Tribunal de Contas
ACÓRDÃO
Nº13/09 – 24.MAR.09 – 1ª S/PL Recurso Ordinário nº21/2008-R Processo nº 257/08
(O artigo 107º do DL 59/99 corresponde – ainda que em fases
diferentes – ao artigo 70º-2-e) do Código dos Contratos Públicos)
Sumário
1. O artigo
107º, nº 1, alínea f) do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março (RJEOP),
estabelece uma proibição de adjudicação da empreitada quando todos os
concorrentes apresentam propostas com preços totais anormalmente baixos e as respectivas
notas justificativas forem tidas como não esclarecedoras. Trata-se de um
comando imperativo dirigido à Administração e ao qual esta está vinculada. É um
poder-dever de não adjudicação que constitui uma excepção ao dever de
adjudicação que, em geral, impera nos procedimentos visando a contratação
púbica para realização de obras públicas. Tal proibição é testemunhada pela
evolução legislativa nesta matéria.
2. A proibição de não adjudicação pressupõe a verificação de
dois pressupostos:
a) O preço
total apresentado por cada e todas as propostas ser anormalmente baixo, o que
constitui um conceito indeterminado;
b) As notas
justificativas dos preços serem consideradas como não esclarecedoras o que
envolve o exercício de um poder discricionário na sua apreciação.
3. No
exercício do poder discricionário de apreciação das notas justificativas o
aplicador do direito, está balizado:
a) Por um
critério de competência: no caso, a comissão de avaliação e a Câmara Municipal
que assumiu o relatório daquela tinham competência legal para considerarem como
esclarecedoras ou não esclarecedoras as notas justificativas dos preços;
b) Pela
finalidade da norma: a norma em causa visa evitar a degradação das empreitadas
de obras públicas e a execução de trabalhos a um nível de qualidade inferior
aos esperados pondo em causa a prossecução do interesse público;
c) Por
critérios fixados na lei: no caso são relevantes os critérios fixados no nº 3
do artigo 105º do RJEOP;
d) Pela
necessidade de se conduzir um procedimento específico de contraditório,
previsto no nº 2 do artigo 105º do RJEOP;
e) Pela
necessidade de fundamentação de rejeição ou de não adjudicação, nos termos do
nº 4 do artigo 105º do RJEOP.
f) Pelos
princípios a que se deve subordinar a actividade administrativa, nomeadamente,
o da adequação ao interesse público, o da justiça, o da imparcialidade, o da
igualdade, o da proporcionalidade e o da boa fé.
4. A enunciação dos motivos justificativos referidos na alínea
c) do número anterior – consagrada no nº 3 do artigo 105º do RJEOP - deve ser
considerada como exemplificativa. Os concorrentes devem poder expor quaisquer
motivos que contribuam para a demonstração da seriedade das suas propostas.
Igualmente a entidade adjudicante, para avaliar sobre tal seriedade, no
exercício do poder discricionário, pode socorrer-se das razões expressamente
invocadas pelos concorrentes, nas notas justificativas e noutros elementos das
propostas e de quaisquer outras razões, mesmo que não sejam expressamente
invocadas.
5. A lei ao estabelecer o conceito de “preço anormalmente baixo”
não o determinou, conferindo assim, ao intérprete uma margem de
discricionariedade. Na determinação de conceito deve o intérprete fazer apelo:
a) A outros
conceitos ou mecanismos legalmente fixados;
b) A
“preenchimentos valorativos” de natureza objectiva e pré-existentes em domínios
sociais e económicos relevantes.
6. A que outros conceitos ou mecanismos legalmente fixados
deverá o intérprete apelar? Aos seguintes:
a) Ao de
preço base do concurso: contudo ao contrário do que acontece na norma constante
da alínea b) do nº 1 do artigo 105º do RJEOP – relativa ao preço total
consideravelmente superior – no caso da alínea f) a lei não o refere
expressamente o que significa que a margem de discricionariedade do intérprete
é, neste caso, maior.
Assim, o preço base do concurso deve ser considerado
como indício que outros elementos podem afastar. Neste caso, o intérprete não
está juridicamente vinculado a adoptar o critério do preço base do concurso. E
o apelo ao preço base como critério pode ser ultrapassado se houver suficientes
indícios de que este foi mal calculado;
b) A métodos
quantitativos como os consagrados no regime de 1986 ou no Código dos Contratos
Públicos: uma relação percentual com o preço base ou com a média das propostas.
Contudo, não se pode retirar consequências automáticas de tais métodos, porque
o RJEOP não os consagra e porque proíbe tais automatismos, na medida em que
exige um procedimento específico de contraditório. Tal abordagem quantitativa
deve constituir também um mero indício de que se está ou não perante preços
anormalmente baixos.
7.
Concluindo:
a) O dono da
obra, através de decisão fundamentada, não pode adjudicar a empreitada se, face
aos preços propostos, às respectivas notas justificativas e aos esclarecimentos
prestados pelos concorrentes em contraditório específico imprescindível,
concluir que são preços anormalmente baixos os oferecidos por todas as
propostas;
b) Na
apreciação das notas justificativas e esclarecimentos, o dono da obra não está
vinculado a atender exclusivamente aos critérios estabelecidos no nº 3 do
artigo 105º;
c) Para
decidir sobre se os preços oferecidos são anormalmente baixos, o dono da obra
deve atender:
i. Ao preço
base do concurso, como critério indicativo;
ii. Às
diferenças quantitativas entre tal preço e os preços oferecidos como indício de
se estar (ou não) perante preços anormalmente baixos, mas sem poder extrair
conclusões automáticas de tal indício;
iii. A
valorações objectivas pré-existentes em domínios sociais e económicos
relevantes;
iv. À
finalidade da norma;
v. Aos
princípios a que se deve subordinar a contratação pública e que têm consagração
bastante na lei.
ACÓRDÃO Nº 13 /09 – MAR. – 1ª S/PL Recurso
Ordinário nº21/2008-R
(Processo nº 257/08)
I – RELATÓRIO
2. A ―LIPOR —
Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto,
associação de municípios de fins específicos, inconformada com o Acórdão nº 61/08,
de 6 de Maio, proferido em Subsecção da 1ª Secção deste Tribunal, que recusou o
visto ao contrato de empreitada celebrado entre aquela entidade e a sociedade
―Monteadriano – Engenharia e Construção, S.A., pelo valor de € 2 186 247,95,
acrescido de IVA, tendo este por objecto a “Construção das Acessibilidades ao
Aterro Intermunicipal da Lipor, na Póvoa de Varzim”, do mesmo veio interpor
recurso jurisdicional.
3. A recusa de
visto – como mais desenvolvidamente se verá abaixo - fundamentou-se na alínea
b) do nº3 do artigo 44º da LOPTC, por se considerar ter havido violação directa
de norma financeira. A norma violada é a constante da alínea f) do nº1 do
artigo 107º do RJEOP que determina que o dono da obra
não pode adjudicar a empreitada quando todas as propostas ofereçam preço total
anormalmente baixo e as respectivas notas justificativas não sejam tidas como
esclarecedoras. O acórdão recorrido também assinalou ter havido violação do
disposto no nº4 do artigo 62º do mesmo RJEOP que determina que as cópias dos
documentos do concurso devem ser fornecidas pelo dono da obra a preços de
custo. Contudo, enquadrando-se tal violação no disposto na alínea c) do nº3 do
referido artigo 44º, o acórdão recorrido afirma, quanto a esta violação, estar
reunido o condicionalismo que permite o uso da faculdade prevista no nº4, do
mesmo artigo: a concessão de visto com recomendação.
4.
Na petição de recurso, a recorrente alega fundamentalmente o seguinte:
a)
(…) [E]ntendeu esse Alto Tribunal que o preço definido para o Processo de
Concurso - 1.500 € ―- é muito superior ao valor de custo - exigido pelo DO
aos concorrentes” .E que, em consequência, se terá verificado uma ―...forte
probabilidade de o preço de custo das cópias, fixado pela LÍPOR, ter
desincentivado alguns potenciais concorrentes a apresentarem as respectivas
candidaturas, assim se restringindo a concorrência”. Com o devido respeito,
a recorrente não pode deixar de manifestar o seu total desacordo quer quanto à
alegada exigência da compra do Processo de Concurso quer no tocante à suposição
que tal preço terá originado um desinteresse de putativos concorrentes;
b)
O Processo de Concurso em causa foi adquirido por nove interessados, o
que é um número significativo. Sendo que concorreram oito entidades, com
a particularidade de um dos concorrentes não ter sentido a necessidade de
comprar o Processo de Concurso para apresentar a sua proposta. E diga-se, uma
proposta muito competitiva, que ficou ordenada em segundo lugar;
c)
Pelo que não se aceita que se diga que o Dono da Obra exigiu aos
concorrentes a aquisição do Processo de Concurso. Ora, aquela situação mostra
de forma clara aquilo que já se sustentou em sede de esclarecimentos, e a que o
Tribunal não alude na definição da Matéria de Facto, maxíme a não
exigência da aquisição do Processo de Concurso para poder apresentar proposta.
A obra em concurso é de alguma envergadura (…). Ora, entidades com a
envergadura necessária à realização da empreitada a concurso, e num momento em
que não abundam as obras públicas, certamente que não iriam decidir não
concorrer pelo facto do Processo de Concurso custar 1.500 €. Até porque
não era exigível que o comprassem. Os 1.500 € representam, percentualmente e
face ao valor base do concurso 0,03% e face à proposta vencedora 0,07%‖;
d)
A alegada violação do disposto no Artigo 62.°, n.° 4 do DL n.° 59/99, de 2 de
Março, não foi susceptível de restringir o universo concorrencial;
e)
A recorrente reconhece que os Preços das propostas apresentadas a concurso
estão significativamente abaixo do valor estabelecido, no entanto entende que
os mesmos não podem ser considerados face à situação actual do mercado como
―anormalmente baixos;
f)
Ora, [a] recessão, obriga as empresas
de construção a apresentarem propostas com preços muito competitivos, tentando
com isso ganhar a obra e
consequentemente assegurar trabalho. Só assim se entende que todos os
concorrentes tivessem apresentado preços bastante inferiores ao preço base,
apesar de entre eles, reconheça-se, haver neste particular diferenças
consideráveis;
g)
Conhecedora da situação do mercado, a Lipor entendeu por bem não considerar
como critério de adjudicação apenas o Preço (40%), protegendo-se assim de uma
possível proposta que sacrificasse a boa execução da obra só para vencer o
concurso, mas também a Valia Técnica da Proposta (60%), assegurando-se, assim,
que sendo obviamente o preço um factor importante, assumia para o Dono da Obra
grande significado a forma como os concorrentes, ou potestativos
adjudicatários, desenvolveriam tecnicamente a obra;
h)
(…) [E]ste entendimento foi sufragado, positivamente, como se viu, por parecer
técnico de um especialista da área de engenharia, da Unidade de Apoio Técnico
deste Alto Tribunal, (…), em que se reconheceu como ―…aceitável…”
a posição da recorrente face à crise do mercado e como ―...correcto
e coerente…” o facto de se ter optado pela atribuição de um maior peso
ao factor “Valia Técnica da Proposta” em detrimento do “Preço”;
i)
É inquestionável que todas as propostas apresentam um preço total entre 41,20%
e os 61,80% abaixo do preço base do Concurso. No entanto, há entre as mesmas um
intervalo de 20% o que não pode deixar de ser considerado também como
significativo, já que a norma exige, para além de as notas justificativas não
serem tidas como esclarecedoras, que todas as propostas apresentem um preço
total anormalmente baixo;
j)
A questão está pois em saber se face à conjectura de forte recessão do mercado
e tendo em conta que se exige que todas as propostas tenham um preço
anormalmente baixo, uma proposta 41,20% abaixo do preço base pode ser
considerada como anormalmente baixa. Pensámos, com o devido respeito, que não;
k)
O novo Código dos Contratos Públicos, (…), no artigo 71º, n.° 1, alínea a),
prevê que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo quando
seja “40% ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um
procedimento de formação de um contrato de empreitada de obras
públicas(…)”.Tendo em consideração as condições de mercado, diversas daquelas
em que foi calculado o preço base, bem se pode dizer que aquele limiar não
poderia considerar-se excedido;
l)
O concorrente a quem foi adjudicada a obra, bem como as propostas classificadas
em segundo e terceiro lugar, correspondem a empresas que têm a sua sede e que
trabalham muito na zona da Póvoa de Varzim e Vila do Conde, o que representa
face à empreitada a concurso uma grande proximidade, o que implica ganhos de
escala, de eficácia, eficiência e economia bastante significativos que
necessariamente se repercutem nos preços, o que justifica e está de acordo com
o facto de terem sido as três propostas com mais baixo preço;
m)
Refere-se no douto Acórdão recorrido que as “… notas justificativas não se
podem considerar como esclarecedoras”. No entanto, em nenhum momento, a
recorrente é informada de qual ou quais os motivos que justificam tal
conclusão;
n)
Aliás, para se considerar como tendo preços anormalmente baixos por referência
ao valor base sempre teria que se emitir, salvo melhor opinião, um juízo de normalidade
relativamente ao preço base que se serve de comparação;
o)
Ouvido o projectista que propôs tal preço base veio ele, razoavelmente, invocar
a crise que se abateu sobre o sector da construção civil já depois da fixação
de tal preço, assim explicando os preços muito mais baixos oferecidas pelos
concorrentes;
p)
E tal explicação colheu o apoio dos serviços de apoio deste Tribunal, como se
viu;
q)
Mas nada garante à recorrente, leiga nesta matéria — por isso que recorre a
entidades estranhas para a prestação de tais serviços especializados — que tal
preço base também estivesse sobrevalorizado!;
r)
O Tribunal não atentou, devendo fazê-lo, às razões a que a recorrente atribuiu
a grande diferença entre os preços das propostas e o valor base;
s)
Os preços das propostas, vistos na perspectiva relativa e concreta sob que as
propostas devem ser avaliadas, não devem ser considerados como
anormalmente baixos.
5.
As alegações apresentadas terminam com as seguintes conclusões:
a)
A contratação, pela Recorrente, da empreitada objecto do contrato sob análise,
não viola, salvo o devido respeito, nenhuma norma financeira.
b)
A recorrente atendendo ao facto de necessitar de ter em funcionamento, no
início de 2011, um novo Aterro Sanitário necessita de arrancar, de imediato,
com a construção das acessibilidades à referida infra-estrutura.
c)
Já que a mesma foi programada para estar concluída no momento em que será
necessário iniciar a construção do novo Aterro Sanitário, que servirá um milhão
de habitantes.
d)
Não há, com o devido respeito, fundamento para se sustentar que o preço do
processo de concurso, por excessivo, consubstanciou provavelmente o
desinteresse de potenciais concorrentes,
e)
Na medida que a recorrente não colocou qualquer entrave à apresentação de
propostas por parte de entidades que não adquiriram o processo do concurso,
f)
Bem como uma das propostas apresentadas, por sinal a segunda classificada, foi
apresentada sem que a empresa tivesse tido necessidade de adquirir o referido
processo de concurso.
g)
Por outro lado, não faz sentido, com o devido respeito, dizer -se que terá
havido uma restrição à concorrência só pelo facto de se ter entendido que o
preço do processo de concurso era demasiado alto, não atendendo que o
procedimento concursal desencadeado seguiu os trâmites do Concurso Público
Internacional quando face ao artigo 52.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 59/99 e
tendo como cenário o preço base do Concurso, a recorrente estaria, apenas,
obrigada a um mero Concurso Público.
h)
A Unidade de apoio Técnico do Tribunal de Contas reconhece como aceitável a
fundamentação apresentada pela recorrente para a circunstância de os preços das
propostas serem bastante inferiores ao preço base do concurso;
i)
De facto, a existência de uma forte recessão do mercado de obras públicas,
posterior ao cálculo daquele preço base, justifica que os concorrentes, para
terem trabalho, apresentem preços bem mais competitivos;
j)
Tem entendido a Autoridade da Concorrência que existem outras formas de
salvaguarda dos interesses dos adjudicantes que não passam pela exclusão de um
concorrente que se propõe executar os trabalhos por preços significativamente
mais baixos que o preço base;
k)
Ora, a recorrente assegurou o interesse público, ao exigir ao adjudicatário a
prestação de uma caução, bem como foi previsto um regime de multas contratuais.
l)
As propostas foram analisadas e avaliadas pela Comissão de Análise compostas
por técnico que integram os quadros da recorrente, bem como contou com um apoio
técnico suplementar através da empresa que, contratada por Concurso Público,
irá fiscalizar a obra em causa.
m)
O concorrente a quem foi adjudicada a empreitada apresentou na nota
justificativa que instrui a proposta elementos que justificam a possibilidade
de apresentar um preço significativamente abaixo do preço base do Concurso.
n)
A obra em causa destinada à construção e melhoramento de uma via pública, que
surge pela necessidade supra explicada, e que portanto não é para uma entidade
que gere resíduos uma obra corrente, não havendo, pois, da parte da recorrente
um conhecimento técnico tão evoluído como certamente aconteceria se se
estivesse a falar da construção de um Centro de Triagem ou de uma Central de
Valorização Orgânica.
o)
Verificando-se uma situação em que uma entidade pública está perante propostas
bem fundamentadas, apresentadas por empreiteiros competentes, e que oferecem um
preço abaixo do valor que a entidade adjudicante perspectiva despender, não se
descortina como é que se pode sustentar in casu a violação de uma norma
financeira.
p)
Neste sentido, vai, aliás, o douto Parecer emitido, a propósito pelo Ilustre
Jurisconsulto, Mário Esteves de Oliveira, junto adiante, que defende,
nomeadamente:
q)
O Tribunal não atentou, devendo fazê-lo, às razões a que a recorrente atribuiu
a grande diferença entre os preços das propostas e o valor base;
r)
O elenco do art. 105.°, 3, do RJEOP tem carácter claramente exemplificativo,
quer por referência a parâmetros interpretativos de direito interno, quer por
referência aos parâmetros interpretativos do direito comunitário;
s)
Os preços das propostas, vistos na perspectiva relativa e concreta sob que as
propostas devem ser avaliadas, não devem ser considerados como anormalmente
baixos;
t)
A recorrente, enquanto entidade adjudicante, nem começou por considerá-los
anormalmente baixos, já que não usou, sequer, do mecanismo previsto no artigo
105º, nº 2, do RJEOP, no sentido de pedir esclarecimentos aos concorrentes
quanto aos preços oferecidos;
u)
Aliás, aquele Ilustre Jurisconsulto argumenta, em defesa dessa tese, com o que
disporá o futuro Código da Contratação Pública no seu art. 71.º, 1, a) — anormalmente baixo
seria o preço 40% ou mais, inferior ao preço base — norma que provém de um
tempo em que a crise não se tinha instalado, razão porque, se fosse hoje, fácil
seria concluir que propostas de valor inferior em 45% ou 50% ao preço base não
são de preço anormalmente baixo;
v)
Por outro lado, o facto de os oito concorrentes terem vindo, todos eles, com
propostas inferiores em mais de 39°/o ao respectivo preço base, é um sintoma
claro de que nenhuma delas — ou nem todas elas — nomeadamente a do
adjudicatário deveria considerar-se como preço anormalmente baixo:
w)
As normas dos artigos 105.°, 3 e 107.°, 1, f), do DL 59/99, do RJEOP, apesar de
estarem, como se diz no douto Acórdão recorrido, relacionadas com os custos da
empreitada, com o preço apresentado nas propostas não são normas de cariz
financeiro;
x)
Destinam-se, antes e principalmente, a assegurar uma concorrência sã e efectiva
no mercado da contratação pública, em obediência aos princípios que moldam as
normas comunitárias sobre a contratação pública, às quais são indiferentes as
questões ou preocupações financeiras dos Estados Membros;
y)
Pelo que aquelas normas têm o seu assento teleológico em razões de ordem
concorrencial, não visando, portanto, proteger interesses financeiros da
Administração. Visam é assegurar que propostas de preço anormalmente baixo, que
não assentem numa justificação empresarial suficiente, não venham concorrer
ilicitamente com propostas concorrencialmente sãs que estejam em concurso;
z)
Assim, atenta a natureza não financeira daquelas normas para efeitos do
disposto no art. 44.°, 3, b) da LOPTC, este alto tribunal seria incompetente
para recusar o visto ao contrato, com o fundamento em que se louvou;
aa)
Decidindo diversamente, a douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos
105.°, 3 e 107.°, 1, f),
do Decreto-Lei n.° 59/99, de 2 de Março, bem como o estatuído nos
artigos 1.º e 44.º, 1 e 3, da lei n.º 98/ 97, de 26 de Agosto.
6.
Em anexo à petição de recurso, foi entregue parecer do jurisconsulto Mário
Esteves de Oliveira, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
7.
Interposto e admitido o recurso, o Ministério Público entendeu promover que se
elaborasse parecer pericial de engenharia civil, especialmente dirigido à
análise crítica (técnica e económica) das notas justificativas dos preços
propostos pelos concorrentes, “no sentido de avaliar se elas podem, ou não, ser
tidas como esclarecedoras – incidindo tal escrutínio, muito especialmente, na
proposta da empresa adjudicatária, levando em conta todos os elementos
previstos no nº3 do artº. 105º e quaisquer outros que já constem dos autos”.
8.
Deferida a promoção do Ministério Público, foi junto parecer pericial ao
processo, que aqui se dá como reproduzido e que, no essencial, e com relevância
para a decisão a tomar, diz:
a)
O universo de propostas apresentadas, confina-se entre os valores extremos 1.998.458,36
€ e 2.997.300,41 €, o que representa, em termos percentuais, um
“intervalo” entre 41,20 % a 61,80 % abaixo do preço
base. [4.850.000,00 €]. Verifica-se, por outro lado, que o preço da
proposta adjudicatária é 45,78 % abaixo do valor estabelecido
para efeitos de concurso, não sendo a proposta de valor mais baixo. O preço
médio das propostas apresentadas é de 2 386 554,794 € pelo que o
valor da proposta adjudicatária corresponde a 91,61 % dessa média ou
seja, inferior a ela em 8,39 %”;
b)
Analisadas todas as listas de preços unitários de todas as propostas
apresentadas a concurso, pode concluir-se o seguinte:
i.
Tratando-se, basicamente, de uma obra de Estradas, os capítulos
de Movimento de Terras e de Pavimentação absorvem, em condições
correntes, cerca de 50 % dos custos da obra. O que, em termos genéricos,
também aqui se verifica.
ii.
Os trabalhos usualmente associados às Fundações e Estruturas em betão,
têm peso variável, consoante o número e características de desnivelamentos a
vencer (passagens inferiores e/ou superiores); no presente caso, ascendem a
cerca de 20 %;
iii.Os
trabalhos de Electricidade, onde se inclui a rede de Iluminação
Pública, podem atingir percentagens relativas da ordem dos 15 %; no
presente caso, os respectivos valores situam-se em cerca de 12%-14%.
iv.De
um modo geral, pode concluir-se que existiu coerência no estabelecimento e na
fixação dos preços unitários, dentro de cada proposta, verificando-se, uma
tendência geral e global para a adopção de valores de custo reduzidos, a que a
crise no sector não será alheia.
v.A
disparidade de valores entre as propostas deve-se, fundamentalmente aos
diferentes custos unitários atribuídos por cada concorrente aos artigos de
medição mais relevantes na presente empreitada, concretamente, os relativos
aos capítulos de Movimento de Terras e de Pavimentação, tendo-se
constatado, por exemplo, que os custos unitários de Escavação, Aterro e Transporte
a vazadouro ou os das Camadas de desgaste, se apresentaram com
variações significativas (nalguns casos, de cerca de 50%) quando cotejadas
entre itens homólogos dos diferentes concorrentes;
c)
As Notas Justificativas do Preço Proposto de todos os
concorrentes contêm apenas lugares-comuns ou putativas justificações de
carácter genérico, esclarecendo muito pouco qual a estrutura de formação de
custos, as eventuais sinergias ou situações concretas de “economia de escala”
que permitam justificar as reduções de custos verificadas, seja de materiais,
seja de mão-de-obra ou de equipamento;
d)
De facto, a análise minuciosa de todas as Notas Justificativas de todos
os concorrentes, apenas permitiu identificar algumas referências específicas
relativas à obra em causa e, nomeadamente, à região de implantação da mesma, na
proposta do concorrente nº 2 (€ 2 585 562,05) – refere fotos do local de
implantação e informa que possui uma pedreira em Braga e uma central de betão
betuminoso em Vilar da Luz - e na do concorrente nº 4 (€ 2 317 853,19) –
que informa que possui instalações fabris de apoio em V. N. Famalicão;
e)
Atente-se que, embora, nestes casos tenha havido uma ténue referência à obra em
questão, ainda assim, não deixa de ser uma informação genérica, ao mesmo nível
da incluída em todas as Notas Justificativas, nas quais, se patenteiam
variações de teor geral e vago acerca da “experiência em obras do mesmo
tipo”, “uma boa racionalização do equipamento e pessoal aplicado a um
melhor planeamento”, “equipamento próprio em bom estado de conservação”,
“estrutura da empresa adequada ao solicitado no Programa de Concurso”, “controle
de qualidade do trabalho (…) permitindo racionalizar custos e rentabilizar os
meios necessários à execução da empreitada”, “uma análise profunda e
cuidadosa das peças desenhadas patenteadas a concurso (…) a que correspondeu
uma optimização de recursos e meios”, “(…) conhecimento do mercado de
materiais da região(…)”, “disponibilidade dos técnicos e trabalhadores
com profundo conhecimento(…) em obras deste tipo”, “custos compostos
como resultado da avaliação das quantidades de trabalho (…) de acordo com as
peças escritas e desenhadas que compõem o projecto (…)”, etc.;
f)
Concretamente, no que se refere à Nota Justificativa do Preço Proposto do
adjudicatário, a mesma apenas poderá ser tida como parcialmente esclarecedora,
nos termos do nº 3 do artº105º do DL 59/99 de 2 de Março, se se tiverem em
conta as “condições excepcionalmente favoráveis” (referida nesse articulado),
inerentes à crise vivida no sector da construção civil e à implícita assunção
da “lei da oferta e da procura”. O que, de facto se vem verificando;
g)
(…)[O] teor (…) das Notas Justificativas do Preço Proposto apresentadas
habitualmente nos concursos de empreitadas de Obras Públicas é (quase) sempre
genérico e pouco elucidativo da formação de custos e de uma efectiva
justificação de preços;
h)
Nessa base, as Notas Justificativas do Preço Proposto do presente
processo não constituem, excepção. Em termos gerais, poderá afirmar-se que se
instalou (…) uma nivelação “por baixo” em termos de qualidade e da informação
técnica veiculada, motivada, eventualmente (…) sobretudo, por não convir a
divulgação dos “segredos comerciais” associados à formação dos preços à
concorrência;
i)
Por essas razões, neste caso concreto, reitera-se, a apreciação já feita (…) em
anterior parecer, entretanto citada, tanto no Acórdão como nas alegações do
D.O., no sentido de que, as Notas Justificativas do Preço Proposto apresentadas
no concurso em apreço, “remetem para lugares-comuns, nada esclarecendo”.
Sublinhe-se, a propósito, que a própria Comissão de Avaliação de Propostas, na
apreciação desse item, referiu clara e taxativamente, que todas as propostas,
sem excepção – incluindo, portanto, a do adjudicatário – apresentaram ―Nota
Justificativa do Preço Proposto, genérica” (cfr. Relatório de Avaliação
das Propostas, fls. 345
a 352 do processo de visto);
j)
Ou seja, e em conclusão, embora, não sendo as Notas Justificativas do Preço
Proposto, esclarecedoras como deveriam, tal é, no entanto, a situação corrente
na prática;
k)
(…) [E]ssa constatação, por não ser, no fundo, determinante, a não ser em
termos formais, não deveria constituir-se como fundamentação principal ou
decisiva para a necessidade imperiosa de não adjudicação por parte do Dono da
Obra. E, também, por ser (quase) sempre possível às empresas justificarem,
quando solicitadas, os preços praticados. Cabendo à entidade adjudicante a
obrigação de fazer cumprir o contrato nas condições da proposta de preço
apresentada pelo adjudicatário;
l)
(...) [I]mporta não escamotear o facto bem real e marcante de todas as
propostas, sem excepção, se terem situado abaixo do preço-base fixado pelo
Dono da Obra - entre 41,20 % a 61,80 % abaixo do preço
base – ou seja, excluindo a hipótese de concertação, a qual seria, aliás,
mais lógica no sentido contrário, isto é, com o empolamento dos preços,
manifestando uma tendência coesa – é, de admiti-lo, em teoria e, perante a
factualidade apurada – no sentido de o custo real dos trabalhos da
empreitada ser, de facto, mais baixo do que o orçamentado. Aliás, tendo em
conta apenas, a distribuição estatística, isto é, sem outras referências ou
balizagens de preços (inexistentes e, em todo o caso, falíveis ou pelo menos,
discutíveis) poder-se-ia inferir que o preço-base (4 850 000,00 €) é
um valor anómalo perante a distribuição uniforme e coerente do universo de
valores das propostas apresentadas, cuja média é, afinal, de 2 386
554,794 €. É lícito, em tese, então, questionar: foram os valores
das propostas que se revelaram anormalmente baixos ou foi a orçamentação do
Dono da Obra que se situou em níveis demasiado elevados?;
m)
A resposta à questão anterior, vai, naturalmente e, até por assunção dos
próprios serviços, explicitada nas peças do processo, no sentido de que os
valores das propostas apresentadas foram (anormalmente?) baixos por razões de
racionalização de custos e sinergias várias e, sobretudo, por causa da crise em
que vem vivendo o sector da construção civil. O que é uma realidade e é
comummente aceite;
n)
Ainda assim, (…) é possível, através do conhecimento prático e da experiência
profissional, concluir que os preços apresentados, de um modo geral, podem não
ser tão irrealisticamente baixos, apesar dos valores percentuais exibidos, os
quais, atente-se, tomam como referência o preço-base (que, como atrás é dito, poderá
estar inflacionado, não havendo, no processo, elementos para a sua correcta
aferição) ;
o)
De facto, alguns dos preços apresentados poderão justificar-se ou, pelo
menos, não ser facilmente rebatido o seu baixo custo, se se tiverem em conta
diversos factores (sempre aduzíveis e justificáveis pelas empresas) tais como a
proximidade do estaleiro da obra, a adopção de “economias de escala” tanto em
aquisição de materiais como de equipamentos e mão-de-obra, sinergias com outras
obras na mesma região, desde que devidamente demonstrado em termos de
composição de preços, o que não é facilmente publicitável pelas empresas por
razões de salvaguarda de “segredo comercial”, como atrás foi referido;
p)
Nestes termos, poderá ser difícil, para este Tribunal definir, tecnicamente,
com rigor, o conceito de “preço total anormalmente baixo” atendo-se
apenas às percentagens relativamente ao preço-base, ainda que este varie entre
os 41,2% e os 61,80%, como no caso da presente empreitada, porque, mesmo que o
Dono da Obra tivesse solicitado os esclarecimentos previstos legalmente,
haveria sempre a possibilidade de os mesmos serem justificados pelas empresas
concorrentes, ficando, salvo em casos extremos de que o presente caso não
parece ser paradigmático, sempre refém dessas mesmas justificações e dos
critérios de classificação das propostas previamente anunciados. Ainda assim,
no presente caso, o D.O. ainda assegurou que o factor Preço apenas
teria um peso de 40% privilegiando, em termos relativos, a Valia
Técnica da Proposta com 60%, o que se afigura, pelo menos, correcto
e coerente.
q)
Face ao que antecede, o parecer conclui, no que importa para a presente decisão
nos seguintes termos:
i.
É muito difícil definir, tecnicamente, com rigor, o conceito de “preço total
anormalmente baixo” atendo-se apenas às percentagens relativamente ao
preço-base, ainda que este varie entre os 41,2% e os 61,80%, como no caso da
presente empreitada, porque, mesmo que o Dono da Obra tivesse solicitado os
esclarecimentos previstos legalmente, haveria sempre a possibilidade de os
mesmos serem justificados pelas empresas concorrentes;
ii.
Não sendo as Notas Justificativas do Preço Proposto, esclarecedoras como
deveriam, tal é, no entanto, uma situação corrente na prática, pelo que, essa
constatação, por não ser, no fundo, determinante, a não ser em termos formais,
não deveria constituir-se como fundamentação principal ou decisiva para a
necessidade imperiosa de não adjudicação por parte do Dono da Obra;
iii.
Deverá exigir-se à Entidade Adjudicante a adopção de medidas que garantam o
escrupuloso cumprimento do contrato nas condições da proposta apresentada
pelo adjudicatário tanto em termos de Preço (custos e cronograma), como
da estrita observância do estipulado no Caderno de Encargos, isto é, sem
facilitar em questões como a qualidade de materiais e de serviço.
9.
O Ministério Público, em bem fundamentado parecer, pronunciou-se então nos
seguintes termos:
a)
[O] douto Acórdão recorrido fez correcta interpretação e aplicação, daquela
norma jurídica [artº. 107º nº 1 al. f) do Decreto-Lei nº 59/99 de 02/03] ao
caso “sub-judice”, pelo que a decisão de recusa do “Visto”, a este contrato de
empreitada, não nos oferece qualquer contestação;
b)
Com efeito, levando em conta todas as judiciosas (e cautelosas) apreciações,
constantes do já aludido Parecer Pericial de fls. 154 e segs. dos presentes
Autos, tudo aponta, com total evidência, para duas realidades objectivas,
insusceptíveis de qualquer dúvida razoável, no âmbito do presente recurso; são
elas:
i.Todos
os preços propostos foram anormalmente baixos, quer se aceite um
critério de “razoabilidade prática”, (O critério de
“razoabilidade prática” radica na experiência comum que nos indica poderem ser
havidos por normais desvios até 20%, para mais ou menos, em empreitadas de
obras públicas, relativamente ao cálculo do chamado preço-base; tudo quanto se
começa a afastar, substancialmente, desses parâmetros, sugere alguma perversidade
como aquelas que foram apontadas no Parecer Pericial a que nos reportamos) quer se aceite um critério “actualístico” (cfr. novo artº. 71º nº
1 al. a) do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Dec-Lei nº 18/2008 de
29/01);
ii.As
“notas justificativas dos preços propostos” (todas elas), não poderem
ser havidas como minimamente esclarecedoras da eventual “bondade” de qualquer
das propostas apresentadas, incluíndo a própria proposta vencedora (ela mesma
significando 45% a menos, relativamente ao preço–base do concurso);
c)
Significa, tudo isto, que, não somente a decisão foi correctamente fundamentada
à luz da melhor interpretação da norma violada (artº. 107º nº 1 al. f) do
Dec-Lei nº 59/99 de 02/03) — cujo carácter injuntivo
não deixa margem para quaisquer dúvidas — regime jurídico em vigor à data da
abertura do procedimento concursal e, por conseguinte, o aplicável,
directamente, ao caso, como sucedeu — como, também, sempre o seria, de igual
forma, de modo imperativo, caso já
estivesse em vigor o disposto na norma citada, do novo Código dos Contratos
Públicos, porque a obra foi adjudicada a quem ofereceu um preço inferior em
mais de 40% (novo limite legal estabelecido pelo legislador), relativamente
ao preço-base do concurso; será caso para afirmar que, se fosse hoje, é que não
podia, mesmo, ser adjudicada, esta empreitada, àquele concorrente!;
d)
Tanto bastará para sustentar o bem fundado da douta decisão recorrida (atento
até o seu carácter “premonitório”), em ter recusado o “Visto”, a este contrato,
com fundamento em violação directa de norma financeira — sendo indubitável, que
o artº. 107º citado, ao colocar este impedimento (obrigatório) à adjudicação,
nos termos supra referidos, está como que a dar uma clara orientação, ao
decisor financeiro público, de que não poderá, em caso algum, vir a pagar
qualquer importância àquele putativo futuro co-contratante, impedindo-o, de
resto, de celebrar qualquer contrato efectivo, com ele, nas aludidas condições
de preço (O factor “preço” é essencial e
estruturante de qualquer contratação e por maioria de razão, da própria
contratação pública); sendo assim, este concurso deveria ter sido, pura e
simplesmente, anulado pelo ente público responsável pela abertura do respectivo
procedimento;
e)
Nesta conformidade e sem necessidade de quaisquer outras considerações, somos
de parecer, que o presente recurso não merece provimento, devendo
manter-se a douta decisão recorrida.
10. A entidade
adjudicante foi notificada do parecer a que se referem acima os nºs 5 e 6, para
se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, o que não fez.
11.
Foram colhidos os vistos legais.
II – OS FACTOS E O DIREITO NA
DECISÃO RECORRIDA
12.
O acórdão recorrido deu como provada a factualidade que a seguir se reproduz,
na estrita medida da sua relevância para a presente decisão:
a)
O
contrato supra identificado foi precedido de concurso público, publicado no
JOUE S 139, de 21/07/2007, na 2ª Série do Diário da República, de 31 de
Julho de 2007 e nas publicações a que se refere o nº 1 do artigo 52.º do D.L.
n.º 59/99, de 2 de Março;
b)
No
ponto IV.3.2 do aviso de abertura e no ponto 26 do programa de concurso,
estabelece-se o preço de € 1.500,00 para a obtenção dos documentos concursais;
c)
O
Município foi questionado pelo Tribunal sobre se o preço das cópias a que se
refere o n.º 4 do artigo 62.º do D.L. n.º 59/99, de 2 de Março, correspondia
efectivamente ao preço do seu custo, ao que o mesmo respondeu o seguinte: “(…)A
Lipor está segura que o preço solicitado pelo Processo de Concurso (1.500,00 €)
corresponde ao preço de custo do mesmo”;
d)
Solicitado
parecer técnico, a um especialista da área de engenharia, da Unidade de Apoio
Técnico, conclui o mesmo, o seguinte: “A questão colocada aos serviços tem
toda a acuidade, dado o elevado valor – muito superior ao valor de custo -
exigido pelo D.O. aos concorrentes. De facto, pesem embora as putativas
justificações apresentadas pelos serviços, aliás não fácticas, como tinha sido,
concretamente, solicitado, o custo afigura-se muito elevado, seguramente, mais
do dobro do que o somatório de cópias – em papel e em CD – e do tempo de
trabalho de um funcionário, poderia justificar (…);
e)
No
ponto II.2.1) do respectivo aviso de abertura e no ponto 14 do programa de
concurso, estabelece-se o preço base de € 4.850.000,00.
f)
Os
valores das propostas apresentadas a concurso foram os seguintes:
Concorrente n.º 1 - € 2 997 300,41·
Concorrente n.º 2 - € 2 585 562,05·
Concorrente n.º 3 - € 2 085 792,01·
Concorrente n.º 4 - € 2 317 853,19·
Concorrente n.º 5 - € 1 998 458,36·
Concorrente n.º 6 - € 2 686 931,44·
Concorrente n.º 7 - € 2 186 247,95 -· proposta adjudicatária
Concorrente n.º 8 - € 2 234 292,94·
Constatou-se, assim, que o preço
da proposta adjudicatária é 45,78 % abaixo do valor estabelecido para efeitos
de concurso, não sendo a proposta de valor mais baixo.
g)
Atento
o que dispõe a alínea f), do nº 1, do artigo 107º do DL nº 59/99 de 2 de Março,
foi o serviço questionado acerca de tal questão, ao que respondeu nos seguintes
termos:
“ (…) Todos os concorrentes
apresentaram preços entre 1.998.458,36€ e 2.997.300,41€, o que representa, em
termos percentuais, um “intervalo” de 41,20 % a 61,80 % abaixo do preço base.
Ou seja, todas as propostas apresentaram, como traço comum, o facto de proporem
um preço global, significativamente abaixo dos € 4.850.000,00. Como é do
conhecimento público, o mercado da construção de obras públicas tem vivido uma
nítida recessão. Segundo dados revelados pela FEPICOP – Federação Portuguesa da
Indústria de Construção de Obras Públicas – o sector sofreu uma quebra de 5,7%
e uma quebra acumulada de produção, em termos reais, no período 2002/2006,
superior a 20%. Aliás, segundo informação disponível no site da FEPICOP “Uma
relativa vantagem decorrente do péssimo desempenho que o sector da construção
tem evidenciado em Portugal nos últimos seis anos é o de ter descido tanto que,
agora, praticamente só pode subir.” Ora, tal recessão, que para sermos justos
apresenta hoje alguns sinais de recuperação, “obriga” as empresas de construção
a apresentarem propostas com preços muito competitivos, tentando com isso
“ganhar” a obra e consequentemente assegurar trabalho. Só assim se entende que
todos os concorrentes tivessem apresentado preços bastante inferiores ao preço
base, apesar de entre eles, reconheça-se, haver neste particular diferenças
consideráveis.
Conhecedora da situação do
mercado, a LIPOR entendeu por bem não considerar como critério de adjudicação
apenas o Preço (40%), protegendo-se assim de uma possível proposta que
sacrificasse a boa execução da obra só para vencer o concurso, mas também a
Valia Técnica da Proposta (60%), assegurando-se, assim, que sendo obviamente o
preço um factor importante, assumia para o Dono da obra grande significado a
forma como os concorrentes, ou potestativos adjudicatários, desenvolveriam
tecnicamente a obra. Pelo exposto a Lipor considera que a diferença de valores
(preço base do concurso vs Valor da adjudicação) se justifica pela conjectura
que actualmente domina o mercado, sendo disso melhor prova o facto de todas as
Propostas apresentarem como aspecto universal de todas elas um preço significativamente
mais baixo que o preço base””;
h)
Solicitado
parecer técnico, a um especialista da área de engenharia, da Unidade de Apoio
Técnico, conclui o mesmo o seguinte:
“Quanto a este item,
considera-se, basicamente, aceitável, o justificado pelos serviços, atendendo,
nomeadamente à situação de crise vivida pelo sector. Sublinhe-se, a propósito,
que, ao preço era atribuído um peso minoritário, 40%, privilegiando-se a “Valia
Técnica da Proposta” em 60%. O que se afigura correcto e coerente. As notas
justificativas apresentadas remetem para lugares-comuns, nada esclarecendo”.
13.
O acórdão enquadra juridicamente a factualidade referida no número anterior e
decide pela recusa de visto, fundamentalmente, do seguinte modo:
a)
Dispõe o artigo 62º, nº4, do DL nº 59/99 de 2 de Março que os interessados
poderão solicitar, em tempo útil, que lhes sejam fornecidas pelo dono da obra,
a preços de custo, cópias devidamente autenticadas dos elementos
referidos nos nºs 2 e 5 (…)” ;
b)
(…) ―Assim, seguro é que o preço das citadas cópias apenas poderá integrar um
somatório onde se incluem o custo dos materiais usados na sua produção, o custo
da utilização dos equipamentos necessários a tal produção e, ainda, o custo do
serviço prestado, sendo que tal preço não deve ultrapassar o valor médio
praticado pelo mercado, relativamente a esse serviço.
c)
Este é, aliás, o regime que resulta da Lei nº 46/2007 de 24 de Agosto,
designadamente do seu artigo 12º. (…) Por outro lado, é de referir que, em
sentido semelhante, se pronunciou, igualmente, a Comissão de Acesso aos
Documentos
da Administração (CADA) no Parecer nº 125/2007, de 16 de Maio de 2007, no
Processo nº 125/2007. (…) Aliás, é neste sentido que, também, se orienta o
ponto 4. 1. 3 do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais
(POCAL) aprovado pelo DL nº 54-A/99 de 22 de Fevereiro, 7 (…). Por outro lado, dispõe, igualmente, o ponto 4.1.3 do Plano
Oficial de Contabilidade Pública (POCP), aprovado pelo DL nº 232/97 de 3 de
Setembro, que se considera como custo de produção de um bem a soma dos
custos das matérias-primas e outros materiais directos consumidos, da
mão-de-obra directa, dos custos industriais variáveis e dos custos industriais
fixos necessariamente suportados para o produzir e colocar no estado em que se
encontra(…).
d)
No caso dos autos, (…) a LIPOR não justifica, documentadamente, qual o critério
aplicado na determinação do custo de produção das cópias, sendo certo, por seu
turno, que, como resulta (…) do probatório, o técnico da área de engenharia,
deste Tribunal, considera o custo muito elevado, o que, de acordo com a
interpretação que temos por correcta, viola o disposto no artigo 62.º, n.º 4,
do DL 59/99, de 2 de Março.
e)
(…) A ilegalidade (…) referida, preenche o fundamento de recusa de visto
indicado na alínea c) do nº3, do citado artigo 44º da Lei nº 98/97.
f)
De acordo com [esta disposição] constitui fundamento de recusa de visto, a
ocorrência de uma ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado
financeiro do contrato submetido a fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
g)
Muito embora não resulte do processo que a violação do disposto no artigo 62º,
nº4, do DL nº 59/99 de 2 de Março, tenha alterado o resultado financeiro do
contrato, não há dúvida de que o vício verificado é susceptível de restringir o
universo concorrencial e, por consequência, susceptível de alterar o resultado
financeiro do contrato. Assim, não estando adquirida, no caso em apreço, a
efectiva ocorrência de uma alteração do resultado financeiro do contrato e,
tendo em conta que não consta do processo, igualmente, que a entidade
adjudicante tenha sido objecto de anterior recomendação relativa ao aludido
normativo, afigura-se-nos estar reunido o condicionalismo que permitirá, quanto
à referida violação de lei, o uso da faculdade prevista no nº4, do dito artigo
44º da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto;
h)
(…) [N]o actual quadro legal, (…) entendemos que a actual redacção do artigo
107º, nº1, al. f) do mencionado DL nº 59/99, não deixa muita margem para
dúvidas: (…) estamos perante uma proibição legal de proceder à adjudicação.
i)
(…) [O] que resulta do texto legal é que se todas as propostas oferecerem preço
total anormalmente baixo e as respectivas notas justificativas não sejam tidas
como esclarecedoras, o dono da obra não pode adjudicar a empreitada.
j)
(…) Cabendo a este Tribunal densificar o conceito de “preço total
anormalmente baixo” é inevitável concluir que, verificando-se, no caso
vertente, a apresentação, por parte de todas as propostas, de um preço total
que está abaixo do preço-base, numa percentagem que varia entre os 41,2% e os
61,80%, estaremos perante preços totais anormalmente baixos.
k)
(…) [C]omo se referiu, as notas justificativas dos preços não se podem
considerar esclarecedoras.
l)
Nesta conformidade, ao adjudicar a empreitada nas circunstâncias mencionadas (…),
a LIPOR violou o disposto no citado artigo 107º, nº1, alínea f), do DL nº 59/99
de 2 de Março.
m)
A norma do artigo 107º, nº1, alínea f), do citado DL nº 59/99, porque
intimamente relacionada com o custo da empreitada e com o preço apresentado
pelos concorrentes nas suas propostas, tem, inquestionavelmente, natureza
financeira.
n)
A violação directa de norma financeira constitui um fundamento de recusa do
visto, nos termos do disposto no artigo 44º, nº3, alínea b) da Lei nº 98/97 de
26 de Agosto.
III – FUNDAMENTAÇÃO
III-A: Quanto aos factos
14.
O recorrente não contesta os factos dados como assentes no acórdão recorrido e
que agora se mantêm.
15.
Contudo, face às alegações apresentadas, ao parecer do Ministério Público e ao
exposto no parecer pericial junto aos autos, por promoção também do Ministério
Público, há factos constantes do processo que, nos termos do nº2 do artigo 100º
da LOPTC, devem ser juntos à matéria de facto. Os seguintes:
a)
O concurso público foi publicitado no JOUE, não sendo obrigatória tal
publicitação face ao valor da empreitada (€ 4.850.000) e ao limiar comunitário
então em vigor (€ 5.278.000), fixado no Regulamento (CE) nº 2083/2005, da
Comissão, de 19 de Dezembro de 2005 (vide caderno de encargos constante dos
autos e alegações do recorrente);
b)
O caderno de encargos estabeleceu regras em matéria de definição do objecto da
empreitada (nº 2.1), prestação de caução (nº 1.11), regime de multas (nº 5.3),
regime de ensaios (nº 7.7), prazos de garantia (nº 12.2) e de obrigações do
empreiteiro durante o prazo de garantia (nº 12.3), em conformidade com a lei (vide
caderno de encargos constante dos autos e alegações do recorrente);
c)
Da análise das listas de preços unitários de todas as propostas conclui-se que
existiu coerência no estabelecimento e na fixação dos preços unitários, dentro
de cada proposta, verificando-se, uma tendência geral e global para a adopção
de valores de custo reduzidos, a que a crise no sector não será alheia (vide
parecer pericial junto aos autos, após promoção do Ministério Público);
d)
A disparidade de valores existente entre as propostas deve-se aos diferentes
custos unitários atribuídos por cada concorrente aos artigos de medição mais
relevantes na empreitada e que apresentaram variações significativas (nalguns
casos, de cerca de 50%) quando cotejadas entre itens homólogos dos diferentes
concorrentes (vide parecer pericial junto aos autos, após promoção do
Ministério Público);
e)
A análise minuciosa de todas as notas justificativas de todos os concorrentes,
permitiu identificar algumas referências específicas relativas à obra em causa
(vide documentos constantes dos autos e, de entre eles, o parecer pericial que
lhes foi junto):
i.
A proposta do concorrente nº 2 (€ 2 585 562,05) informa que possui uma pedreira
em Braga que permite a optimização dos custos unitários dos inertes e
respectivo transporte até às frentes de trabalho e uma central de betão
betuminoso em Vilar da Luz;
ii.
A proposta do concorrente nº 4 (€ 2 317 853,19) informa que possui instalações
fabris de apoio em V. N. Famalicão, resultando por isso numa diminuição dos
custos directos da obra;
iii.
A proposta do concorrente nº 6 (€ 2.686.931,44) refere a utilização de apoios
logísticos de outras obras da empresa em curso na zona;
iv.
A proposta do concorrente nº 7 (€ 2.186.247,95), o adjudicatário, refere o
apoio logístico prestado pelo estaleiro central da empresa, com localização
próxima do local da empreitada e o fabrico próprio de misturas betuminosas a
quente e inertes em local próximo da empreitada, pertencente à empresa;
v.
O concorrente a quem foi adjudicada a obra, bem como as propostas classificadas
em segundo e terceiro lugar, correspondem a empresas que têm a sua sede e que
trabalham muito na zona da Póvoa de Varzim e Vila do Conde, o que representa
face à empreitada a concurso uma grande proximidade, o que implica ganhos de
escala, de eficácia, eficiência e economia bastante significativos que
necessariamente se repercutem nos preços, o que justifica e está de acordo com
o facto de terem sido as três propostas com mais baixo preço (vide alegações do
recorrente e parecer pericial);
f)
O preço base (4.850.000,00 €) é um valor anómalo perante a distribuição
uniforme e coerente do universo de valores das propostas apresentadas, cuja
média é, afinal, de 2.386.554,794 €. É admissível - perante a demais
factualidade apurada – que o custo real dos trabalhos da empreitada seja, de
facto, mais baixo do que o preço base anunciado no procedimento (vide parecer
pericial);
g)
A crise em que vem vivendo o sector da construção civil é uma realidade e é
comummente aceite (vide alegações do recorrente e parecer pericial).
III-B: Questões a dilucidar
16.
No presente recurso, face à decisão recorrida e às alegações apresentadas,
importa analisar as seguintes questões e sobre elas decidir:
a)
Sobre se a concreta solução adoptada no presente procedimento em matéria de
fixação dos custos dos documentos do concurso respeitou o disposto na lei;
b)
Sobre se os preços totais apresentados pelas propostas devem ser considerados
anormalmente baixos;
c)
Sobre se as notas justificativas dos preços devem ser tidas como não
esclarecedoras;
d)
No caso da resposta às duas anteriores questões ser afirmativa, a questão de
saber se o dono da obra está vinculado a não adjudicar a empreitada;
e)
No caso de a resposta à questão colocada na alínea anterior ser também
afirmativa, a questão de saber se ocorreu violação de norma financeira.
17.
Relembre-se contudo, desde já, que o acórdão recorrido recusou o visto com base
na violação do disposto na lei nas matérias sobre que incidem as questões
enunciadas na alínea b) a d) do número anterior e quanto ao questionado na alínea
e), considerando ter havido violação de norma financeira.
Considerou ainda o acórdão que
na matéria a que se refere a alínea a) do número anterior ocorreu violação de
lei, mas estando em causa ilegalidade que conduziu a possível alteração do
resultado financeiro do contrato, poderia ser concedido visto com recomendação,
nos termos do nº 4 do artigo 44º da LOPTC. Face a tais decisões, no presente
acórdão, abordar-se-á em primeiro lugar as questões suscitadas nas alíneas b) a
e) do número anterior e só, de seguida, a da alínea a).
III-C: A proibição de
adjudicação de empreitada, no caso de os preços totais apresentados pelas
propostas serem considerados anormalmente baixos e as respectivas notas
justificativas serem tidas como não esclarecedoras
18.
Relembrem-se desde já as principais disposições legais directamente aplicáveis
nesta matéria:
a)
Dispõe o artigo 107º, nº1, alínea f) do RJEOP que ―[o] dono da obra não pode
adjudicar a empreitada (…) [q]uando todas as propostas ofereçam preço total
anormalmente baixo e as respectivas notas justificativas não sejam tidas como
esclarecedoras;
b)
Dispõe igualmente o nº 2 do artigo 105º do mesmo RJEOP que ―[o] dono da obra
não pode rejeitar as propostas com fundamento em preço anormalmente baixo sem
antes solicitar, por escrito, ao concorrente que, no prazo de 10 dias, preste
esclarecimentos sobre os elementos constitutivos da proposta que considere
relevantes, os quais devem ser analisados tendo em conta as explicações
recebidas;
c)
E o nº 3 do mesmo artigo estabelece que ―[n]a análise dos esclarecimentos
prestados, o dono da obra pode tomar em consideração justificações inerentes à
originalidade do projecto da autoria do concorrente, à economia do processo de
construção ou às soluções técnicas adoptadas ou de condições excepcionais
favoráveis que o concorrente disponha para execução dos trabalhos.
Relembre-se que esta disciplina
está em harmonia com as disposições das directivas comunitárias aplicáveis
(Vide o nº4 do artigo 30º da Directiva 93/37/CEE, do Conselho, de 14 de Junho.
Mas, face à data do procedimento, vide particularmente o artigo 55º da
Directiva 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de
2004)
.
19. A disposição
normativa referida na alínea a) do número anterior é pois a essencial na
elucidação das questões agora em apreciação. E uma atenta análise dela permite
dizer-se que se está perante uma disposição com alguma complexidade normativa,
na medida em que:
a)
Estabelece um poder-dever vinculado à Administração: o poder-dever de não
adjudicar, verificados que estejam certos pressupostos;
b)
Confere, num desses pressupostos, um poder discricionário à Administração: o de
considerar ou não esclarecedoras as notas justificativas dos preços;
c)
E no outro pressuposto do exercício daquele poder-dever apela a um conceito
indeterminado: o de preço total anormalmente baixo.
Vejamos cada uma destas
dimensões da disposição legal antes de proceder à sua aplicação ao caso concreto.
III-C1 – O poder-dever vinculado
de não adjudicação
20.
É jurisprudência reafirmada por este Tribunal (De entre
outros, vejam-se os Acórdãos nº51/01-JUL10-1ªS/PL, 15/02FEV26/1ªS/SS,
nº27-02JUN18-1ªS/PL, nº 19/2005-1 FEV – 1ªS/SS) que o disposto
no nº 1 do artigo 107º do RJEOP se traduz num comando imperativo dirigido à
Administração no sentido de que esta está vinculada a não proceder a
adjudicação. Tal vinculação contudo opera em função de pressupostos e, de entre
eles, não se ignore, estão alguns consagrados que conferem à Administração uma
larga margem de discricionariedade (veja-se nomeadamente o disposto na alínea
c) do referido número).
21.
É uma verdadeira proibição que constitui uma excepção ao dever de adjudicação
que, em geral, impera nos procedimentos abertos pela Administração no domínio
da contratação pública para realização de obras públicas. Segundo este, o dono
da obra não pode, quando entenda, e de modo arbitrário, deixar de proceder à
adjudicação (Vide, de entre outros, Esteves
de Oliveira, Mário e.a. “Concursos e outros Procedimentos de Adjudicação
Administrativa” e Andrade da Silva, Jorge “Regime Jurídico das Empreitadas de
Obras Públicas”.. Este dever de adjudicação resulta dos princípios de
estabilidade e da boa fé que, enformando os procedimentos, produzem impacto na
participação dos concorrentes, mas também na actuação da Administração. A
Administração só está eximida do cumprimento daquele dever de adjudicação nos
casos, devidamente fundamentados, de enquadramento em previsão legal. O que é o
caso da disposição em análise. Ou, ainda, nos casos em que o dono da obra, nos
documentos do concurso, faça expressamente previsões nesse sentido e que sejam
admissíveis perante o direito aplicável ou ainda quando princípios fundamentais
a que se subordina a acção administrativa pública possam estar em causa, pela
violação de disposições legais.
22.
Tal proibição é igualmente testemunhada pela evolução normativa nesta matéria.
De facto, e como se refere no acórdão recorrido, a evolução verificada, desde o
Decreto-Lei nº 48871 de 19 de Fevereiro de 1969 (vide seu artigo 92º) e
passando pelos regimes consagrados no Decreto-Lei nº 235/86, de 18 de Agosto
(artigo 95º) e no Decreto-Lei nº 405/93, de 10 de Dezembro (artigo 99º) até ao
actual RJEOP – com excepção da disciplina resultante do Decreto-Lei nº 55/95,
de 29 de Março - vai no sentido de uma clara afirmação daquele poder-dever
vinculado, estando ultrapassadas as querelas interpretativas que formulações
legais anteriores (as dos regimes de 1969 e 1986) tinham suscitado. Assim, de
uma admissibilidade de não adjudicação passou-se para uma proibição de
adjudicação, mas com excepções, até à actual proibição absoluta de adjudicação (Vide o Acórdão recorrido e muito especialmente o Acórdão nº18/01,
de 27 de Março, publicado no DR, II Série, de 21 de Abril de 2001). Assim, se
num procedimento subordinado ao RJEOP, todas as propostas oferecerem preço
total anormalmente baixo e as respectivas notas justificativas não sejam tidas
como esclarecedoras, a Administração não pode adjudicar.
Não está posto em causa este
entendimento, sufragado pelo acórdão recorrido e pelo parecer do Ministério
Público, nem o recurso interposto a suscita. Por isso, identificada a questão
para melhor compreensão das restantes, passe-se adiante.
III-C2 – O poder discricionário
de apreciação das notas justificativas dos preços
23.
É inquestionável que a lei confere à Administração um poder discricionário na
apreciação sobre se as notas justificativas de um preço – neste caso,
anormalmente baixo – são ou não esclarecedoras.
Deve reconhecer-se que a lei dá
uma margem de apreciação ao aplicador administrativo da lei para que possa
decidir entre considerar aquelas notas como esclarecedoras ou não
esclarecedoras: mas essa margem de apreciação está balizada por critérios de
competência e outros fixados pela lei para o exercício do poder discricionário,
pelo respeito pelas finalidades da norma e pelos princípios gerais a que se
subordina a actividade administrativa. E, como é mais que reafirmado na
doutrina e na jurisprudência, não sendo os poderes discricionários poderes
arbitrários – até porque, no exercício do que nesta matéria está em causa,
devem ser observados os referidos critérios, finalidade e princípios que
constituem, aliás, a sua dimensão vinculada – o seu exercício está igualmente
sujeito a controlo jurisdicional. Mas, sublinhe-se, nesta sua dimensão
vinculada. Assim, a Comissão de Avaliação das Propostas – entidade competente
para proceder à avaliação das notas justificativas – e a Câmara Municipal que,
através do acto adjudicatório tomado sobre proposta daquela, assumiu aquela
avaliação, podia no exercício de um poder discricionário, e respeitados aqueles
critérios e princípios, considerar como esclarecedoras ou não as notas
justificativas. E este Tribunal deve exercer o controlo jurisdicional do
exercício daquele poder, na dimensão vinculada já referida, para salvaguarda da
legalidade administrativa na sua vertente financeira, usando as competências
que a lei lhe confere.
24.
Face ao agora exposto, para além do critério da competência que acabou de se
reconhecer ter sido observado no caso, impõe-se perguntar:
a)
Qual a finalidade da norma?
b)
Que outros critérios e princípios devem ser observados pelo dono da obra no
exercício deste poder discricionário?
25.
Quanto à finalidade, é fácil o seu escrutínio: trata-se de evitar a degradação
das empreitadas de obras públicas, contrariando práticas empresariais que
pretendam, a qualquer custo (melhor dizendo: por aparente baixo custo), obter
vencimento nos procedimentos e remetendo para a fase de execução das obras a
resolução de problemas que a apresentação de preços anormalmente baixos, face
aos reais trabalhos a executar, necessariamente suscita. E visa-se prevenir a
execução de trabalhos a um nível de qualidade inferior aos esperados e que põem
em causa o princípio da boa administração e da prossecução do interesse
público. Na formulação adoptada pelo Decreto-Lei nº 235/86, de 18 de Agosto,
pretende-se também “obstar ao aviltamento de preços e à consequente degradação
da indústria”. Trata-se, finalmente, de fazer vingar os princípios da boa-fé,
da concorrência e da estabilidade no procedimento e na fase subsequente da
execução do contrato.
26.
Quanto a outros critérios relembre-se o disposto no artigo 105º nº 3 do RJEOP a
que acima se refere a alínea c) do nº17. Dir-se-ia que tal disposição legal
deve ser observada quando se trata de rejeitar uma ou algumas das propostas
apresentadas e não quando todas as propostas ofereçam preços totais
anormalmente baixos, situação a que se aplicaria exclusivamente o disposto no
artigo 107º, nº1, alínea f). Como melhor se verá a seguir, a propósito da
imprescindibilidade de contraditório específico para se concluir que um preço é
anormalmente baixo, tal restrição da hipótese de aplicação da norma não é
admissível. E mesmo que fosse, no exercício de poderes discricionários, o
aplicador administrativo do direito deve socorrer-se de todos os critérios que
pode buscar na lei e que sejam aplicáveis ao caso, para que tal exercício sendo
discricionário não seja arbitrário. Ora, daquela disposição legal e deste
entendimento resulta que o dono da obra, na apreciação de notas justificativas
de preços anormalmente baixos, pode tomar em consideração:
-
a originalidade do projecto da autoria do concorrente;
-
a economia do processo de construção;
-
as soluções técnicas adoptadas;
-
as condições excepcionais favoráveis que o concorrente disponha para execução
dos trabalhos.
Face a tal disposição, impõe-se
a pergunta: está o aplicador do direito limitado àqueles critérios? Ou poderá
socorrer-se de outros? A própria formulação literal da estatuição normativa ao
utilizar a palavra pode aponta
no sentido de ser aquela enunciação exemplificativa, podendo o intérprete
socorrer-se de outros critérios para a fundamentação da decisão adoptada, no exercício
do poder discricionário (No sentido de
que a enunciação referida não deve ser entendida como exaustiva e excludente de
outras razões justificativas vai o Acórdão Impresa Lombardini do Tribunal de
Justiça da União Europeia (Sexta Secção) de 27.11.2001. Extraído a partir da
Directiva de 1993, mantém inteira actualidade face à Directiva de 2004 e nesta
matéria, como noutras que a seguir se abordarão, tem integral pertinência face
à disciplina constante no direito nacional). Tanto pela sua letra, como pela
sua finalidade (há-de se permitir aos concorrentes todas as hipóteses de
demonstração da seriedade da sua proposta e ao adjudicante de fazer o seu
juízo), não deve entender-se que o preceito legal faz uma enumeração exaustiva
das justificações que os concorrentes podem apresentar e o adjudicante
apreciar. Neste domínio está-se perante um núcleo
de verdadeira discricionariedade e não de vinculação. Trata-se expressamente de
uma das situações em que compete à Administração determinar os interesses relevantes
para a decisão que melhor respeite os princípios e melhor prossegue as
finalidades da norma e da acção administrativa pública. É uma das situações –
tão inúmeras aliás – em que não há programa de acção que resulte da lei.
Trata-se pois de uma situação de discricionariedade
de critério que abre a porta à discricionariedade
da escolha ou do conteúdo concreto da decisão (Vide Freitas do Amaral, Diogo “Curso de Direito Administrativo”,
vol. II, Almedina, Maio 2003, p. 93).
27.
Do disposto no artigo 105º resultam ainda duas determinações legais da maior
importância:
a)
A decisão de rejeitar uma ou várias ou todas as propostas com base no seu valor
anormalmente baixo, deverá ser sempre fundamentada (vide o nº4);
b)
A decisão de rejeição deve ser antecedida de um contraditório específico com o
ou os concorrentes para prestação de esclarecimentos que não podem deixar de
ser complementares aos que já constam da proposta, designadamente na nota
justificativa do preço oferecido (vide os nºs 2 e 3) - Sobre a
imprescindibilidade do contraditório especial veja-se o Acórdão de 25.9.1997 do
STA (Recurso nº 35168) e, muito especialmente, o Acórdão do Tribunal de Justiça
da UE Impresa Lombardini, referido supra.
28. Faça-se
ainda uma pergunta: para percepção das razões justificativas dos preços
propostos está o dono da obra vinculado a só apreciar o que lhe é dito nas
notas justificativas excluindo tudo o que pode recolher nos restantes
documentos da proposta? Ora está bem de ver: restringir o âmbito de análise da
Administração às notas justificativas, podendo haver muita outra matéria
relevante nas propostas, seria uma abordagem inaceitavelmente formalista. Toda
a documentação apresentada pelos concorrentes pode ser útil para a decisão
administrativa.
29.
Quanto aos princípios a respeitar pela entidade administrativa no exercício do
poder discricionário, relembrem-se, sem necessidade de sobre eles nos debruçarmos,
o princípio da adequação ao interesse público, o princípio da justiça, o da
imparcialidade, o da igualdade, o da proporcionalidade e o da boa fé (Vide Esteves de Oliveira, Manuel “Direito Administrativo”,
Almedina, 1980, p. 252 ss. e Freitas do Amaral, Diogo op. cit. p. 95) e, como já se
referiu, o da fundamentação, todos resultantes do texto constitucional.
III-C3 – O conceito
indeterminado de preço anormalmente baixo
30.
Como se disse, a proibição legal de não adjudicar resulta da verificação do
pressuposto de que todas as propostas ofereceram preços anormalmente baixos.
Este é um conceito verdadeiramente indeterminado: como veremos, o seu conteúdo
e extensão é em larga medida incerto (Karl Engish, Introdução ao Pensamento
Jurídico, FCG, 1972, p.173), não permitindo uma comunicação clara e, na sua
interpretação, a lei confere uma margem de discricionariedade ao intérprete (O Acórdão de 24 de Junho de 1997 (Recurso nº31087) do STA
qualifica o conceito de “preço anormalmente baixo” como conceito indeterminado.
O Acórdão nº 27-02JUN18-1ªS/PL e o nº 6/2002-JAN.29-1ªS/PL que confirmou a
Decisão nº20/FP/2001 da Secção Regional da Madeira deste Tribunal referem-se a
“preço consideravelmente superior” como conceito indeterminado. Igualmente, o
Acórdão nº 265/2003 do Tribunal Constitucional e o Parecer (P001172004) do CC
da PGR, publicado no DR de 4.7.2006). Contudo, para a determinação do seu
conteúdo é possível socorrermo-nos de outras disposições legais. Mas, nessa
determinação, como veremos em resultado da interpretação de preceitos legais
invocáveis, não basta fazer apelo exclusivamente a operações de interpretação
da lei e de subsunção, devendo haver recurso a preenchimentos valorativos, neste caso objectivos, na medida em que
é possível apelar a valorações pré-existentes, em domínios sociais e económicos
relevantes, para a matéria em causa e para a decisão a tomar. No caso, não se
trata pois de valoração subjectiva do intérprete, admissível em situações em
que ainda mais amplas margens de discricionariedade, conferidas pela lei,
envolvem a interpretação e aplicação dos conceitos indeterminados (Sobre esta abordagem vide Freitas do Amaral, op. cit., pp 107 ss).
Por isso, no caso concreto, é possível também a este Tribunal sindicar a
solução adoptada pela entidade administrativa, sem se substituir a esta no
exercício da função administrativa (Sobre a
sindicabilidade jurisdicional do conceito preço
consideravelmente superior vide o acórdão deste Tribunal citado na nota 17
e quanto ao conceito preço anormalmente
baixo vide os acórdãos do STA de
18.12.1997 (Recurso nº 41727),
de 6.5.1997 (Recurso nº 38216), de 9.5.2000 (Recurso nº 45924) e de 26.9.2001
(Recurso nº 46951). 20. 21 Vide os Acórdãos nº 147/2006-1ªS/SS e nº325/2006-1ªS/SS. E ainda a
mesma relação se infere do exposto nos Acórdãos nº 19/2005-1ªS/S e
nº179/2006-1ªS/S, todos deste Tribunal.
31.
Relembre-se que a solução legislativa adoptada no regime de 1986 era mais
vinculante para o intérprete na medida em que estabelecia critérios
quantitativos para a consideração de valor anormalmente baixo para uma ou
várias propostas, na relação percentual que permitia que se estabelecesse com o
valor médio de outras propostas. Mas, já no regime de 1993, tal solução
desapareceu. E assim se continuou no regime de 1999. Entendeu pois o legislador
expressamente conferir maior liberdade à Administração na fixação do conteúdo
do conceito.
32.
Referindo a norma preço anormalmente
baixo, necessariamente perguntará o intérprete e aplicador: qual o critério
para aferir se um preço assim deve ser considerado? Ora, nesta matéria – e na
senda do que acima se disse no nº 27 - pode recorrer-se a outros conceitos e
disposições legais. Referimo-nos aos conceitos de valor estimado do contrato e de preço
base do concurso que, como tem sido afirmado por este Tribunal, são
substancialmente o mesmo (Vide o já
citado Acórdão nº18/01, de 27 de Março, publicado no DR, II Série, de 21 de
Abril de 2001) e às disposições legais que os consagram. Contudo, não pode
deixar o intérprete de verificar que o legislador não tendo estabelecido esse
ou qualquer outro critério na alínea f) do nº 1 do artigo 107º, o fez na alínea
b) da mesma disposição legal: aí expressamente se refere que o preço total
consideravelmente superior se deve aferir na sua relação com o preço base do
concurso.
33.
E feita essa constatação, não pode deixar de concluir-se: no caso da alínea b)
a margem de discricionariedade na determinação do conceito é menor do que a que
foi conferida à Administração na alínea f). Ainda que o intérprete deva apelar àquele
conceito, neste caso, com uma das âncoras
interpretativas que a lei fornece, não está estritamente vinculado, como
acontece no outro. Também por aqui se conclui que o legislador entendeu
expressamente conferir maior liberdade à Administração na fixação do conteúdo
do conceito.
34.
E por que terá o legislador adoptado solução diversa nos dois casos (nas
alíneas b) e f) daquele preceito legal)? Porque os interesses públicos e, em
particular, os interesses públicos financeiros estarão, em regra, mais postos
em causa nas situações de preços consideravelmente superiores do que nas de
preços anormalmente baixos. E porque nestas, ponderados adequadamente todos os
valores em causa, pode não haver prejuízo para aqueles interesses.
35.
Refira-se contudo que, na jurisprudência, é corrente a relação entre os
conceitos de preço anormalmente baixo e de preço base do concurso (ou valor
estimado do contrato) ou entre preço anormalmente
baixo e valor médio das propostas, ainda que, em ambas as situações, em
processos que contemplam casos de uma ou algumas propostas com preços
anormalmente baixos (Refira-se aliás que,
confiando na fiabilidade dos registos dos Serviços de Apoio a este Tribunal,
desde o início da vigência do Decreto-Lei nº 59/99, o presente processo é, no
Tribunal de Contas, o primeiro em que se suscita a questão de todas as
propostas apresentarem, indiciariamente, preços anormalmente baixos). Veja-se, por todas as decisões nesta matéria, o já
referido Acórdão nº18/01, de 27 de Março, publicado no DR, II Série, de 21 de
Abril de 2001.
36.
Diga-se igualmente que há na lei um afloramento da relação entre os dois
conceitos: no nº4 do artigo 105º estabelece-se que a decisão de rejeitar uma
proposta com base no seu valor anormalmente baixo deve ser comunicada à
Comissão Europeia, no caso de obras de valor igual ou superior aos
contravalores dos limiares indicados no nº 2 do artigo 52º. Mas deve igualmente
constatar-se que esta vinculação da Administração é ex post à verificação dos
pressupostos da decisão e à sua tomada. Insere-se no plano das conclusões e não no das premissas. Não se vê que, por aqui, o
legislador imponha uma vinculação à Administração para considerar o preço base
na fixação, em concreto, do conteúdo do conceito. Mantém-se pois tudo o que
antes foi referido.
37.
Estando já devidamente enquadrado o apelo que o intérprete pode fazer ao preço
base do concurso na determinação do conceito de preço anormalmente baixo,
impõe-se uma referência à questão do preço base mal calculado. É uma questão
recorrente nos casos de preço consideravelmente superior e tem sido vastamente
abordada na jurisprudência deste Tribunal, sublinhando-se quer as finalidades
endoprocedimentais daquele preço, quer a sua relevância externa. Nada nessa
jurisprudência está em causa. O que importa sublinhar é que se o intérprete,
como se disse, não está, neste caso, legalmente vinculado a considerar estritamente
o preço base, maior liberdade terá no caso de haver suficientes indícios de que
o preço base foi deficientemente calculado.
38.
Na determinação do conceito, poderá igualmente apelar-se a outras disposições
legais e critérios delas resultantes. Referimo-nos agora a critérios de
natureza quantitativa ou matemáticos. Como se disse eles existiam, mesmo para o
caso em apreço, no regime de 1986. E deixaram de existir. E a eles se tem
apelado – em particular ao quantitativo legalmente admitido dos trabalhos a
mais - relativamente ao conceito de preço consideravelmente superior. E, face
ao processado, não pode esquecer-se que, no novo regime da contratação pública,
critérios quantitativos são fixados em matéria de preços anormalmente baixos
(veja-se o nº1 do artigo 71º do Código da Contratação Pública (CCP), aprovado
pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro). Contudo, por um lado, é preciso
ter bem presente que as finalidades endoprocedimentais do preço base na
disciplina do RJEOP são diferentes do regime constante no CCP. E, por outro,
esses critérios quantitativos ou matemáticos não podem ser considerados
definitivos: são indícios de que se está perante preço anormalmente baixo. E só
se pode concluir no sentido de se estar perante preços anormalmente baixos, e
fundamentadamente tomar decisões de rejeição ou de não adjudicação, após
decurso do procedimento específico de contraditório que a lei
velha
previa
e a lei nova continua a prever (vide
o nº 3 do referido artigo 71º do CCP). Não há pois automatismo entre a
verificação de pressupostos quantitativos e a decisão final de excluir
propostas ou de não adjudicar no procedimento, por razões relacionadas com
preços anormalmente baixos (A propósito
deste não automatismo, vide o já citado Acórdão do Tribunal de Justiça da EU).
E, se isso acontece no novo regime, mais assim se deve considerar no quadro do
RJEOP, dado que este não fixa expressamente esses critérios quantitativos.
39.
Na senda do que acima se disse no nº 29, para determinação do conceito de
“preço anormalmente baixo2 deve pois o intérprete apelar a outras disposições
legais e aos conceitos que dela resultam: é o caso do conceito de preço base do
concurso e o dos critérios quantitativos. Mas como se viu, o aplicador da lei
não deve estar adstrito exclusivamente a eles: não só porque a lei o não
vincula (no caso do conceito de preço base do concurso), como a lei o não
permite (no caso dos critérios quantitativos ou matemáticos). O intérprete deve
pois, neste caso, como se disse, fazer apelo a preenchimentos valorativos sobretudo objectivos, a determinar em
cada caso concreto e ao que resulta de elementos do procedimento, especialmente
em matéria de justificações e de esclarecimentos prestados pelos concorrentes.
III-C4 – A relação entre preço anormalmente baixo e nota justificativa
40.
Face ao disposto na alínea f) do nº1 do artigo 107º e ainda ao disposto nos nºs
2 e 3 do artigo 105º poderia inferir-se que o intérprete deveria conduzir o seu
raciocínio em duas fases sucessivas e sem retorno. Isto é: perante o caso
concreto decide, num primeiro passo, se o preço é anormalmente baixo e, assim
sendo, com base na nota justificativa e nos esclarecimentos prestados no
procedimento específico do contraditório, decide num segundo momento excluir
(ou não excluir) ou não adjudicar (ou adjudicar).
41.
Ora, face à complexidade daquela norma do artigo 107º que acima se caracterizou
no nº 17 e ao disposto no artigo 105º, e tendo em conta as condições reais da
vida concreta e do pensamento humano, o raciocínio não pode ser assim tão
simplesmente linear. De facto, o preço da proposta interage com a nota
justificativa e com os esclarecimentos e estes com aquele. Isto é: a abordagem
é mais global. É com base nos preços e nas notas e nos
esclarecimentos que a conclusão de que se está (ou não) perante preços
anormalmente baixos é finalmente extraída e a decisão é tomada. E se se quiser
estabelecer uma abordagem sequencial então não se pode arrancar da conclusão: a
de que os preços são anormalmente baixos. Então, primeiro deve-se “identificar
as propostas suspeitas, segundo, permitir às empresas em causa demonstrarem a
sua seriedade, solicitando-lhes os esclarecimentos que julgue adequados,
terceiro, apreciar a pertinência das explicações dadas pelos interessados e, em
quarto lugar, decidir admitir ou rejeitar as propostas em questão”.
III-C5 – Conclusões quanto ao
direito aplicável
42.
De tudo o que se disse, importa retirar as seguintes conclusões fundamentais:
a)
O dono da obra, através de decisão fundamentada, não pode adjudicar a empreitada
se, face aos preços propostos, às respectivas notas justificativas e aos
esclarecimentos prestados pelos concorrentes em contraditório específico
imprescindível, concluir que são preços anormalmente baixos os oferecidos por
todas as propostas;
b)
Na apreciação das notas justificativas e esclarecimentos, o dono da obra não
está vinculado a atender exclusivamente aos critérios estabelecidos no nº 3 do
artigo 105º;
c)
Para decidir sobre se os preços oferecidos são anormalmente baixos, o dono da
obra deve atender:
vi.
Ao preço base do concurso, como critério indicativo;
vii.
Às diferenças quantitativas entre tal preço e os preços oferecidos como indício
de se estar (ou não) perante preços anormalmente baixos, mas sem poder extrair
conclusões automáticas de tal indício;
viii.
As valorações objectivas pré-existentes em domínios sociais e económicos
relevantes;
ix.
À finalidade da norma;
x.
Aos princípios a que se deve subordinar a contratação pública e que têm
consagração bastante na lei.
III-C6 – A aplicação ao caso
concreto
43.
Face ao exposto em matéria do direito aplicável, vejamos de que forma a
Administração procedeu à sua aplicação no procedimento em causa.
44.
Muito sinteticamente, diga-se que o dono da obra adjudicou a empreitada porque
considerou que os preços oferecidos não são anormalmente baixos face à crise
que se vive no sector da construção civil.
45.
Face à matéria de facto e ao direito aplicável, devem colocar-se as seguintes
questões:
a)
No procedimento há indícios de que os preços oferecidos são anormalmente
baixos?
b)
Nessa avaliação o dono da obra baseou-se numa correcta determinação do conceito
de preço anormalmente baixo?
c)
O dono da obra exerceu em conformidade com a lei o poder discricionário que
esta lhe confere para apreciação das notas justificativas dos preços?
d)
Finalmente: a decisão de adjudicação respeitou a lei? Noutros termos, face à
decisão recorrida: violou o disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 107º do
RJEOP?
46.
No procedimento há indícios de que os preços são anormalmente baixos. Porque:
a)
Todas as propostas apresentaram um preço total abaixo do preço base do concurso
(vide acima a matéria de facto nas alíneas e) a g) do nº11);
b)
As propostas distanciam-se do preço base do concurso em percentagens que vão de
41,20% a 61,80% (vide acima a matéria de facto nas alíneas g) do nº11).
47.
Contudo, trata-se de indícios e, como se defendeu acima, o dono da obra não
está legalmente vinculado a atender exclusivamente a este critério – o do preço
base do concurso - para concluir que os preços são anormalmente baixos. E, como
se defendeu também, não permite a lei que da constatação daquelas percentagens
– as da alínea b) do número anterior - se retire automaticamente tal conclusão.
48.
Aqueles indícios são ainda fragilizados tendo em conta outros factos:
a)
Quanto às percentagens: há disparidade de mais de 20 pontos percentuais entre
as várias propostas na sua relação com o preço base e tal disparidade resulta
de características endógenas dos trabalhos que os vários concorrentes se
propõem executar. Isto é: têm fundamento técnico endógeno e não resultam de um
artifício para se obter um preço final total a propor pelo concorrente (vide
acima a matéria de facto na alínea d) do nº 14);
b)
Quanto ao preço base: há suficientes indícios de que não foi correctamente
calculado (vide acima a matéria de facto na alínea i) do nº 14);
49.
Havendo indícios, estes não permitem que se avançasse desde logo para
considerações mais seguras de que se estava perante preços anormalmente baixos
em todas as propostas.
50.
Até aqui não se vê que o dono da obra tenha procedido em desconformidade com o
direito, designadamente violando os aspectos vinculados a que deve obedecer na
determinação do conceito de “preço anormalmente baixo”. Porque:
a)
Fez apelo ao preço base e à avaliação das distâncias percentuais a que as
propostas se situavam face àquele valor e, tendo em conta que não resulta da
lei uma estrita vinculação a estes critérios e ainda porque há suficientes
indícios de aquele valor não ter sido correctamente calculado,
b)
Fez apelo a valorações objectivas – a crise vivida no sector da construção –
para uma primeira conclusão de que não se está perante preços anormalmente
baixos.
51.
Contudo, porque a abordagem não deve ser simplesmente linear (vide acima o
nº 40), vejamos agora a questão das notas justificativas ou, na senda do
que acima se disse no nº 27, das justificações que se podem apurar nas
propostas, para fundamentação dos preços totais oferecidos. Destaque-se o
seguinte:
a)
As notas justificativas são genéricas. No seu relatório, a comissão de
avaliação das propostas assim as considerou e também o parecer pericial junto
aos autos. Contudo, este parecer refere que assim é, em regra, nos
procedimentos e adianta mesmo razões para que assim vá acontecendo: as “Notas
Justificativas do Preço Proposto apresentadas habitualmente nos concursos de
empreitadas de Obras Públicas é (quase) sempre genérico e pouco elucidativo da
formação de custos e de uma efectiva justificação de preços(…). Em termos
gerais, poderá afirmar-se que se instalou um certo laxismo na sua elaboração e
uma nivelação “por baixo” em termos de qualidade e da informação técnica
veiculada, motivada, eventualmente, pela necessidade de celeridade na
elaboração das propostas, mas, sobretudo, por não convir a divulgação dos
“segredos comerciais” associados à formação dos preços à concorrência”;
b)
Neste contexto, as notas justificativas apresentadas não são excepção (vide
igualmente o parecer pericial);
c)
Todavia, uma análise minuciosa das justificações apresentadas permite
identificar algumas razões para as reduções de preços apresentadas (vide acima
a matéria de facto nas alíneas e) e f) do nº 14). Refere ainda o parecer pericial
que os valores das propostas apresentadas podem justificar-se por razões de
racionalização de custos e sinergias várias, designadamente por a proximidade
do estaleiro da obra, adopção de “economias de escala” tanto em aquisição de
materiais como de equipamentos e mão-de-obra, articulação com outras obras na
mesma região e, sobretudo, por causa da crise em que vem vivendo o sector da
construção civil;
d)
Mas mais importante para apurar a seriedade das propostas é o facto de se
concluir da análise das listas de preços unitários de todas as propostas que,
dentro de cada proposta, existe coerência no estabelecimento e na fixação dos
preços unitários, verificando-se, uma tendência geral e global para a adopção
de valores de custo reduzidos. Esta conclusão também resulta das
características endógenas dos trabalhos que os vários concorrentes se propõem
executar. Isto é: têm fundamento técnico endógeno e não resultam de um
artifício para se obter um preço final total a propor pelo concorrente (vide
acima a matéria de facto na alínea c) do nº 14).
52.
Face ao direito aplicável, até agora, as justificações que resultam do processo
para os preços oferecidos não militam também no sentido de se considerarem os
preços anormalmente baixos. Pese embora a própria recorrente não o refira, é
possível enquadrar as justificações referidas no quadro da disciplina
estabelecida no nº 3 do artigo 105º do RJEOP e na interpretação que dela
fizemos acima no nº 25. Fá-lo de uma maneira muito mais clara o parecer
pericial junto aos autos.
53.
Mas, reconheça-se que o fundamento maior para o dono da obra ter considerado
que não estava perante preços anormalmente baixos foi, ou é, a crise no sector
da construção. E por isso deve perguntar-se: se é possível – como acima se
defendeu – que na apreciação das justificações dos preços, o dono da obra não
se atenha exclusivamente às matérias constantes do nº 3 do artigo 105º do
RJEOP, nem só ao que está apresentado nas notas justificativas, poderá ele
descortinar razões justificativas dos preços oferecidos que não foram
apresentadas pelos concorrentes, para os não considerar preços anormalmente
baixos? Face ao que acima dissemos em matéria da determinação deste conceito
consideramos que sim.
54.
Já vimos que a relação com o preço base não constitui um aspecto a que o dono
da obra esteja estritamente vinculado nessa determinação, já verificámos que
neste procedimento o cálculo desse valor não foi, pelos indícios existentes,
correctamente feito, vimos igualmente que das diferenças quantitativas apuradas
não se pode concluir automaticamente que são preços anormalmente baixos, viu-se
que há coerência técnica endógena nas propostas apresentadas. Perante tudo isto
é admissível que o dono da obra se questione: que outras razões podem explicar
ainda os preços apresentados? Admite o direito tal pergunta? Sim: na
determinação do conceito de preço anormalmente baixo pode o intérprete, depois
de esgotados os critérios legais, como acima vimos, fazer apelo a valorações
pré-existentes, em domínios sociais e económicos relevantes, para a matéria em
causa e para a decisão a tomar (vide acima o exposto nos nºs 29, 38 e 49). E na
ponderação sobre as justificações para os preços oferecidos, o aplicador do
direito não está vinculado à enumeração do nº 3 do artigo 107º.
55.
Ora, atente-se no seguinte:
a)
É um dado de conhecimento comum que existe uma crise no sector da construção
civil;
b)
O parecer pericial junto aos autos faz-se eco desse conhecimento comum (vide
acima a matéria de facto nas alíneas c) e h) do nº 14);
c)
A FEPICOP – Federação Portuguesa da Indústria de Construção de Obras Públicas –
confirma esse dado do conhecimento comum (vide acima a matéria de facto na
alínea g) do nº 11);
d)
Sendo a crise um dado do conhecimento comum, estando cada concorrente ameaçado
por ela, mas não sabendo em rigor como os demais concorrentes a estão ou vão
enfrentar, parece plausível que não venham invocar tal motivo expressamente
para justificar os seus preços. Tanto mais que tal invocação poderia contribuir
para a desvalorização da sua própria proposta.
56.
Ora, também neste novo passo não resulta que haja razões que militem no sentido
de se considerar que os preços oferecidos são anormalmente baixos. Perante a
crise no sector e face aos factos antes referidos, não são. E, face aos factos
apurados, no acórdão recorrido e no presente, não se vê fundamento para
considerar a actuação do dono da obra desconforme com o direito: não se vê
razão para considerar que a determinação do conceito de preço anormalmente
baixo subjacente à sua actuação e a valoração das justificações encontradas
para os preços oferecidos tenham violado o direito.
57.
Como se expôs acima no número 24, no exercício do poder discricionário deve a
Administração atender à finalidade da norma. Atendendo ao que então se disse,
desrespeitou-se tal finalidade no presente procedimento? Vejamos:
a)
O facto de se ter procedido à abertura de concurso de âmbito internacional,
quando a lei no caso em apreço não impunha tal solução (vide acima a matéria de
facto na alínea a) do nº 14);
b)
O facto de na avaliação das propostas ser conferido maior ponderação à sua valia
técnica e menor ao preço oferecido (vide acima a matéria de facto na alínea h)
do nº 11);
c)
O que consta dos documentos do concurso em matéria de definição do objecto da
empreitada, prestação de caução, regime de multas, regime de ensaios, prazos de
garantia e de obrigações do empreiteiro durante o prazo de garantia (vide acima
a matéria de facto na alínea b) do nº 14), militam no sentido de não ter havido
desatenção a tal finalidade. Aliás, aqueles factos vão no sentido de uma das
conclusões do parecer pericial (vide acima iii da alínea q) do nº 7).
58.
Finalmente, e no seguimento do que se referiu na alínea b) do nº 23 e no nº 28,
não resulta do processado que, no exercício do poder discricionário que a lei
confere à Administração, esta tenha violado os princípios ali enunciados.
59.
Retomemos por fim as perguntas enunciadas acima no nº 44 e dê-se-lhe resposta
conclusiva:
a)
No procedimento há indícios de que os preços oferecidos são anormalmente
baixos? Sim, mas tais indícios devem ser afastados face a outros factos
apurados no processo;
b)
Nessa avaliação o dono da obra baseou-se numa correcta determinação do conceito
de “preço anormalmente baixo”? Sim;
c)
O dono da obra exerceu em conformidade com a lei o poder discricionário que
esta lhe confere para apreciação das notas justificativas dos preços? Sim;
d)
Finalmente: a decisão de adjudicação respeitou a lei? Noutros termos, face à
decisão recorrida: violou o disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 107º do
RJEOP? Não.
60.
Responda-se em termos finais às questões identificadas nas alíneas b) a d) do
nº14 nos seguintes termos: face às justificações encontradas, os preços
oferecidos por todas as propostas não são anormalmente baixos e o dono da obra
podia adjudicar a empreitada. Não se desrespeitou a alínea f) do nº1 do artigo
107 do RJEOP. Não ocorreu pois violação de lei. E assim sendo não há, por aqui,
fundamento para recusa de visto ao contrato. E tendo-se assim concluído, não é
necessário encontrar-se resposta para a questão enunciada na alínea e) do mesmo
número.
III-D: A fixação dos custos dos
documentos do concurso
61.
Nesta matéria, relevam os factos enunciados nas alíneas a) a c) do nº 10. Face
ao alegado na petição de recurso, mantém-se nesta matéria o que o acórdão
recorrido concluiu: “No caso dos autos, (…) a LIPOR não justifica,
documentadamente, qual o critério aplicado na determinação do custo de produção
das cópias, sendo certo, por seu turno, que, como resulta (…) do probatório, o
técnico da área de engenharia, deste Tribunal, considera o custo muito elevado”
(vide alínea d) do nº11).
62.
Quanto ao preço exigido pelo fornecimento das cópias do processo de concurso,
relembre-se que o n.º 4 do artigo 62.º do RJEOP, estabelece que ―[o]s
interessados poderão solicitar, em tempo útil, que lhes sejam fornecidas pelo
dono da obra, a preços de custo, cópias devidamente autenticadas dos
elementos referidos nos nºs 2 e 5….
63.
Dispõe também o artigo 12º da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto, que a reprodução
de documentos é sujeita a pagamento da taxa fixada, que deve corresponder à
soma dos encargos proporcionais com a utilização de máquinas e ferramentas e
dos custos dos materiais usados e do serviço prestado, sem que, porém,
ultrapasse o valor médio praticado no mercado por serviço correspondente.
64.
Finalmente, salienta a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, no
parecer nº 125/2007, de 16 de Maio de 2007, no Processo nº 125/2007, que as
taxas cobradas pela reprodução de documentos não podem ultrapassar
significativa e injustificadamente, em violação do princípio da
proporcionalidade, o custo dos materiais usados e do serviço prestado.
65.
Nesta matéria, deve atender-se às seguintes regras (Para mais clara fundamentação destas conclusões, vide os acórdãos
nº 11/09-MAR.10-1ªS/PL e nº 12/09-MAR.10-1ªS/PL, proferidos recentemente por
este Tribunal)
a)
O preço da disponibilização das peças concursais deve corresponder apenas ao
custo das cópias autenticadas dos correspondentes documentos;
b)
Esse custo inclui os custos das matérias-primas, de outros materiais directos
consumidos, da mão-de-obra directa e de outros gastos gerais de fabrico gastos
na produção dessas cópias;
c)
Na parte do custo relativo à reprodução simples deve ter-se em conta o
valor médio praticado no mercado por serviço correspondente;
d)
O possível acréscimo de custo relativamente à reprodução simples de documentos
deve estar justificado pelo serviço acrescentado prestado.
66.
Estamos pois em condições de responder à questão formulada na alínea a) do nº
15: a concreta solução adoptada no presente procedimento em matéria de fixação
dos custos dos documentos do concurso não respeitou o disposto na lei.
67.
Nesta matéria mantém-se pois a decisão do acórdão recorrido: houve pois
violação do disposto no nº 4 do artigo 62º do RJEOP e no artigo 12º da Lei nº
46/2007, de 24 de Agosto nº1.
68.
Contudo, na linha do que é alegado nas alegações de recurso, face aos valores
totais indiciariamente envolvidos na presente empreitada, reconhece-se, face ao
disposto na alínea c) do nº3 do artigo 44º da LOPTC, que a possibilidade de se
ter afectado o resultado financeiro do contrato é muito ténue.
69.
Assim, na senda do que é afirmado no acórdão recorrido, considera-se que se
deve fazer uso da faculdade que é conferida pela LOPTC, no nº4 do referido
artigo 44º, de conceder o visto com formulação de recomendação.
IV – DECISÃO
70.
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes, em plenário da 1ª
Secção, em julgar parcialmente procedente o recurso, concedendo o visto ao
contrato, mas formulando a seguinte recomendação: a LIPOR, em matéria de preços
a cobrar no fornecimento dos documentos de futuros procedimentos, deve dar
cumprimento rigoroso ao disposto nas disposições legais agora em vigor: o nº 1
do artigo 10º do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, o nº 3 do artigo
133º, do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo mesmo diploma legal e o
artigo 12º da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto.
71.
São devidos os emolumentos nos termos do nº 3 do artigo 17º do Decreto-Lei nº
66/96, de 31 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28
de Agosto, e pela Lei nº 3-B/00, de 4 de Abril.
Lisboa, 24 de Março de 2009 Os
Juízes Conselheiros,
(João Figueiredo - Relator)
(Helena Ferreira Lopes) declaração de voto
junta. (António Santos Carvalho) O Procurador-Geral Adjunto, (Jorge Leal)
RO
21/08
Declaração
de voto:
Dispõe o art.º 62.º, n.º 4, do
DL 59/99, de 2/03, sob a epígrafe “Elementos que servem de base ao concurso”,
que: “Os interessados poderão solicitar, em tempo útil, que lhes sejam
fornecidos pelos donos da obra, a preços de custo, cópias devidamente
autenticadas dos elementos referidos nos nºs 2 e 5, as quais lhes deverão
ser enviadas no prazo máximo de seis dias a contar da recepção do pedido.”.
O preço de custo de uma cópia
autenticada, quando efectuada no interior dos serviços da entidade pública,
como parece ser o caso dos autos, é o preço do custo da produção dessa cópia,
devendo entender-se por custo de produção a soma dos custos das
matérias-primas e outros materiais directos consumidos, mão-de-obra directa e
de outros gastos gerais de fabrico necessariamente suportados para o produzir (vide,
a propósito, ponto 4.1.3 do POCAL).
Existindo uma norma especial para
o cálculo do preço do custo das peças procedimentais (art.º 62.º, n.º 4, do DL
59/99, de 2/03), afigura-se-me não ser, aqui, de aplicar o disposto no artigo
12 da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto (Dispõe o n.º 1
do art.º 12 da Lei n.º 46/2007, que a reprodução por fotocópia ou por qualquer
meio técnico, designadamente visual, sonoro ou electrónico, “faz-se num
exemplar, sujeito a pagamento, pela pessoa que a solicitar, da taxa fixada, que
deve corresponder à soma dos encargos proporcionais com a utilização de
máquinas e ferramentas e dos custos dos materiais usados e do serviço prestado,
sem que, porém, ultrapasse o valo médio no mercado por serviço correspondente”
- Lei de Acesso aos Documentos da Administração), que faz apelo ao “valor médio
praticado no mercado”, e ao princípio da proporcionalidade. Com isto não se
pretende dizer que o valor médio de mercado, bem como o princípio da
proporcionalidade sejam despiciendos. Na verdade, aqueles são relevantes, mas
apenas numa fase posterior do raciocínio lógico-dedutivo, ou seja, quando o
juiz financeiro pondera a situação em termos de visar o contrato com recomendações
ou de recusar o visto a este (n.º 4 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97, de 26 de
Agosto). Daí que, salvo melhor opinião,
entenda que apenas se mostra violado o disposto no n.º 4 do art.º 62.º do DL
59/99, de 2/03.
Quanto à decisão de concessão de
visto com recomendações, o Acórdão subjudice merece a minha total
concordância, atenta a argumentação aduzida nos seus pontos 67 e 68.
A Juíza Conselheira (Helena
Ferreira Lopes)