quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS - MEIO DE PROVA PERICIAL

Proc. 8433/12    TCAS     23 de Fevereiro de 2012

1.A fixação no Caderno de Encargos de especificações técnicas por referência ao desempenho ou exigências funcionais dos bens impõe aos concorrentes a demonstração de que as respectivas propostas não podem ser excluídas com base em desconformidade com normas legais ou especificações normalizadas “se estas especificações corresponderem ao desempenho ou [as propostas] cumprirem as exigências funcionais fixadas no caderno de encargos” – vd. artº 49º nº 2 c) e nº 5 CCP.

2. Face ao citado normativo, o ónus de prova corre pelo concorrente, em ordem a demonstrar “de forma adequada e suficiente” que as prestações de bens ou serviços a realizar, embora em desconformidade com o estabelecido no caderno de encargos, “correspondem ao desempenho ou cumprem as exigências funcionais” fixadas pela entidade adjudicante”, ex vi artº 49º nº 6 CCP.

3. Na hipótese de o concorrente não tomar a iniciativa dessa demonstração ou nela decair será caso de exclusão da proposta – vd. artº artº 70º nº 2 b) CCP.

4. Compete o meio de prova pericial quando se trate de valorar determinada factualidade segundo juízos próprios de outras ciências que não a ciência jurídica - vd. artºs 388º C. Civil e 568º nº 1 in fine e 586 nº 1º CPC

A sociedade …………, Lda., com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. Nos presentes autos trata-se, no essencial, de decidir da invalidade do acto impugnado referente ao concurso público para a formação de Acordo Quadro para Fornecimento de Material de Bloco Operatório - Ref. 2009-08 H-MCC-BOP01 CP, a saber a Decisão de Adjudicação do R., que assenta no Relatório Final de Adjudicação - notificada à Autora, aqui Recorrente, em 17.10.2010 ("Acto de Adjudicação").
2. O Tribunal a quo em apreciação da pretensão de invalidade do Acto de Adjudicação deduzida pela Autora, aqui Recorrente, entendeu pela não verificação das ilegalidades assacadas ao mesmo.
3. A Sentença Recorrida fez um julgamento incorrecto da matéria de facto por considerar que deveria a Recorrente ter arguido a violação da Norma Europeia 13795 também a propósito da exigência de duas camadas, quando não existem produtos no mercado que cumpram aquela Norma Europeia com menos de duas camadas.
4. Pelo que, apenas a exigência de três camadas dos referidos dispositivos médicos resulta numa limitação ilegal do mercado habilitado a participar no Concurso Público aqui em questão.
5. Ainda no que respeita à apreciação feita pela Sentença de não verificação da violação da Norma Europeia 13795, errou duplamente o Tribunal a quo quando considerou estar perante "apenas um detalhe das especificações", - apesar de insistentemente invocado pela aqui Recorrente, quer em sede de petição inicial, quer em pronúncia sobre as questões prévias suscitadas, quer em alegações escritas e ainda nos articulados da providência cautelar apensa aos presentes autos - ignorando o que a Recorrente veio sempre a alegar no que respeita à inexistência de quaisquer reclamações dos seus adquirentes quanto às funcionalidades e respeito pela marcação CE e todas as Normas Europeias emitidas, sendo que a interpretação dada pela Entidade Demandada no concurso em questão (associando - mal - os efeitos pretendidos a uma determinada tecnologia ou solução de fabrico, que a Recorrente não dispõe) a consolidar-se poderá arruinar o negócio da aqui Recorrente, no que se refere àqueles produtos, apesar deste cumprir, igualmente ou ainda de melhor forma, todas as funcionalidades exigidas para o mesmo.
6. Ao contrário do sustentado na Sentença estamos perante uma questão fulcral que não pode/não deve criar precedente, sob pena de, na prática, se transformar este e eventuais futuros procedimentos concursais referentes aos dispositivos médicos em questão nos presentes autos, sob a capa legal de concurso público, em verdadeiros ajustes directos.
7. A entender-se como o Tribunal a quo entendeu permite-se que as Entidades Adjudicantes, à partida, sem que nada o justifique, seleccionem e definam o universo concorrencial, frustrando completamente o princípio da concorrência, seccionando, injustificadamente, o mercado dos dispositivos médicos em causa nos presentes autos.
8. O Tribunal a quo julgou mal quando não considerou os factos relevantes, mencionados nomeadamente no ponto 25 supra, para a decisão da causa, incorrendo, assim, em erro no julgamento de facto.
9. Enferma ainda a Sentença do mesmo erro de julgamento de facto, porquanto a aqui Recorrente não só demonstrou em sede de Concurso, através das amostras entregues à Entidade Demandada, que os seus produtos, com duas camadas, para as posições em discussão eram equivalentes aos dos seus concorrentes com três camadas, como em sede de pronúncia sobre as questões prévias suscitas a Recorrente juntou aos autos um documento - não impugnado nem pela Entidade Demandada, nem pela Contra-Interessada - que demonstra que as exigências da capacidade de absorção, da capacidade de impermeabilidade, da capacidade de criar barreira entre o doente e o campo cirúrgico e da capacidade de adaptação do campo ao doente, bem como da resistência à tracção, estão todas verificadas pelos produtos apresentados a Concurso pela Autora.
10. Igualando, em termos funcionais, os dispositivos com três camadas.
11. O que não foi apreciado pelo Tribunal a quo, que atendendo aos invocados factos conducentes à verificação de determinados fundamentos de ilegalidade, especialmente, violação dos princípios da concorrência, da imparcialidade, da igualdade e da prossecução do interesse público deveria ter deferido a prova testemunhal com vista a esclarecer as razões pelas quais assiste razão factual e legal à aqui Recorrida, na sua pretensão.
12. O que, aliás, veio a aqui Recorrente frisar novamente em sede de alegações escritas, nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 102º do CPTA (cfr., em especial, ponto 19. e III. das Conclusões daquela peça processual).
13. Também no que à matéria de Direito diz respeito, e salvo o devido respeito, não andou bem a Sentença.
14. Se bem que é verdade que a Entidade Adjudicante, no caderno de encargos, pode fixar parâmetros base a que as propostas devam ficar vinculadas, designadamente características técnicas ou funcionais, conforme defende a Sentença, o mesmo já não se pode afirmar se esse parâmetro base fixado violar o disposto no artigo 49º, nºs l, 2 e 4 do CCP - que é o caso dos presentes autos. Senão vejamos.
15. Dispõe o artigo 49º (sob a epígrafe Especificações técnicas) nº l do CCP que "As especificações técnicas, como tal definidas no anexo vi da Directiva nº 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, e no anexo xxi da Directiva nº 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, devem constar do caderno de encargos e são fixadas por norma a permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência." (sublinhado nosso)
16. Por sua vez, o Anexo VI da Directiva nº 2004/18/CE define especificação técnica nos seguintes termos: "b) "Especificação técnica", no caso de contratos públicos de fornecimento ou de serviços: uma especificação constante de um documento que define as características exigidas a um produto ou a um serviço, tais como os níveis de qualidade, os níveis de desempenho ambiental, a concepção que preencha todos os requisitos (incluindo a acessibilidade para os deficientes) e a avaliação da conformidade, a adequação de utilização, a utilização do produto, a segurança ou as dimensões, incluindo as exigências importantes aplicáveis ao produto no que se refere ao nome sob o qual é vendido, a terminologia, os símbolos, os ensaios e métodos de ensaio, a embalagem, a marcação e rotulagem, as instruções de utilização, os processos e métodos de produção e os procedimentos de avaliação da conformidade." (sublinhado e negritos nossos).
17. Não se fazendo alusão em tal definição a qualquer composição/número de camadas ou método de fabrico de um produto, porquanto não é essa característica que define se aquele obedece ou não aos requisitos essenciais e, consequente e respectivamente, é ou não conforme a determinada norma técnica nacional ou europeia obrigatória.
18. Mas sim as (características) que se referem na Conclusão XVI supra e, no caso concreto, as estipuladas no Anexo l, por remissão do artigo 3º, ambos da Norma Europeia 13795.
19. Da leitura atenta dos requisitos essenciais que os dispositivos médicos devem observar não consta a composição/número de camadas que os mesmos deverão ter.
20. Nem poderia constar, sob pena de falsear o fim da Norma Europeia 13795, o qual, nos termos do terceiro Considerando do seu preâmbulo, é o de garantir "a segurança e a protecção da saúde dos doentes, utilizadores e outras pessoas, no que respeita à utilização dos dispositivos médicos, por forma a assegurar a livre circulação dos referidos dispositivos no mercado interno" (sublinhado nosso).
21. Sendo que, o entendimento contrário - o do Tribunal a quo - conduz à necessária restrição do mercado de dispositivos que cumprem as funcionalidades/requisitos da Norma Europeia 13795, o que é vedado por esta mesma Norma.
22. Situação já, aliás, objecto de várias pronúncias jurisdicionais comunitárias, nomeadamente quanto à ilegalidade da rejeição de propostas de dispositivos médicos com marcação CE. Exemplificadamente, vide Ac. C-489-06, disponível em www.curia.europa.eu/iurisp/ no qual o TJUE defendeu que: "Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma entidade adjudicante que tenha lançado um concurso público para o fornecimento de dispositivos médicos que ostentam a marcação CE não pode, por razões relativas à protecção da saúde pública, recusar a proposta de tais produtos, imediatamente e fora do procedimento de salvaguarda previsto nos artigos 8.° e 18. ° da Directiva 93/42.(...)". (sublinhados e negritos nossos).
23. Assim, se por razões relativas a saúde pública uma entidade adjudicante está impedida, sem fazer uso do procedimento de salvaguarda, de recusar a proposta de dispositivos que ostentem marcação CE (ou seja, dispositivos que satisfaçam os requisitos essenciais das Normas Europeias), por maioria de razão, não pode uma entidade adjudicante excluir, através de exigências injustificadas impostas no caderno de encargos, propostas de produtos que obedeçam a essa marcação CE - como fez a Entidade Demandada nos presentes autos.
24. Ao contrário do sustentado na Sentença, a Entidade Demandada não observou o disposto no nº 4 do artigo 49º do CCP.
25. Andando, assim, mal a Sentença na sua apreciação, no que a este respeito julga, remetendo-se, para o efeito, para o vertido nas Conclusões IX a XII.[9 a 12]
26. Ao que acresce que, o próprio Júri do Procedimento, na acta nº 6 do procedimento concursal (junta aos autos pela própria Entidade Demandada), veio questionar da necessidade das três camadas na constituição dos dispositivos médicos nas posições em causa nos presentes autos (ou seja, campos cirúrgicos, individuais ou incluídos nas trouxas cirúrgicas), pelo que é absolutamente contraditório a conclusão do Tribunal a quo patente na Sentença, de que "No caso em apreciação, a Entidade demandada visando celebrar acordos quadro para fornecimento de material de bloco operatório, concluiu, a partir dos resultados apresentados por um grupo de trabalho constituído para o efeito, que alguns dispositivos dotados de uma terceira camada asseguravam maior conforto para os pacientes em bloco operatório (...)".
27. Não se alcançado sequer - sem nunca ter vindo a Entidade Demandada esclarecer - o que é isso de "maior conforto" para os pacientes, que resultaria alegadamente de uma terceira camada dos referidos dispositivos.
28. Nem a Entidade Demandada, nem a Contra-Interessada alguma vez alegaram que os dispositivos da Autora, aqui Recorrente, apresentados a Concurso, incumprem as funcionalidades fixadas pela primeira no seu Caderno de Encargos... E não alegaram porque sabem que seria absolutamente falso.
29. Motivo pelo qual, e ao contrário do defendido na Sentença Recorrida, o Acto de Adjudicação violou o nº 4 do artigo 49º do CCP, uma vez que foi demonstrado pela Recorrente que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem na íntegra as exigências definidas nas especificações técnicas de referência.
30. Violando, ainda, - ao contrário do que defendeu o Tribunal a quo - os princípios da concorrência, da igualdade e do interesse público, previstos no nº 4 do artigo lº do CCP e artigo 4º do CPA, porquanto a Entidade Demandada no seu Caderno de Encargos apelou expressamente a uma determinada tecnologia ou solução de fabrico dos bens a adquirir -"com três (3) camadas" - quando isso lhe seria vedado em respeito por aqueles princípios.
31. Não foi atendendo às finalidades dos dispositivos que a aqui Recorrente viu excluída a sua proposta nas posições - 04, 05, 09, 10, 11, 14, 15, 16, 18, 22, 26, 27, 31, 44, 45(SP2, SP3), 71 SP3, 73 SP2, 74 (SP3 a SP6), 75 (SP3, SP4, SP5), 76 (SP3, SP4), 78 (SP3) (esta posição apenas no Anexo I-A junto com o Relatório Final de Adjudicação), 79 (SP3, SP4, SP5), 80 (SP3), 83 (SP2), 84 (SP3, SP4, SP5), 85 (SP2, SP3, SP4), 86 (SP3), 87 (SP2, SP3, SP5) - em que se exigia que os mesmos tivessem 3 camadas, mas sim - reitera-se - à composição dos mesmos.
32. O dispositivo de duas camadas da aqui Recorrente é igual, nas suas funções, a qualquer um de três camadas, sendo a solução técnica dos dispositivos de duas camadas igualmente adequada à satisfação das necessidades do utilizador dos mesmos. Não sendo, portanto a diferenciação efectuada pela Entidade Demandada justificada.
33. Não correspondendo, consequentemente, à verdade a conclusão do Tribunal a quo na Sentença de que foi permitido a todas as empresas que fabricam os dispositivos médicos em causa acederem ao procedimento concursal.
34. Violando, assim, também o Acto de Adjudicação o princípio da imparcialidade, consagrado no nº 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e 6º do CPA.
35. A Sentença Recorrida ao julgar improcedente a pretensão deduzida pela Autora incorreu ainda em erro no julgamento do Direito por violar os princípios da boa administração e prossecução do interesse público, dispostos no artigo 4º do CPA, porquanto a proposta da aqui Recorrente era a economicamente mais vantajosa para as posições em que foi excluída, atendendo ao critério de adjudicação fixado pela Entidade Demandada.
36. Contribuindo, assim, mais este Acto de Adjudicação e entendimento do Tribunal a quo, para o já muito gravoso défice financeiro e despesismo da saúde pública portuguesa.
37. Nestes termos e ao abrigo do disposto nos artigos 685º-A, nº 2, alíneas a) e b) e 685º-B, nº l, alínea a), do ambos do CPC ex vi artigo 140º do CPTA, requer-se a revogação da Sentença por esse Venerando Tribunal.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a V. Exa. se digne dar provimento ao presente recurso, revogando a Sentença, com as legais consequências, assim se fazendo Justiça.

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A Contra-Interessada, ora Recorrida, Paul Hartmann, Lda. contra-alegou, concluindo como segue:

1. Dispondo o art. 49.2 n. 6 do CCP que " [...] cabe ao concorrente demonstrar, de forma adequada e suficiente, que a obra, o bem ou o serviço conforme com a norma corresponde ao desempenho ou cumpre as exigências funcionais fixadas pela entidade adjudicante" seria sempre extemporânea qualquer tentativa de, em sede de julgamento, fazer essa demonstração se da documentação do procedimento não resulta que durante o concurso a A. tenha procurado por qualquer meio fazer essa prova;
2. Tendo a Norma Europeia 13795 expirado em 21 de Março de 2010 conforme publicação do JOUE de 7.7.2010, fls. 26, não é correcto dizer que a mesma, como o faz a recorrente, depois de expirada, tenha "acrescido" a qualquer outra, ou seja, que a falecida norma tenha (..) incorporado uma norma vigente;
3. Tendo a Norma Europeia 13795 expirado em 21 de Março de 2010, portanto antes da publicação do anúncio do concurso, não poderia depois dessa data o Digmo. Júri do Concurso podido violá-la, porque a mesma deixara já de existir;
4. A A. tinha também o ónus de demonstrar que os produtos que propunha no concurso satisfaziam do mesmo modo as mesmas necessidades, não lhe bastando limitar-se a alegar insistentemente que tais produtos estavam em conformidade com anteriores normas técnicas, porquanto;
5. A conformidade dos produtos da A. com normas revogadas não faz presumir a sua conformidade às normas que, depois daquelas, venham a vigorar;
Pelo exposto, deverá ser julgado improcedente o recurso e mantida a douta decisão recorrida por não se vislumbrar sequer que pudesse ser diferente daquilo que é.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.
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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

“(…)”

DO DIREITO

A questão central trazida a recurso no âmbito do presente concurso público para a formação de acordo-quadro (artº 251º CCP; artº 1º nº 5 Directiva 2004/18/CE) para fornecimento de material de bloco operatório, traduz-se em saber se as especificações técnicas relativas aos bens do Anexo I do Caderno de Encargos identificados pelas posições levadas ao item 4 do probatório nos seguintes termos: “(..) em tecido com o mínimo de (3) três camadas em toda a superfície, sendo a primeira com capacidade de absorção, a segunda impermeável e a terceira de conforto para o doente, … e em conformidade com a NP EN 13795 (..)”, “cumprem exactamente as funcionalidades dos de duas camadas da ora Recorrente”, pelo que “a exigência de três camadas .. resulta numa limitação ilegal do mercado habilitado a participar no concurso público aqui em questão”, conforme afirma a ora Recorrente no corpo alegatório sob os nºs 17 e 18 e sintetiza nos nºs. 4, 9 e 10 das conclusões.
Sustenta, assim, que a sentença proferida incorre em violação primária de direito adjectivo por insuficiência de probatório decorrente da não produção de prova testemunhal sobre a alegada equivalência funcional dos ditos produtos com duas ou três camadas e, consequentemente, a violação primária de direito adjectivo no tocante ao disposto no artº 49º nºs. 1, 2 e 4 CCP.
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Antes de mais, relativamente ao requisito do “mínimo de 3 camadas em toda a superfície, sendo a primeira com capacidade de absorção, a segunda impermeável e a terceira de conforto para o doente” relativamente aos bens do Anexo I do Caderno de Encargos e identificados no item 4 do probatório, cabe precisar se estamos perante um parâmetro base ou um termo ou condição.
Isto porque, para além da diferença de substância entre uns e outros, os parâmetros base e os termos ou condições podem ser fixados pela entidade adjudicante no caderno de encargos recorrendo a limites mínimos/máximos (vd. artº 42º nºs. 4 e 5 CCP) que, sendo violados, constituem fundamento de exclusão das propostas, conforme artº 70º nº 1b) e nº 2 b) CCP.
Os parâmetros base são aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência, o que significa que configuram atributos da proposta relativos a produtos ou serviços que entidade adjudicante pretende adquirir com determinados limites mínimos ou máximos de funcionalidade ou operacionalidade; consequentemente, vinculam as propostas a respeitar a regra da conformidade com os termos regulados no caderno de encargos, observando o limite de funcionalidade mínimo, acima do qual se faz a concorrência e abaixo do qual é factor de exclusão, ou o limite máximo estabelecido, abaixo do qual se faz a concorrência, sob cominação de exclusão da proposta se aquele for ultrapassado – vd. artºs. 42º nºs 3 e 4 e 70º nº 1 b) CCP.
Em via de coerência, o recurso a parâmetros base, na medida em que configura uma técnica de aposição de limites mínimos ou máximos aos atributos das propostas tem, forçosamente, que ter tradução concreta nos factores/subfactores constitutivos da fórmula de cálculo do modelo de avaliação que enforma o critério de adjudicação (caso que apenas envolve, por razões óbvias, o critério da proposta mais vantajosa, vd. artº 74º nº 2), isto porque se a variabilidade em função dos limites é submetida à concorrência, há-de reflectir-se no modus operandi de avaliação e classificação das propostas apresentadas, vd. artº 75º nº 1CCP.
Por sua vez, os termos ou condições são aspectos da execução do contrato subtraídos à concorrência, o que significa que os limites mínimos/máximos regulados expressamente no caderno de encargos relevam como pressupostos vinculados da decisão procedimental de admissão/exclusão das propostas mas, evidentemente, que não no tocante aos pressupostos de avaliação e classificação; deste modo, os termos e condições apresentados pelos concorrentes nas propostas hão-de conter-se dentro dos limites estabelecidos no caderno de encargos - vd. artºs. 42º nº 5 e 70º nº 2 b) CCP.
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Na economia do caso em apreço, embora o modelo de avaliação não conste do probatório e, por conseguinte, deste não resulte evidência de correspondência entre os aspectos submetidos à concorrência e os factores/subfactores do critério de adjudicação, é ponto assente que da matéria de facto provada nada indica que o “mínimo de 3 camadas” de exigência seja o limite mínimo de um parâmetro base no sentido de a concorrência se fazer deste número de 3 camadas para cima, valorando-se mais a proposta consoante apresente 4, 5 etc. mais camadas.
Pelo contrário a matéria levada ao probatório nos itens 6 e 7 em sede de esclarecimento pedidos pela Recorrente e dados pelo júri concursal, conflui no sentido de que relativamente aos bens discriminados no item 4 do probatório, o “mínimo de 3 camadas” constitui uma referência adjudicatóriamente irrelevante, por isso que não conta para os critérios de avaliação e classificação das propostas, mas tão só, em caso de desconformidade com o parâmetro regulamentar do caderno de encargos, como factor de exclusão.
Neste sentido, as especificações técnicas fixadas no Caderno de Encargos e Anexo I regulando um “mínimo de 3 camadas em toda a superfície, sendo a primeira com capacidade de absorção, a segunda impermeável e a terceira de conforto para o doente” do ponto de vista concursal configuram um aspecto subtraído à concorrência descrito por aposição de um limite mínimo de 3 camadas de tecido com as funcionalidades fixadas, ou seja, assume a natureza de “termo ou condição” vinculativo para os concorrentes, ex vi artºs. 42º nº 5 e 57º nº 1 c) CCP, cuja desconformidade constitui factor de exclusão da proposta nos termos do artº 70º nº 2 b) CCP, sem prejuízo do regime especial dos termos e condições, como refere expressamente in fine este comando, prescrito no artº 49º nºs. 4 a 6 e 8 a 11, todos estes normativos aplicáveis ao acordo quadro por remissão expressa do artº 253º nº 1 CCP.
Significa a referência ao regime do artº 49º CCP que a proposta que apresente termos ou condições em desconformidade com as prescrições técnicas fixadas do Caderno de Encargos, não é passível de exclusão caso o concorrente tenha demonstrado relativamente ao produto que oferece que, “as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem de modo equivalente as exigências definidas por aquelas especificações”, isto na hipótese de o Caderno de Encargos fazer referência a especificações normalizadas, artº 49º nº 2 a) e b) e nº 4 CCP.
A fixação no Caderno de Encargos de especificações técnicas por referência ao desempenho ou exigências funcionais dos bens impõe aos concorrentes a demonstração de que as respectivas propostas não podem ser excluídas com base em desconformidade com normas legais ou especificações normalizadas “se estas especificações corresponderem ao desempenho ou [as propostas] cumprirem as exigências funcionais fixadas no caderno de encargos”, artº 49º nº 2 c) e nº 5 CCP,
Face ao citado normativo, o ónus de prova corre pelo concorrente, em ordem a demonstrar “de forma adequada e suficiente” que as prestações de bens ou serviços a realizar, embora em desconformidade com o estabelecido no caderno de encargos, “correspondem ao desempenho ou cumprem as exigências funcionais” fixadas pela entidade adjudicante”, ex vi artº 49º nº 6 CCP; na hipótese de o concorrente não tomar a iniciativa dessa demonstração ou nela decair será caso de exclusão da proposta, conforme o já citado artº 70º nº 2 b) CCP. (1)
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Pelo que vem dito e em contrário do sustentado pela Recorrente no item 41 do corpo alegatório, a situação dos autos não é subsumível na previsão do artº 42º nºs 3 e 4 CCP na medida em que as especificações técnicas não reportam a aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência segundo parâmetros base determinativos de mínimos ou máximos a que as propostas ficam sujeitas, estabelecendo a base a partir da qual (limite mínimo) ou até à qual (limite máximo) se faz a concorrência.
Em segundo lugar, a demonstração de que o bem ou serviço “equivalente” corresponde ao desempenho ou cumpre as exigências funcionais exigidas pela entidade adjudicante, feita pelo concorrente na própria proposta, em sede de esclarecimentos ou ao abrigo do direito de audiência prévia, há-de observar, para além dos meios probatórios específicos referidos no artº 49º nº 9 CCP, as prescrições legais relativas aos meios e força probatória estabelecidas nos Códigos Civil e de Processo Civil, especialmente se a prova houver de ser feita em sede de processo judicial, como é o caso.
Dito de outro modo, compete o meio de prova pericial sempre que seja caso de recurso a lex artis que extravase o direito adjectivo e substantivo, isto é, quando se trate de valorar determinada factualidade segundo juízos próprios de outras ciências que não a ciência jurídica, vd. artºs 388º C. Civil, razão por que não procede a questão de omissão de instrução segundo a prova testemunhal oferecida, trazida a recurso no item 11 das conclusões, na medida em que o depoimento testemunhal incide sobre os factos da causa, com fundamento na razão de ciência que indicam (por ver e ouvir) a título justificativo do modo como vieram ao seu conhecimento, vd. artº 638º nº 1 CPC, não constituindo as suas declarações meio probatório idóneo para, com relevância adjectiva, emitir juízos de valoração técnica, próprios da prova pericial, expressos em relatório, vd. artºs. 568º nº 1 in fine e 586º nº 1CPC. (2)

*
Pelas razões expostas se conclui que a Recorrente não fez a prova da correspondência funcional no sentido por si afirmado nos itens 9 a 33 das conclusões de recurso, de que “os seus produtos, com duas camadas, para as posições em discussão eram equivalentes aos dos seus concorrentes com três camadas”, nem de que tais especificações são anti-concorrenciais em violação do disposto no artº 49º nº 2 CCP, correspondente ao artº 23º nº 2 e 29º Considerando da Directiva 2004/18/CE por traduzirem uma via indirecta de não “permitir o acesso dos proponentes em condições de igualdade e .. criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência”, em contrário do disposto na Directiva em matéria de especificações técnicas em termos de desempenho e exigências funcionais e de comprovação a cargo do concorrente da solução equivalente apresentada na proposta. (3)
Tratando-se, pois de uma questão de correspondência funcional de produtos apresentados em pela Recorrente em desconformidade com as especificações técnicas definidas no Caderno de Encargos - que na circunstância não se verifica pelas razões expostas -, não releva para o caso a Norma Europeia 13795 relativa a dispositivos médicos, revogada em 21.03.2010 e substituída, sucessivamente pela EN A1 de 2009 e EN 13795:2011, nos termos da fundamentação de direito da sentença proferida pelo Tribunal a quo, para os quais se remete, sendo certo que nos termos dos artºs. 211º e 249º do Tratado de Roma, na alteração introduzida pelo Tratado de Amsterdão, as recomendações são actos normativos da Comissão sem carácter vinculativo, na medida em que “(..) foram concebidas como instrumento de acção indirecta da Autoridade comunitária, visando frequentemente a aproximação das legislações nacionais ou a adaptação de uma dada regulamentação interna ao regime comunitário. (..)” (4)

***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 23.FEV.2012


(Cristina dos Santos) …………………………………………………………………………..

(António Vasconcelos) …………………………………………………………………………

(Paulo Carvalho) ………………………………………………………………………………..

(1) Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina/20011, págs. 359-363, 366-367, 588 e 932-934.
(2) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil – Anotado, 2ª ed., Coimbra Editora/1980, pág.316; Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, págs. 332-333; Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 2º, 2ª ed. Coimbra Editora/2008, págs. 522-523, 543 e 549.
(3) Cláudia Viana, Os princípios comunitários na contratação pública, Coimbra Editora/2007, págs.515-518.
(4) João e João Luiz Mota de Campos, Manual de direito comunitário, 5ª ed., Coimbra Editora/2007, págs. 82 e 377

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

DECLARAÇÃO INEFICÁCIA ACTOS EXECUÇÃO - OBJECTO - ARTIGO 128º CPTA - CONSTITUIÇÃO ADVOGADO - AMPLIAÇÃO OBJECTO - RECURSO JURISDICIONAL - SUSPENSÃO EFICÁCIA . PONDERAÇÃO INTERESSES

Proc. Nº 1292/10.2BEBRG   TCAN    17.02.2012

 I - O objecto do pedido de declaração de ineficácia de actos de execução, não abrange, directa ou indirectamente, a apreciação dos pressupostos adjectivos ou substantivos relativos ao pedido de suspensão da eficácia do acto.
II - Neste incidente o Tribunal apenas deve verificar se aquela resolução existe, se a mesma foi emitida dentro do prazo legal e se está fundamentada no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
III - O incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida não comporta na sua letra e finalidade a obtenção de declaração de invalidade da resolução à luz das ilegalidades assacadas à mesma tal como resultaria no contexto de pretensão formulada numa acção administrativa especial.
IV - O facto de a lei exigir a constituição de advogado nos processos administrativos não impede que haja actos processuais que podem ser praticados pelas próprias partes (ou por um seu mandatário), por advogados estagiários ou por solicitadores, como é o caso, por exemplo, de requerimentos em que não se levantem questões de direito (artigo 32.º, n.º2, do C.P.C.).
V - Apenas os actos de execução do acto suspendendo e não outros actos autónomos podem ser objecto de declaração de ineficácia, mo incidente a alude o artigo 128º do C.P.T.A. .
VI - Um atraso significativo de uma parceria que tem por escopo a realização de obras importantes para o Município e que, como se refere na Resolução Fundamentada, se relacionam com o ordenamento do território, turismo, desporto, conhecimento técnico e científico, qualidade de vida e bem-estar e desenvolvimento social e económico do concelho, justificam a imediata execução do acto.
VII - Só quem obteve em primeira instância ganho de causa tem legitimidade para requerer a ampliação do objecto do recurso jurisdicional interposto pela contra parte, ao abrigo do disposto no artigo 684.º-A do C.P.C., aplicável por força do disposto no artigo 140º do CP.T.A..
VIII - Só nos casos em que procedência da pretensão se mostre indiscutível, patente e, por isso, a decisão final do processo principal, salvo circunstâncias anormais e imprevisíveis, se mostre como algo certo, inexorável, se pode dizer que a procedência é evidente para efeitos do disposto na alínea a) do n.º1, do artigo 120º do C.P.T.A..
IX - Num concurso público em que os prejuízos resultantes da imediata execução do acto de adjudicação, alegados pela concorrente que pede a suspensão da eficácia deste acto, se equiparam aos dos demais concorrentes e, em particular, aos prejuízos económicos do concorrente vencedor, Contra-Interessado, resultantes da suspensão da eficácia, é de inferir este pedido cautelar tendo em conta o interesse público que se revelou na Resolução Fundamentada

EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
G. ..., E. …, S.A, F. …, S.A. e I. …, S.A., vieram interpor o RECURSO JURISDICIONAL do despacho de 12.10.2010, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pelo qual foi indeferido o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida, por falta de lesividade do acto executado, que as Recorrentes identificam como sendo a deliberação de 27.07.2010 da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão que propôs à Assembleia Municipal, do Município de Vila Nova de Famalicão, a adjudicação ao Consórcio composto pelas empresas A. …, S.A., C. …, S.A., J. …, S.A. e CI. ... SGPS, S.A., do contrato de constituição de uma sociedade comercial, de capitais minoritariamente públicos, tendo por objecto a concepção e ou construção, financiamento, manutenção, conservação e disponibilização de infra-estruturas de interesse municipal.
Invocaram para tanto, em síntese, que o acto em apreço é susceptível de impugnação, sendo produtor de efeitos externos, lesivos dos interesses das Requerentes, ao contrário do decidido.
O Município de Vila Nova de Famalicão veio apresentar contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso; deduziram ainda pedido de ampliação do objecto de recurso invocando em síntese que: o despacho recorrido padece de nulidade por não ter sido respeito o direito ao contraditório; foi na sequência de na oposição o Requerido ter suscitado a questão da caducidade do direito de acção que as Requerentes deslocalizaram o acto de adjudicação da deliberação da Câmara Municipal para a deliberação Municipal, passando a defender a teoria da competência dos dois órgãos, para sustentar a impugnabilidade dos dois actos; entende no entanto o Recorrido que o acto impugnado e impugnável é a deliberação da Câmara Municipal.
Em resposta ao pedido de ampliação, as Recorrentes G. … e outras, vieram arguir que esta é inadmissível, por ilegitimidade do requerente, e, em todo o caso, deve ser julgado procedente o recurso jurisdicional por estas interposto contra a decisão do incidente.
As sociedades G. …, E. …, S.A, F. …, S.A. e I. …, S.A. vieram depois interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 21.12.2010, pela qual se deu por verificada a excepção de inimpugnabilidade do acto suspendendo, considerando como tal a deliberação da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, absolvendo da instância, em consequência, os Requeridos, o Município de Vila Nova de Famalicão e o Consórcio composto pelas empresas A. …, S.A., C. …, S.A., J. …, S.A. e CI. … SGPS, S.A., a quem foi adjudicado o contrato em apreço.
Alegaram, em síntese, que a circunstância de o acto final do procedimento ser a deliberação da Assembleia Municipal de 27.07.2010, o verdadeiro acto de adjudicação, não impede que a deliberação da Câmara Municipal de 02.07.2010, a propor a adjudicação ao Consórcio Requerido, seja, como entendem, um acto dotado de efeitos externos lesivos, e como tal, impugnável.
O Município de Vila Nova de Famalicão veio apresentar contra-alegações, pugnando pela improcedência deste recurso, defendendo que o acto final do procedimento, o acto de adjudicação, é a deliberação da Câmara Municipal de 02.02.2010, sendo este que corresponde ao acto suspendendo; em simultâneo requereu a ampliação do objecto do recurso, pedindo a revogação da sentença recorrida por violação, em concreto, do disposto nos artigos 36º, n.º1, e 73º, n.º1, do Código da Contratação Pública, artigo 18º do Decreto-Lei n.º 179/99, de 8 de Junho, e artigo 53º, n.º2, alínea m), do Decreto-Lei n.º 169/99.
As Recorrentes responderam ao pedido de ampliação, arguindo mais uma vez que a mesma é inadmissível, por ilegitimidade do Requerente, e, em todo o caso, deve ser julgado procedente o recurso jurisdicional por estas interposto, agora contra a sentença.
O Município de Vila Nova de Famalicão também interpôs recurso jurisdicional da sentença de 21.12.2010, inconformado com a decisão de absolvição da instância e com o respectivo pressuposto, de o acto suspendendo não ser um acto impugnável.
As Requerentes G. …, E. …, S.A, F. …, S.A. e I. …, S.A., vieram contra-alegar excepcionando com a formação de caso julgado quanto à questão de a deliberação da Câmara Municipal aqui em apreço ser apenas um acto meramente preparatório e, pugnando, em todo o caso, pela improcedência deste último recurso.
O Ministério Público neste Tribunal não emitiu qualquer parecer.
Por despacho de 11.11.2011, foram as partes convidadas a pronunciarem-se sobre o sentido projectado da decisão deste Tribunal quer quanto ao pedido de suspensão da eficácia quer quanto ao pedido de declaração de ineficácia de actos de execução, por se entender não haver questão obstativa do conhecimento de mérito, cabendo antes as questões adjectivas suscitadas no âmbito da análise do requisito a que alude a alínea b), do n.º 1, do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Apenas as Sociedades Recorrentes vieram tomar posição, defendendo que alegaram vícios do acto suspendendo que, pela sua evidência, impõe a procedência do pedido de suspensão logo pela alínea a), do n.º 1 do citado artigo; quando ao pedido de declaração de ineficácia mantiveram a sua posição inicial.
*
Cumpre agora decidir.
*
O 1º recurso jurisdicional.
São estas as conclusões das alegações do primeiro jurisdicional, interposto pelas sociedades G. …, E. …, S.A, F. …, S.A. e I. …, S.A. e que definem respectivo objecto:
1. Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto Despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no qual se concluiu pela improcedência do incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida, por se considerar que a deliberação da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão de 02 de Junho carece de efeitos externos, sendo, nesta medida, insusceptível de impugnação;
2. O douto Tribunal a quo considerou que a decisão da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão é, “tão-somente, preparatória daqueloutra da Assembleia Municipal de 27.07.2010, que, esta sim, deliberou adjudicar o procedimento em causa (…)”, concluindo, consequentemente, que o acto administrativo produtor de efeitos lesivos seria apenas o acto da Assembleia Municipal de 27 de Julho de 2010;
3. No entender das Requerentes, há que ter em consideração duas questões diferentes: por um lado, se o Tribunal está perante um acto procedimental e, por outro lado, se o mesmo é susceptível de ser autonomamente impugnável;
4. A deliberação proferida pela Assembleia Municipal, no dia 27.07.2010, constitui o verdadeiro acto de adjudicação, no entanto, a deliberação proferida pela Câmara Municipal consubstancia um acto potencialmente lesivo para as ora Recorrentes;
5. Na verdade, o facto de o acto praticado pela Câmara Municipal não ser o acto definitivo do procedimento, não implica que o mesmo não seja potencialmente lesivo e, consequentemente, susceptível de impugnação autónoma;
6. Considerando que à Assembleia Municipal caberá deliberar sobre a proposta da Câmara Municipal, o acto de escolha levado a cabo por esta última tem já efeitos externos e é já lesivo para os concorrentes preteridos, porquanto propõe à Assembleia Municipal que esta venha a adjudicar o contrato a um outro concorrente que não ao agrupamento constituído pelas Requerentes;
7. A exigência de eficácia externa pressupõe que o acto produza ou constitua (ou vise constituir) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta;
8. A deliberação proferida pela Câmara Municipal constitui uma verdadeira pré-decisão, no âmbito do procedimento concursal, apresentando, por conseguinte, conteúdo eminentemente lesivo relativamente aos concorrentes preteridos, como é o caso das Recorrentes;
9. Importa, contudo, reconhecer que apenas mediante deliberação da Assembleia Municipal haverá lesão efectiva dos interesses das ora Recorrentes;
10. É indubitável que a deliberação da Câmara Municipal é potencialmente lesiva para os concorrentes preteridos, sendo que a sua potencial lesividade converteu-se em lesividade plena com a prolação do acto de adjudicação da Assembleia Municipal;
11. Considerando que o acto praticado pela Câmara Municipal consubstancia um acto dotado de efeitos externos e, consequentemente, impugnável, impunha-se que o Tribunal a quo se pronunciasse no sentido da procedência do incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida;
*
É o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte relevante:
“ (…)
É do nosso conhecimento funcional que, com as mesmas partes e a mesma causa de pedir, correm termos neste TAF os autos n" 1510/10.7BEBRG-A, visando obter a suspensão de eficácia do acto praticado em 27.07.2010, pela ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE VILA NOVA DE FAMALICÃO, que, mediante proposta daquela Câmara Municipal, deliberou adjudicar o procedimento concursal aqui em apreço a agrupamento concorrente.
Compulsados ambos autos, afigura-se-nos, de facto, que a deliberação da Câmara Municipal, de 07.07.2010, objecto dos presentes autos é, tão-somente, preparatória daqueloutra da Assembleia Municipal, de 27.07.2010, que, esta sim, deliberou adjudicar o procedimento em causa a agrupamento concorrente das aqui requerentes.
Para melhor compreensão do alcance da distinção entre o acto administrativo impugnável, porque lesivo e produtor de efeitos externos, e o acto intra-procedimental, meramente preparatório daquela que virá a ser a deliberação definitiva. A respeito desta distinção, veja-se, por exemplo, o disposto no acórdão de 27.04.2006, do TCA - Norte, que, em síntese, dispõe o seguinte:
"I. Acto lesivo para efeitos do art.º 268º n.º 4, da CRP deverá considerar-se apenas aquele que seja apto a produzir efeitos negativos na esfera jurídica dos particulares, quando estes efeitos não possam ser afastados por meios administrativos.
II. É que, na aferição da recorribilidade contenciosa de um determinado acto administrativo importa não adoptar um critério formal-processual, que atenda fundamentalmente à função do acto em relação ao acto final, mas, ao invés, um critério no qual releve a idoneidade de que se revista tal acto para lesar ou não posições subjectivas dos particulares legalmente protegidas.
III. Assim, em relação à deliberação do júri de estágio que atribuiu à recorrente a classificação final de 11 valores e lhe concede prazo para se pronunciar ao abrigo do direito de audiência estamos perante um mero acto da administração (acto preparatório) e não de um acto administrativo lesivo.
(…)”
Note-se, alias, que é na inelutável necessidade da deliberação da Assembleia Municipal que assenta o fundamento de que as requerentes lançam mão para defender a falta de competência da Câmara Municipal para a resolução fundamentada operada na sequência da sua citação para os termos desta acção.
De facto, conforme sustentado pelas requerentes no incidente de declaração de ineficácia dos alegados actos de execução, a Câmara Municipal carece de legitimidade para a resolução fundamentada operada nestes autos, mas tal deve-se apenas ao facto de o acto que lhe é imputado carece, também ele, de efeitos externos, nos termos supra, sendo insusceptível de impugnação.
Resumindo:
Visando os processos impugnatórios, bem como os meios cautelares com ele conexionados, afastar a lesão de posições jurídicas subjectivas dos autores, só se pode justificar que se declare a ineficácia de actos que tenham esta potencialidade lesiva.
Pelo exposto, terá de improceder o incidente de ineficácia dos (alegados) actos de execução indevida, suscitado nos presentes autos.
Custas pelas requerentes.
Notifique.
***
Atendendo ao acima adiantando, porque tal questão não foi suscitada pelas partes, notifique-as para, em 10 (dez) dias se pronunciarem sobre a inimpugnabilidade do acto objecto dos presentes autos [cfr. alínea c) do art.º 89º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos], com as consequências que tal reflectirá sobre a presente providência cautelar.
(…)”
Vejamos.
Determina o artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na parte aqui relevante, que:
“(…)
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
(…).
Face a este dispositivo legal, o objecto do pedido de declaração de ineficácia de actos de execução, não abrange, directa ou indirectamente, a apreciação dos pressupostos adjectivos ou substantivos relativos ao pedido de suspensão da eficácia do acto.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14-02-2008, no processo n.º 01205/07.9BEVIS-A(ponto III do sumário), neste incidente o Tribunal “apenas deve verificar se aquela resolução existe, se a mesma foi emitida dentro do prazo legal e se está fundamentada no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público”.
Não devia, portanto, o Tribunal a quo ter conhecido, oficiosamente, de questão que se prendia com os pressupostos adjectivos da impugnação do acto suspendendo, como fundamento para julgar improcedente o pedido incidental.
Pese embora esta crítica, o Tribunal a quo acabou por decidir bem, no sentido de julgar improcedente o pedido incidental, como veremos de seguida.
1.2. O pedido de declaração de ineficácia.
As Requerentes deduziram o pedido de declaração de ineficácia de actos de execução nos seguintes termos:
“Nestes termos… deverá ser declarada ineficaz a deliberação de adjudicação do contrato, tomada em reunião da Assembleia Municipal, em 27 de Julho de 2010, por consubstanciar um acto de execução indevida com base em ausência de Resolução Fundamentada;
Deverão, ainda, ser julgadas improcedentes as razões invocadas na Resolução Fundamentada apresentada pelo Requerido e, em consequência, ser declarados ineficazes os actos praticados pela Câmara Municipal, em 4 de Agosto de 2010, ao abrigo da referida Resolução Fundamentada, a saber:
Aprovação da minuta do contrato de sociedade a celebrar;
Deliberação de realização de ajustamentos ao conteúdo do contrato que vierem a ser ditados por exigências de interesse público;
Deliberação da constituição da referida sociedade.”
A Entidade Requerida, para permitir a execução imediata do acto, pese embora a dedução do presente pedido cautelar, emitiu a seguinte resolução fundamentada:
“(…)
PROPOSTA
Assunto: Concurso Público Internacional tendente à selecção de entidades com vista à participação, com o Município de Vila Nova de Famalicão, na constituição de uma sociedade comercial, de capitais maioritariamente públicos, tendo por objecto a concepção, e/ou construção, financiamento, manutenção, conservação e disponibilização de infra-estruturas de interesse municipal – Resolução fundamentada tendente à execução do acto adjudicatório.
RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA
I. ANTECEDENTES
1. Por deliberação desta Câmara de 29 de Janeiro de 2009 e da Assembleia Municipal de 20 de Fevereiro do mesmo ano, foi aberto um Concurso Público Internacional tendente à selecção de entidades com vista à participação, com o Município de Vila Nova de Famalicão, na constituição de uma sociedade comercial, de capitais minoritariamente públicos, tendo por objecto a concepção, e/ou construção, financiamento, manutenção, conservação e disponibilização de infra-estruturas de interesse municipal, projecto comummente designado por «Cidade Desportiva e Pavilhão Multiusos».
2. A projectada construção da Cidade Desportiva e do Pavilhão Multiusos constituiu (e constitui) um ponto essencial do programa da coligação que governa actualmente o Município de Vila Nova de Famalicão, enquanto condição sine qua non para afirmar Famalicão como um concelho competitivo no contexto nacional, através nomeadamente:
a) De um melhor ordenamento do território (transferência dos actuais campos de futebol do centro da cidade para a futura Cidade Desportiva, com afectação da área liberta a utilização pública mais alargada, através da construção de um pavilhão gimnodesportivo e a um pavilhão multiusos);
b) Da prática desportiva de alta competição (Cidade Desportiva e Pavilhão Gimnodesportivo);
c) Da execução de grandes eventos nos sectores do conhecimento (congressos e convenções);
d) Do incremento de actividades económicas, através da realização de grandes feiras e exposições (Pavilhão Multiusos).
3. Este programa e os objectivos que lhe presidem foram sufragados pela larga maioria da população famalicense nas eleições autárquicas de 11 de Outubro de 2009.
4. Por deliberação desta Câmara de 2 de Junho, e da Assembleia Municipal de 27 de Julho (por maioria superior a dois terços dos membros presentes), ambas as datas do corrente ano, foi aprovada a adjudicação ao agrupamento constituído pelas empresas A. … SA, C. …, SA, J. … SA e CI. … SGPS, SA.
5. Pelo processo cautelar que, sob o n.º 1292/10.2BEBRG, corre actualmente termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, foi requerida pelo agrupamento classificado em último lugar na lista ordenada dos concorrentes, a suspensão da eficácia da deliberação da Câmara de aprovação da adjudicação ao referido consórcio, com o objectivo de travar e, subsequentemente, anular o concurso.
II. CONSIDERANDOS
1. Tem esta Câmara por certo que a suspensão da execução do acto adjudicatório, a manter-se, implicará graves prejuízos para os interesses públicos corporizados na construção e disponibilização ao público da Cidade Desportiva e do Pavilhão Multiusos, e que ao Município de Vila Nova de Famalicão compete prosseguir, nomeadamente os acima concretamente invocados, e que se relacionam com o ordenamento do território, turismo, desporto, conhecimento técnico e científico, qualidade de vida e bem-estar e desenvolvimento social e económico do concelho, estando consagrados nos art.ºs 65.°, 66.°, 70.°, 73.°, 78.° e 79.° da Constituição, bem como no art.º 13.°, als. a), e), j), n) e o).
Com efeito, nesta precisa fase da nossa vida colectiva, mesmo um compasso de espera de meses, semanas ou até de dias (do tempo necessário, em suma, para a prolação da decisão jurisdicional que vier a pôr termo ao processo cautelar em curso) no procedimento de execução do acto adjudicatório, expõe seguramente a um risco insuportável a efectivação do financiamento bancário da parceria público-privada em causa em condições exequíveis - quando não da própria concessão do financiamento ao projecto -, pondo por isso em causa o próprio projecto, in totum.
E as coisas assim são por mais méritos que tenha a proposta económica adjudicada, por mais sólidas que sejam, técnica e financeiramente, as empresas que integram o agrupamento adjudicatário, e por mais seguro que se possa afigurar, neste momento, esse financiamento e as respectivas condições (nomeadamente das respectivas taxas de juro).
Na verdade, a crise financeira de natureza global, que conheceu um recentíssimo agravamento com as perturbações verificadas a partir do final de Abril do corrente ano no mercado da dívida soberana de Portugal e de outros países da área do euro, traduzidas numa folie diferenciação do risco soberano, trouxe alterações para o mercado de capitais muito significativas em termos de custos de financiamento dos bancos nacionais e consequentemente das empresas que a eles recorrem, sendo hoje matéria assumidamente do domínio público.
Ora, tais custos financeiros reflectem-se essencialmente nas sucessivas e acentuadas alterações nas taxas de juro, nas suas vertentes indexante e de spread. Na verdade; o Mercado Monetário Interbancário (MMI), que constitui o centro do mercado financeiro e funciona como núcleo director das taxas de juro da economia, na esteira desta crise obrigará seguramente as entidades bancárias, e de forma progressiva, a restringir o acesso ao crédito e a aumentar nos próximos tempos o respectivo spread à operação de financiamento do projecto posto a concurso.
Constitui um indicador seguro dessa próxima evolução o «Texto de Política e Situação Económica do Verão de 2010», com as «Projecções para a Economia Portuguesa: 2010-2011», publicado pelo Banco de Portugal no seu Boletim, conforme se passa a demonstrar.
2. Como está claro no referido «Texto de Política e Situação Económica do Verão de 2010», as actuais projecções para a economia portuguesa apontam para uma forte desaceleração da actividade económica já no segundo semestre do presente ano, em virtude do processo de ajustamento de grande magnitude e rapidez por que está passar o país.
Lembra o Banco de Portugal, no seu texto, e de forma reiterada, o "quadro de recrudescimento da diferenciação do risco soberano a nível global", num ambiente económico e financeiro internacional já de si adverso, que tomou particularmente urgente uma correcção dos desequilíbrios macroeconómicos nacionais, através da consolidação orçamental e de desalavancagem do sector privado - o que implicará, no imediato (no curto prazo) elevados custos de ajustamento (pág. 9).
É notória a insistência deste relatório no difícil contexto económico e financeiro dos tempos mais próximos (incluindo o segundo semestre do corrente ano já em curso neste momento), como se pode extrair da passagem que se passa a transcrever:
"Os riscos sobre a actividade económica são descendentes, em particular em 2011. Esta avaliação decorre nomeadamente da possibilidade de, a nível global, se observar uma nova vaga de interacção sistémica entre o sector real e financeiro das economias, num contexto de acentuada discriminação do risco soberano e de tensões nos mercados financeiros internacionais. Outro factor de risco relevante reside na eventual necessidade de se adoptarem, medidas adicionais de consolidação orçamental em vários países europeus, incluindo Portugal. Finalmente, subsistem riscos sobre a natureza gradualista do ajustamento macroeconómico subjacente às actuais projecções, num quadro em que as medidas de natureza temporária adoptadas pelo BCE - visando assegurar liquidez ao sistema bancário e intervir nos mercados de dívida pública da área do euro com maiores perturbações - têm constituído um elemento fundamental para assegurar um regular financiamento da economia portuguesa." (pág. 10, bold e sublinhados nossos).
O ajustamento por que estamos já a passar, implicará, nos próximos tempos, uma crescente escassez do crédito e um progressivo encarecimento das taxas de juro a longo prazo - as que estão precisamente em causa no financiamento da parceria público-privada posta a concurso. Com efeito, refere o texto citado que no respeitante "às taxas de juro a longo prazo, as actuais hipóteses contemplam um aumento contínuo até ao final do horizonte de projecção (2011)" (pág. 11).
Na sua síntese final, reincide o Relatório nestas mesmas notas - nas "perturbações que se exacerbaram a partir do final de Abril no mercado da dívida soberana de Portugal e de outros países da área do euro, que se traduziram numa forte diferenciação do risco soberano", confirmando "que o prémio de risco atribuído pelos participantes nos mercados financeiros pode registar oscilações bruscas e implicar ajustamentos potencialmente muito negativos nos níveis de bem-estar das economias", com drásticas consequências no sector privado, onde se poderão verificar "condições significativamente mais restritivas de acesso ao crédito, num contexto em que as famílias e o sector empresarial apresentam um elevado nível de endividamento" - as quais "deverão igualmente determinar ajustamentos endógenos conducentes a uma situação mais consentânea com o equilíbrio de médio prazo" (pág. 20).
Atendendo à exposição antecedente, tenho a honra de propor, nos termos das disposições conjugadas do art.º 128.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro e do art.º 64.°, n.º 7, al. d) da Lei 169/99, de 18 de Setembro, que esta Exma. Câmara delibere:
a)Reconhecer que o diferimento da execução das deliberações desta Câmara de 2 de Junho de 2010, e da Assembleia Municipal de 27 de Julho de 2010, que aprovaram a adjudicação ao agrupamento constituído pelas empresas A. … SA, C. …, SA, J. … SA e CI. … SGPS, SA, seria gravemente prejudicial para o interesse público, face aos factos anteriormente referidos e aos inerentes riscos para os interesses públicos que ao Município de Vila Nova de Famalicão compete prosseguir e assegurar;
b) Determinar o envio da presente deliberação para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, promovendo-se a sua junção ao processo n. ° 1292/10.2BEBRG.
c)Determinar, em consequência:
- A aprovação da minuta do contrato de sociedade a celebrar pelo órgão competente para a decisão de contratar, nos termos do art." 98.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo DL 18/01, de 29 de Janeiro, depois de comprovada a prestação da caução pelo adjudicatário;
- A realização dos ajustamentos ao conteúdo do contrato que vierem a ser ditados por exigências de interesse público, nos termos do art." 99.º do CCP;
- A constituição da referida sociedade.
Vila Nova de Famalicão, 30 de Julho de 2010
O Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão
(Assinatura e nome)
(…)
----DELIBERADO POR MAIORIA, NOS TERMOS DA PROPOSTA APRESENTADA:----
-RECONHECER QUE O DIFERIMENTO DA EXECUÇÃO DAS DELIBERAÇÕES DA CÂMARA E DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE 02 DE JUNHO E 27 DE JULHO, RESPECTIVAMENTE, SERIA GRAVEMENTE PREJUDICIAL PARA O INTERESSE PÚBLICO, FACE AOS FACTOS REFERIDOS NO CORPO DA PROPOSTA.----
-DETERMINAR O ENVIO DA PRESENTE DELIBERAÇÃO PARA O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA, PROMOVENDO A SUA JUNÇÃO AO PROCESSO MENCIONADO NA ALÍNEA B) E, CONSEQUENTEMENTE, APROVAR A MINUTA DO CONTRATO DE SOCIEDADE, DE ACORDO COM O ESTABELECIDO NA ALÍNEA C) DA MESMA. ----
-CONFORME DELIBERAÇÃO TOMADA EM CINCO DE NOVEMBRO DE 2009, A ACTA É APROVADA EM MINUTA. ----
- VOTARAM CONTRA OS SENHORES VEREADORES ELEITOS PELO PARTIDO SOCIALISTA QUE APRESENTARAM DECLARAÇÃO DE VOTO.
(…)”.
1.2.1. A deliberação de 27.07.2010 da Assembleia Municipal.
A qualificação deste acto como acto final do procedimento ou não, como acto impugnável ou não, implica uma análise jurídica profunda incompatível com os termos perfunctórios que um procedimento cautelar pressupõe.
Em todo o caso, mostra-se patente que não é um acto de execução da deliberação da Câmara Municipal de 07.07.2010, pela qual foi indeferido o recurso gracioso apresentado pelas Requerentes, mantendo os relatórios preliminar e final elaborados pelo júri do procedimento mantendo a anterior proposta de adjudicação ao consórcio Contra-Interessado.
Tem um objecto distinto pois se reporta directamente à adjudicação, enquanto a deliberação da Câmara Municipal tem por objecto imediato o recurso administrativo interposto pelas Requerentes e apenas como objecto mediato a adjudicação.
Assim como não é um mero acto de execução da deliberação anterior, de que houve recurso gracioso, a deliberação da Câmara Municipal de 02 de Junho de 2010.
Um acto de execução representa a efectivação de um imperativo contido num acto anterior; não passa de um simples acto que se limita a desenvolver e aplicar a anterior definição jurídica (v.g., Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, volume I, 10ª ed., páginas 446-447).
Ora a deliberação da Assembleia Municipal tem conteúdo autónomo em relação a qualquer das deliberações da Câmara Municipal pois, pelo seu próprio teor, decide adjudicar o contrato em apreço ao Consórcio Contra-Interessado.
Não se limita a cumprir um imperativo contido nas deliberações anteriores ou a desenvolver e aplicar qualquer definição que nelas esteja contida.
Daí que em relação a este acto não se possa sequer colocar a questão da declaração de ineficácia, a qual apenas diz respeito, nos termos do citado artigo 128º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a actos de execução.
1.2.2. Falta de constituição de advogado.
Invocam as Requerentes a este propósito que a Resolução Fundamentada foi junta ao processo pelo Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e não, como exige o n.º 1, do artigo 11º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por advogado.
Tal como defendem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, página 85: “O patrocínio judiciário pode ser exercido, conforme os casos, por advogado, advogado estagiário ou solicitador, e, em relação a requerimentos em que se não levantem questões de direito, pelas próprias partes (artigo 32.º do CPC) ….”.
No mesmo sentido, Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, no Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, 2004, reimpressão, pág. 174: “O facto de a lei exigir a constituição de advogado nos processos administrativos não impede que haja actos processuais que podem ser praticados pelas próprias partes (por um seu mandatário), por advogados estagiários ou por solicitadores, como é o caso, por exemplo, de requerimentos em que não se levantem questões de direito (art. 32.º/2 do CPC).
Ora no caso concreto a Resolução Fundamentada apresentada nos autos embora mencione, como seus fundamentos, normas jurídicas, como a generalidade dos actos administrativos, não suscita questões jurídicas que impusessem a intervenção de advogado.
Em todo o caso, a falta de constituição de advogado nunca teria a consequência processual pretendida pelas Requerentes, de desentranhamento da Resolução, mas apenas o convite à Câmara Municipal para constituir mandatário e ratificar o processado, nos termos do disposto nos artigos 33º e 40º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Mas no caso concreto nem essa notificação se impunha, dado não se impor a subscrição por advogado da Resolução Fundamentada, por aqui não se suscitarem questões de direito.
Termos em que improcede esta arguição das Requerentes.
1.2.3. Incompetência relativa.
Insurgem-se ainda as Requerentes contra a Resolução Fundamentada por entenderem que a mesma padece do vício de incompetência relativa, dado que deveria ter sido submetida, como proposta, à aprovação da Assembleia Municipal.
Conforme se refere no acórdão no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14-02-2008, no processo n.º 01205/07.9BEVIS-A, já acima citado (ponto I do sumário):
“O incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida não comporta na sua letra e finalidade a obtenção de declaração de invalidade da resolução à luz das ilegalidades assacadas à mesma tal como resultaria no contexto de pretensão formulada numa acção administrativa especial.”
Daí que não caiba nesta sede apreciar se a Câmara Municipal tinha ou não competência, por si só ou acompanhada da Assembleia Municipal, para emitir a Resolução Fundamentada.
1.2.4. Os fundamentos da resolução fundamentada.
Tal como acima se referiu, citando o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 14-02-2008, no processo n.º 01205/07.9BEVIS-A, no incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução, o Tribunal apenas deve verificar se aquela resolução fundamentada existe, se a mesma foi emitida dentro do prazo legal e se está verdadeiramente fundamentada no sentido de demonstrar e provar que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
No caso concreto a Resolução Fundamentada existe – está documentada nos autos - e foi emitida dentro do prazo legal.
E também demonstra, ao contrário do que defendem as Requerentes, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
Ressalta-se a citação de um documento do Banco de Portugal, o seu Boletim, donde se extraiu o «Texto de Política e Situação Económica do Verão de 2010», com as «Projecções para a Economia Portuguesa: 2010-2011» onde, em particular, se menciona que no respeitante "às taxas de juro a longo prazo, as actuais hipóteses contemplam um aumento contínuo até ao final do horizonte de projecção (2011)" (pág. 11).
E, como se menciona na Resolução Fundamentada “O ajustamento por que estamos já a passar, implicará, nos próximos tempos, uma crescente escassez do crédito”.
O que sempre implicaria, a suspender-se a execução do acto até à decisão final desta emaranhada providência cautelar, um atraso significativo de uma parceria que tem por escopo a realização de obras importantes para o Município de Vila Nova de Famalicão que, como se refere na Resolução, se relacionam com o ordenamento do território, turismo, desporto, conhecimento técnico e científico, qualidade de vida e bem-estar e desenvolvimento social e económico do concelho.
Independentemente do prazo de execução da obra, a necessária reconfiguração do programa de financiamento com o previsível agravamento das respectivas condições constitui, por si só, fundamento para a imediata execução do acto (ver a este propósito o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.04.2008, no processo n.º 01079/07).
Termos em que, embora por fundamentos diferentes, se impõe manter o despacho judicial ora recorrido.
A ampliação do objecto deste recurso.
O Município de Vila Nova de Famalicão deduziu pedido de ampliação do objecto deste recurso.
Vejamos.
Determina o n.º 1 do artigo 684.º-A do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que “No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.”
Como nos diz Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Processo Civil, Lisboa, 1997, pág. 463 “O recurso sobre a causa de pedir ou fundamento em que a parte vencedora decaiu é sempre subsidiário perante a procedência do recurso interposto pela contraparte. Ele destina-se a obter uma decisão favorável à parte recorrida com base numa outra causa de pedir ou num outro fundamento, se o recurso interposto pela contraparte for procedente e se, portanto, for revogada a decisão impugnada naquilo que lhe era favorável” (sublinhado nosso).
E tem-se interpretado este preceito no sentido de que o mesmo se aplica a “situações em que a parte tendo apoiado a acção ou a defesa em vários fundamentos, a mesma decaia em um ou mais desses fundamentos e não em outros. Subindo o processo em recurso por iniciativa da outra parte, a lei confere ao recorrido (parte vencedora que não recorreu por, afinal, ter tido ganho de causa) a possibilidade de, precavendo-se da eventualidade de o recorrente lograr procedência do recurso, requerer ao tribunal ad quem, o conhecimento do fundamento ou dos fundamentos em que decaiu.”(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.03.2002, Rev. 2649/01-4.ª Secção, com sublinhado nosso).
Ora no presente caso as Requerentes não obtiveram ganho no recurso jurisdicional interposto contra a decisão que pôs termo ao incidente de declaração de ineficácia de actos de execução, como acabou de se ver.
Falta, assim, o pressuposto necessário para o conhecimento do pedido de ampliação do objecto do recurso jurisdicional, não se vislumbrando qualquer interesse legítimo da parte dos Requeridos no sentido de apreciar este pedido.
Termos em que se impõe julgar prejudicado o conhecimento do pedido de ampliação do objecto do recuso jurisdicional interposto contar a decisão incidental em apreço, assim, como, consequentemente, todas as questões neste suscitadas.
2. Os recursos contra a sentença.
2.1. A sentença recorrida deu como indiciariamente provados os seguintes factos relevantes, sem reparos nessa parte:
1. Por deliberação da Assembleia Municipal de 20 de Fevereiro de 2009 e da Câmara Municipal de 29 de Janeiro de 2009, foi tomada a decisão de iniciar o Procedimento adjudicatório tendente à selecção de entidades com vista à participação, com a Entidade Adjudicante, na constituição de sociedade comercial, de capitais minoritariamente públicos, tendo por objecto a concepção e/ou construção, financiamento, manutenção, conservação e disponibilização de Infra-Estruturas de Interesse Municipal constantes do Anexo I ao Programa do Procedimento.
2. O anúncio do concurso foi publicado no Diário da República, II Série, n.º 137, de 17 de Julho de 2009;
3. As especificações do concurso constam do denominado “Programa do Procedimento: Parceria Público-Privada”;
4. No dia 21 de Julho de 2009, as Requerentes prestaram caução, no montante de € 2.000,00, para disponibilização das peças do procedimento;
5. O júri prestou esclarecimentos nos dias 14 de Agosto de 2009, 03 de Setembro de 2009 e 14 de Outubro de 2009 – cfr. docs. n.ºs 4, 5 e 6, juntos aos autos, com o r.i. e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
6. No dia 12 de Fevereiro de 2010, o júri solicitou aos Requerentes um pedido de esclarecimentos – cfr. doc. n.ºs 7, junto aos autos, com o r.i. e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
7. No dia 19 de Abril, as Requerentes receberam o relatório preliminar elaborado pelo Júri;
8. No dia 11 de Junho as Requerentes receberam o relatório final e, bem assim, a decisão de adjudicação, deliberada na reunião de Câmara do dia 02 de Junho de 2010;
9. Por não se conformar com a decisão de adjudicação, as Requerentes interpuseram recurso hierárquico da mesma, no dia 18 de Junho de 2010 – cfr. doc. n.ºs 8, junto aos autos, com o r.i. e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
10. No dia 07 de Julho de 2010, a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão deliberou indeferir o recurso apresentado pelas ora Requerentes, mantendo os relatórios preliminar e final elaborados pelo júri do procedimento mantendo a anterior proposta de adjudicação ao Agrupamento composto pelas empresas “A. … S.A.”, “C. … S.A.”, “J. … S.A.” e “CI. … SGPS S.A.” – cfr. docs. n.ºs 9 e 10, juntos aos autos, com o r.i. e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
11. A 27 de Julho de 2010, na sequência da proposta da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, referida em 10., a Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão deliberou adjudicar contrato de sociedade a agrupamento concorrente das requerentes;
12. Correm termos neste TAF os autos nº 1510/10.7BEBRG-A, com as mesmas partes e a mesma causa de pedir, visando obter a suspensão de eficácia deste acto, praticado em 27.07.2010, pela Assembleia Municipal De Vila Nova De Famalicão;
2.2. O recurso das requerentes G. …, E. …, S.A, F. …, S.A. e I. …, S.A..
São estas as conclusões das alegações deste recurso:
1. Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, na qual se concluiu pela verificação da excepção de inimpugnabilidade do acto suspendendo, isto é, da deliberação da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão de 02 de Junho de 2010 e, consequentemente, absolveu da instância os Requeridos.
2. O douto Tribunal a quo considerou que “(...) o acto objecto dos presentes autos carece dos efeitos externos pretendidos pelas requerentes, nos termos supra, sendo insusceptível de impugnação e, interlocutoriamente, suspensão.”
3. Na perspectiva das Requerentes, há que ter em consideração duas questões diferentes: por um lado, se o Tribunal está perante um acto procedimental e, por outro lado, se o mesmo é susceptível de ser autonomamente impugnável;
4. A deliberação proferida pela Assembleia Municipal de Vila Nova de Famalicão, no dia 27.07.2010, constitui o verdadeiro acto de adjudicação, no entanto, a deliberação proferida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão consubstancia um acto potencialmente lesivo para as ora Recorrentes;
5. Na verdade, o facto de o acto praticado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão não ser o acto definitivo do procedimento, não implica que o mesmo não seja potencialmente lesivo e, consequentemente, susceptível de impugnação autónoma;
6. Considerando que à Assembleia Municipal caberá deliberar sobre a proposta da Câmara Municipal, o acto de escolha levado a cabo por esta última tem já efeitos externos e é já lesivo para os concorrentes preteridos, porquanto propõe à Assembleia Municipal que esta venha a adjudicar o contrato a um outro concorrente que não ao agrupamento constituído pelas Requerentes, aqui Recorrentes;
7. A exigência de eficácia externa pressupõe que o acto produza ou constitua (ou vise constituir) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta;
8. A deliberação proferida pela Câmara Municipal constitui uma verdadeira pré-decisão, no âmbito do procedimento concursal, apresentando, por conseguinte, conteúdo eminentemente lesivo relativamente aos concorrentes preteridos, como é o caso das ora Recorrentes;
9. Importa, contudo, reconhecer que apenas mediante deliberação da Assembleia Municipal haverá lesão efectiva dos interesses das ora Recorrentes;
10. É indubitável que a deliberação da Câmara Municipal é potencialmente lesiva para os concorrentes preteridos, sendo que a sua potencial lesividade converteu-se em lesividade plena com a prolação do acto de adjudicação da Assembleia Municipal;
11. Considerando que o acto praticado pela Câmara Municipal consubstancia um acto dotado de efeitos externos e, consequentemente, impugnável, impunha-se que o Tribunal a quo se pronunciasse no sentido da consideração dessa impugnabilidade e, consequentemente, apreciasse as demais questões subjacentes aos presentes autos.
2.5. A matéria de excepção suscitada quanto ao pedido de suspensão.
O conhecimento das excepções de inimpugnabilidade do acto (por ser preparatório ou por falta de lesividade), da caducidade do direito de acção, ilegitimidade activa e erro na forma de processo, tal como foram suscitadas oficiosamente e pelas partes, não é compatível com a natureza sumária e provisória de uma providência cautelar, como a presente, de suspensão da eficácia de acto administrativo.
A sede própria para conhecimentos destas questões é a do mérito do pedido de suspensão, em concreto, na análise dos requisitos constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Isto sendo certo que, como iremos de seguida analisar, não se verifica no caso concreto uma situação enquadrável no disposto na alínea a) do mesmo preceito.
2.6. O mérito do pedido de suspensão da eficácia.
A resposta à questão da propriedade do meio processual não é compatível, porque também pressupõe a caracterização precisa do acto suspendendo, com a natureza sumária e perfunctória da decisão cautelar, como acabou de se referir.
Daí que – e sempre o seria em obediência ao princípio da prevalência das decisões de mérito sobre as decisões de forma, consagrado no artigo 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos –se tenha por adequado o meio processual adoptado pelas Requerentes, de suspensão da eficácia de acto administrativo.
Por conseguinte, passaremos à análise dos requisitos constantes do artigo 120º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo certo que os constantes da alínea b) do n.º 2, são mais exigentes (inclui também o non malus fumus iuris), do que os impostos pelo n.º 6 do artigo 132º do mesmo diploma (apenas importa a ponderação de interesses), na hipótese de se entender, como o Município Requerido, que estamos perante uma providência no âmbito de um procedimento de formação de contrato, a seguir a tramitação processual pré-contratual urgente.
Determina a alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que uma providência cautelar é decretada quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
Algo evidente é algo que não oferece dúvida, incontestável, certo (ver dicionário no sítio http://www.priberam.pt/ ).
O que é evidente não precisa de ser explicado, para um destinatário mediano, bem entendido. O que precisa de explicação já não é evidente.
Aqui falamos, claro está, de uma evidência não meramente lógica mas jurídica, a evidência de que a pretensão é procedente.
Mas para não se descolar os conceitos jurídicos do conceito comum, de forma a que os destinatários das decisões as possam compreender o melhor possível, só poderemos dar por preenchida esta previsão legal quando a procedência se imponha claramente, seja incontestável, certa para quem tem o mínimo de formação jurídica.
Só nos casos em que procedência da pretensão se mostre indiscutível, patente e, por isso, a decisão final do processo principal, salvo circunstâncias anormais e imprevisíveis, se mostre como algo certo, inexorável, se pode dizer que a procedência é evidente (neste sentido ver os acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.1.2006, recurso 01295/05, e de 28-06-2007, recurso 02225/07).
Pois apenas nestes casos se justifica a desnecessidade de demonstrar os requisitos exigidos por lei para o decretamento das providências cautelares, em concreto os que são exigidos nas restantes alíneas do mesmo n.º1, e no n.º 2, do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
São, portanto, raros os casos em que esta previsão se pode dar por preenchida.
Como dizem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. 2005, p. 120, “Os próprios exemplos que o legislador indica no preceito sugerem, porém, que este preceito deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações”.
Ou, como se refere, entre outros, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.04.2010, processo 02484/09.2BEPRT:
“Só em relação aos vícios graves, aqueles que concretizam uma lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso implicam a nulidade do acto, é que é possível verificar o requisito previsto no artigo 120º, alínea a) do CPTA porque em relação à violação de preceitos de forma em sentido amplo, o que inclui a forma e o próprio procedimento, incluindo vícios cominados com a anulabilidade, nem sempre a preterição da forma conduz à anulação.”
Fora das situações em que a solução jurídica se imponha sem necessidade de qualquer indagação ou explicação para além da simples indicação da evidência, e das situações de vícios graves, impõe-se demonstrar os requisitos para o deferimento da providência, mencionados nas aludidas alíneas b) e c).
Ora todas as questões aqui suscitadas, envolvem um estudo aprofundado e complexo do procedimento administrativo e dos actos com que o mesmo culminou.
Em concreto, do que foi invocado pelas Requerentes, 1) a ilegalidade das fórmulas utilizadas na apreciação dos itens “Prazos de início e execução das obras”, “Custos para o erário público municipal” e “Valor atribuído aos direitos de superfície”, 2) a impossibilidade de comparação das propostas e 3) a alteração das propostas, em concreto da proposta do consórcio Adjudicatário, todas estas são questões cuja solução está longe de ser evidente.
Não são absolutamente, ou com evidência, improcedentes os principais argumentos esgrimidos pelo Município requerido, a propósito dos dois primeiros vícios: a) de que se trata de ilegalidades, a existirem, que dizem originariamente respeito às peças procedimentais pelo que, tendo decorrido o prazo para as impugnar já não podem ser apreciadas em sede de impugnação do acto de adjudicação, e b) ainda que não se tivessem verificado essas (pretensas) ilegalidades, o resultado final do procedimento seria o mesmo.
Quanto, ainda, ao segundo vício também se mostra aceitável a tese do Município Requerido de que houve um esclarecimento quanto à possibilidade, ou não, de dedução do IVA e não a criação, ilegal, da alternativa de apresentar propostas com diferentes modalidades desse imposto, abdicando de uma base comum que permitisse a comparação das propostas.
E quanto ao terceiro vício também não é, pelo menos com evidência, improcedente o argumento do Município Requerido, de que se limitou a antecipar a solução que, em sede de execução do contrato, se impunha relativamente ao IVA da proposta apresentada pelo concorrente vencedor.
Por outro lado, nenhum destes vícios é tão grave que se traduza numa nulidade do acto de adjudicação.
E, em todo o caso, basta que procedam as excepções de caducidade do direito de acção ou da inimpugnabilidade do acto para que estas questões nem sequer se coloquem.
Isto sendo certo que também nenhuma destas excepções apresenta uma solução clara, evidente.
Pelo que não se verifica a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
O que impõe verificar se, no caso concreto, estão preenchidos, ou não, os requisitos a que alude a alínea b) do mesmo preceito, uma vez que, na verdade, estamos perante um pedido de suspensão da eficácia de um acto, medida cautelar tipicamente conservatória.
Determina-se na alínea b), do n.º1, do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:
“b) Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.10.2009, Proc. n.º 0826/09, reiterando entendimento jurisprudencial que ali invoca, face “… ao art. 120.º, n.º 1 b) e n.º 2 do CPTA, são três os requisitos de que depende a concessão de uma providência conservatória (como é o caso da suspensão de eficácia do acto) e cuja verificação é cumulativa: - o fumus boni iuris, na sua formulação negativa; - o periculum in mora; - a superioridade dos danos resultantes da sua concessão, relativamente aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”.
No que diz respeito, desde logo, ao fumus non malus iuris, sustentou-se, impressivamente, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.05.2009, proc. n.º 0156/09, que o «tribunal apenas se deve basear, para a formulação dos juízos a que se refere o art. 120.º, numa apreciação perfunctória, que é própria da tutela cautelar, sobre a (in)existência de circunstâncias que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa e sobre a probabilidade de êxito que o requerente poderá ter no processo principal. Trata-se, pois, de juízos formulados sob reserva de, no processo principal, se poder chegar a uma conclusão diferente».
Reportando-nos de novo ao caso concreto, e como acima se adiantou, nenhum dos vícios invocados apresenta uma solução evidente.
Pelo contrário, são complexos e igualmente válidos, numa análise perfunctória do caso, os argumentos esgrimidos pelas partes relativamente a todas as questões, adjectivas e substantivas, suscitadas.
É, por isso, discutível qual o resultado do processo principal. Tão discutível que terá de se aceitar a afirmação de que não é manifesta a improcedência da acção principal.
Quanto ao facto consumado:
É previsível que, face à complexidade do processo principal, o objecto da adjudicação esteja, ao menos parcialmente, cumprido quando aquele terminar, pelo que não será já possível retomar o procedimento à fase anterior à adjudicação, como se este acto não tivesse sido praticado, o que constitui, por si só, uma situação de facto consumado.
A ponderação de interesses:
Os prejuízos alegados pelas Requerentes não são substancialmente diferentes dos demais concorrentes e, em particular dos interesses económicos do Consórcio vencedor, Contra-Interessado.
Nesse plano os interesses equivalem-se e, na ponderação entre eles, anulam-se.
Fica assim apenas, a pender para a improcedência do pedido de suspensão da eficácia, o interesse público que se revelou na Resolução Fundamentada e que aqui se reitera:
A suspensão da eficácia do acto de adjudicação implicaria um atraso significativo de uma parceria que tem por escopo a realização de obras importantes para o Município de Vila Nova de Famalicão que, como se refere na Resolução, se relacionam com o ordenamento do território, turismo, desporto, conhecimento técnico e científico, qualidade de vida e bem-estar e desenvolvimento social e económico do concelho.
A necessária reconfiguração do programa de financiamento com o previsível agravamento das respectivas condições constitui, por si só, fundamento para a imediata execução do acto.
Foi por isso acertada a decisão, ora recorrida, de indeferir a presente providência.
Termos em que se impõe manter a decisão recorrida, embora por diversos fundamentos.
2.7. O pedido de ampliação do objecto deste recurso.
Também neste recurso jurisdicional as Recorrentes decaíram pelo que fica de igual modo prejudicado o conhecimento do pedido de ampliação do objecto do recurso, como acima se explicou a propósito do primeiro recurso jurisdicional, bem como todas as questões neste recurso suscitadas.
2.8. O recurso interposto pelo Município de Vila Nova de Famalicão.
São estas as conclusões das alegações deste recurso:
A - O Recorrente não se conforma com a sentença proferida em 21 de Dezembro de 2010, no âmbito da qual, o Tribunal a quo julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto suspendendo, absolvendo o Recorrido da instância.
B - Não obstante esta absolvição da instância, o Recorrente não se pode conformar com os fundamentos que determinaram tal decisão, não só por coerência com a configuração jurídica que atribuiu nos autos ao acto impugnado, mas principalmente, porque a solução agora apontada não é conforme com a lei.
C - Ora, ao conformar-se com a inimpugnabilidade, o Recorrente estaria a admitir o carácter impugnável da deliberação da Assembleia Municipal de 27.07.2010, enquanto acto de adjudicação.
D - O Recorrente não aceita que o Tribunal a quo tenha começado por sustentar o seu entendimento acerca da qualificação do acto impugnado, no facto de as Recorridas terem intentado uma nova acção, cuja PI é em tudo semelhante à dos presentes autos, salvo o facto de ter por objecto um acto distinto, ou seja, a deliberação da Assembleia Municipal tomada a 27.07.2010, como que, por si só, tal circunstância pudesse consubstanciar um argumento a atender.
E - Ora o que de facto sucedeu, é que após a apresentação da Oposição do Requerido, as Requerentes deslocalizaram o acto de adjudicação da deliberação da Câmara para a deliberação da Assembleia Municipal, passando a defender a tese da competência conjunta da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal para a adjudicação — repare-se para o efeito na diferente qualificação que é feita pelas Requerentes no RI e nas demais peças que lhe sucederam, inclusive na PI da acção principal (tese essa que o Tribunal a quo perfilhou).
E -O motivo que subjaz a esta alteração de entendimento e que, conduziu as Recorridas à interposição de uma nova acção, e de uma nova providência cautelar, a correrem actualmente termos sob o n.° 1510/10.7BEBRG e 1510/10.7BEBRG-A, reside no facto do Recorrente ter invocado em sede de Oposição à presente providência (assim como em sede de Contestação na acção principal), a caducidade do direito de acção das Recorridas, excepção peremptória susceptível de obstar ao conhecimento total do mérito da causa, e de assim frustrar a possibilidade daquelas porem em causa a adjudicação feita no concurso, resultando assim inatacável a adjudicação.
G -Contudo, e antes de mais releva aqui apresentar a sustentação jurídica que o Recorrente advoga e que assenta em dois pontos fundamentais, a saber.
a) Do regime legal de competências dos órgãos autárquicos, para efeitos da decisão de contratar e consequente decisão de adjudicação, que envolve, sistematicamente, as seguintes questões:
i) Aferir da natureza remuneratória do contrato, para efeitos de determinação de regime de competências aplicável (artigo 36.° n.° 1 ou artigo 36.° n.° 2 do CCP).
ii) Concretização do regime de legal da competência para a decisão de contratar e, consequentemente, adjudicação.
b) Da qualificação jurídica da deliberação da Assembleia Municipal, objecto dos autos a correr termos sob o n.° 1510/10.7BEBRG.
H - Ora, a competência para adjudicar está atribuída ao órgão competente para decidir contratar (artigo 36.° n.° 1 e artigo 73.°, ambos do CCP), sendo que, esta competência é atribuída de acordo com os critérios previstos nos n.° 1 e 2 do artigo 369 do CCP, e que em concreto lhe forem aplicáveis (ou seja, estar em causa um contrato que obrigue ou não ao pagamento de um preço).
I - No caso dos autos não existe qualquer dúvida que está em causa um contrato que obriga a entidade adjudicante ao pagamento de um preço, seguindo-se, portanto, as consequências legalmente previstas para a autorização da despesa, de acordo com o Decreto-Lei n.° 197/99, de 8 de Junho.
J - Daqui decorre que, de acordo com o critério do “preço/despesa” que constitui trave mestra do artigo 36.° do CCP, não pode o Recorrente deixar de fazer notar que, na Parceria objecto do concurso em crise, o modo de remuneração do parceiro privado consiste num preço (o qual configura uma despesa).
K - O procedimento em apreço tem por objecto a adjudicação conjunta (num único procedimento) de uma complexidade contratual (que constitui a Parceria).
L - O facto de o parceiro privado ter ficado encarregado de disponibilizar as infra- estruturas ao próprio parceiro público (e entidade adjudicante), e de a exploração das infra-estruturas ter ficado a competir ao parceiro público (e entidade adjudicante), mostra- nos que o risco da exploração (risco “da procura”) não foi transferido para o parceiro privado, tendo este ficado “apenas” com os riscos atinentes à construção, manutenção e disponibilização das infra-estruturas — pelo que a sua remuneração constitui um preço, constante do contrato (de entre os vários que compõem o complexo contratual da parceria) que regulamenta a manutenção e disponibilização.
M -Assim, o contrato de sociedade (criação da Sociedade Gestora) consubstancia, no todo da arquitectura contratual da Parceria, o modo de criação da mesma, ou seja, um contrato que assume um papel meramente instrumental em relação aos contratos adjudicados ao contraente privado.
N -De forma que o contrato de sociedade é apenas um, de entre os contratos adjudicados, estando longe de ser o mais “importante” ou “definidor” dos aspectos fundamentais da parceria público-privada objecto do concurso, designadamente para efeitos do artigo 36.° do CCP, constituindo antes uma modalidade de execução da mesma.
O -Ora, do regulado pelo Decreto-Lei n.° 197/99 resulta que para autorizar a despesa sem limite são competentes as câmaras municipais, as juntas de freguesia, o conselho de administração das associações de autarquias locais e o órgão executivo de entidades equiparadas a autarquias locais (realce nosso, da alínea b) do n.° 1 do artigo 18.° do aludido Decreto-Lei).
P - Ou seja, resulta inequivocamente do regime da autorização de despesas na contratação pública, que as câmaras municipais não estão submetidas a qualquer limite nesta matéria.
Q -Posto isto, é inequívoco no caso dos autos que a intervenção da Assembleia Municipal não é necessária para a prática do acto de adjudicação.
R - Robustece-se a ideia anteriormente sufragada, ao afirmar-se que não constitui tal contrato de sociedade, nunca, o elemento definidor do modo de remuneração do parceiro privado — sendo este o aspecto essencial à luz do artigo 36.° do CCP, pelo que, não pode, portanto, a presença do contrato de sociedade ser utilizada para ofuscar que a contrapartida contratual do parceiro privado consiste num preço (o verdadeiro modo de remuneração do parceiro privado na presente Parceria) — com efeito, a presença, ou não, da entidade adjudicante e parceiro público no capital da Sociedade Gestora (SPV da presente parceria) em nada altera este aspecto.
S - Importa portanto, como se compreenderá, autonomizar dois actos distintos: um primeiro, correspondente, à decisão de autorização do Município a participar numa empresa privada de âmbito municipal que prossiga fins de reconhecido interesse público e local, fixando as condições gerais dessa participação (atribuída à Assembleia Municipal pela alínea m) do n.° 2 do artigo 53.° do D.L. 169/99, e a ser por esta deliberada sob proposta da Câmara Municipal, deliberação que in casu foi tomada no dia 20 de Fevereiro de 2009); e um segundo acto em que se adjudica ao consórcio seleccionado o complexo de contratos, correspondente à decisão adjudicatória.
T - O que significa que, deliberada que esteja essa autorização, nada mais obriga a Assembleia Municipal a intervir (entenda-se, a decidir), nomeadamente no que diz respeito ao procedimento concursal, a que se dará início para efeitos de selecção de parceiro privado.
U - Não decorre deste preceito, nem da alínea a) do n.° 6 do artigo 64.° da LAL, que tal procedimento será levado a cabo pela Assembleia Municipal.
V - Resultando tão só destas duas normas que a Assembleia Municipal, mediante proposta da Câmara Municipal, deverá autorizar a participação do Município em empresa(s) privada(s) de interesse e âmbito municipal já existente(s) ou a criar, na sequência de proposta fundamentada da Câmara nesse sentido, não se estabelecendo na lei qual o momento em que tal deliberação de autorização deva ocorrer.
W - Não designando o legislador qual o momento em que a referida deliberação deva ter lugar, resulta do conteúdo material de diversos princípios enformadores da contratação pública e do direito administrativo (como seja o princípio da transparência, o princípio da utilidade dos actos procedimentais; princípio da separação das competências entre diferentes órgãos), que a mesma seja tomada antes do lançamento do concurso (como foi em concreto), até porque é nesse momento que as condições gerais devam ser fixadas pelo órgão competente, de forma a conferir a estabilidade necessária ao procedimento concursal, e necessariamente às peças procedimentais que integram as referidas condições gerais, para que, após adjudicação, não fique o adjudicatário confrontado com uma deliberação de não autorização de participação do Município na sociedade a constituir; assegurando-se, ainda, uma maior transparência da deliberação de autorização, e da respectiva aprovação das condições gerais, quando ainda não é conhecido o adjudicatário.
X - Ora, foi exactamente o que aconteceu no caso dos autos: a Assembleia Municipal deliberou sob proposta da Câmara Municipal aprovar a participação do Município na sociedade comercial a constituir, a qual assumirá a forma de sociedade anónima de capitais minoritariamente públicos, conforme acta de reunião de 20.02.2009 (junta ao processo administrativo, e expressamente referenciada no procedimento concursal), nos termos da qual foi ainda deliberado aprovar integralmente e sem reservas, a proposta da Câmara Municipal, da qual constavam já todas as pecas procedimentais, incluindo caderno de encargos, peça de onde resultam as condições gerais de participação do Município na sociedade a constituir.
Y - Ora, nessa data, a Assembleia Municipal autorizou o lançamento da parceria, bem como, todo o respectivo modelo e contexto no qual se insere a sociedade (Project Finance, valências e tarefas a cargo dos parceiros e modo de remuneração do parceiro privado), autorizou que fizesse parte do modelo da parceria a criação de uma sociedade veículo (a Sociedade Gestora) na qual participarão ambos os parceiros, bem como o respectivo posicionamento ou papel na economia global da Parceria, autorizou cláusulas do CE contendo exigências relativas aos estatutos, como também a previsão das regras a introduzir no Acordo Parassocial a celebrar, etc.
Z - Pelo que, a autorização das condições gerais da criação e participação na sociedade pela Assembleia é um acto procedimentalmente autónomo e independente do acto de adjudicação. De resto, a impugnação da deliberação de autorização nunca interfere como é bom de ver, com o acto de adjudicação da Câmara Municipal.
AA - Resta, por fim, qualificar juridicamente a deliberação da Assembleia Municipal, objecto dos autos a correr termos sob o n.° 1510/10.7BEBRG.
BB - Com efeito, por unia questão de mera conformação e confirmação de carácter total e absolutamente político, sustentada legalmente ao abrigo da competência genérica que a al. o) do 53.° da LAL atribui aos órgãos deliberativos municipais (de “pronunciar-se e deliberar sobre assuntos que visem a prossecução das atribuições da autarquia”), não constitui este, inquestionavelmente (ainda que o queiram fazer parecer), um acto constitutivo da decisão de adjudicação, nem sequer um seu acto de execução.
CC - Desde logo, a admitir-se que assim seria, estar-se-ia a gerar uma completa atrofia das competências dos órgãos. Estar-se-ia imagine-se a considerar uma competência mista, inexemplificável no quadro jurídico-normativo do ordenamento português. Decorre portanto, como supra fizemos questão de sublinhar que “esta norma não tem o condão de suportar derrogações ao sistema de repartição de competências legalmente instituído e, nomeadamente, neste mesmo diploma”.
DD - Neste sentido, é nossa vontade reforçar a posição assumida por Jorge Miranda, no sentido em que até se podia pronunciar negativamente sobre questões de constitucionalidade e legalidade da actuação do executivo sob apreciação, o que todavia não produzida qualquer “efeito jurídico relevante que atinja a sua subsistência ou os seus efeitos” (Jorge Miranda, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo II, Coimbra 2006, anotação ao art.° 162°, al. a), pp. 507-508).
EE - Assim, o que sucedeu é que o Executivo Camarário submeteu politicamente à Assembleia Municipal o sentido da adjudicação tomada, assim se alcançando o consenso político em torno desta questão, com o envolvimento de todos os representantes municipais na decisão, legitimando-a e fortalecendo-a por essa via (repita-se, do ponto de vista político).
FF — Bem se pode dizer, que o excesso de zelo e de legalidade pode ser contraproducente, pelo que não se pode querer virar contra a Administração o excesso de formalismo, até porque, a Assembleia Municipal não poderia de forma alguma permitir-se a revogar ou alterar a decisão de adjudicação tomada pelo Executivo.
GG — De forma que, a haver uma deliberação contrária à decisão da Câmara Municipal, tal decisão não produziria efeitos jurídicos (motivo pelo qual se torna claro que, nem tão pouco seria sindicável jurisdicionalmente).
HH — Sem nunca, contudo, se esquecer que a decisão de adjudicação já havia sido proferida, e pelo órgão legalmente competente para tal, sendo, nessa medida, totalmente intocável (considerando que tal poder não cabe nas competências que são atribuídas à Assembleia Municipal).
II — Não obstante a Assembleia Municipal não ter competência para proceder a qualquer alteração ou revogação da decisão de adjudicação, nada obsta a que o órgão competente para proferir a decisão de adjudicação submeta as suas próprias decisões à apreciação política de um outro órgão.
JJ — Claro que tal não significa que a Assembleia Municipal possa revogar ou alterar a decisão de adjudicação proferida pelo órgão competente.
KK - É evidente que se poderá colocar a questão de saber quais os efeitos de uma hipotética deliberação da Assembleia Municipal contrária à proposta do Executivo, ou seja, em sentido contrário ao acto de adjudicação.
LL - Pois bem, atenta a natureza política do acto da Assembleia Municipal, é óbvio que a mesma não produziria qualquer efeito revogatório sobre o acto de adjudicação, ficando apenas o órgão executivo na livre disponibilidade de manter ou revogar o acto de adjudicação (sem prejuízo, claro está, dos efeitos jurídicos inerentes à revogação de actos válidos).
MM - Posto isto, é manifesto que o acto da Assembleia Municipal tem natureza meramente política, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos sobre o acto do executivo objecto de apreciação — o mesmo é dizer que tal acto não tem carácter inovador na ordem jurídica, podendo então concluir-se que a decisão de adjudicação fica sempre na mão do Executivo Camarário.
NN — Finalmente, não poderá a Recorrente deixar de rejeitar de todo, a equiparação do acto suspendendo ao acto efectivamente preparatório a que se refere o Acórdão citado no despacho (acórdão 27.04.2006 TCA Norte).
OO - Ademais, entende o Recorrente que se afigura como totalmente desadequado (à fundamentação da sentença ora proferido) o recurso à argumentação do Acórdão citado, porquanto no caso dos autos estamos perante um procedimento de Contratação Pública, regulado pelo Código dos Contratos Públicos, ao passo que, no caso do Acórdão citado está em causa um Concurso para Recrutamento de Trabalhador em Funções Públicas.
PP - Quanto muito, e sem arriscar em estabelecer paralelos entre procedimentos administrativos totalmente distintos (com tramites próprios), poderíamos comparar o acto preparatório a que se refere o acórdão com o relatório preliminar do júri no procedimento de contratação público em discussão nos presentes autos, este sim sujeito a audiência prévia.
QQ — A decisão recorrida viola, designadamente, o disposto nos artigos 36.° n.° 1 e 73.° n.° 1 do CCP; artigo 18°, n.° 1, alínea b) do Decreto-Lei n.° 179/99, de 8 de Junho; artigo 53.°, n.° 2, alínea m) do Decreto-Lei n.° 169/99.
2.9. O caso julgado.
As Requerentes defendem que tendo transitou em julgado a pronúncia do Tribunal a quo no sentido de que a deliberação da Câmara Municipal consubstancia um acto meramente preparatório da deliberação da Assembleia Municipal, por dela não ter o Município interposto recurso, pelo que o Tribunal ad quem apenas poderá pronunciar-se quanto à natureza lesiva ou não do acto em causa e, consequentemente, quanto à sua impugnabilidade ou inimpugnabilidade.
Ora, desde logo, a questão da impugnabilidade da deliberação da Câmara Municipal mostra-se no caso indissociável da questão de a mesma ser ou não um acto preparatório e da sua lesividade.
A falta de lesividade, de produção de efeitos externos, foi fundamento, a par de ser um acto preparatório, para o indeferimento do pedido incidental, como se pode verificar o despacho recorrido.
Por outro lado, o incidente da declaração de ineficácia, como incidente, não se confunde processualmente com o pedido cautelar, de suspensão da eficácia do acto, pelo que não se pode afirmar que a decisão com força obrigatória “dentro do processo.”
E o próprio convite feito pelo Tribunal a quo para as partes se pronunciarem sobre a inimpugnabilidade do acto, suscitada oficiosamente, para efeitos de decisão do pedido, principal, de suspensão da eficácia do acto, mostra que a decisão incidental não teve o sentido e alcance de estender o julgado do incidente ao pedido cautelar.
Improcede, pois, esta excepção.
Isto sem prejuízo do que acima se disse sobre a sede própria para se conhecer da matéria adjectiva suscitada nos presentes autos cautelares a propósito do acto impugnado.
2.10. O mérito deste recurso.
Como se pode ver pelas alegações de recurso, o Município Recorrente apenas se insurge quanto à qualificação do acto suspendendo feita na sentença recorrida.
Face ao que ficou dito em sede própria, a dos requisitos do pedido de suspensão da eficácia, mencionados na alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sobre as questões adjectivas suscitadas pela partes e, oficiosamente, pelo Tribunal a quo, a propósito do acto suspendendo, mostra-se incompatível com esse entendimento conhecer desta questão nos termos em que é posta.
E o que havia a mencionar sobre esta questão, nos termos perfunctórios e sumários compatíveis com a natureza cautelar do presente procedimento, foi dito naquela sede.
Termos em que se julga prejudicado o conhecimento do objecto deste recurso.
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Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em:
I - Quanto ao 1º Recurso, da decisão incidental:
a) Negar provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido.
b) Julgar prejudicado o conhecimento do pedido de ampliação do objecto do recurso.
II - Quanto ao segundo recurso, da sentença:
Negar provimento ao recurso interposto pelas Requerentes, mantendo a decisão de indeferimento do pedido de suspensão da eficácia.
b) Julgar prejudicado o conhecimento do pedido de ampliação do objecto do recurso.
c) Julgar prejudicado o conhecimento do recurso jurisdicional interposto pelo Município Requerido.
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Custas por Requerentes e Município Requerido, em partes iguais.
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Porto, 17 de Fevereiro de 2012
Ass. Rogério Martins
Ass. Ana Paula Portela
Ass. Fernanda Brandão