A oposição deduzida pelo Centro de Segurança Social da Madeira, foi efectuada dentro do prazo legal, pelo que não deverá merecer qualquer reparo e não deverá alterar-se a decisão recorrida que considerou tempestiva aquela oposição.
II - Conforme a acção configurada pelo Autor, ora recorrente, o mesmo fundamentou a acção na alegada invalidade das peças do procedimento concursal.
III - Autor/ recorrente apresentou proposta ao concurso e não apresentou perante o órgão competente para a decisão de contratar qualquer reclamação de quaisquer erros ou omissões do caderno de encargos ou de qualquer outra peça concursal que tivesse detectado, como podia e era seu dever fazer, nos termos do disposto no artº 61º do Código dos Contratos Públicos.
IV - Foi com fundamento exclusivo da ilegalidade e invalidade das peças concursais, que intentou a acção, pretendendo ver repercutido essas alegadas, e não demonstradas, invalidades no acto de adjudicação.
V - Mas à data em que o autor/recorrente deu entrada em juízo da acção, já há muito que se tinha esgotado o prazo peremptório de um mês que disponha para o pretendido efeito de impugnação das peças concursais (artº 101º do CPTA).
VI - Caducidade essa que constitui excepção peremptória e que importa a absolvição do Réu do pedido (artº 493º, nº 3 do CPC), como bem decidiu o Juiz "a quo".

Nas suas contra-alegações a Contra-Interessada (CI) E…….. (Portugal) – Sociedade ……………., Lda formulou as seguintes conclusões:
A. Caso a tese do Recorrente procedesse o prazo de caducidade do art.º 101.º do CPTA não seria aplicável à impugnação das peças concursais a que se refere especialmente o art.º 100.º, n.º 2 do CPTA, o que é inadmissível;
B. A possibilidade de impugnar as peças concursais ao abrigo de um processo especialmente urgente - o da secção II do Capítulo l do Título IV do CPTA - constitui, por si só, um acréscimo de garantia de tutela efectiva dos interessados;
C. No entanto, esse acréscimo de garantia não pode ser interpretado como uma faculdade dos interessados, sem qualquer sujeição ao disposto no art.º 101.º do CPTA;
D. A especial previsão no art.º 100.º, n.º 2 do CPTA da impugnabilidade das peças do concurso constitui disposição especial a que faz referência a ressalva do art.º 51.º, n.º 3 do CPTA;
E. Não pode, assim, ser fundamento de impugnação do acto de exclusão da proposta de um concorrente a ilegalidade das normas concursais, após o decurso do prazo do art.° 101.º do CPTA, conforme alega a Recorrente nas suas alegações de recurso;
F. Acresce que o Recorrente também não fez uso do pedido de esclarecimentos a que se refere o art.º 50.º do CCP, o qual constitui um verdadeiro poder-dever, como aliás, resulta da respectiva letra;
G. Assim, a falta de impugnação tempestiva das normas do PC e do CE implica a respectiva aceitação, por razões, inclusivamente, de segurança jurídica;
H. O Acórdão recorrido fez, assim, uma correcta interpretação das regras aplicáveis, ficando prejudicada a apreciação da segunda questão, devendo por isso o presente recurso ser julgado improcedente
l. Caso assim não se entenda, no que não concede, sempre se dirá que o objecto do concurso, as peças procedimentais do mesmo e o acto de adjudicação e o contrato são perfeitamente válidos e eficazes, ao contrário do que pretende fazer crer o Recorrente;
J. A obrigação principal do concurso em apreço nos autos consiste no fornecimento de 1.300 refeições diárias, em seis estabelecimentos distintos do Recorrido;
K. Sendo a realização de obras no estabelecimento da Bela Vista uma obrigação acessória do contrato, mas necessária ao cumprimento da obrigação principal naquele estabelecimento, pelo que o objecto do contrato não excede o conteúdo dos anúncios publicados;
L. Ainda que assim não fosse, no que não se concede, sempre o contrato em análise teria um objecto misto, perfeitamente admissível de acordo com as regras do CCP;
M. A autonomização dos dois tipos de fornecimento - refeições e obras - resultaria em graves prejuízos para o Recorrido, que visou garantir o regular fornecimento de refeições no estabelecimento em causa com a maior brevidade possível e com o menor custo possível decorrente de percalços com a realização da obra;
N. Os trâmites específicos a que se encontra sujeita a formação de contratos mistos foram observados;
O. As obras em causa serão levadas a cabo, obviamente, por uma empresa legalmente habilitada para o efeito, subcontratada pela E.......;
P. Para além do preço, todos os demais aspectos de execução do presente contrato encontram-se perfeitamente definidos no CE, pelo que é perfeitamente lícita a escolha do critério de adjudicação do mais baixo preço, ao abrigo do art.º 74.º, n.º 2 do CCP, pelo que também nesta parte deve o presente recurso ser julgado improcedente;
Q. Por fim, vem o recorrente suscitar a apreciação, ex novo, de uma nova questão - a infracção tributária decorrente do pagamento unitário dos serviços de refeições e de obra, facturados com IVA a 8%;
R. Não sendo factos de conhecimento oficioso – factos notórios ou de que o Tribunal devesse conhecer por virtude do exercício das suas funções -, os mesmos não podem ser conhecidos pelo Tribunal ad quem, o que justifica a rejeição do recurso nesta parte;
S. Assim não se entendendo, no que não se concede, sempre se dirá, que o que está em causa não é a validade do próprio acto de adjudicação, mas os actos de execução do contrato, os quais apenas podem ser sindicados em sede de acção administrativa comum, e não nos presentes autos, de tramitação especial;
T. Por outro lado, nenhuma infracção tributária se encontra a ser praticada;
U. Com efeito, o Recorrente não interpreta correctamente os esclarecimentos do Recorrido ao Jornal da Madeira que cita;
V. O Recorrido não afirma que paga as obras do Estabelecimento da Bela Vista, mas antes que a iniciativa das mesmas é sua e que os respectivos encargos financeiros lhe são imputados, através do contrato celebrado com a E.......;
W. Porém, é evidente que a E....... subcontratou a realização das obras, pagando-as, directa e pessoalmente à empresa subcontratada, a preços com IVA à taxa legal aplicável;
X. Por sua vez a E....... fez reflectir no preço das refeições a fornecer ao abrigo deste contrato os encargos que assumiu com aquelas obras, à semelhança, aliás, do que faz com os encargos com matéria-prima alimentar e não alimentar que adquire para a prestação deste tipo de serviços, a taxas de IVA diferentes das taxas de IVA aplicáveis à restauração;
Y. A realização das obras no Estabelecimento da …………… é absolutamente indispensável à prestação dos serviços de refeições, por não existirem condições mínimas de prestação dos serviços de acordo com as normas aplicáveis, pelo que não existe qualquer infracção ao Código do IVA.

Foi proferido acórdão a fls. 619 a 639 que concedeu parcial provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida quanto à decisão sobre a caducidade do direito de acção, absolvendo os réus da instância.

Deste acórdão interpôs a Recorrente recurso de revista para o STA que, por Acórdão de 20.12.2011, determinou a baixa dos autos a este TCAS para conhecer da verificação da excepção da caducidade do direito de acção da autora, de acordo com o expendido em 2.2.1 do Acórdão e para, no caso dessa excepção se não verificar, conhecer do mérito da acção, se a tal outras questões não obstarem – cfr. Acórdão do STA de fls. 776 a 803.

Sem vistos, vem o processo à conferência.

Os Factos
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
A) No DR, 2a Série, n° 3, de 6 de Janeiro de 2009, e no JOCE, de 8 de Janeiro de 2009, foi publicado, pela ali identificada entidade adjudicante Centro de Segurança Social da Madeira, anúncio de concurso público nº 11/2009, relativo ao "Concurso público nº 01/09 - Prestação dos serviços de alimentação aos utentes dos estabelecimentos Oficiais e respectivo pessoal do Centro de Segurança Social da Madeira", prevendo-se ali O "prazo de recepção das propostas ou dos pedidos de participação Data: 23/02/2009 Hora 16:45", dando-se por reproduzido o seu integral teor;
B) Dá-se por reproduzido o teor do Programa do Procedimento do concurso, designadamente:
"Artigo 10°
Prazo para apresentação das propostas
1 - As propostas e os documentos que as acompanham dever ser apresentadas até às 16 horas e 45 minutos do 47º dia de calendário a contar da data do envio do anúncio relativo ao presente concurso para publicação no jornal Oficial da Comunidade Europeia (...)";
C) A Autora apresentou proposta no concurso e esta foi aceite, dando-se por reproduzido o Relatório Final do Júri do Concurso, junto pela Autora, designadamente:
“(...) Conclusão/proposta de adjudicação:
Em face do exposto, o júri deliberou, por unanimidade, manter a ordenação das propostas constante no relatório preliminar, pelo que as propostas, para efeitos de adjudicação ficam ordenadas da seguinte forma:
1º E.......(...) 2º S……….. (...); 3º I……… (...)";
D) A presente acção deu entrada em juízo no dia 06 de Maio de 2009. (alínea rectificada, nos termos do art. 667º do CPC, pelo despacho de fls. 562).

Consideram-se ainda provados os seguintes factos com interesse para a decisão, tendo em atenção as posições das partes e os documentos juntos aos autos, atento o disposto no art. 712º, nº 1, al. a) do CPTA:
E) No art. 6º do Programa do Concurso (PC), indicado na al. B) supra, constam os elementos que devem constituir os preços a propor pelos concorrentes, neles se incluindo de acordo com o nº 2, alínea e), “As obras necessárias à realização do objecto principal do contrato a celebrar, nomeadamente, a montagem das cozinhas e equipamentos, para além dos já existentes nos termos do número três da Cláusula 1ª do caderno de encargos”;
F) O art. 7º do PC, sob a epígrafe Documentos que constituem a proposta, prevê o seguinte:
“1- A proposta deve ser acompanhada dos seguintes documentos, nos termos do art. 57º do CCP:
a)Declaração do concorrente de aceitação do Caderno de Encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao presente programa Concurso, do qual faz parte integrante;
(…)
c) Documento com a descrição dos serviços a prestar e dos produtos ou meios materiais e do equipamento técnico a utilizar na prestação dos serviços, incluindo a respectiva periodicidade, com observância das condições estabelecidas no Caderno de Encargos;
d) O Ante-projecto ou Estudo Prévio para a remodelação, ampliação e adequação da unidade alimentar da cozinha e refeitório do estabelecimento Bela Vista;
(…)” – cfr. PC doc. 8 junto com a pi. a fls. 86 a 94 dos autos.
G) – Nos termos do art. 9º do PC o critério de adjudicação é o do preço mais baixo, de acordo com a alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do art. 74º do CCP.
H) – Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do Caderno de Encargos (CE) e respectivos anexos, que rege o presente concurso, junto como doc. 9, a fls. 98 a 163, designadamente a respectiva cláusula 1ª que estabelece no seu nº 1 que o contrato a celebrar na sequência do Concurso Público nº 01/09 “tem por objecto principal, a prestação de serviços e fornecimento de alimentação aos utentes dos Estabelecimentos Oficiais e respectivo pessoal, seguidamente identificados no n.º 2, e utentes do Serviço de Ajuda Domiciliária e do Centro de Tratamento de Tóxico-dependência e Saúde Mental (…).
(…)
3 – Constituirá obrigação acessória do prestador de serviços, a concepção do projecto, a realização das obras de construção, e o fornecimento dos equipamentos necessários para a remodelação, ampliação e adaptação da cozinha e do refeitório do Estabelecimento Bela Vista, nomeadamente, a montagem da cozinha e dos equipamentos, para além dos existentes, devendo para o efeito, o mesmo apresentar o correspondente Projecto Base e o Projecto de Execução, em conformidade com o Programa Funcional constante do Anexo 12 ao presente caderno de encargos, (…), os quais serão sempre sujeitos à aprovação pelo Centro de Segurança Social da Madeira.
4 – O prestador de serviços a par da prestação de serviços de alimentação aos Estabelecimentos incluídos no objecto do presente caderno de encargos, acessoriamente deve apresentar e assegurar às suas custas, uma solução transitória para a prestação de serviços de alimentação enquanto decorrer o período de obras a efectuar na cozinha e refeitório do Estabelecimento Bela Vista.”.
I) – Por carta datada de 06.04.2009 foi comunicado à A. que o “Concurso Público nº 01/09 – Prestação de serviços de alimentação aos utentes dos Estabelecimentos Oficiais e respectivo pessoal do Centro de Segurança Social da Madeira foi adjudicado à E....... (Portugal) – Sociedade Europeia de Restaurantes, Lda pelo valor 4.249.821,60€ (…) a que acresce a taxa do IVA à taxa legal em vigor”, sendo ainda enviado o Relatório final do Concurso – cfr. doc. 5 junto com a p.i., fls. 60 e 61 a 65.
J) – A adjudicação foi decidida pela Resolução nº 352/200 do Conselho do Governo Regional da Madeira de 26.03.2009, publicada no JORAM de 02.04.2009 – cfr. doc. de fls. 319.
L) - Em 04.05.2009, foi celebrado o “Contrato de Prestação de Serviços e Fornecimento de Alimentação aos Utentes dos Estabelecimentos Oficiais e Respectivo Pessoal do Centro de Segurança Social da Madeira”, entre o CRSSM e a E....... (Portugal) – Sociedade Europeia de Restaurantes, Lda, referente ao concurso público aqui em causa, junto a fls 382 a 387, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
M) – A E....... subcontratou a concepção do projecto, realização de obras de construção, e o fornecimento de equipamentos necessários para a remodelação, ampliação e adaptação da cozinha e do refeitório do Estabelecimento da Bela Vista à empresa Ramos Catarino, SA, após autorização do CCSM para o efeito – cfr. processo instrutor.

N) – A referida empresa é detentora do alvará de construção nº 867 – cfr. doc. 2 junto com a contestação da CI, fls. 297 e 298.
O) – A referida empresa assumiu perante a aqui CI e a entidade adjudicante o compromisso de que o projecto de engenharia e a sua execução cumpririam, na íntegra, os atributos e condições constantes da proposta da E....... – cfr docs. 3 e 4, fls. 299 e 300.

O Direito
1- Caducidade do direito de acção
Tendo em atenção o douto Acórdão do STA proferido nos autos cumpre em primeiro lugar conhecer da excepção de caducidade do direito de acção nos termos indicados no seu ponto 2.2.1 (cfr. fls. 800 dos autos).
Tal como se refere no segmento aqui em causa do referido acórdão “de acordo com o estabelecido no artigo 101.º do CPTA, a impugnação deve ser feita no prazo de um mês, a contar da notificação aos interessados ou, não havendo lugar a notificação, a partir do seu conhecimento”.
No caso dos autos, tal como se vê do probatório a aqui Recorrente foi notificada do acto de adjudicação por carta de 06.04.2009 e a acção foi intentada em 06.05.2009 (cfr. als. I) e D) do probatório.
Assim, é de concluir que foi respeitado o prazo de um mês previsto no art. 101º do CPTA, não se verificando a caducidade do direito de acção.

2 – Do mérito
Uma vez que na interpretação assumida no douto Acórdão do STA de 20.12.2011, não procede a excepção de caducidade do direito de acção, cumpre a este TCAS conhecer do mérito da acção, uma vez que não se vislumbram quaisquer outras questões que a isso obstem.
a) Da ilegalidade do objecto do Concurso e das Peças Concursais
Alega a Recorrente que o objecto do concurso, patenteado nas respectivas peças processuais, é manifestamente ilegal e inadmissível por esse objecto (prestação de serviços de alimentação aos utentes dos estabelecimentos oficiais e respectivo pessoal do CSSM) não poder incorporar a adjudicação de uma verdadeira obra pública com aquisição de equipamentos, a qual constitui uma obrigação totalmente autónoma e não meramente acessória da prestação de serviços de alimentação, ficando o adjudicatário obrigado a conceber o projecto, realizar as obras de construção civil e fornecer os equipamentos necessários.

Como resulta da factualidade dada como provada a obrigação principal do concurso em apreço nos autos consiste no fornecimento de refeições diárias, em seis diferentes estabelecimentos do Recorrido (cfr. art. 1º do PC e CE, Parte I cláusula 1.ª, 4.ª e 5.ª e Parte II, Cláusulas Técnicas - cláusulas 24.ª a 35.ª).
No entanto, e uma vez que o funcionamento das unidades alimentares de apenas um desses seis estabelecimentos, necessitava de obras de remodelação, o Recorrido estabeleceu a obrigação acessória de realização dessas obras no âmbito do Contrato.
Efectivamente, a previsão da realização desses trabalhos de construção no Contrato mostrava-se essencial para o fornecimento de refeições no Estabelecimento da Bela Vista (cfr. cláusula 1ª, nº 3 do CE).
A previsão da responsabilidade pela realização daqueles trabalhos de construção como cláusula acessória decorre da necessidade de garantir o regular fornecimento das refeições naquele estabelecimento com a maior brevidade possível, tendo também em vista evitar um possível aumento de custos decorrente de quaisquer imprevistos que pudessem ocorrer durante a obra (cfr. cláusula 1º, nº 4 do CE).
Como se referiu no Relatório Final do Júri do Concurso (pronunciando-se sobre a exposição da aqui Recorrente):
Nos anúncios insertos no Diário da República, II Série, Nº 3, de 6 de Janeiro de 2009, no Jornal Oficial da Comunidade Europeia, (…), consta como objecto do contrato “a prestação de serviços de alimentação aos utentes dos Estabelecimentos Oficiais e respectivo pessoal do Centro de Segurança Social da Madeira” a qual constitui, de facto, o objecto principal do contrato a celebrar, pelo que não se vislumbra como é que o objecto do procedimento excede o que foi efectivamente publicitado.
No que concerne ao alegado quanto ao presente procedimento incluir no seu âmbito a prestação de serviços de alimentação e a execução de obras, importa precisar desde logo que o concorrente ITAU conhecia perfeitamente todos os termos e condições de execução do contrato a celebrar, conformou-se com os mesmos ao apresentar proposta, e caso não concordasse com a sua exequibilidade, que agora tem por ilegal, deveria antes e em tempo oportuno ter suscitado a questão, pelas vias legais adequadas em lugar de ter apresentado proposta e de ter expressamente declarado, sob compromisso de honra, que “(…) se obriga a executar o contrato em conformidade com o conteúdo mencionado no Caderno de encargos, o qual aceita, sem reservas, todas as cláusulas”.
Por outro lado, (…) sempre se dirá que a execução do contrato envolva algum grau de complexidade, nada tem de inédito ou surpreendente. Pelo contrário, sabe o Júri, e sabe o concorrente ITAU que o mesmo modelo tem sido utilizado recentemente em diversos procedimentos pré-contratuais desencadeados por outros organismos integrados na Administração Pública Central, alguns deles de assinalável dimensão, complexidade e divulgação pública.
(…)
Na verdade, não mais faz sentido continuar a afirmar a impossibilidade de celebração de contrato mistos, prevendo a realização acessória de obras à contratação de serviços de alimentação. Aliás, se tal já era válido à luz do regime jurídico de aquisição de bens e serviços instituído pelo DL 197/99, de 8 de Junho, com o CCP, aprovado pelo DL nº 18/2008, de 19 de Janeiro, se prevê especificamente o contrato misto cujo objecto abranja simultaneamente, prestações típicas dos contratos de empreitadas de obras públicas, de locação ou de aquisição de bens móveis ou de aquisição de bens e serviços – Conf com o previsto no artigo 32º, assim como com a possibilidade de cessão e subcontratação prevista no artigo 318º do CCP.” (cfr al. C) do factos provados e doc. 5, fls. 61 a 65).
Efectivamente, no caso dos autos verifica-se a previsão do art. 32º, nº 1 do CCP, uma vez que a previsão da realização dos trabalhos de construção decorre da necessidade de garantir o regular fornecimento das refeições no estabelecimento em que aqueles eram necessários, com a maior brevidade possível, tendo-se ainda em vista evitar um possível aumento de custos decorrente de eventuais atrasos ocorridos durante aquela obra, o que poderia ocorrer caso a mesma viesse a ser assumida por entidade distinta do fornecedor das refeições.
Acresce que, de acordo com o previsto no CE esta solução permitiu que coubesse ao prestador de serviços assegurar às suas custas, uma solução transitória para a prestação de serviços de alimentação enquanto decorreu o período de obras a efectuar na cozinha e refeitório do Estabelecimento Bela Vista que não dispunham dos requisitos legalmente exigidos para o seu funcionamento. Sendo certo que ficou também assegurado que quer as benfeitorias, quer o equipamento e demais utensílios que fossem fornecidos e colocados na unidade alimentar do Estabelecimento da Bela Vista (ou de quaisquer outras abrangidas pelo CE) passaram a integrar o património da Entidade adjudicante, não podendo ser levantadas ou por elas reclamada qualquer indemnização (cfr. cláusula 20ª do CE).
Ou seja, a celebração de um contrato de fornecimento de refeições e de empreitada, autónomos, para assegurar as obrigações vertidas no contrato em análise causaria graves inconvenientes para o Recorrido, que está obrigado a assegurar o fornecimento de refeições aos utentes dos seus estabelecimentos, e, por isso, este lançou o concurso nos termos em que o fez, dentro dos seus poderes de conformação do contrato, e de acordo com a solução que se lhe afigurou mais adequada aos fins que visa prosseguir.
Prevê o art. 32º, nº 4 do CCP que “a formação dos contratos mistos referidos nos n.ºs 2 e 3 está sujeita aos trâmites procedimentais específicos, devidamente conjugados, dos procedimentos de formação de todos os contratos cujas prestações sejam objecto do contrato misto a celebrar”.
Este preceito legal foi integralmente cumprido pelo Recorrido na qualidade de Entidade Adjudicante.
De facto, tal como exigido para ambos os tipos contratuais, o contrato em análise foi precedido de concurso público, com Anúncio publicado no JOUE, contendo programa de procedimento e caderno de encargos.
Nesse caso, o projecto de execução deve ser acompanhado de uma descrição dos trabalhos preparatórios ou acessórios e uma lista completa de todas as espécies de trabalhos necessárias à execução da obra a realizar e do respectivo mapa de quantidades.
Ora, o CE é composto pelo “Programa Funcional para Remodelação, Ampliação e Adaptação da Cozinha e Refeitório do Estabelecimento Bela Vista”, e este documento contém todos os elementos exigidos pelo art. 43º do CCP, neste tipo de situações.
Por outro lado, e porque o objecto principal do contrato é o fornecimento de refeições, não há que fazer apelo às disposições respeitantes aos procedimentos pré-contratuais de empreitadas de obras públicas previstas no CCP, sendo certo que o art. 318º do CCP permite a subcontratação, resultando do probatório que foram respeitados os requisitos exigidos no nº 3 daquele preceito.
O art. 81º do CCP foi cumprido, como decorre da referida documentação, sendo que a subcontratação de uma empresa para assegurar esses trabalhos é expressamente admitida pelo CE, desde que devidamente autorizada pela entidade adjudicante, o que sucedeu (cfr. cláusula 19ª do CE e referido art. 318º do CCP).
Assim, o procedimento concursal - integrado pelas suas peças concursais - não viola os princípios da contratação pública, designadamente, os princípios do interesse público, da transparência, da concorrência, da publicidade ou da boa fé, contrariamente ao alegado pelo Recorrente.
As regras concursais estavam, assim, todas, sem excepção, claramente definidas à partida, sendo certo que, tal como se refere no Relatório Final do Júri, a Recorrente as conhecia e aceitou expressamente, improcedendo, consequentemente, as conclusões 21 a 36 da Recorrente.

b) Da ilegalidade do critério de adjudicação do concurso
Alega a Recorrente que o critério de adjudicação previsto pela entidade adjudicante para o presente concurso, ou seja, o do preço mais baixo, é ilegal face ao disposto no art. 74º, nº 2 do CCP.
Para tanto, sustenta a Recorrente que, por força do mencionado preceito legal, a entidade adjudicante apenas pode lançar mão do critério do preço mais baixo quando “todos os restantes aspectos de execução do contrato a celebrar estejam definidos no Caderno de Encargos", e que tal não sucede no caso vertente.

Vejamos.
O CE dispõe de forma clara e taxativa as regras atinentes à definição e elaboração das ementas.
Com efeito, as Cláusulas Técnicas definem, ao pormenor, os locais de confecção e especificidades das refeições a fornecer, as quantidades das refeições, os respectivos horários para cada um dos estabelecimentos, as dietas, as capitações, as ementas dos funcionários, os reforços e outros suplementos alimentares, as especificidades dos estabelecimentos, as regras de transporte, recepção, armazenagem, conservação e distribuição das refeições, os produtos e procedimentos de utilização interdita, as especificações dos produtos a utilizar, as normas de preparação e de confecção, as operações de distribuição de refeições, as operações de verificação da sua execução, os mapas e outros elementos de controlo, as instalações e os equipamentos, a manutenção e reparação de equipamentos, os equipamentos ou utensílios novos e beneficiação das instalações, a higienização das instalações e equipamentos, sinalização, regras referentes ao pessoal e transporte de lixo (cfr. Cláusulas Técnicas do CE acima referidas).
Acresce ainda que se tal não fosse suficiente para se considerar que os aspectos de execução do contrato se encontram totalmente definidos, a entidade adjudicante veio ainda estabelecer que “a preparação e confecção das refeições terá de ser executada em perfeita conformidade com as condições estabelecidas nos documentos contratuais e demais legislação aplicável, designadamente, na Portaria n.º 426/78 de 29 de Julho, no Decreto-Lei n.º 67/98, de 18 de Março, assim como no despacho normativo n.º 12/98, de 25 de Fevereiro”.
E, também o Anexo 12 do CE define os aspectos de execução das operações necessárias à recuperação das unidades alimentares da Bela Vista, nos termos e para os efeitos do art. 74º, nº 2 do CCP, fixando todos os elementos essenciais à sua realização.
Assim, e porque, para além do preço, todos os demais aspectos de execução do presente contrato se encontram inteiramente definidos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 74º, nº 2 do CCP, improcedem as conclusões 37 e 38 da Recorrente

c) Da violação do Código do IVA - Infracção tributária
No seu recurso, vem, ainda, o Recorrente, em sede de alegações de recurso arguir um novo fundamento de invalidade do acto de adjudicação, que é a invocação de que os pagamentos a executar ao abrigo do contrato em apreço implicarão uma infracção tributária ao Código do IVA, por se facturar serviços de refeições e obras a uma taxa intermédia de 8%, aplicável apenas aos serviços de refeições.
Desde logo, tal matéria não é da competência do tribunal administrativo de círculo, mas sim do tribunal tributário (cfr. arts. 44º e 49º, ambos do ETAF), estando consequentemente, excluída da competência da Secção do Contencioso Administrativo deste TCA (cfr. arts. 37º, al. a), 38º, al. a) e 26º, al. b), todos do ETAF).
Acresce que, só no presente recurso tal questão é suscitada quando tal fundamento deveria ter sido alegado em sede de Petição Inicial, porque o mesmo decorre de factos já existentes à data da propositura da acção, e não de quaisquer factos supervenientes à mesma.
Assim, nos termos do disposto no art. 149º, nº 1 do CPTA, o tribunal de recurso não pode conhecer de tal questão, uma vez que apenas pode conhecer do objecto da causa e não de quaisquer questões novas agora suscitadas.
Termos em que, não se toma conhecimento da matéria constante das conclusões 39 e 40 do recurso.

Pelo exposto, acordam em:
a)– negar provimento ao recurso e, conhecendo do mérito da acção, julgá-la improcedente, absolvendo os réus dos pedidos;
b)- condenar a Recorrente nas custas.

Lisboa, 1 de Março de 2012
Teresa de Sousa
Paulo Carvalho
Carlos Araújo