terça-feira, 25 de setembro de 2012

Acórdão do Tribunal de Contas: 1. PREÇO ANORMALMENTE BAIXO 2. NOTAS JUSTIFICATIVAS DE PREÇOS 3. PROIBIÇÃO DE ADJUDICAÇÃO POR PREÇOS ANORMALMENTE BAIXOS 4. PODER DISCRICIONÁRIO 5. CONCEITO INDETERMINADO 6. PROCEDIMENTO CONTRADITÓRIO ESPECÍFICO EM CASO DE PREÇO ANORMALMENTE BAIXO 7. PREÇO DE FORNECIMENTO DOS DOCUMENTOS DO CONCURSO




Tribunal de Contas

ACÓRDÃO Nº13/09 – 24.MAR.09 – 1ª S/PL Recurso Ordinário nº21/2008-R Processo nº 257/08
     
(O artigo 107º do DL 59/99 corresponde – ainda que em fases diferentes – ao artigo 70º-2-e) do Código dos Contratos Públicos)

Sumário
                         1. O artigo 107º, nº 1, alínea f) do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março (RJEOP), estabelece uma proibição de adjudicação da empreitada quando todos os concorrentes apresentam propostas com preços totais anormalmente baixos e as respectivas notas justificativas forem tidas como não esclarecedoras. Trata-se de um comando imperativo dirigido à Administração e ao qual esta está vinculada. É um poder-dever de não adjudicação que constitui uma excepção ao dever de adjudicação que, em geral, impera nos procedimentos visando a contratação púbica para realização de obras públicas. Tal proibição é testemunhada pela evolução legislativa nesta matéria.
                         2. A proibição de não adjudicação pressupõe a verificação de dois pressupostos:
                         a) O preço total apresentado por cada e todas as propostas ser anormalmente baixo, o que constitui um conceito indeterminado;
                        b) As notas justificativas dos preços serem consideradas como não esclarecedoras o que envolve o exercício de um poder discricionário na sua apreciação.
                         3. No exercício do poder discricionário de apreciação das notas justificativas o aplicador do direito, está balizado:
                         a) Por um critério de competência: no caso, a comissão de avaliação e a Câmara Municipal que assumiu o relatório daquela tinham competência legal para considerarem como esclarecedoras ou não esclarecedoras as notas justificativas dos preços;

                        b) Pela finalidade da norma: a norma em causa visa evitar a degradação das empreitadas de obras públicas e a execução de trabalhos a um nível de qualidade inferior aos esperados pondo em causa a prossecução do interesse público;
                        c) Por critérios fixados na lei: no caso são relevantes os critérios fixados no nº 3 do artigo 105º do RJEOP;
                        d) Pela necessidade de se conduzir um procedimento específico de contraditório, previsto no nº 2 do artigo 105º do RJEOP;
                        e) Pela necessidade de fundamentação de rejeição ou de não adjudicação, nos termos do nº 4 do artigo 105º do RJEOP.
                        f) Pelos princípios a que se deve subordinar a actividade administrativa, nomeadamente, o da adequação ao interesse público, o da justiça, o da imparcialidade, o da igualdade, o da proporcionalidade e o da boa fé.
                         4. A enunciação dos motivos justificativos referidos na alínea c) do número anterior – consagrada no nº 3 do artigo 105º do RJEOP - deve ser considerada como exemplificativa. Os concorrentes devem poder expor quaisquer motivos que contribuam para a demonstração da seriedade das suas propostas. Igualmente a entidade adjudicante, para avaliar sobre tal seriedade, no exercício do poder discricionário, pode socorrer-se das razões expressamente invocadas pelos concorrentes, nas notas justificativas e noutros elementos das propostas e de quaisquer outras razões, mesmo que não sejam expressamente invocadas.
                         5. A lei ao estabelecer o conceito de “preço anormalmente baixo” não o determinou, conferindo assim, ao intérprete uma margem de discricionariedade. Na determinação de conceito deve o intérprete fazer apelo:
                         a) A outros conceitos ou mecanismos legalmente fixados;
                        b) A “preenchimentos valorativos” de natureza objectiva e pré-existentes em domínios sociais e económicos relevantes.
                         6. A que outros conceitos ou mecanismos legalmente fixados deverá o intérprete apelar? Aos seguintes:
                         a) Ao de preço base do concurso: contudo ao contrário do que acontece na norma constante da alínea b) do nº 1 do artigo 105º do RJEOP – relativa ao preço total consideravelmente superior – no caso da alínea f) a lei não o refere expressamente o que significa que a margem de discricionariedade do intérprete é, neste caso, maior.
 Assim, o preço base do concurso deve ser considerado como indício que outros elementos podem afastar. Neste caso, o intérprete não está juridicamente vinculado a adoptar o critério do preço base do concurso. E o apelo ao preço base como critério pode ser ultrapassado se houver suficientes indícios de que este foi mal calculado;

                        b) A métodos quantitativos como os consagrados no regime de 1986 ou no Código dos Contratos Públicos: uma relação percentual com o preço base ou com a média das propostas. Contudo, não se pode retirar consequências automáticas de tais métodos, porque o RJEOP não os consagra e porque proíbe tais automatismos, na medida em que exige um procedimento específico de contraditório. Tal abordagem quantitativa deve constituir também um mero indício de que se está ou não perante preços anormalmente baixos.
                         7. Concluindo:

                        a) O dono da obra, através de decisão fundamentada, não pode adjudicar a empreitada se, face aos preços propostos, às respectivas notas justificativas e aos esclarecimentos prestados pelos concorrentes em contraditório específico imprescindível, concluir que são preços anormalmente baixos os oferecidos por todas as propostas;
                         b) Na apreciação das notas justificativas e esclarecimentos, o dono da obra não está vinculado a atender exclusivamente aos critérios estabelecidos no nº 3 do artigo 105º;
                         c) Para decidir sobre se os preços oferecidos são anormalmente baixos, o dono da obra deve atender:
                         i. Ao preço base do concurso, como critério indicativo;
                        ii. Às diferenças quantitativas entre tal preço e os preços oferecidos como indício de se estar (ou não) perante preços anormalmente baixos, mas sem poder extrair conclusões automáticas de tal indício;
                        iii. A valorações objectivas pré-existentes em domínios sociais e económicos relevantes;
                        iv. À finalidade da norma;
                        v. Aos princípios a que se deve subordinar a contratação pública e que têm consagração bastante na lei.
 ACÓRDÃO Nº 13 /09 – MAR. – 1ª S/PL Recurso Ordinário nº21/2008-R

  (Processo nº 257/08)
 I – RELATÓRIO
                        2. A ―LIPOR — Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, associação de municípios de fins específicos, inconformada com o Acórdão nº 61/08, de 6 de Maio, proferido em Subsecção da 1ª Secção deste Tribunal, que recusou o visto ao contrato de empreitada celebrado entre aquela entidade e a sociedade ―Monteadriano – Engenharia e Construção, S.A., pelo valor de € 2 186 247,95, acrescido de IVA, tendo este por objecto a “Construção das Acessibilidades ao Aterro Intermunicipal da Lipor, na Póvoa de Varzim”, do mesmo veio interpor recurso jurisdicional.

                        3. A recusa de visto – como mais desenvolvidamente se verá abaixo - fundamentou-se na alínea b) do nº3 do artigo 44º da LOPTC, por se considerar ter havido violação directa de norma financeira. A norma violada é a constante da alínea f) do nº1 do artigo 107º do RJEOP que determina que o dono da obra não pode adjudicar a empreitada quando todas as propostas ofereçam preço total anormalmente baixo e as respectivas notas justificativas não sejam tidas como esclarecedoras. O acórdão recorrido também assinalou ter havido violação do disposto no nº4 do artigo 62º do mesmo RJEOP que determina que as cópias dos documentos do concurso devem ser fornecidas pelo dono da obra a preços de custo. Contudo, enquadrando-se tal violação no disposto na alínea c) do nº3 do referido artigo 44º, o acórdão recorrido afirma, quanto a esta violação, estar reunido o condicionalismo que permite o uso da faculdade prevista no nº4, do mesmo artigo: a concessão de visto com recomendação.

                        4. Na petição de recurso, a recorrente alega fundamentalmente o seguinte:

                        a) (…) [E]ntendeu esse Alto Tribunal que o preço definido para o Processo de Concurso - 1.500 € ―- é muito superior ao valor de custo - exigido pelo DO aos concorrentes” .E que, em consequência, se terá verificado uma ―...forte probabilidade de o preço de custo das cópias, fixado pela LÍPOR, ter desincentivado alguns potenciais concorrentes a apresentarem as respectivas candidaturas, assim se restringindo a concorrência”. Com o devido respeito, a recorrente não pode deixar de manifestar o seu total desacordo quer quanto à alegada exigência da compra do Processo de Concurso quer no tocante à suposição que tal preço terá originado um desinteresse de putativos concorrentes;
                        b) O Processo de Concurso em causa foi adquirido por nove interessados, o que é um número significativo. Sendo que concorreram oito entidades, com a particularidade de um dos concorrentes não ter sentido a necessidade de comprar o Processo de Concurso para apresentar a sua proposta. E diga-se, uma proposta muito competitiva, que ficou ordenada em segundo lugar;
                        c) Pelo que não se aceita que se diga que o Dono da Obra exigiu aos concorrentes a aquisição do Processo de Concurso. Ora, aquela situação mostra de forma clara aquilo que já se sustentou em sede de esclarecimentos, e a que o Tribunal não alude na definição da Matéria de Facto, maxíme a não exigência da aquisição do Processo de Concurso para poder apresentar proposta. A obra em concurso é de alguma envergadura (…). Ora, entidades com a envergadura necessária à realização da empreitada a concurso, e num momento em que não abundam as obras públicas, certamente que não iriam decidir não concorrer pelo facto do Processo de Concurso custar 1.500 €. Até porque não era exigível que o comprassem. Os 1.500 € representam, percentualmente e face ao valor base do concurso 0,03% e face à proposta vencedora 0,07%;
                        d) A alegada violação do disposto no Artigo 62.°, n.° 4 do DL n.° 59/99, de 2 de Março, não foi susceptível de restringir o universo concorrencial;
                        e) A recorrente reconhece que os Preços das propostas apresentadas a concurso estão significativamente abaixo do valor estabelecido, no entanto entende que os mesmos não podem ser considerados face à situação actual do mercado como ―anormalmente baixos;
                        f) Ora, [a] recessão, obriga as empresas de construção a apresentarem propostas com preços muito competitivos, tentando com isso ganhar a obra e consequentemente assegurar trabalho. Só assim se entende que todos os concorrentes tivessem apresentado preços bastante inferiores ao preço base, apesar de entre eles, reconheça-se, haver neste particular diferenças consideráveis;
                        g) Conhecedora da situação do mercado, a Lipor entendeu por bem não considerar como critério de adjudicação apenas o Preço (40%), protegendo-se assim de uma possível proposta que sacrificasse a boa execução da obra só para vencer o concurso, mas também a Valia Técnica da Proposta (60%), assegurando-se, assim, que sendo obviamente o preço um factor importante, assumia para o Dono da Obra grande significado a forma como os concorrentes, ou potestativos adjudicatários, desenvolveriam tecnicamente a obra;
                        h) (…) [E]ste entendimento foi sufragado, positivamente, como se viu, por parecer técnico de um especialista da área de engenharia, da Unidade de Apoio Técnico deste Alto Tribunal, (…), em que se reconheceu como ―…aceitávela posição da recorrente face à crise do mercado e como ...correcto e coerente…” o facto de se ter optado pela atribuição de um maior peso ao factor “Valia Técnica da Proposta” em detrimento do “Preço”;
                        i) É inquestionável que todas as propostas apresentam um preço total entre 41,20% e os 61,80% abaixo do preço base do Concurso. No entanto, há entre as mesmas um intervalo de 20% o que não pode deixar de ser considerado também como significativo, já que a norma exige, para além de as notas justificativas não serem tidas como esclarecedoras, que todas as propostas apresentem um preço total anormalmente baixo;
                        j) A questão está pois em saber se face à conjectura de forte recessão do mercado e tendo em conta que se exige que todas as propostas tenham um preço anormalmente baixo, uma proposta 41,20% abaixo do preço base pode ser considerada como anormalmente baixa. Pensámos, com o devido respeito, que não;
                        k) O novo Código dos Contratos Públicos, (…), no artigo 71º, n.° 1, alínea a), prevê que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo quando seja “40% ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada de obras públicas(…)”.Tendo em consideração as condições de mercado, diversas daquelas em que foi calculado o preço base, bem se pode dizer que aquele limiar não poderia considerar-se excedido;
                        l) O concorrente a quem foi adjudicada a obra, bem como as propostas classificadas em segundo e terceiro lugar, correspondem a empresas que têm a sua sede e que trabalham muito na zona da Póvoa de Varzim e Vila do Conde, o que representa face à empreitada a concurso uma grande proximidade, o que implica ganhos de escala, de eficácia, eficiência e economia bastante significativos que necessariamente se repercutem nos preços, o que justifica e está de acordo com o facto de terem sido as três propostas com mais baixo preço;
                        m) Refere-se no douto Acórdão recorrido que as “… notas justificativas não se podem considerar como esclarecedoras”. No entanto, em nenhum momento, a recorrente é informada de qual ou quais os motivos que justificam tal conclusão;
                        n) Aliás, para se considerar como tendo preços anormalmente baixos por referência ao valor base sempre teria que se emitir, salvo melhor opinião, um juízo de normalidade relativamente ao preço base que se serve de comparação;
                        o) Ouvido o projectista que propôs tal preço base veio ele, razoavelmente, invocar a crise que se abateu sobre o sector da construção civil já depois da fixação de tal preço, assim explicando os preços muito mais baixos oferecidas pelos concorrentes;
                        p) E tal explicação colheu o apoio dos serviços de apoio deste Tribunal, como se viu;
                        q) Mas nada garante à recorrente, leiga nesta matéria — por isso que recorre a entidades estranhas para a prestação de tais serviços especializados — que tal preço base também estivesse sobrevalorizado!;
                        r) O Tribunal não atentou, devendo fazê-lo, às razões a que a recorrente atribuiu a grande diferença entre os preços das propostas e o valor base;
                        s) Os preços das propostas, vistos na perspectiva relativa e concreta sob que as propostas devem ser avaliadas, não devem ser considerados como anormalmente baixos.

                        5. As alegações apresentadas terminam com as seguintes conclusões:

                        a) A contratação, pela Recorrente, da empreitada objecto do contrato sob análise, não viola, salvo o devido respeito, nenhuma norma financeira.
                        b) A recorrente atendendo ao facto de necessitar de ter em funcionamento, no início de 2011, um novo Aterro Sanitário necessita de arrancar, de imediato, com a construção das acessibilidades à referida infra-estrutura.
                        c) Já que a mesma foi programada para estar concluída no momento em que será necessário iniciar a construção do novo Aterro Sanitário, que servirá um milhão de habitantes.
                        d) Não há, com o devido respeito, fundamento para se sustentar que o preço do processo de concurso, por excessivo, consubstanciou provavelmente o desinteresse de potenciais concorrentes,
                        e) Na medida que a recorrente não colocou qualquer entrave à apresentação de propostas por parte de entidades que não adquiriram o processo do concurso,
                        f) Bem como uma das propostas apresentadas, por sinal a segunda classificada, foi apresentada sem que a empresa tivesse tido necessidade de adquirir o referido processo de concurso.
                        g) Por outro lado, não faz sentido, com o devido respeito, dizer -se que terá havido uma restrição à concorrência só pelo facto de se ter entendido que o preço do processo de concurso era demasiado alto, não atendendo que o procedimento concursal desencadeado seguiu os trâmites do Concurso Público Internacional quando face ao artigo 52.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 59/99 e tendo como cenário o preço base do Concurso, a recorrente estaria, apenas, obrigada a um mero Concurso Público.
                        h) A Unidade de apoio Técnico do Tribunal de Contas reconhece como aceitável a fundamentação apresentada pela recorrente para a circunstância de os preços das propostas serem bastante inferiores ao preço base do concurso;
                        i) De facto, a existência de uma forte recessão do mercado de obras públicas, posterior ao cálculo daquele preço base, justifica que os concorrentes, para terem trabalho, apresentem preços bem mais competitivos;
                        j) Tem entendido a Autoridade da Concorrência que existem outras formas de salvaguarda dos interesses dos adjudicantes que não passam pela exclusão de um concorrente que se propõe executar os trabalhos por preços significativamente mais baixos que o preço base;

                        k) Ora, a recorrente assegurou o interesse público, ao exigir ao adjudicatário a prestação de uma caução, bem como foi previsto um regime de multas contratuais.
                        l) As propostas foram analisadas e avaliadas pela Comissão de Análise compostas por técnico que integram os quadros da recorrente, bem como contou com um apoio técnico suplementar através da empresa que, contratada por Concurso Público, irá fiscalizar a obra em causa.
                        m) O concorrente a quem foi adjudicada a empreitada apresentou na nota justificativa que instrui a proposta elementos que justificam a possibilidade de apresentar um preço significativamente abaixo do preço base do Concurso.
                        n) A obra em causa destinada à construção e melhoramento de uma via pública, que surge pela necessidade supra explicada, e que portanto não é para uma entidade que gere resíduos uma obra corrente, não havendo, pois, da parte da recorrente um conhecimento técnico tão evoluído como certamente aconteceria se se estivesse a falar da construção de um Centro de Triagem ou de uma Central de Valorização Orgânica.
                        o) Verificando-se uma situação em que uma entidade pública está perante propostas bem fundamentadas, apresentadas por empreiteiros competentes, e que oferecem um preço abaixo do valor que a entidade adjudicante perspectiva despender, não se descortina como é que se pode sustentar in casu a violação de uma norma financeira.
                        p) Neste sentido, vai, aliás, o douto Parecer emitido, a propósito pelo Ilustre Jurisconsulto, Mário Esteves de Oliveira, junto adiante, que defende, nomeadamente:
                        q) O Tribunal não atentou, devendo fazê-lo, às razões a que a recorrente atribuiu a grande diferença entre os preços das propostas e o valor base;
                        r) O elenco do art. 105.°, 3, do RJEOP tem carácter claramente exemplificativo, quer por referência a parâmetros interpretativos de direito interno, quer por referência aos parâmetros interpretativos do direito comunitário;
                        s) Os preços das propostas, vistos na perspectiva relativa e concreta sob que as propostas devem ser avaliadas, não devem ser considerados como anormalmente baixos;
                        t) A recorrente, enquanto entidade adjudicante, nem começou por considerá-los anormalmente baixos, já que não usou, sequer, do mecanismo previsto no artigo 105º, nº 2, do RJEOP, no sentido de pedir esclarecimentos aos concorrentes quanto aos preços oferecidos;

                        u) Aliás, aquele Ilustre Jurisconsulto argumenta, em defesa dessa tese, com o que disporá o futuro Código da Contratação Pública no seu art. 71.º, 1, a) — anormalmente baixo seria o preço 40% ou mais, inferior ao preço base — norma que provém de um tempo em que a crise não se tinha instalado, razão porque, se fosse hoje, fácil seria concluir que propostas de valor inferior em 45% ou 50% ao preço base não são de preço anormalmente baixo;
                        v) Por outro lado, o facto de os oito concorrentes terem vindo, todos eles, com propostas inferiores em mais de 39°/o ao respectivo preço base, é um sintoma claro de que nenhuma delas — ou nem todas elas — nomeadamente a do adjudicatário deveria considerar-se como preço anormalmente baixo:
                        w) As normas dos artigos 105.°, 3 e 107.°, 1, f), do DL 59/99, do RJEOP, apesar de estarem, como se diz no douto Acórdão recorrido, relacionadas com os custos da empreitada, com o preço apresentado nas propostas não são normas de cariz financeiro;
                        x) Destinam-se, antes e principalmente, a assegurar uma concorrência sã e efectiva no mercado da contratação pública, em obediência aos princípios que moldam as normas comunitárias sobre a contratação pública, às quais são indiferentes as questões ou preocupações financeiras dos Estados Membros;
                        y) Pelo que aquelas normas têm o seu assento teleológico em razões de ordem concorrencial, não visando, portanto, proteger interesses financeiros da Administração. Visam é assegurar que propostas de preço anormalmente baixo, que não assentem numa justificação empresarial suficiente, não venham concorrer ilicitamente com propostas concorrencialmente sãs que estejam em concurso;
                        z) Assim, atenta a natureza não financeira daquelas normas para efeitos do disposto no art. 44.°, 3, b) da LOPTC, este alto tribunal seria incompetente para recusar o visto ao contrato, com o fundamento em que se louvou;
                        aa) Decidindo diversamente, a douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 105.°, 3 e 107.°, 1, f), do Decreto-Lei n.° 59/99, de 2 de Março, bem como o estatuído nos artigos 1.º e 44.º, 1 e 3, da lei n.º 98/ 97, de 26 de Agosto.
                         
                        6. Em anexo à petição de recurso, foi entregue parecer do jurisconsulto Mário Esteves de Oliveira, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.

                        7. Interposto e admitido o recurso, o Ministério Público entendeu promover que se elaborasse parecer pericial de engenharia civil, especialmente dirigido à análise crítica (técnica e económica) das notas justificativas dos preços propostos pelos concorrentes, “no sentido de avaliar se elas podem, ou não, ser tidas como esclarecedoras – incidindo tal escrutínio, muito especialmente, na proposta da empresa adjudicatária, levando em conta todos os elementos previstos no nº3 do artº. 105º e quaisquer outros que já constem dos autos”.

                        8. Deferida a promoção do Ministério Público, foi junto parecer pericial ao processo, que aqui se dá como reproduzido e que, no essencial, e com relevância para a decisão a tomar, diz:

                        a) O universo de propostas apresentadas, confina-se entre os valores extremos 1.998.458,36 € e 2.997.300,41 €, o que representa, em termos percentuais, um “intervalo” entre 41,20 % a 61,80 % abaixo do preço base. [4.850.000,00 €]. Verifica-se, por outro lado, que o preço da proposta adjudicatária é 45,78 % abaixo do valor estabelecido para efeitos de concurso, não sendo a proposta de valor mais baixo. O preço médio das propostas apresentadas é de 2 386 554,794 € pelo que o valor da proposta adjudicatária corresponde a 91,61 % dessa média ou seja, inferior a ela em 8,39 %”;

                        b) Analisadas todas as listas de preços unitários de todas as propostas apresentadas a concurso, pode concluir-se o seguinte:

                        i. Tratando-se, basicamente, de uma obra de Estradas, os capítulos de Movimento de Terras e de Pavimentação absorvem, em condições correntes, cerca de 50 % dos custos da obra. O que, em termos genéricos, também aqui se verifica.
                        ii. Os trabalhos usualmente associados às Fundações e Estruturas em betão, têm peso variável, consoante o número e características de desnivelamentos a vencer (passagens inferiores e/ou superiores); no presente caso, ascendem a cerca de 20 %;
                        iii.Os trabalhos de Electricidade, onde se inclui a rede de Iluminação Pública, podem atingir percentagens relativas da ordem dos 15 %; no presente caso, os respectivos valores situam-se em cerca de 12%-14%.
                        iv.De um modo geral, pode concluir-se que existiu coerência no estabelecimento e na fixação dos preços unitários, dentro de cada proposta, verificando-se, uma tendência geral e global para a adopção de valores de custo reduzidos, a que a crise no sector não será alheia.
                        v.A disparidade de valores entre as propostas deve-se, fundamentalmente aos diferentes custos unitários atribuídos por cada concorrente aos artigos de medição mais relevantes na presente empreitada, concretamente, os relativos aos capítulos de Movimento de Terras e de Pavimentação, tendo-se constatado, por exemplo, que os custos unitários de Escavação, Aterro e Transporte a vazadouro ou os das Camadas de desgaste, se apresentaram com variações significativas (nalguns casos, de cerca de 50%) quando cotejadas entre itens homólogos dos diferentes concorrentes;

                        c) As Notas Justificativas do Preço Proposto de todos os concorrentes contêm apenas lugares-comuns ou putativas justificações de carácter genérico, esclarecendo muito pouco qual a estrutura de formação de custos, as eventuais sinergias ou situações concretas de “economia de escala” que permitam justificar as reduções de custos verificadas, seja de materiais, seja de mão-de-obra ou de equipamento;

                        d) De facto, a análise minuciosa de todas as Notas Justificativas de todos os concorrentes, apenas permitiu identificar algumas referências específicas relativas à obra em causa e, nomeadamente, à região de implantação da mesma, na proposta do concorrente nº 2 (€ 2 585 562,05) – refere fotos do local de implantação e informa que possui uma pedreira em Braga e uma central de betão betuminoso em Vilar da Luz - e na do concorrente nº 4 (€ 2 317 853,19) – que informa que possui instalações fabris de apoio em V. N. Famalicão;

                        e) Atente-se que, embora, nestes casos tenha havido uma ténue referência à obra em questão, ainda assim, não deixa de ser uma informação genérica, ao mesmo nível da incluída em todas as Notas Justificativas, nas quais, se patenteiam variações de teor geral e vago acerca da “experiência em obras do mesmo tipo”, “uma boa racionalização do equipamento e pessoal aplicado a um melhor planeamento”, “equipamento próprio em bom estado de conservação”, “estrutura da empresa adequada ao solicitado no Programa de Concurso”, “controle de qualidade do trabalho (…) permitindo racionalizar custos e rentabilizar os meios necessários à execução da empreitada”, “uma análise profunda e cuidadosa das peças desenhadas patenteadas a concurso (…) a que correspondeu uma optimização de recursos e meios”, “(…) conhecimento do mercado de materiais da região(…)”, “disponibilidade dos técnicos e trabalhadores com profundo conhecimento(…) em obras deste tipo”, “custos compostos como resultado da avaliação das quantidades de trabalho (…) de acordo com as peças escritas e desenhadas que compõem o projecto (…)”, etc.;

                        f) Concretamente, no que se refere à Nota Justificativa do Preço Proposto do adjudicatário, a mesma apenas poderá ser tida como parcialmente esclarecedora, nos termos do nº 3 do artº105º do DL 59/99 de 2 de Março, se se tiverem em conta as “condições excepcionalmente favoráveis” (referida nesse articulado), inerentes à crise vivida no sector da construção civil e à implícita assunção da “lei da oferta e da procura”. O que, de facto se vem verificando;

                        g) (…)[O] teor (…) das Notas Justificativas do Preço Proposto apresentadas habitualmente nos concursos de empreitadas de Obras Públicas é (quase) sempre genérico e pouco elucidativo da formação de custos e de uma efectiva justificação de preços;

                        h) Nessa base, as Notas Justificativas do Preço Proposto do presente processo não constituem, excepção. Em termos gerais, poderá afirmar-se que se instalou (…) uma nivelação “por baixo” em termos de qualidade e da informação técnica veiculada, motivada, eventualmente (…) sobretudo, por não convir a divulgação dos “segredos comerciais” associados à formação dos preços à concorrência;

                        i) Por essas razões, neste caso concreto, reitera-se, a apreciação já feita (…) em anterior parecer, entretanto citada, tanto no Acórdão como nas alegações do D.O., no sentido de que, as Notas Justificativas do Preço Proposto apresentadas no concurso em apreço, “remetem para lugares-comuns, nada esclarecendo”. Sublinhe-se, a propósito, que a própria Comissão de Avaliação de Propostas, na apreciação desse item, referiu clara e taxativamente, que todas as propostas, sem excepção – incluindo, portanto, a do adjudicatário – apresentaram ―Nota Justificativa do Preço Proposto, genérica” (cfr. Relatório de Avaliação das Propostas, fls. 345 a 352 do processo de visto);

                        j) Ou seja, e em conclusão, embora, não sendo as Notas Justificativas do Preço Proposto, esclarecedoras como deveriam, tal é, no entanto, a situação corrente na prática;

                        k) (…) [E]ssa constatação, por não ser, no fundo, determinante, a não ser em termos formais, não deveria constituir-se como fundamentação principal ou decisiva para a necessidade imperiosa de não adjudicação por parte do Dono da Obra. E, também, por ser (quase) sempre possível às empresas justificarem, quando solicitadas, os preços praticados. Cabendo à entidade adjudicante a obrigação de fazer cumprir o contrato nas condições da proposta de preço apresentada pelo adjudicatário;

                        l) (...) [I]mporta não escamotear o facto bem real e marcante de todas as propostas, sem excepção, se terem situado abaixo do preço-base fixado pelo Dono da Obra - entre 41,20 % a 61,80 % abaixo do preço base – ou seja, excluindo a hipótese de concertação, a qual seria, aliás, mais lógica no sentido contrário, isto é, com o empolamento dos preços, manifestando uma tendência coesa – é, de admiti-lo, em teoria e, perante a factualidade apurada – no sentido de o custo real dos trabalhos da empreitada ser, de facto, mais baixo do que o orçamentado. Aliás, tendo em conta apenas, a distribuição estatística, isto é, sem outras referências ou balizagens de preços (inexistentes e, em todo o caso, falíveis ou pelo menos, discutíveis) poder-se-ia inferir que o preço-base (4 850 000,00 €) é um valor anómalo perante a distribuição uniforme e coerente do universo de valores das propostas apresentadas, cuja média é, afinal, de 2 386 554,794 €. É lícito, em tese, então, questionar: foram os valores das propostas que se revelaram anormalmente baixos ou foi a orçamentação do Dono da Obra que se situou em níveis demasiado elevados?;

                        m) A resposta à questão anterior, vai, naturalmente e, até por assunção dos próprios serviços, explicitada nas peças do processo, no sentido de que os valores das propostas apresentadas foram (anormalmente?) baixos por razões de racionalização de custos e sinergias várias e, sobretudo, por causa da crise em que vem vivendo o sector da construção civil. O que é uma realidade e é comummente aceite;

                        n) Ainda assim, (…) é possível, através do conhecimento prático e da experiência profissional, concluir que os preços apresentados, de um modo geral, podem não ser tão irrealisticamente baixos, apesar dos valores percentuais exibidos, os quais, atente-se, tomam como referência o preço-base (que, como atrás é dito, poderá estar inflacionado, não havendo, no processo, elementos para a sua correcta aferição) ;

                        o) De facto, alguns dos preços apresentados poderão justificar-se ou, pelo menos, não ser facilmente rebatido o seu baixo custo, se se tiverem em conta diversos factores (sempre aduzíveis e justificáveis pelas empresas) tais como a proximidade do estaleiro da obra, a adopção de “economias de escala” tanto em aquisição de materiais como de equipamentos e mão-de-obra, sinergias com outras obras na mesma região, desde que devidamente demonstrado em termos de composição de preços, o que não é facilmente publicitável pelas empresas por razões de salvaguarda de “segredo comercial”, como atrás foi referido;

                        p) Nestes termos, poderá ser difícil, para este Tribunal definir, tecnicamente, com rigor, o conceito de “preço total anormalmente baixo” atendo-se apenas às percentagens relativamente ao preço-base, ainda que este varie entre os 41,2% e os 61,80%, como no caso da presente empreitada, porque, mesmo que o Dono da Obra tivesse solicitado os esclarecimentos previstos legalmente, haveria sempre a possibilidade de os mesmos serem justificados pelas empresas concorrentes, ficando, salvo em casos extremos de que o presente caso não parece ser paradigmático, sempre refém dessas mesmas justificações e dos critérios de classificação das propostas previamente anunciados. Ainda assim, no presente caso, o D.O. ainda assegurou que o factor Preço apenas teria um peso de 40% privilegiando, em termos relativos, a Valia Técnica da Proposta com 60%, o que se afigura, pelo menos, correcto e coerente.

                        q) Face ao que antecede, o parecer conclui, no que importa para a presente decisão nos seguintes termos:

                        i. É muito difícil definir, tecnicamente, com rigor, o conceito de “preço total anormalmente baixo” atendo-se apenas às percentagens relativamente ao preço-base, ainda que este varie entre os 41,2% e os 61,80%, como no caso da presente empreitada, porque, mesmo que o Dono da Obra tivesse solicitado os esclarecimentos previstos legalmente, haveria sempre a possibilidade de os mesmos serem justificados pelas empresas concorrentes;

                        ii. Não sendo as Notas Justificativas do Preço Proposto, esclarecedoras como deveriam, tal é, no entanto, uma situação corrente na prática, pelo que, essa constatação, por não ser, no fundo, determinante, a não ser em termos formais, não deveria constituir-se como fundamentação principal ou decisiva para a necessidade imperiosa de não adjudicação por parte do Dono da Obra;

                        iii. Deverá exigir-se à Entidade Adjudicante a adopção de medidas que garantam o escrupuloso cumprimento do contrato nas condições da proposta apresentada pelo adjudicatário tanto em termos de Preço (custos e cronograma), como da estrita observância do estipulado no Caderno de Encargos, isto é, sem facilitar em questões como a qualidade de materiais e de serviço.

                        9. O Ministério Público, em bem fundamentado parecer, pronunciou-se então nos seguintes termos:

                        a) [O] douto Acórdão recorrido fez correcta interpretação e aplicação, daquela norma jurídica [artº. 107º nº 1 al. f) do Decreto-Lei nº 59/99 de 02/03] ao caso “sub-judice”, pelo que a decisão de recusa do “Visto”, a este contrato de empreitada, não nos oferece qualquer contestação;

                        b) Com efeito, levando em conta todas as judiciosas (e cautelosas) apreciações, constantes do já aludido Parecer Pericial de fls. 154 e segs. dos presentes Autos, tudo aponta, com total evidência, para duas realidades objectivas, insusceptíveis de qualquer dúvida razoável, no âmbito do presente recurso; são elas:

                        i.Todos os preços propostos foram anormalmente baixos, quer se aceite um critério de “razoabilidade prática”, (O critério de “razoabilidade prática” radica na experiência comum que nos indica poderem ser havidos por normais desvios até 20%, para mais ou menos, em empreitadas de obras públicas, relativamente ao cálculo do chamado preço-base; tudo quanto se começa a afastar, substancialmente, desses parâmetros, sugere alguma perversidade como aquelas que foram apontadas no Parecer Pericial a que nos reportamos) quer se aceite um critério “actualístico” (cfr. novo artº. 71º nº 1 al. a) do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Dec-Lei nº 18/2008 de 29/01);
                        ii.As “notas justificativas dos preços propostos” (todas elas), não poderem ser havidas como minimamente esclarecedoras da eventual “bondade” de qualquer das propostas apresentadas, incluíndo a própria proposta vencedora (ela mesma significando 45% a menos, relativamente ao preço–base do concurso);

                        c) Significa, tudo isto, que, não somente a decisão foi correctamente fundamentada à luz da melhor interpretação da norma violada (artº. 107º nº 1 al. f) do Dec-Lei nº 59/99 de 02/03) — cujo carácter injuntivo não deixa margem para quaisquer dúvidas — regime jurídico em vigor à data da abertura do procedimento concursal e, por conseguinte, o aplicável, directamente, ao caso, como sucedeu — como, também, sempre o seria, de igual forma, de modo imperativo, caso já estivesse em vigor o disposto na norma citada, do novo Código dos Contratos Públicos, porque a obra foi adjudicada a quem ofereceu um preço inferior em mais de 40% (novo limite legal estabelecido pelo legislador), relativamente ao preço-base do concurso; será caso para afirmar que, se fosse hoje, é que não podia, mesmo, ser adjudicada, esta empreitada, àquele concorrente!;

                        d) Tanto bastará para sustentar o bem fundado da douta decisão recorrida (atento até o seu carácter “premonitório”), em ter recusado o “Visto”, a este contrato, com fundamento em violação directa de norma financeira — sendo indubitável, que o artº. 107º citado, ao colocar este impedimento (obrigatório) à adjudicação, nos termos supra referidos, está como que a dar uma clara orientação, ao decisor financeiro público, de que não poderá, em caso algum, vir a pagar qualquer importância àquele putativo futuro co-contratante, impedindo-o, de resto, de celebrar qualquer contrato efectivo, com ele, nas aludidas condições de preço (O factor “preço” é essencial e estruturante de qualquer contratação e por maioria de razão, da própria contratação pública); sendo assim, este concurso deveria ter sido, pura e simplesmente, anulado pelo ente público responsável pela abertura do respectivo procedimento;

                        e) Nesta conformidade e sem necessidade de quaisquer outras considerações, somos de parecer, que o presente recurso não merece provimento, devendo manter-se a douta decisão recorrida.

                        10. A entidade adjudicante foi notificada do parecer a que se referem acima os nºs 5 e 6, para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, o que não fez.

                        11. Foram colhidos os vistos legais.

II – OS FACTOS E O DIREITO NA DECISÃO RECORRIDA

                        12. O acórdão recorrido deu como provada a factualidade que a seguir se reproduz, na estrita medida da sua relevância para a presente decisão:

                        a) O contrato supra identificado foi precedido de concurso público, publicado no JOUE S 139, de 21/07/2007, na 2ª Série do Diário da República, de 31 de Julho de 2007 e nas publicações a que se refere o nº 1 do artigo 52.º do D.L. n.º 59/99, de 2 de Março;

                        b) No ponto IV.3.2 do aviso de abertura e no ponto 26 do programa de concurso, estabelece-se o preço de € 1.500,00 para a obtenção dos documentos concursais;

                        c) O Município foi questionado pelo Tribunal sobre se o preço das cópias a que se refere o n.º 4 do artigo 62.º do D.L. n.º 59/99, de 2 de Março, correspondia efectivamente ao preço do seu custo, ao que o mesmo respondeu o seguinte: “(…)A Lipor está segura que o preço solicitado pelo Processo de Concurso (1.500,00 €) corresponde ao preço de custo do mesmo”;

                        d) Solicitado parecer técnico, a um especialista da área de engenharia, da Unidade de Apoio Técnico, conclui o mesmo, o seguinte: “A questão colocada aos serviços tem toda a acuidade, dado o elevado valor – muito superior ao valor de custo - exigido pelo D.O. aos concorrentes. De facto, pesem embora as putativas justificações apresentadas pelos serviços, aliás não fácticas, como tinha sido, concretamente, solicitado, o custo afigura-se muito elevado, seguramente, mais do dobro do que o somatório de cópias – em papel e em CD – e do tempo de trabalho de um funcionário, poderia justificar (…);

                        e) No ponto II.2.1) do respectivo aviso de abertura e no ponto 14 do programa de concurso, estabelece-se o preço base de € 4.850.000,00.

                        f) Os valores das propostas apresentadas a concurso foram os seguintes:

                         Concorrente n.º 1 - € 2 997 300,41·
                         Concorrente n.º 2 - € 2 585 562,05·
                         Concorrente n.º 3 - € 2 085 792,01·
                         Concorrente n.º 4 - € 2 317 853,19·
                         Concorrente n.º 5 - € 1 998 458,36·
                         Concorrente n.º 6 - € 2 686 931,44·
                         Concorrente n.º 7 - € 2 186 247,95 -· proposta adjudicatária
                         Concorrente n.º 8 - € 2 234 292,94·

Constatou-se, assim, que o preço da proposta adjudicatária é 45,78 % abaixo do valor estabelecido para efeitos de concurso, não sendo a proposta de valor mais baixo.
                        g) Atento o que dispõe a alínea f), do nº 1, do artigo 107º do DL nº 59/99 de 2 de Março, foi o serviço questionado acerca de tal questão, ao que respondeu nos seguintes termos:

“ (…) Todos os concorrentes apresentaram preços entre 1.998.458,36€ e 2.997.300,41€, o que representa, em termos percentuais, um “intervalo” de 41,20 % a 61,80 % abaixo do preço base. Ou seja, todas as propostas apresentaram, como traço comum, o facto de proporem um preço global, significativamente abaixo dos € 4.850.000,00. Como é do conhecimento público, o mercado da construção de obras públicas tem vivido uma nítida recessão. Segundo dados revelados pela FEPICOP – Federação Portuguesa da Indústria de Construção de Obras Públicas – o sector sofreu uma quebra de 5,7% e uma quebra acumulada de produção, em termos reais, no período 2002/2006, superior a 20%. Aliás, segundo informação disponível no site da FEPICOP “Uma relativa vantagem decorrente do péssimo desempenho que o sector da construção tem evidenciado em Portugal nos últimos seis anos é o de ter descido tanto que, agora, praticamente só pode subir.” Ora, tal recessão, que para sermos justos apresenta hoje alguns sinais de recuperação, “obriga” as empresas de construção a apresentarem propostas com preços muito competitivos, tentando com isso “ganhar” a obra e consequentemente assegurar trabalho. Só assim se entende que todos os concorrentes tivessem apresentado preços bastante inferiores ao preço base, apesar de entre eles, reconheça-se, haver neste particular diferenças consideráveis.

Conhecedora da situação do mercado, a LIPOR entendeu por bem não considerar como critério de adjudicação apenas o Preço (40%), protegendo-se assim de uma possível proposta que sacrificasse a boa execução da obra só para vencer o concurso, mas também a Valia Técnica da Proposta (60%), assegurando-se, assim, que sendo obviamente o preço um factor importante, assumia para o Dono da obra grande significado a forma como os concorrentes, ou potestativos adjudicatários, desenvolveriam tecnicamente a obra. Pelo exposto a Lipor considera que a diferença de valores (preço base do concurso vs Valor da adjudicação) se justifica pela conjectura que actualmente domina o mercado, sendo disso melhor prova o facto de todas as Propostas apresentarem como aspecto universal de todas elas um preço significativamente mais baixo que o preço base””;

                        h) Solicitado parecer técnico, a um especialista da área de engenharia, da Unidade de Apoio Técnico, conclui o mesmo o seguinte:

“Quanto a este item, considera-se, basicamente, aceitável, o justificado pelos serviços, atendendo, nomeadamente à situação de crise vivida pelo sector. Sublinhe-se, a propósito, que, ao preço era atribuído um peso minoritário, 40%, privilegiando-se a “Valia Técnica da Proposta” em 60%. O que se afigura correcto e coerente. As notas justificativas apresentadas remetem para lugares-comuns, nada esclarecendo”.

                        13. O acórdão enquadra juridicamente a factualidade referida no número anterior e decide pela recusa de visto, fundamentalmente, do seguinte modo:

                        a) Dispõe o artigo 62º, nº4, do DL nº 59/99 de 2 de Março que os interessados poderão solicitar, em tempo útil, que lhes sejam fornecidas pelo dono da obra, a preços de custo, cópias devidamente autenticadas dos elementos referidos nos nºs 2 e 5 (…)” ;

                        b) (…) ―Assim, seguro é que o preço das citadas cópias apenas poderá integrar um somatório onde se incluem o custo dos materiais usados na sua produção, o custo da utilização dos equipamentos necessários a tal produção e, ainda, o custo do serviço prestado, sendo que tal preço não deve ultrapassar o valor médio praticado pelo mercado, relativamente a esse serviço.

                        c) Este é, aliás, o regime que resulta da Lei nº 46/2007 de 24 de Agosto, designadamente do seu artigo 12º. (…) Por outro lado, é de referir que, em sentido semelhante, se pronunciou, igualmente, a Comissão de Acesso aos

                        Documentos da Administração (CADA) no Parecer nº 125/2007, de 16 de Maio de 2007, no Processo nº 125/2007. (…) Aliás, é neste sentido que, também, se orienta o ponto 4. 1. 3 do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL) aprovado pelo DL nº 54-A/99 de 22 de Fevereiro, 7 (…). Por outro lado, dispõe, igualmente, o ponto 4.1.3 do Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP), aprovado pelo DL nº 232/97 de 3 de Setembro, que se considera como custo de produção de um bem a soma dos custos das matérias-primas e outros materiais directos consumidos, da mão-de-obra directa, dos custos industriais variáveis e dos custos industriais fixos necessariamente suportados para o produzir e colocar no estado em que se encontra(…).

                        d) No caso dos autos, (…) a LIPOR não justifica, documentadamente, qual o critério aplicado na determinação do custo de produção das cópias, sendo certo, por seu turno, que, como resulta (…) do probatório, o técnico da área de engenharia, deste Tribunal, considera o custo muito elevado, o que, de acordo com a interpretação que temos por correcta, viola o disposto no artigo 62.º, n.º 4, do DL 59/99, de 2 de Março.

                        e) (…) A ilegalidade (…) referida, preenche o fundamento de recusa de visto indicado na alínea c) do nº3, do citado artigo 44º da Lei nº 98/97.

                        f) De acordo com [esta disposição] constitui fundamento de recusa de visto, a ocorrência de uma ilegalidade que altere ou possa alterar o resultado financeiro do contrato submetido a fiscalização prévia do Tribunal de Contas.

                        g) Muito embora não resulte do processo que a violação do disposto no artigo 62º, nº4, do DL nº 59/99 de 2 de Março, tenha alterado o resultado financeiro do contrato, não há dúvida de que o vício verificado é susceptível de restringir o universo concorrencial e, por consequência, susceptível de alterar o resultado financeiro do contrato. Assim, não estando adquirida, no caso em apreço, a efectiva ocorrência de uma alteração do resultado financeiro do contrato e, tendo em conta que não consta do processo, igualmente, que a entidade adjudicante tenha sido objecto de anterior recomendação relativa ao aludido normativo, afigura-se-nos estar reunido o condicionalismo que permitirá, quanto à referida violação de lei, o uso da faculdade prevista no nº4, do dito artigo 44º da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto;

                        h) (…) [N]o actual quadro legal, (…) entendemos que a actual redacção do artigo 107º, nº1, al. f) do mencionado DL nº 59/99, não deixa muita margem para dúvidas: (…) estamos perante uma proibição legal de proceder à adjudicação.

                        i) (…) [O] que resulta do texto legal é que se todas as propostas oferecerem preço total anormalmente baixo e as respectivas notas justificativas não sejam tidas como esclarecedoras, o dono da obra não pode adjudicar a empreitada.

                        j) (…) Cabendo a este Tribunal densificar o conceito de “preço total anormalmente baixo” é inevitável concluir que, verificando-se, no caso vertente, a apresentação, por parte de todas as propostas, de um preço total que está abaixo do preço-base, numa percentagem que varia entre os 41,2% e os 61,80%, estaremos perante preços totais anormalmente baixos.

                        k) (…) [C]omo se referiu, as notas justificativas dos preços não se podem considerar esclarecedoras.

                        l) Nesta conformidade, ao adjudicar a empreitada nas circunstâncias mencionadas (…), a LIPOR violou o disposto no citado artigo 107º, nº1, alínea f), do DL nº 59/99 de 2 de Março.

                        m) A norma do artigo 107º, nº1, alínea f), do citado DL nº 59/99, porque intimamente relacionada com o custo da empreitada e com o preço apresentado pelos concorrentes nas suas propostas, tem, inquestionavelmente, natureza financeira.

                        n) A violação directa de norma financeira constitui um fundamento de recusa do visto, nos termos do disposto no artigo 44º, nº3, alínea b) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto.

III – FUNDAMENTAÇÃO

III-A: Quanto aos factos

                        14. O recorrente não contesta os factos dados como assentes no acórdão recorrido e que agora se mantêm.

                        15. Contudo, face às alegações apresentadas, ao parecer do Ministério Público e ao exposto no parecer pericial junto aos autos, por promoção também do Ministério Público, há factos constantes do processo que, nos termos do nº2 do artigo 100º da LOPTC, devem ser juntos à matéria de facto. Os seguintes:

                        a) O concurso público foi publicitado no JOUE, não sendo obrigatória tal publicitação face ao valor da empreitada (€ 4.850.000) e ao limiar comunitário então em vigor (€ 5.278.000), fixado no Regulamento (CE) nº 2083/2005, da Comissão, de 19 de Dezembro de 2005 (vide caderno de encargos constante dos autos e alegações do recorrente);
                        b) O caderno de encargos estabeleceu regras em matéria de definição do objecto da empreitada (nº 2.1), prestação de caução (nº 1.11), regime de multas (nº 5.3), regime de ensaios (nº 7.7), prazos de garantia (nº 12.2) e de obrigações do empreiteiro durante o prazo de garantia (nº 12.3), em conformidade com a lei (vide caderno de encargos constante dos autos e alegações do recorrente);
                        c) Da análise das listas de preços unitários de todas as propostas conclui-se que existiu coerência no estabelecimento e na fixação dos preços unitários, dentro de cada proposta, verificando-se, uma tendência geral e global para a adopção de valores de custo reduzidos, a que a crise no sector não será alheia (vide parecer pericial junto aos autos, após promoção do Ministério Público);
                        d) A disparidade de valores existente entre as propostas deve-se aos diferentes custos unitários atribuídos por cada concorrente aos artigos de medição mais relevantes na empreitada e que apresentaram variações significativas (nalguns casos, de cerca de 50%) quando cotejadas entre itens homólogos dos diferentes concorrentes (vide parecer pericial junto aos autos, após promoção do Ministério Público);
                        e) A análise minuciosa de todas as notas justificativas de todos os concorrentes, permitiu identificar algumas referências específicas relativas à obra em causa (vide documentos constantes dos autos e, de entre eles, o parecer pericial que lhes foi junto):

                        i. A proposta do concorrente nº 2 (€ 2 585 562,05) informa que possui uma pedreira em Braga que permite a optimização dos custos unitários dos inertes e respectivo transporte até às frentes de trabalho e uma central de betão betuminoso em Vilar da Luz;
                        ii. A proposta do concorrente nº 4 (€ 2 317 853,19) informa que possui instalações fabris de apoio em V. N. Famalicão, resultando por isso numa diminuição dos custos directos da obra;
                        iii. A proposta do concorrente nº 6 (€ 2.686.931,44) refere a utilização de apoios logísticos de outras obras da empresa em curso na zona;
                        iv. A proposta do concorrente nº 7 (€ 2.186.247,95), o adjudicatário, refere o apoio logístico prestado pelo estaleiro central da empresa, com localização próxima do local da empreitada e o fabrico próprio de misturas betuminosas a quente e inertes em local próximo da empreitada, pertencente à empresa;
                        v. O concorrente a quem foi adjudicada a obra, bem como as propostas classificadas em segundo e terceiro lugar, correspondem a empresas que têm a sua sede e que trabalham muito na zona da Póvoa de Varzim e Vila do Conde, o que representa face à empreitada a concurso uma grande proximidade, o que implica ganhos de escala, de eficácia, eficiência e economia bastante significativos que necessariamente se repercutem nos preços, o que justifica e está de acordo com o facto de terem sido as três propostas com mais baixo preço (vide alegações do recorrente e parecer pericial);

                        f) O preço base (4.850.000,00 €) é um valor anómalo perante a distribuição uniforme e coerente do universo de valores das propostas apresentadas, cuja média é, afinal, de 2.386.554,794 €. É admissível - perante a demais factualidade apurada – que o custo real dos trabalhos da empreitada seja, de facto, mais baixo do que o preço base anunciado no procedimento (vide parecer pericial);
                        g) A crise em que vem vivendo o sector da construção civil é uma realidade e é comummente aceite (vide alegações do recorrente e parecer pericial).

III-B: Questões a dilucidar


                        16. No presente recurso, face à decisão recorrida e às alegações apresentadas, importa analisar as seguintes questões e sobre elas decidir:

                        a) Sobre se a concreta solução adoptada no presente procedimento em matéria de fixação dos custos dos documentos do concurso respeitou o disposto na lei;
                        b) Sobre se os preços totais apresentados pelas propostas devem ser considerados anormalmente baixos;
                        c) Sobre se as notas justificativas dos preços devem ser tidas como não esclarecedoras;
                        d) No caso da resposta às duas anteriores questões ser afirmativa, a questão de saber se o dono da obra está vinculado a não adjudicar a empreitada;
                        e) No caso de a resposta à questão colocada na alínea anterior ser também afirmativa, a questão de saber se ocorreu violação de norma financeira.

                        17. Relembre-se contudo, desde já, que o acórdão recorrido recusou o visto com base na violação do disposto na lei nas matérias sobre que incidem as questões enunciadas na alínea b) a d) do número anterior e quanto ao questionado na alínea e), considerando ter havido violação de norma financeira.

Considerou ainda o acórdão que na matéria a que se refere a alínea a) do número anterior ocorreu violação de lei, mas estando em causa ilegalidade que conduziu a possível alteração do resultado financeiro do contrato, poderia ser concedido visto com recomendação, nos termos do nº 4 do artigo 44º da LOPTC. Face a tais decisões, no presente acórdão, abordar-se-á em primeiro lugar as questões suscitadas nas alíneas b) a e) do número anterior e só, de seguida, a da alínea a).

III-C: A proibição de adjudicação de empreitada, no caso de os preços totais apresentados pelas propostas serem considerados anormalmente baixos e as respectivas notas justificativas serem tidas como não esclarecedoras

                        18. Relembrem-se desde já as principais disposições legais directamente aplicáveis nesta matéria:

                        a) Dispõe o artigo 107º, nº1, alínea f) do RJEOP que ―[o] dono da obra não pode adjudicar a empreitada (…) [q]uando todas as propostas ofereçam preço total anormalmente baixo e as respectivas notas justificativas não sejam tidas como esclarecedoras;

                        b) Dispõe igualmente o nº 2 do artigo 105º do mesmo RJEOP que ―[o] dono da obra não pode rejeitar as propostas com fundamento em preço anormalmente baixo sem antes solicitar, por escrito, ao concorrente que, no prazo de 10 dias, preste esclarecimentos sobre os elementos constitutivos da proposta que considere relevantes, os quais devem ser analisados tendo em conta as explicações recebidas;

                        c) E o nº 3 do mesmo artigo estabelece que ―[n]a análise dos esclarecimentos prestados, o dono da obra pode tomar em consideração justificações inerentes à originalidade do projecto da autoria do concorrente, à economia do processo de construção ou às soluções técnicas adoptadas ou de condições excepcionais favoráveis que o concorrente disponha para execução dos trabalhos.

Relembre-se que esta disciplina está em harmonia com as disposições das directivas comunitárias aplicáveis (Vide o nº4 do artigo 30º da Directiva 93/37/CEE, do Conselho, de 14 de Junho. Mas, face à data do procedimento, vide particularmente o artigo 55º da Directiva 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004)
.
                        19. A disposição normativa referida na alínea a) do número anterior é pois a essencial na elucidação das questões agora em apreciação. E uma atenta análise dela permite dizer-se que se está perante uma disposição com alguma complexidade normativa, na medida em que:

                        a) Estabelece um poder-dever vinculado à Administração: o poder-dever de não adjudicar, verificados que estejam certos pressupostos;
                        b) Confere, num desses pressupostos, um poder discricionário à Administração: o de considerar ou não esclarecedoras as notas justificativas dos preços;
                        c) E no outro pressuposto do exercício daquele poder-dever apela a um conceito indeterminado: o de preço total anormalmente baixo.

Vejamos cada uma destas dimensões da disposição legal antes de proceder à sua aplicação ao caso concreto.

III-C1 – O poder-dever vinculado de não adjudicação

                        20. É jurisprudência reafirmada por este Tribunal (De entre outros, vejam-se os Acórdãos nº51/01-JUL10-1ªS/PL, 15/02FEV26/1ªS/SS, nº27-02JUN18-1ªS/PL, nº 19/2005-1 FEV – 1ªS/SS) que o disposto no nº 1 do artigo 107º do RJEOP se traduz num comando imperativo dirigido à Administração no sentido de que esta está vinculada a não proceder a adjudicação. Tal vinculação contudo opera em função de pressupostos e, de entre eles, não se ignore, estão alguns consagrados que conferem à Administração uma larga margem de discricionariedade (veja-se nomeadamente o disposto na alínea c) do referido número).

                        21. É uma verdadeira proibição que constitui uma excepção ao dever de adjudicação que, em geral, impera nos procedimentos abertos pela Administração no domínio da contratação pública para realização de obras públicas. Segundo este, o dono da obra não pode, quando entenda, e de modo arbitrário, deixar de proceder à adjudicação (Vide, de entre outros, Esteves de Oliveira, Mário e.a. “Concursos e outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa” e Andrade da Silva, Jorge “Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas”.. Este dever de adjudicação resulta dos princípios de estabilidade e da boa fé que, enformando os procedimentos, produzem impacto na participação dos concorrentes, mas também na actuação da Administração. A Administração só está eximida do cumprimento daquele dever de adjudicação nos casos, devidamente fundamentados, de enquadramento em previsão legal. O que é o caso da disposição em análise. Ou, ainda, nos casos em que o dono da obra, nos documentos do concurso, faça expressamente previsões nesse sentido e que sejam admissíveis perante o direito aplicável ou ainda quando princípios fundamentais a que se subordina a acção administrativa pública possam estar em causa, pela violação de disposições legais.

                        22. Tal proibição é igualmente testemunhada pela evolução normativa nesta matéria. De facto, e como se refere no acórdão recorrido, a evolução verificada, desde o Decreto-Lei nº 48871 de 19 de Fevereiro de 1969 (vide seu artigo 92º) e passando pelos regimes consagrados no Decreto-Lei nº 235/86, de 18 de Agosto (artigo 95º) e no Decreto-Lei nº 405/93, de 10 de Dezembro (artigo 99º) até ao actual RJEOP – com excepção da disciplina resultante do Decreto-Lei nº 55/95, de 29 de Março - vai no sentido de uma clara afirmação daquele poder-dever vinculado, estando ultrapassadas as querelas interpretativas que formulações legais anteriores (as dos regimes de 1969 e 1986) tinham suscitado. Assim, de uma admissibilidade de não adjudicação passou-se para uma proibição de adjudicação, mas com excepções, até à actual proibição absoluta de adjudicação (Vide o Acórdão recorrido e muito especialmente o Acórdão nº18/01, de 27 de Março, publicado no DR, II Série, de 21 de Abril de 2001). Assim, se num procedimento subordinado ao RJEOP, todas as propostas oferecerem preço total anormalmente baixo e as respectivas notas justificativas não sejam tidas como esclarecedoras, a Administração não pode adjudicar.

Não está posto em causa este entendimento, sufragado pelo acórdão recorrido e pelo parecer do Ministério Público, nem o recurso interposto a suscita. Por isso, identificada a questão para melhor compreensão das restantes, passe-se adiante.

III-C2 – O poder discricionário de apreciação das notas justificativas dos preços

                        23. É inquestionável que a lei confere à Administração um poder discricionário na apreciação sobre se as notas justificativas de um preço – neste caso, anormalmente baixo – são ou não esclarecedoras.

Deve reconhecer-se que a lei dá uma margem de apreciação ao aplicador administrativo da lei para que possa decidir entre considerar aquelas notas como esclarecedoras ou não esclarecedoras: mas essa margem de apreciação está balizada por critérios de competência e outros fixados pela lei para o exercício do poder discricionário, pelo respeito pelas finalidades da norma e pelos princípios gerais a que se subordina a actividade administrativa. E, como é mais que reafirmado na doutrina e na jurisprudência, não sendo os poderes discricionários poderes arbitrários – até porque, no exercício do que nesta matéria está em causa, devem ser observados os referidos critérios, finalidade e princípios que constituem, aliás, a sua dimensão vinculada – o seu exercício está igualmente sujeito a controlo jurisdicional. Mas, sublinhe-se, nesta sua dimensão vinculada. Assim, a Comissão de Avaliação das Propostas – entidade competente para proceder à avaliação das notas justificativas – e a Câmara Municipal que, através do acto adjudicatório tomado sobre proposta daquela, assumiu aquela avaliação, podia no exercício de um poder discricionário, e respeitados aqueles critérios e princípios, considerar como esclarecedoras ou não as notas justificativas. E este Tribunal deve exercer o controlo jurisdicional do exercício daquele poder, na dimensão vinculada já referida, para salvaguarda da legalidade administrativa na sua vertente financeira, usando as competências que a lei lhe confere.

                        24. Face ao agora exposto, para além do critério da competência que acabou de se reconhecer ter sido observado no caso, impõe-se perguntar:

                        a) Qual a finalidade da norma?
                        b) Que outros critérios e princípios devem ser observados pelo dono da obra no exercício deste poder discricionário?

                        25. Quanto à finalidade, é fácil o seu escrutínio: trata-se de evitar a degradação das empreitadas de obras públicas, contrariando práticas empresariais que pretendam, a qualquer custo (melhor dizendo: por aparente baixo custo), obter vencimento nos procedimentos e remetendo para a fase de execução das obras a resolução de problemas que a apresentação de preços anormalmente baixos, face aos reais trabalhos a executar, necessariamente suscita. E visa-se prevenir a execução de trabalhos a um nível de qualidade inferior aos esperados e que põem em causa o princípio da boa administração e da prossecução do interesse público. Na formulação adoptada pelo Decreto-Lei nº 235/86, de 18 de Agosto, pretende-se também “obstar ao aviltamento de preços e à consequente degradação da indústria”. Trata-se, finalmente, de fazer vingar os princípios da boa-fé, da concorrência e da estabilidade no procedimento e na fase subsequente da execução do contrato.

                        26. Quanto a outros critérios relembre-se o disposto no artigo 105º nº 3 do RJEOP a que acima se refere a alínea c) do nº17. Dir-se-ia que tal disposição legal deve ser observada quando se trata de rejeitar uma ou algumas das propostas apresentadas e não quando todas as propostas ofereçam preços totais anormalmente baixos, situação a que se aplicaria exclusivamente o disposto no artigo 107º, nº1, alínea f). Como melhor se verá a seguir, a propósito da imprescindibilidade de contraditório específico para se concluir que um preço é anormalmente baixo, tal restrição da hipótese de aplicação da norma não é admissível. E mesmo que fosse, no exercício de poderes discricionários, o aplicador administrativo do direito deve socorrer-se de todos os critérios que pode buscar na lei e que sejam aplicáveis ao caso, para que tal exercício sendo discricionário não seja arbitrário. Ora, daquela disposição legal e deste entendimento resulta que o dono da obra, na apreciação de notas justificativas de preços anormalmente baixos, pode tomar em consideração:

                        - a originalidade do projecto da autoria do concorrente;
                        - a economia do processo de construção;
                        - as soluções técnicas adoptadas;
                        - as condições excepcionais favoráveis que o concorrente disponha para execução dos trabalhos.

Face a tal disposição, impõe-se a pergunta: está o aplicador do direito limitado àqueles critérios? Ou poderá socorrer-se de outros? A própria formulação literal da estatuição normativa ao utilizar a palavra pode aponta no sentido de ser aquela enunciação exemplificativa, podendo o intérprete socorrer-se de outros critérios para a fundamentação da decisão adoptada, no exercício do poder discricionário (No sentido de que a enunciação referida não deve ser entendida como exaustiva e excludente de outras razões justificativas vai o Acórdão Impresa Lombardini do Tribunal de Justiça da União Europeia (Sexta Secção) de 27.11.2001. Extraído a partir da Directiva de 1993, mantém inteira actualidade face à Directiva de 2004 e nesta matéria, como noutras que a seguir se abordarão, tem integral pertinência face à disciplina constante no direito nacional). Tanto pela sua letra, como pela sua finalidade (há-de se permitir aos concorrentes todas as hipóteses de demonstração da seriedade da sua proposta e ao adjudicante de fazer o seu juízo), não deve entender-se que o preceito legal faz uma enumeração exaustiva das justificações que os concorrentes podem apresentar e o adjudicante apreciar. Neste domínio está-se perante um núcleo de verdadeira discricionariedade e não de vinculação. Trata-se expressamente de uma das situações em que compete à Administração determinar os interesses relevantes para a decisão que melhor respeite os princípios e melhor prossegue as finalidades da norma e da acção administrativa pública. É uma das situações – tão inúmeras aliás – em que não há programa de acção que resulte da lei. Trata-se pois de uma situação de discricionariedade de critério que abre a porta à discricionariedade da escolha ou do conteúdo concreto da decisão (Vide Freitas do Amaral, Diogo “Curso de Direito Administrativo”, vol. II, Almedina, Maio 2003, p. 93).
                        27. Do disposto no artigo 105º resultam ainda duas determinações legais da maior importância:

                        a) A decisão de rejeitar uma ou várias ou todas as propostas com base no seu valor anormalmente baixo, deverá ser sempre fundamentada (vide o nº4);

                        b) A decisão de rejeição deve ser antecedida de um contraditório específico com o ou os concorrentes para prestação de esclarecimentos que não podem deixar de ser complementares aos que já constam da proposta, designadamente na nota justificativa do preço oferecido (vide os nºs 2 e 3) - Sobre a imprescindibilidade do contraditório especial veja-se o Acórdão de 25.9.1997 do STA (Recurso nº 35168) e, muito especialmente, o Acórdão do Tribunal de Justiça da UE Impresa Lombardini, referido supra.


28. Faça-se ainda uma pergunta: para percepção das razões justificativas dos preços propostos está o dono da obra vinculado a só apreciar o que lhe é dito nas notas justificativas excluindo tudo o que pode recolher nos restantes documentos da proposta? Ora está bem de ver: restringir o âmbito de análise da Administração às notas justificativas, podendo haver muita outra matéria relevante nas propostas, seria uma abordagem inaceitavelmente formalista. Toda a documentação apresentada pelos concorrentes pode ser útil para a decisão administrativa.

                        29. Quanto aos princípios a respeitar pela entidade administrativa no exercício do poder discricionário, relembrem-se, sem necessidade de sobre eles nos debruçarmos, o princípio da adequação ao interesse público, o princípio da justiça, o da imparcialidade, o da igualdade, o da proporcionalidade e o da boa fé (Vide Esteves de Oliveira, Manuel “Direito Administrativo”, Almedina, 1980, p. 252 ss. e Freitas do Amaral, Diogo op. cit. p. 95)  e, como já se referiu, o da fundamentação, todos resultantes do texto constitucional.


III-C3 – O conceito indeterminado de preço anormalmente baixo
                        30. Como se disse, a proibição legal de não adjudicar resulta da verificação do pressuposto de que todas as propostas ofereceram preços anormalmente baixos. Este é um conceito verdadeiramente indeterminado: como veremos, o seu conteúdo e extensão é em larga medida incerto (Karl Engish, Introdução ao Pensamento Jurídico, FCG, 1972, p.173), não permitindo uma comunicação clara e, na sua interpretação, a lei confere uma margem de discricionariedade ao intérprete (O Acórdão de 24 de Junho de 1997 (Recurso nº31087) do STA qualifica o conceito de “preço anormalmente baixo” como conceito indeterminado. O Acórdão nº 27-02JUN18-1ªS/PL e o nº 6/2002-JAN.29-1ªS/PL que confirmou a Decisão nº20/FP/2001 da Secção Regional da Madeira deste Tribunal referem-se a “preço consideravelmente superior” como conceito indeterminado. Igualmente, o Acórdão nº 265/2003 do Tribunal Constitucional e o Parecer (P001172004) do CC da PGR, publicado no DR de 4.7.2006). Contudo, para a determinação do seu conteúdo é possível socorrermo-nos de outras disposições legais. Mas, nessa determinação, como veremos em resultado da interpretação de preceitos legais invocáveis, não basta fazer apelo exclusivamente a operações de interpretação da lei e de subsunção, devendo haver recurso a preenchimentos valorativos, neste caso objectivos, na medida em que é possível apelar a valorações pré-existentes, em domínios sociais e económicos relevantes, para a matéria em causa e para a decisão a tomar. No caso, não se trata pois de valoração subjectiva do intérprete, admissível em situações em que ainda mais amplas margens de discricionariedade, conferidas pela lei, envolvem a interpretação e aplicação dos conceitos indeterminados (Sobre esta abordagem vide Freitas do Amaral, op. cit., pp 107 ss). Por isso, no caso concreto, é possível também a este Tribunal sindicar a solução adoptada pela entidade administrativa, sem se substituir a esta no exercício da função administrativa (Sobre a sindicabilidade jurisdicional do conceito preço consideravelmente superior vide o acórdão deste Tribunal citado na nota 17 e quanto ao conceito preço anormalmente baixo vide os acórdãos do STA de

18.12.1997 (Recurso nº 41727), de 6.5.1997 (Recurso nº 38216), de 9.5.2000 (Recurso nº 45924) e de 26.9.2001 (Recurso nº 46951). 20. 21 Vide os Acórdãos nº 147/2006-1ªS/SS e nº325/2006-1ªS/SS. E ainda a mesma relação se infere do exposto nos Acórdãos nº 19/2005-1ªS/S e nº179/2006-1ªS/S, todos deste Tribunal.
                        31. Relembre-se que a solução legislativa adoptada no regime de 1986 era mais vinculante para o intérprete na medida em que estabelecia critérios quantitativos para a consideração de valor anormalmente baixo para uma ou várias propostas, na relação percentual que permitia que se estabelecesse com o valor médio de outras propostas. Mas, já no regime de 1993, tal solução desapareceu. E assim se continuou no regime de 1999. Entendeu pois o legislador expressamente conferir maior liberdade à Administração na fixação do conteúdo do conceito.

                        32. Referindo a norma preço anormalmente baixo, necessariamente perguntará o intérprete e aplicador: qual o critério para aferir se um preço assim deve ser considerado? Ora, nesta matéria – e na senda do que acima se disse no nº 27 - pode recorrer-se a outros conceitos e disposições legais. Referimo-nos aos conceitos de valor estimado do contrato e de preço base do concurso que, como tem sido afirmado por este Tribunal, são substancialmente o mesmo (Vide o já citado Acórdão nº18/01, de 27 de Março, publicado no DR, II Série, de 21 de Abril de 2001) e às disposições legais que os consagram. Contudo, não pode deixar o intérprete de verificar que o legislador não tendo estabelecido esse ou qualquer outro critério na alínea f) do nº 1 do artigo 107º, o fez na alínea b) da mesma disposição legal: aí expressamente se refere que o preço total consideravelmente superior se deve aferir na sua relação com o preço base do concurso.

                        33. E feita essa constatação, não pode deixar de concluir-se: no caso da alínea b) a margem de discricionariedade na determinação do conceito é menor do que a que foi conferida à Administração na alínea f). Ainda que o intérprete deva apelar àquele conceito, neste caso, com uma das âncoras interpretativas que a lei fornece, não está estritamente vinculado, como acontece no outro. Também por aqui se conclui que o legislador entendeu expressamente conferir maior liberdade à Administração na fixação do conteúdo do conceito.

                        34. E por que terá o legislador adoptado solução diversa nos dois casos (nas alíneas b) e f) daquele preceito legal)? Porque os interesses públicos e, em particular, os interesses públicos financeiros estarão, em regra, mais postos em causa nas situações de preços consideravelmente superiores do que nas de preços anormalmente baixos. E porque nestas, ponderados adequadamente todos os valores em causa, pode não haver prejuízo para aqueles interesses.

                        35. Refira-se contudo que, na jurisprudência, é corrente a relação entre os conceitos de preço anormalmente baixo e de preço base do concurso (ou valor estimado do contrato) ou entre preço anormalmente baixo e valor médio das propostas, ainda que, em ambas as situações, em processos que contemplam casos de uma ou algumas propostas com preços anormalmente baixos (Refira-se aliás que, confiando na fiabilidade dos registos dos Serviços de Apoio a este Tribunal, desde o início da vigência do Decreto-Lei nº 59/99, o presente processo é, no Tribunal de Contas, o primeiro em que se suscita a questão de todas as propostas apresentarem, indiciariamente, preços anormalmente baixos). Veja-se, por todas as decisões nesta matéria, o já referido Acórdão nº18/01, de 27 de Março, publicado no DR, II Série, de 21 de Abril de 2001.
                         
                        36. Diga-se igualmente que há na lei um afloramento da relação entre os dois conceitos: no nº4 do artigo 105º estabelece-se que a decisão de rejeitar uma proposta com base no seu valor anormalmente baixo deve ser comunicada à Comissão Europeia, no caso de obras de valor igual ou superior aos contravalores dos limiares indicados no nº 2 do artigo 52º. Mas deve igualmente constatar-se que esta vinculação da Administração é ex post à verificação dos pressupostos da decisão e à sua tomada. Insere-se no plano das conclusões e não no das premissas. Não se vê que, por aqui, o legislador imponha uma vinculação à Administração para considerar o preço base na fixação, em concreto, do conteúdo do conceito. Mantém-se pois tudo o que antes foi referido.

                        37. Estando já devidamente enquadrado o apelo que o intérprete pode fazer ao preço base do concurso na determinação do conceito de preço anormalmente baixo, impõe-se uma referência à questão do preço base mal calculado. É uma questão recorrente nos casos de preço consideravelmente superior e tem sido vastamente abordada na jurisprudência deste Tribunal, sublinhando-se quer as finalidades endoprocedimentais daquele preço, quer a sua relevância externa. Nada nessa jurisprudência está em causa. O que importa sublinhar é que se o intérprete, como se disse, não está, neste caso, legalmente vinculado a considerar estritamente o preço base, maior liberdade terá no caso de haver suficientes indícios de que o preço base foi deficientemente calculado.

                        38. Na determinação do conceito, poderá igualmente apelar-se a outras disposições legais e critérios delas resultantes. Referimo-nos agora a critérios de natureza quantitativa ou matemáticos. Como se disse eles existiam, mesmo para o caso em apreço, no regime de 1986. E deixaram de existir. E a eles se tem apelado – em particular ao quantitativo legalmente admitido dos trabalhos a mais - relativamente ao conceito de preço consideravelmente superior. E, face ao processado, não pode esquecer-se que, no novo regime da contratação pública, critérios quantitativos são fixados em matéria de preços anormalmente baixos (veja-se o nº1 do artigo 71º do Código da Contratação Pública (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro). Contudo, por um lado, é preciso ter bem presente que as finalidades endoprocedimentais do preço base na disciplina do RJEOP são diferentes do regime constante no CCP. E, por outro, esses critérios quantitativos ou matemáticos não podem ser considerados definitivos: são indícios de que se está perante preço anormalmente baixo. E só se pode concluir no sentido de se estar perante preços anormalmente baixos, e fundamentadamente tomar decisões de rejeição ou de não adjudicação, após decurso do procedimento específico de contraditório que a lei

velha previa e a lei nova continua a prever (vide o nº 3 do referido artigo 71º do CCP). Não há pois automatismo entre a verificação de pressupostos quantitativos e a decisão final de excluir propostas ou de não adjudicar no procedimento, por razões relacionadas com preços anormalmente baixos (A propósito deste não automatismo, vide o já citado Acórdão do Tribunal de Justiça da EU). E, se isso acontece no novo regime, mais assim se deve considerar no quadro do RJEOP, dado que este não fixa expressamente esses critérios quantitativos.

                        39. Na senda do que acima se disse no nº 29, para determinação do conceito de “preço anormalmente baixo2 deve pois o intérprete apelar a outras disposições legais e aos conceitos que dela resultam: é o caso do conceito de preço base do concurso e o dos critérios quantitativos. Mas como se viu, o aplicador da lei não deve estar adstrito exclusivamente a eles: não só porque a lei o não vincula (no caso do conceito de preço base do concurso), como a lei o não permite (no caso dos critérios quantitativos ou matemáticos). O intérprete deve pois, neste caso, como se disse, fazer apelo a preenchimentos valorativos sobretudo objectivos, a determinar em cada caso concreto e ao que resulta de elementos do procedimento, especialmente em matéria de justificações e de esclarecimentos prestados pelos concorrentes.

III-C4 – A relação entre preço anormalmente baixo e nota justificativa

                        40. Face ao disposto na alínea f) do nº1 do artigo 107º e ainda ao disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 105º poderia inferir-se que o intérprete deveria conduzir o seu raciocínio em duas fases sucessivas e sem retorno. Isto é: perante o caso concreto decide, num primeiro passo, se o preço é anormalmente baixo e, assim sendo, com base na nota justificativa e nos esclarecimentos prestados no procedimento específico do contraditório, decide num segundo momento excluir (ou não excluir) ou não adjudicar (ou adjudicar).

                        41. Ora, face à complexidade daquela norma do artigo 107º que acima se caracterizou no nº 17 e ao disposto no artigo 105º, e tendo em conta as condições reais da vida concreta e do pensamento humano, o raciocínio não pode ser assim tão simplesmente linear. De facto, o preço da proposta interage com a nota justificativa e com os esclarecimentos e estes com aquele. Isto é: a abordagem é mais global. É com base nos preços e nas notas e nos esclarecimentos que a conclusão de que se está (ou não) perante preços anormalmente baixos é finalmente extraída e a decisão é tomada. E se se quiser estabelecer uma abordagem sequencial então não se pode arrancar da conclusão: a de que os preços são anormalmente baixos. Então, primeiro deve-se “identificar as propostas suspeitas, segundo, permitir às empresas em causa demonstrarem a sua seriedade, solicitando-lhes os esclarecimentos que julgue adequados, terceiro, apreciar a pertinência das explicações dadas pelos interessados e, em quarto lugar, decidir admitir ou rejeitar as propostas em questão”.


III-C5 – Conclusões quanto ao direito aplicável
                        42. De tudo o que se disse, importa retirar as seguintes conclusões fundamentais:

                        a) O dono da obra, através de decisão fundamentada, não pode adjudicar a empreitada se, face aos preços propostos, às respectivas notas justificativas e aos esclarecimentos prestados pelos concorrentes em contraditório específico imprescindível, concluir que são preços anormalmente baixos os oferecidos por todas as propostas;
                        b) Na apreciação das notas justificativas e esclarecimentos, o dono da obra não está vinculado a atender exclusivamente aos critérios estabelecidos no nº 3 do artigo 105º;
                        c) Para decidir sobre se os preços oferecidos são anormalmente baixos, o dono da obra deve atender:
                        vi. Ao preço base do concurso, como critério indicativo;
                        vii. Às diferenças quantitativas entre tal preço e os preços oferecidos como indício de se estar (ou não) perante preços anormalmente baixos, mas sem poder extrair conclusões automáticas de tal indício;
                        viii. As valorações objectivas pré-existentes em domínios sociais e económicos relevantes;
                        ix. À finalidade da norma;
                        x. Aos princípios a que se deve subordinar a contratação pública e que têm consagração bastante na lei.

III-C6 – A aplicação ao caso concreto

                        43. Face ao exposto em matéria do direito aplicável, vejamos de que forma a Administração procedeu à sua aplicação no procedimento em causa.

                        44. Muito sinteticamente, diga-se que o dono da obra adjudicou a empreitada porque considerou que os preços oferecidos não são anormalmente baixos face à crise que se vive no sector da construção civil.

                        45. Face à matéria de facto e ao direito aplicável, devem colocar-se as seguintes questões:

                        a) No procedimento há indícios de que os preços oferecidos são anormalmente baixos?
                        b) Nessa avaliação o dono da obra baseou-se numa correcta determinação do conceito de preço anormalmente baixo?
                        c) O dono da obra exerceu em conformidade com a lei o poder discricionário que esta lhe confere para apreciação das notas justificativas dos preços?

                        d) Finalmente: a decisão de adjudicação respeitou a lei? Noutros termos, face à decisão recorrida: violou o disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 107º do RJEOP?

                        46. No procedimento há indícios de que os preços são anormalmente baixos. Porque:

                        a) Todas as propostas apresentaram um preço total abaixo do preço base do concurso (vide acima a matéria de facto nas alíneas e) a g) do nº11);
                        b) As propostas distanciam-se do preço base do concurso em percentagens que vão de 41,20% a 61,80% (vide acima a matéria de facto nas alíneas g) do nº11).

                        47. Contudo, trata-se de indícios e, como se defendeu acima, o dono da obra não está legalmente vinculado a atender exclusivamente a este critério – o do preço base do concurso - para concluir que os preços são anormalmente baixos. E, como se defendeu também, não permite a lei que da constatação daquelas percentagens – as da alínea b) do número anterior - se retire automaticamente tal conclusão.

                        48. Aqueles indícios são ainda fragilizados tendo em conta outros factos:

                        a) Quanto às percentagens: há disparidade de mais de 20 pontos percentuais entre as várias propostas na sua relação com o preço base e tal disparidade resulta de características endógenas dos trabalhos que os vários concorrentes se propõem executar. Isto é: têm fundamento técnico endógeno e não resultam de um artifício para se obter um preço final total a propor pelo concorrente (vide acima a matéria de facto na alínea d) do nº 14);
                        b) Quanto ao preço base: há suficientes indícios de que não foi correctamente calculado (vide acima a matéria de facto na alínea i) do nº 14);

                        49. Havendo indícios, estes não permitem que se avançasse desde logo para considerações mais seguras de que se estava perante preços anormalmente baixos em todas as propostas.

                        50. Até aqui não se vê que o dono da obra tenha procedido em desconformidade com o direito, designadamente violando os aspectos vinculados a que deve obedecer na determinação do conceito de “preço anormalmente baixo”. Porque:

                        a) Fez apelo ao preço base e à avaliação das distâncias percentuais a que as propostas se situavam face àquele valor e, tendo em conta que não resulta da lei uma estrita vinculação a estes critérios e ainda porque há suficientes indícios de aquele valor não ter sido correctamente calculado,

                        b) Fez apelo a valorações objectivas – a crise vivida no sector da construção – para uma primeira conclusão de que não se está perante preços anormalmente baixos.

                        51. Contudo, porque a abordagem não deve ser simplesmente linear (vide acima o nº 40), vejamos agora a questão das notas justificativas ou, na senda do que acima se disse no nº 27, das justificações que se podem apurar nas propostas, para fundamentação dos preços totais oferecidos. Destaque-se o seguinte:

                        a) As notas justificativas são genéricas. No seu relatório, a comissão de avaliação das propostas assim as considerou e também o parecer pericial junto aos autos. Contudo, este parecer refere que assim é, em regra, nos procedimentos e adianta mesmo razões para que assim vá acontecendo: as “Notas Justificativas do Preço Proposto apresentadas habitualmente nos concursos de empreitadas de Obras Públicas é (quase) sempre genérico e pouco elucidativo da formação de custos e de uma efectiva justificação de preços(…). Em termos gerais, poderá afirmar-se que se instalou um certo laxismo na sua elaboração e uma nivelação “por baixo” em termos de qualidade e da informação técnica veiculada, motivada, eventualmente, pela necessidade de celeridade na elaboração das propostas, mas, sobretudo, por não convir a divulgação dos “segredos comerciais” associados à formação dos preços à concorrência”;

                        b) Neste contexto, as notas justificativas apresentadas não são excepção (vide igualmente o parecer pericial);

                        c) Todavia, uma análise minuciosa das justificações apresentadas permite identificar algumas razões para as reduções de preços apresentadas (vide acima a matéria de facto nas alíneas e) e f) do nº 14). Refere ainda o parecer pericial que os valores das propostas apresentadas podem justificar-se por razões de racionalização de custos e sinergias várias, designadamente por a proximidade do estaleiro da obra, adopção de “economias de escala” tanto em aquisição de materiais como de equipamentos e mão-de-obra, articulação com outras obras na mesma região e, sobretudo, por causa da crise em que vem vivendo o sector da construção civil;

                        d) Mas mais importante para apurar a seriedade das propostas é o facto de se concluir da análise das listas de preços unitários de todas as propostas que, dentro de cada proposta, existe coerência no estabelecimento e na fixação dos preços unitários, verificando-se, uma tendência geral e global para a adopção de valores de custo reduzidos. Esta conclusão também resulta das características endógenas dos trabalhos que os vários concorrentes se propõem executar. Isto é: têm fundamento técnico endógeno e não resultam de um artifício para se obter um preço final total a propor pelo concorrente (vide acima a matéria de facto na alínea c) do nº 14).

                        52. Face ao direito aplicável, até agora, as justificações que resultam do processo para os preços oferecidos não militam também no sentido de se considerarem os preços anormalmente baixos. Pese embora a própria recorrente não o refira, é possível enquadrar as justificações referidas no quadro da disciplina estabelecida no nº 3 do artigo 105º do RJEOP e na interpretação que dela fizemos acima no nº 25. Fá-lo de uma maneira muito mais clara o parecer pericial junto aos autos.

                         
                        53. Mas, reconheça-se que o fundamento maior para o dono da obra ter considerado que não estava perante preços anormalmente baixos foi, ou é, a crise no sector da construção. E por isso deve perguntar-se: se é possível – como acima se defendeu – que na apreciação das justificações dos preços, o dono da obra não se atenha exclusivamente às matérias constantes do nº 3 do artigo 105º do RJEOP, nem só ao que está apresentado nas notas justificativas, poderá ele descortinar razões justificativas dos preços oferecidos que não foram apresentadas pelos concorrentes, para os não considerar preços anormalmente baixos? Face ao que acima dissemos em matéria da determinação deste conceito consideramos que sim.

                        54. Já vimos que a relação com o preço base não constitui um aspecto a que o dono da obra esteja estritamente vinculado nessa determinação, já verificámos que neste procedimento o cálculo desse valor não foi, pelos indícios existentes, correctamente feito, vimos igualmente que das diferenças quantitativas apuradas não se pode concluir automaticamente que são preços anormalmente baixos, viu-se que há coerência técnica endógena nas propostas apresentadas. Perante tudo isto é admissível que o dono da obra se questione: que outras razões podem explicar ainda os preços apresentados? Admite o direito tal pergunta? Sim: na determinação do conceito de preço anormalmente baixo pode o intérprete, depois de esgotados os critérios legais, como acima vimos, fazer apelo a valorações pré-existentes, em domínios sociais e económicos relevantes, para a matéria em causa e para a decisão a tomar (vide acima o exposto nos nºs 29, 38 e 49). E na ponderação sobre as justificações para os preços oferecidos, o aplicador do direito não está vinculado à enumeração do nº 3 do artigo 107º.

                        55. Ora, atente-se no seguinte:

                        a) É um dado de conhecimento comum que existe uma crise no sector da construção civil;

                        b) O parecer pericial junto aos autos faz-se eco desse conhecimento comum (vide acima a matéria de facto nas alíneas c) e h) do nº 14);

                        c) A FEPICOP – Federação Portuguesa da Indústria de Construção de Obras Públicas – confirma esse dado do conhecimento comum (vide acima a matéria de facto na alínea g) do nº 11);

                        d) Sendo a crise um dado do conhecimento comum, estando cada concorrente ameaçado por ela, mas não sabendo em rigor como os demais concorrentes a estão ou vão enfrentar, parece plausível que não venham invocar tal motivo expressamente para justificar os seus preços. Tanto mais que tal invocação poderia contribuir para a desvalorização da sua própria proposta.

                        56. Ora, também neste novo passo não resulta que haja razões que militem no sentido de se considerar que os preços oferecidos são anormalmente baixos. Perante a crise no sector e face aos factos antes referidos, não são. E, face aos factos apurados, no acórdão recorrido e no presente, não se vê fundamento para considerar a actuação do dono da obra desconforme com o direito: não se vê razão para considerar que a determinação do conceito de preço anormalmente baixo subjacente à sua actuação e a valoração das justificações encontradas para os preços oferecidos tenham violado o direito.

                        57. Como se expôs acima no número 24, no exercício do poder discricionário deve a Administração atender à finalidade da norma. Atendendo ao que então se disse, desrespeitou-se tal finalidade no presente procedimento? Vejamos:

                        a) O facto de se ter procedido à abertura de concurso de âmbito internacional, quando a lei no caso em apreço não impunha tal solução (vide acima a matéria de facto na alínea a) do nº 14);

                        b) O facto de na avaliação das propostas ser conferido maior ponderação à sua valia técnica e menor ao preço oferecido (vide acima a matéria de facto na alínea h) do nº 11);

                        c) O que consta dos documentos do concurso em matéria de definição do objecto da empreitada, prestação de caução, regime de multas, regime de ensaios, prazos de garantia e de obrigações do empreiteiro durante o prazo de garantia (vide acima a matéria de facto na alínea b) do nº 14), militam no sentido de não ter havido desatenção a tal finalidade. Aliás, aqueles factos vão no sentido de uma das conclusões do parecer pericial (vide acima iii da alínea q) do nº 7).

                        58. Finalmente, e no seguimento do que se referiu na alínea b) do nº 23 e no nº 28, não resulta do processado que, no exercício do poder discricionário que a lei confere à Administração, esta tenha violado os princípios ali enunciados.

                        59. Retomemos por fim as perguntas enunciadas acima no nº 44 e dê-se-lhe resposta conclusiva:

                        a) No procedimento há indícios de que os preços oferecidos são anormalmente baixos? Sim, mas tais indícios devem ser afastados face a outros factos apurados no processo;
                        b) Nessa avaliação o dono da obra baseou-se numa correcta determinação do conceito de “preço anormalmente baixo”? Sim;
                        c) O dono da obra exerceu em conformidade com a lei o poder discricionário que esta lhe confere para apreciação das notas justificativas dos preços? Sim;
                        d) Finalmente: a decisão de adjudicação respeitou a lei? Noutros termos, face à decisão recorrida: violou o disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 107º do RJEOP? Não.

                        60. Responda-se em termos finais às questões identificadas nas alíneas b) a d) do nº14 nos seguintes termos: face às justificações encontradas, os preços oferecidos por todas as propostas não são anormalmente baixos e o dono da obra podia adjudicar a empreitada. Não se desrespeitou a alínea f) do nº1 do artigo 107 do RJEOP. Não ocorreu pois violação de lei. E assim sendo não há, por aqui, fundamento para recusa de visto ao contrato. E tendo-se assim concluído, não é necessário encontrar-se resposta para a questão enunciada na alínea e) do mesmo número.

III-D: A fixação dos custos dos documentos do concurso

                        61. Nesta matéria, relevam os factos enunciados nas alíneas a) a c) do nº 10. Face ao alegado na petição de recurso, mantém-se nesta matéria o que o acórdão recorrido concluiu: “No caso dos autos, (…) a LIPOR não justifica, documentadamente, qual o critério aplicado na determinação do custo de produção das cópias, sendo certo, por seu turno, que, como resulta (…) do probatório, o técnico da área de engenharia, deste Tribunal, considera o custo muito elevado” (vide alínea d) do nº11).

                        62. Quanto ao preço exigido pelo fornecimento das cópias do processo de concurso, relembre-se que o n.º 4 do artigo 62.º do RJEOP, estabelece que ―[o]s interessados poderão solicitar, em tempo útil, que lhes sejam fornecidas pelo dono da obra, a preços de custo, cópias devidamente autenticadas dos elementos referidos nos nºs 2 e 5….

                        63. Dispõe também o artigo 12º da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto, que a reprodução de documentos é sujeita a pagamento da taxa fixada, que deve corresponder à soma dos encargos proporcionais com a utilização de máquinas e ferramentas e dos custos dos materiais usados e do serviço prestado, sem que, porém, ultrapasse o valor médio praticado no mercado por serviço correspondente.

                        64. Finalmente, salienta a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, no parecer nº 125/2007, de 16 de Maio de 2007, no Processo nº 125/2007, que as taxas cobradas pela reprodução de documentos não podem ultrapassar significativa e injustificadamente, em violação do princípio da proporcionalidade, o custo dos materiais usados e do serviço prestado.

                        65. Nesta matéria, deve atender-se às seguintes regras (Para mais clara fundamentação destas conclusões, vide os acórdãos nº 11/09-MAR.10-1ªS/PL e nº 12/09-MAR.10-1ªS/PL, proferidos recentemente por este Tribunal)
                        a) O preço da disponibilização das peças concursais deve corresponder apenas ao custo das cópias autenticadas dos correspondentes documentos;
                        b) Esse custo inclui os custos das matérias-primas, de outros materiais directos consumidos, da mão-de-obra directa e de outros gastos gerais de fabrico gastos na produção dessas cópias;
                        c) Na parte do custo relativo à reprodução simples deve ter-se em conta o valor médio praticado no mercado por serviço correspondente;
                        d) O possível acréscimo de custo relativamente à reprodução simples de documentos deve estar justificado pelo serviço acrescentado prestado.

                        66. Estamos pois em condições de responder à questão formulada na alínea a) do nº 15: a concreta solução adoptada no presente procedimento em matéria de fixação dos custos dos documentos do concurso não respeitou o disposto na lei.

                        67. Nesta matéria mantém-se pois a decisão do acórdão recorrido: houve pois violação do disposto no nº 4 do artigo 62º do RJEOP e no artigo 12º da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto nº1.

                        68. Contudo, na linha do que é alegado nas alegações de recurso, face aos valores totais indiciariamente envolvidos na presente empreitada, reconhece-se, face ao disposto na alínea c) do nº3 do artigo 44º da LOPTC, que a possibilidade de se ter afectado o resultado financeiro do contrato é muito ténue.

                        69. Assim, na senda do que é afirmado no acórdão recorrido, considera-se que se deve fazer uso da faculdade que é conferida pela LOPTC, no nº4 do referido artigo 44º, de conceder o visto com formulação de recomendação.

IV – DECISÃO

                        70. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes, em plenário da 1ª Secção, em julgar parcialmente procedente o recurso, concedendo o visto ao contrato, mas formulando a seguinte recomendação: a LIPOR, em matéria de preços a cobrar no fornecimento dos documentos de futuros procedimentos, deve dar cumprimento rigoroso ao disposto nas disposições legais agora em vigor: o nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, o nº 3 do artigo 133º, do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo mesmo diploma legal e o artigo 12º da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto.

                        71. São devidos os emolumentos nos termos do nº 3 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de Agosto, e pela Lei nº 3-B/00, de 4 de Abril.

Lisboa, 24 de Março de 2009 Os Juízes Conselheiros,
(João Figueiredo - Relator)

 (Helena Ferreira Lopes) declaração de voto junta. (António Santos Carvalho) O Procurador-Geral Adjunto, (Jorge Leal)

RO 21/08
Declaração de voto:

Dispõe o art.º 62.º, n.º 4, do DL 59/99, de 2/03, sob a epígrafe “Elementos que servem de base ao concurso”, que: “Os interessados poderão solicitar, em tempo útil, que lhes sejam fornecidos pelos donos da obra, a preços de custo, cópias devidamente autenticadas dos elementos referidos nos nºs 2 e 5, as quais lhes deverão ser enviadas no prazo máximo de seis dias a contar da recepção do pedido.”.
O preço de custo de uma cópia autenticada, quando efectuada no interior dos serviços da entidade pública, como parece ser o caso dos autos, é o preço do custo da produção dessa cópia, devendo entender-se por custo de produção a soma dos custos das matérias-primas e outros materiais directos consumidos, mão-de-obra directa e de outros gastos gerais de fabrico necessariamente suportados para o produzir (vide, a propósito, ponto 4.1.3 do POCAL).
Existindo uma norma especial para o cálculo do preço do custo das peças procedimentais (art.º 62.º, n.º 4, do DL 59/99, de 2/03), afigura-se-me não ser, aqui, de aplicar o disposto no artigo 12 da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto (Dispõe o n.º 1 do art.º 12 da Lei n.º 46/2007, que a reprodução por fotocópia ou por qualquer meio técnico, designadamente visual, sonoro ou electrónico, “faz-se num exemplar, sujeito a pagamento, pela pessoa que a solicitar, da taxa fixada, que deve corresponder à soma dos encargos proporcionais com a utilização de máquinas e ferramentas e dos custos dos materiais usados e do serviço prestado, sem que, porém, ultrapasse o valo médio no mercado por serviço correspondente” - Lei de Acesso aos Documentos da Administração), que faz apelo ao “valor médio praticado no mercado”, e ao princípio da proporcionalidade. Com isto não se pretende dizer que o valor médio de mercado, bem como o princípio da proporcionalidade sejam despiciendos. Na verdade, aqueles são relevantes, mas apenas numa fase posterior do raciocínio lógico-dedutivo, ou seja, quando o juiz financeiro pondera a situação em termos de visar o contrato com recomendações ou de recusar o visto a este (n.º 4 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto). Daí que, salvo melhor opinião, entenda que apenas se mostra violado o disposto no n.º 4 do art.º 62.º do DL 59/99, de 2/03.

Quanto à decisão de concessão de visto com recomendações, o Acórdão subjudice merece a minha total concordância, atenta a argumentação aduzida nos seus pontos 67 e 68.

A Juíza Conselheira (Helena Ferreira Lopes)