quinta-feira, 3 de maio de 2012

ENCERRAMENTO DO PROCEDIMENTO CONCURSAL - IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE - Nº 5 DO ART. 102º CPTA


Proc. Nº 8634/12   TCAS   26 de Abril de 2012-05-03

1.A adjudicação é um ato legalmente devido – arts. 76º-1, 79º-1 e 80º CCP -, e é um ato constitutivo de direitos, ainda que à mesma se sigam outros atos antes da celebração do contrato. Pelo que só pode ser revogada por ilegalidade e no prazo legal (arts. 140º, 141º e 145º CPA).
2. Um contrato público sujeito a visto prévio do T. Contas não deve ser celebrado se tal visto for recusado, pois a recusa do visto implica a ineficácia jurídica do contrato.
3. A decisão de “encerrar o procedimento” é uma revogação da decisão de adjudicar, pois que se destinou a extinguir os efeitos do ato de adjudicar, baseada na ilegalidade detetada pelo T. Contas. Também revogou a decisão inicial de contratar, a qual é pressuposto básico da validade do procedimento e do contrato a celebrar.
4. Coloca-se, assim, a questão da impossibilidade superveniente da lide.
5. Como o A. porque o A pede licitamente, além da anulação da adjudicação, a sua readmissão ao concurso, a exclusão do concorrente vencedor e a adjudicação do contrato a ele mesmo, com base no critério do preço mais baixo, se obtiver vencimento em todas as suas pretensões neste processo especial urgente e sendo válido, como parece ser, este ato revogatório novo, o A poderá ser indemnizado em consequência do ato revogatório nos termos céleres previstos no nº 5 do art. 102º CPTA. Este ato revogatório, havendo procedência de todas as pretensões aqui deduzidas, terá trazido à satisfação dos interesses do autor a impossibilidade absoluta de que fala aquela norma.
6. Não há, assim, impossibilidade superveniente da lide

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:
I.RELATÓRIO
I.1.
· AGRUPAMENTO ……………………, LDA, e B…………….. ………………, SA (concorrente nº 1), com os sinais dos autos, intentou no T.A.C. de PONTA DELGADA acção administrativa especial de contencioso pré-contratual contra
· MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA, e
· (C-I) E…………— ………, SA (concorrente nº 2),
· (C-I) AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO POR ……, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, LDA, AUTO …………… ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, LDA, e V………….& Ca, LDA (concorrente nº 3),
pedindo o seguinte:
a) Anulação do acto de adjudicação através do qual o Réu aceitou a proposta do concorrente n°3 (“Agrupamento ……………”), por este ser ilegal e violar o núcleo essencial dos princípios da contratação pública, a saber, o princípio da concorrência, da igualdade, da transparência, da intangibilidade das propostas e da auto-vinculação;
b) Caso já tenha sido celebrado o contrato, deverá ainda o Tribunal decretar a anulação do mesmo e bem assim de todos os novos actos que tenham sido praticados no procedimento após a ilegal adjudicação ao Concorrente n°3;
c) Ordenar-se ao Réu a readmissão do Concorrente n°1, por a sua exclusão ser ilegal, devendo o Réu proferir novo acto de adjudicação aceitando este Concorrente n°1 (ora A), por apresentar a melhor proposta a concurso, isto é, a proposta com o mais baixo preço;
d) Caso assim não se entenda, ser ordenada a exclusão do Concorrente n°3 por a proposta por este apresentada violar as peças procedimentais e o CCP nos termos acima expendidos;
e) Deverá ainda o Tribunal condenar o Réu a praticar todos os demais actos necessários à reposição da legalidade e em consequência da decisão do Tribunal, seguindo-se os ulteriores termos até final.”
Após os articulados, por despacho de 16-1-12, o referido tribunal decidiu julgar a acção extinta por impossibilidade superveniente da presente lide:
“Face à revogação do acto impugnado e do procedimento em que o mesmo foi tomado, ocorre impossibilidade superveniente da presente lide, por falta de objecto, causa de extinção da instância, como preceituado no artigo 287°, alínea e), do CPC, ex vi artigo 1° do CPTA”.
I.2.
Inconformado, o autor recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul contra tal decisão, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
I. A decisão proferida pelo Tribunal a quo que julga extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide por falta de objecto - constitui uma decisão surpresa, violadora dos princípios do contraditório e da igualdade das partes no processo, conforme consta dos artigos 3.0 n° 3 e artigo 3.°-A do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.0 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na medida em que o Tribunal não permitiu ao Autor pronunciar-se, no prazo legal, sobre a requerida inutilidade.
II. O Tribunal qualifica juridicamente como revogação do procedimento concursal a decisão de encerramento do procedimento, o que constitui errada qualificação jurídica do acto jurídico praticado, sendo que quer no caso de revogação quer no caso de acto de encerramento do procedimento, ambos são ilegais à luz da lei.
III. A decisão tomada pelo Tribunal a quo constitui ainda uma violação da tutela jurisdicional efectiva dos direitos do Autor, que tinha direito a obter uma decisão de mérito (consagrado, desde logo, no artigo 20.0 da Constituição da República Portuguesa), uma vez que, sendo o critério de adjudicação escolhido pela entidade adjudicante "o do mais baixo preço", não se apresentavam espaços próprios de discricionariedade administrativa ou de margem de livre apreciação sobre as qualidades da proposta e, por isso, era admissível, em via de declaração de nulidade dos actos subsequentes ou por via da cumulação de pedidos de anulação do acto ambivalente (positivo) e de condenação na reintegração do autor no concurso a condenar a entidade administrativa no acto de adjudicação devido - cfr. arts. 40 n 1 e 2 c) e 470 no 2 a), 660 e 670 CPTA - ao Concorrente que apresente a proposta com o mais baixo preço.
IV. O Tribunal a quo ignorou que o Autor, não obstante o acto de "encerramento do procedimento", mantinha interesse na anulação do acto pré-contratual ilegal e na sua reintegração no concurso, na medida em que a declaração de ilegalidade iria constituir (i) o Autor no direito a ser-lhe adjudicado o Concurso; ou constituiria (ii) mais uma circunstância agravante para a acção de indemnização a propor contra a Entidade Adjudicante.
V. Nos termos da lei, existe uma obrigação de adjudicação por parte das Entidades Adjudicantes uma vez tomada a decisão de contratar [artigo 76. do Código dos Contratos Públicos (CCP)], sendo apenas admissível «não adjudicar» nos casos expressamente previstos no artigo 79.0 do CCP e sendo apenas possível «revogar» a decisão de contratar nos casos previstos no artigo 80. do mesmo diploma legal, inexistindo qualquer norma que admita decidir por "encerrar o procedimento do concurso público internacional", logo este acto administrativo de "encerrar o concurso" é ilegal.
VI. O que se exige à entidade adjudicante é que respeite as "as regras do jogo" de maneira a não favorecer ou prejudicar um dos concorrentes face ao outro, aplicando as normas e os critérios do procedimento objectivante, tal como foram inicialmente definidos e sem olhar a quem. (in Mário Esteves de Oliveira). Ora, o que já resultava evidente para todos foi esta semana clarificado pela Exma. Senhora Dra. ……………. Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, que afirmou publicamente que "uma das grandes preocupações da Câmara Municipal é dar as obras disponíveis, comparticipadas por fundos comunitários, às empresas de construção civil açorianas, com o objectivo, segundo referiu, de ajudar as empresas açorianas a ultrapassar as dificuldades financeiras com que se defrontam actualmente devido à crise" (vide por todos, afirmações publicas nos jornais on line na internet), sendo evidente que nenhuma empresa do Continente poderá ganhar um concurso público internacional lançado pela Edilidade, o que é, no mínimo, ilegal.
VII. Anulado o acto de adjudicação do contrato ao Agrupamento constituído pelas empresas C………. e P………., Lda., Auto ……………………, Lda. e V………. & Ca., Lda., é nulo, e não anulável, ex vi da alínea i) do n.° 2 do artigo 133.° do Código de Procedimento Administrativo, o acto subsequente de "encerrar o procedimento".
VIII. A exclusão do Concorrente n.° 1 com fundamento na impossibilidade de avaliação da proposta em virtude da forma de apresentação do preço - alínea e) do n.° 2 do artigo 12. do Programa de Concurso, na alínea c) do n.° 2 do artigo 70. e alínea o) do n.° 2 do artigo 146.0, ambos do CCP -, por a nota justificativa do preço não discriminar as rubricas tal como referido no Programa de Concurso, é ilegal e não determina a "exclusão da proposta com fundamento na falta de apresentação de um documento de apresentação obrigatória, nos termos do n°1 do artigo 570 do CCP e da al. j) do n°1 do artigo 80 do Programa de Concurso.
IX. O atributo preço da proposta do autor apresenta-se claro para a totalidade das prestações colocadas a concurso.
X. O júri do Concurso ficciona, de forma a atingir o seu ilegal objectivo, que a nota justificativa do preço por não conter todos, sem excepção, os elementos discriminativos elencados na al. j) do n°8 do Programa de concurso, deve considerar-se como não tendo sido apresentada, como não existindo nota justificativa.
XI. O júri do concurso ficciona um erro de cálculo e atreve-se a corrigi-lo oficiosamente. Como se de um mero erro de cálculo matemático se tratasse. Erro esse que não existe, e retificação essa não pretendida nem aceite pelo Concorrente e que apenas serve os propósitos de exclusão do Concorrente n°1, violando o princípio da imutabilidade das propostas e tornando este procedimento numa mascarada sem rei nem roque.
XII. A nota justificativa do preço proposto revela que os custos com os meios de reserva foram incluídos no «preço global por linha", sendo fácil de compreender o quadro elaborado pelo Concorrente n°1, tal como se explica na petição inicial nos n°s. 161.° a 214.0 da mesma.
Nas contra-alegações, o recorrido MUNICÍPIO discordou do recorrente, sem conclusões.
Nas contra-alegações, o recorrido AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO POR C…………….., ………… E P……………., LDA, AUTO …………………, LDA, e V………………. & Ca, LDA conclui assim:
1) O Recorrente, Autor no processo acima identificado, interpôs recurso da Douta Sentença que declarou a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, em face da falta de objecto, nos termos do artigo 287.° alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 1.0 do OPTA.
2) O Recorrente veio pedir a revogação e substituição da Sentença por Acórdão que anulasse o acto de adjudicação ao ora Contra-Interessado, decidisse pela inutilidade superveniente na anulação do contrato celebrado entre a Entidade Adjudicante e o ora Contra-Interessado, declarasse nulos todos os actos praticados no processo concursal posteriores ao acto de adjudicação ilegal, incluindo o acto administrativo de encerramento do procedimento concursal, ordenasse a readmissão do Concorrente n.° 1, ora Recorrente, e que a ele adjudicasse o Contrato objecto do presente concurso público. Caso assim não se entendesse, pede a anulação da Sentença proferida pelo Tribunal a quo e a descida dos autos para prolação de decisão de mérito, devendo o Tribunal a quo pronunciar-se pela nulidade do acto de encerramento do concurso praticado pela Entidade na pendência do processo em primeira instância.
3) O Recorrente não tem razão e o seu pedido não pode proceder, tendo o Tribunal a quo decidido correctamente na Douta Sentença objecto do recurso a que agora se responde.
4) Como expressamente afirma a Douta Sentença recorrida, a impossibilidade superveniente verificou-se em virtude da revogação cio acto impugnado e do procedimento em que o mesmo foi tomado assim como da resolução do contrato entretanto celebrado, tendo a acção de contencioso pré-contratual instaurada pelo Autor, ora Recorrente, ficado sem objecto.
5) A adjudicação ao Contra-Interessado do contrato de prestação de serviços de transporte de passageiros realizou-se em perfeita conformidade com a lei, tendo sido celebrado o contrato a 21 de Setembro de 2011 -
6) Nos termos legalmente previstos, o Réu, ora Recorrido, submeteu o referido contrato à Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia, tendo aquela Secção recusado a emissão de visto, com base em invalidades (originárias) apontadas ao próprio conteúdo das peças do procedimento pré-contratual aberto pelo Recorrido.
7) O Recorrido não recorreu da decisão de recusa de visto e deliberou encerrar o procedimento pré-contratual em causa, tendo ainda notificado o Contra-Interessado, Adjudicatário do procedimento em crise nos presentes autos, da recusa de visto do Tribunal de Contas, da consequente ineficácia do contrato celebrado e da respectiva resolução. O Recorrido deliberou, ainda, por unanimidade, a promoção dos procedimentos necessários para abrir novo concurso público internacional.
8) Nos termos do disposto nos artigos 100.° e 102.° n.° 4 do CPTA, a acção instaurada pelo Recorrente tem por objecto o acto administrativo de adjudicação ao Contra-interessado e o correspondente contrato entretanto celebrado.
9) Atendendo à decisão da Entidade Adjudicante de encerrar o procedimento pré-contratual e de resolver o contrato entretanto celebrado, a presente acção ficou sem objecto, assim se compreendendo a decisão do Tribunal a quo ao verificar a impossibilidade superveniente da lide, por falta de objecto, e determinar a consequente extinção da instância.
10) Não se entende, pois, o motivo pelo qual ainda é requerida a anulação do acto de adjudicação e a declaração de nulidade de todos os actos praticados no procedimento concursal posteriores ao acto de adjudicação, quando houve uma decisão de encerramento de tal procedimento que pressupõe a anulação do mesmo.
11) Por outro lado, não é admissível que o Recorrente venha pedir igualmente a declaração de nulidade do acto de encerramento do procedimento concursal na presente acção, por não se enquadrar no objecto da mesma, o qual deixou de existir.
12) Não se verificam os pressupostos da modificação objectiva da instância, consagrada no artigo 63.° do CPTA, na medida em que já não existe o procedimento em que se insere o acto impugnado, no qual possam ser praticados novos actos cuja validade dependa da existência ou validade do acto impugnado.
13) No que respeita ao mecanismo previsto no artigo 65.° do CPTA e invocado pelo Recorrente nas suas Alegações, também não tem aplicação, por se reportar a unia situação de revogação do acto impugnado sem efeitos retroactivos, o que não é o caso.
14) Muito embora a Entidade Adjudicante lhe tenha chamado acto de encerramento do procedimento, trata-se verdadeiramente de uma revogação do procedimento concursal e do acto de adjudicação, com efeitos retroactivos. Outra interpretação não é aceitável, tendo em conta a decisão daquela última de tomar as providências necessárias à promoção de um novo concurso público internacional, decisão essa que só faz sentido se partirmos do pressuposto de que o anterior concurso, o anterior acto de adjudicação e o contrato entretanto celebrado, já não existem.
15) Não há, assim, lugar à aplicação do artigo 65.° do CPTA, o qual respeita à revogação do acto impugnado sem efeitos retroactivos.
16) Antes seria aplicável o disposto no artigo 64.° do CPTA que respeita à revogação do acto impugnado cone efeitos retroactivos, sendo que o Recorrente poderia ter lançado mão do mecanismo previsto neste preceito Legal, no prazo nele estabelecido, que, no caso, não poderia deixar de ser um mês, por se tratar de um processo urgente, e que já se encontra ultrapassado.
17) Não procede a argumentação apresentada pelo Recorrente de que nunca poderia a Entidade Adjudicante decidir encerrar o procedimento do concurso por se tratar de um acto ilegal e por se encontrar pendente uma decisão do Tribunal Administrativo que tinha por objecto anular o acto de adjudicação, pois, a ser assim, nunca seria possível praticar posteriormente outros actos e, nomeadamente, actos de revogação do acto impugnado, perdendo, deste modo, sentido o disposto nos artigos 64.° e 65.° do CPTA. Acresce o facto de que, a seguir este entendimento, deixaria de haver lugar a situações de impossibilidade superveniente da lide, consagradas no artigo 287.° alínea e) do CPC.
18) Não estamos perante unia situação que se enquadre nos artigos 76.0, 79.° e 80.° do CCP, não se vislumbrando assim a ilegalidade do acto de encerramento do procedimento com base nos fundamentos acima invocados.
19) Não se chega a entender de que modo o Recorrente qualifica como consequente o acto de encerramento do procedimento, para efeitos de aplicação do artigo 133.0 n.° 2 alínea i) do CPA.
20) Embora, ao determinar o encerramento do procedimento concursal e a resolução do contrato, a Entidade Adjudicante não tenha procedido à revogação expressa do acto de adjudicação, tal não implica que essa revogação não tenha ocorrido. As revogações não têm de ser expressas. Seja pela via da revogação implícita, seja pelo conceito de acto contrário, não se pode deixar de entender que o acto praticado pela Entidade Adjudicaste tem efeitos revogatórios da decisão anterior.
21) Para que se respeite o princípio da materialidade subjacente, corolário do princípio da boa fé, aplicável à Administração Pública por força do artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 6.°-A do Código de Procedimento Administrativo, torna-se imperioso interpretar a decisão de "encerrar o procedimento concursal" proferida pela Entidade Adjudicante como uma decisão de revogação do procedimento, incluindo o acto de adjudicação.
22) O que a Entidade Adjudicante fez não foi mais do que uma revogação, com eficácia retroactiva, do procedimento concursal e, naturalmente, do acto de adjudicação, tendo em seguida resolvido o contrato.
23) É inadmissível a afirmação do Recorrente, nas suas Alegações, de que se trata de uma '`decisão política" de encerrar o procedimento, seguido de outra de que se adjudicaria novo contrato ao Concorrente n.° 3, aqui Contra-Interessado. Pelo contrário, o que foi deliberado pela Entidade Adjudicante foi exactamente «a promoção dos procedimentos necessários para abrir novo concurso público internacional e garantir, no entretanto, a continuidade da prestação daqueles serviços, pelos procedimentos administrativos legais da contratação pública».
24) É inadmissível a insinuação proferida pelo Recorrente de conluio entre a Entidade Adjudicante e o Tribunal a quo, pois o Tribunal apenas entendeu que a acção deixara de ter objecto, não tendo qualquer objectivo de beneficiar aquela entidade.
25) Foi destruído o acto de adjudicação e o correspondente contrato celebrado com o Contra-Interessado, que foi indubitavelmente o maior lesado com a decisão da Entidade Adjudicante e, com esta decisão, foram alcançados alguns dos efeitos pretendidos pelo Recorrente.
26) A existência de um direito constitucionalmente consagrado de acesso aos tribunais e de deles obter uma decisão sobre a pretensão que lhes é dirigida não implica que, sempre que se recorra a tribunal com unia determinada pretensão, se chegue a obter «ma decisão de mérito.
27) Não se vê de que modo poderia o Tribunal a quo se ter pronunciado pelo mérito da causa, quando deixou de existir o objecto da acção instaurada, acrescendo o facto de não haver lugar à continuidade do processo nos termos do artigo 65.° do CPTA.
28) O Recorrente interpôs recurso da decisão de impossibilidade superveniente da lide, pelo que o que deverá estar em causa é a verificação dos pressupostos desta decisão.
29) Não compete ao Tribunal Central Administrativo proferir uma decisão de mérito, em substituição do Tribunal Administrativo de Círculo, anulando o acto de adjudicação, o qual já não existe, declarando nulos todos os demais actos, pedido que já não tem sentido, incluindo o de encerramento do procedimento.
30) O que o Recorrente pretende é alargar o objecto do processo, não através do mecanismo devido do artigo 64.° do OPTA, mas através de interposição de recurso para o Tribunal Central Administrativo, o que não se afigura juridicamente possível.
31) Vem, ainda, o Recorrente pedir que o Tribunal Central Administrativo condene a Entidade Adjudicante a readmiti-lo no concurso e, consequentemente, que seja ele o Adjudicatário, concurso esse que já não existe.
32) Não é possível pedir ao Tribunal ad quem que se substitua ao Tribunal a quo para emitir uma decisão de mérito que este último tribunal entendeu não ser devida.
33) O Recorrente não foi impedido de utilizar o mecanismo do artigo 64.° do CPTA, prazo legalmente previsto, para reagir perante um novo enquadramento fáctico. O que não é adequado é vir fazê-lo através de recurso para o Tribunal Central Administrativo
34) Não só não houve, assim, qualquer violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da CRP, como também não se colocou em causa o princípio do contraditório e da igualdade de armas implícito naquele direito.
35) Em face do desaparecimento do objecto da acção intentada, o Tribunal a quo não tinha de aguardar que o Recorrente se pronunciasse, caso o quisesse fazer, quando da situação resultava evidente que a acção deixara de ter objecto.
36) O Recorrente podia sempre instaurar uma nova acção de impugnação do acto de encerramento do procedimento, não se vendo de que modo os seus direitos e garantias foram postos em causa.
37) Quanto ao direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, consagrado constitucionalmente e no artigo 2.° do CPC, não se vê como este tenha sido posto em causa, pois o Recorrente obteve puna decisão pelo Tribunal em prazo razoável, não tendo sido uma decisão de mérito porque o Tribunal a quo entendeu que a ela não havia lugar, por se verificar unia causa de extinção da instância.
38) Já no que respeita ao enquadramento fáctico que o Recorrente apresenta nas suas Alegações. se não é intenção cio Recorrente questionar a legalidade do concurso e da adjudicação realizados em 2005, não parece que a referência aos mesmos apresente qualquer relevância jurídica para o caso sub iudice.
39) Quanto à alegada exigência de dimensões específicas dos veículos, por um lado não é verdade, pois só se impunha dimensões máximas e mínimas a serem respeitadas; por outro lado, tal não consubstanciava uma arbitrariedade da Entidade Adjudicante, mas antes resultava das características específicas da cidade de Ponta Delgada, onde iria decorrer o transporte de passageiros, e que exigia limitações à dimensão dos mesmos.
40) O Concorrente n.° 1, aqui Recorrente, apresenta uma vasta experiência no domínio do transporte de passageiros, tendo inclusivamente participado e sido o adjudicatário em concurso, com um enquadramento processual semelhante, para a prestação do serviço de transporte de passageiros para a Ilha das Flores.
41) O Júri do Concurso só se encontra obrigado a prestar esclarecimentos quanto às peças do procedimento e não em relação a qualquer assunto que os concorrentes se lembrem de questionar.
42) O Recorrente não chega a explicar, nem tão pouco a provar, o interesse que a Entidade Adjudicante teria em adjudicar o Contrato ao Contra-Interessado.
43) Entre a adjudicação e a assinatura do contrato decorre tempo suficiente para que o adjudicatário disponha dos veículos necessários, o que aliás foi objecto de declarações de compromisso emitida pelo próprio Concorrente n.° 1, ora Recorrente.
44) Os concorrentes estão submetidos ao disposto nas peças do concurso e aos esclarecimentos do Júri sobre as mesmas, não lhes competindo questionar da conveniência de tais exigências, noas é à Entidade Adjudicante que compete fazer tais juízos de conveniência e oportunidade, no exercício das suas funções administrativas.
45) Já no que respeita à exclusão do Recorrente, no Primeiro Relatório Preliminar, o Contra-Interessado pronunciou-se oportunamente, deixando claro que os Concorrentes deverão obedecer às exigências impostas pelas peças do procedimento, respeitando os requisitos por elas exigidos, ainda que meramente formais.
46) Não se encontrava o Contra-Interessado, então Concorrente n.° 3, obrigado a indicar o número de motoristas; se o Concorrente n.° 1 entendeu apresentar tal número, então seria legítimo que se questionasse sobre o consequente cumprimento da legislação laboral; finalmente, o Júri do Concurso poderá pedir os esclarecimentos que entender necessários, não competindo, mais uma vez, aos concorrentes questionarem a conveniência ou oportunidade dos mesmos.
47) As propostas de exclusão do Concorrente n.° 1 pelo Júri, no Segundo Relatório Preliminar e no Relatório Final, foram devidamente justificadas e objecto de pronúncia pelos concorrentes, nomeadamente pelo Recorrente e pelo ora Contra-Interessado, o qual teve a preocupação de apontar os motivos pelos quais o Concorrente n.° 1 deveria ser excluído.
48) De referir que a decisão da Entidade Adjudicante de "encerrar o procedimento" e resolver o contrato entretanto celebrado, satisfaz em parte as pretensões do Recorrente, pois destruiu a adjudicação ao Concorrente n.° 3, tendo sido este último o verdadeiro lesado.
49) Como já foi oportunamente referido pelo Contra-Interessado, em sede de Contestação à presente acção, e sem prejuízo de tudo o que nela foi afirmado, não houve qualquer ilegalidade na decisão de exclusão do Concorrente n.° 1, aqui Recorrente.
50) Para que haja adjudicação não basta ter o mais baixo preço, é necessário que a proposta obedeça a um conjunto de requisitos formais previsto no Programa de Procedimento, o que não acontece com a proposta do Concorrente n.° 1.
51) São procedentes as causas de exclusão do Concorrente n.° 1 constantes do Relatório Final e do Segundo Relatório Preliminar, assim como a causa de exclusão do Concorrente n.° 1 constante do Primeiro Relatório Preliminar.
52) Quanto ao facto de o Recorrente não ter discriminado os custos como lhe competia, basta ler com atenção o disposto no artigo 8.° n.° 1 al. j) do Programa do Procedimento, para se perceber que o que era exigível aos concorrentes era que, nas suas propostas, apresentassem uma Nota Justificativa do preço, discriminando todos os custos e componentes diversos inerentes à formação do preço, e que, pelo menos os que vêm referidos naquele preceito, deveriam ser indicados.
53) O Recorrente não discriminou os referidos custos, nem sequer os identificados naquele preceito do PP, tendo apresentado uma Nota Justificativa como entendia que devia fazer e não como lhe era exigido pelo PP.
54) Acresce que, o documento que o Recorrente apresentou como sendo unia Nota Justificativa do Preço levanta dúvidas quanto aos valores que dele constam, de tal modo que o Concorrente n.° 1 se viu na necessidade de tentar esclarecer as dúvidas surgidas.
55) Nos termos do artigo 8.°, n.° 1 al. j) do PP, o Concorrente n.° 1 estava obrigado a apresentar uma Nota Justificativa do preço, na qual incluísse os itens referidos neste preceito. Nos termos do disposto na ai. a) do n.° 2 do artigo 12.° do PP, a não apresentação daquele documento determina a exclusão da proposta. O Recorrente não apresentou a Nota Justificativa conforme lhe era exigido e, como tal, a sua proposta devia ter sido excluída.
56) Quanto ao facto de o Recorrente não ter contabilizado os meios de reserva na Nota Justificativa do Preço, também não colhem os argumentos por ele aduzidos.
57) Verificam-se incongruências que permitem confirmar que o Concorrente n.° 1, na Nota Justificativa do Preço, não contabilizou os Meios de Reserva.
58) O preço proposto pelo Recorrente para a prestação dos serviços não coincide com a soma de todas as parcelas indicadas na sua Nota Justificativa.
59) Se é certo que a declaração referente ao preço consta da declaração emitida conforme o Anexo 11 ao PP, certo é também que não pode haver na proposta de um concorrente um documento que reflita um valor diferente pois, nesse caso, não é possível avaliar a proposta.
60) Note-se que o Júri, nos esclarecimentos prestados, considerou que as notas justificativas do preço apresentado para cada circuito fechado fazem parte integrante da proposta.
61) O Recorrente deveria ter indicado explicitamente o valor previsto para as receitas de cada linha uma vez que esta é uma componente da formação do preço.
62) Não sendo possível avaliar, em virtude da forma como foi apresentado um atributo, a proposta do Autor deve ser excluída e, ao fazê-lo, o Júri agiu correcta e legalmente.
63) No Primeiro Relatório Preliminar, o Júri propôs a exclusão do Concorrente n.° 1, ao abrigo da alínea a) do n.° 2 do artigo 12.° do PP, com fundamento no facto de ter apresentado a declaração prevista na alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do PP em desconformidade com o Anexo I do referido programa, designadamente no que se refere ao ponto n.° 4, alíneas a), f) e g).
64) Em face da pronúncia do Concorrente n.° 1, o Júri veio, no Segundo Relatório Preliminar, defender que a declaração exigida pela al. a) do n.° 1 do artigo 8.° do PP, apresentada pelo Concorrente n.° 1, não se encontra em desconformidade com o Anexo 1 daquele programa, no que se refere ao ponto n.° 4 alíneas a), 1) e g)
65) O Júri não tem razão e deveria ter mantido a decisão de excluir o Concorrente n.° 1 também com fundamento no facto de a declaração por ele apresentada não se encontrar conforme à minuta constante do Anexo I do PP, o que, segundo o disposto na alínea a) do n.° 2 do art.° 12 do PP, acarreta, inexoravelmente, a exclusão.
66) Do próprio texto do Primeiro Relatório Preliminar se conclui, sem sombra de dúvidas, que a declaração apresentada pelo Concorrente n.° 1 é distinta da constante do Anexo 1 do PP, não tendo apresentado a declaração a que estava obrigado nos termos do PC.
67) Todas as razões alegadas pelo Recorrente para, pretensamente, justificar a discrepância entre a declaração exigida pelo PP e a por si apresentada, não afastam a existência de tal discrepância, antes a confirmam.
68) A Entidade Adjudicante poderá estipular regras específicas no PP que não estejam consagradas no CCP, sendo que os concorrentes as deverão respeitar sob pena de verem a sua proposta excluída se tal estiver expressamente previsto no PP.
69) No caso, o Anexo 1 do PP previa especificamente o modelo da declaração a apresentar pelos concorrentes (ainda por cima actualizado), anexo esse que deveria ser considerado em função deste concreto concurso público. Se tal não suceder, então a proposta deve ser excluída com base na alínea a) do n.° 1 do artigo 12.° do PP.
70) Ou o concorrente apresenta os seus documentos nos termos legalmente previstos, ou a sua proposta é excluída. É verdade que, anteriormente, se dava a possibilidade aos concorrentes de suprirem omissões ou retificarem aspectos integrantes da sua proposta, mas essa possibilidade, já não se encontra expressamente prevista no actual Código.
71) Ao contrário do referido pelo Júri do Concurso a pg. 8 do Relatório Final, não se afigura defensável que tenha ocorrido "erro na declaração da vontade" do Concorrente n.° 1 nem tão pouco "erro de escrita", nos termos do disposto no artigo 249.° do Código Civil.
72) A aplicação deste preceito legal pressupõe, necessariamente, antes de mais, a existência de urna divergência entre a vontade real e a declaração (ou vontade declarada) na modalidade do erro obstáculo ou erro na declaração; para além disso, o preceito só se pode aplicar desde que o erro seja "revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita". No caso "sub-judice", nenhum destes requisitos se verifica.
73) Importa referir que, ao contrário do que se afigura ser defendido no Relatório Final, é Doutrina e Jurisprudência, praticamente, unânimes que, após a entrada em vigor do Código Civil de 1966, a desculpabilidade não é requisito de relevância do erro.
74) Daí que, mesmo que o erro fosse desculpável, o que não se concede dada a clareza das regras concursais sobre a matéria em causa, tal não apagaria a sua existência nem pode excluir as consequências legalmente estabelecidas para a não entrega da declaração nos termos exigidos.
75) A proposta apresentada pelo Concorrente n.° 1, ora Recorrente, deveria ter sido excluída do concurso com fundamento no facto de ter apresentado a declaração prevista na alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do PP em desconformidade com o Anexo 1 do referido programa. designadamente no que se refere ao ponto n.° 4, alíneas a), I) e (5).
76) Da ponderação de toda a argumentação aduzida no decurso do procedimento sub-judice, o Contra-Interessado entende também pela existência das seguintes outras causas de exclusão da proposta do Concorrente n.° 1:
1. Indicação de um preço que não corresponde ao custo de aquisição e, portanto, susceptível de falsear as regras da concorrência.
2. Falta do documento exigido pela al. d) do n.° 1 do art. 8.° do PP.
3. Falta da indicação do preço tal como exigida pela al. g) do n.° 1 do art. 8.° do PP.
4. Falta de indicação dos custos tal como exigida pelas als. li) e i) do n.° 1 do art. 8.° do PP.
5. Falta do documento exigido pela al. 1) do n.° 1 do art. 8.° do PP.
6. Apresentação de termos ou condições que violam aspectos da execução do contrato ou que implicam a violação de vinculações legais.
77) Por todas estas razões, deveria manter-se a decisão de exclusão do concurso do Concorrente n.° 1 e o acto de adjudicação a favor do Concorrente n.° 3.
*
I.3.
O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n. 2 do artigo 9.° do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146° n° 1 do CPTA).
Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
I.4.
O objecto do recurso jurisdicional assenta na decisão recorrida e seus fundamentos. Pelo que o âmbito do recurso, delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (conclusões necessariamente sintéticas e com a indicação das normas jurídicas violadas), apenas pode incidir sobre as questões (coisa diversa das considerações, argumentos ou juízos de valor (1)) que tenham sido apreciadas ou devessem ser anteriormente apreciadas, não se podendo confrontar o tribunal superior com questões novas (2) ou cobertas por caso julgado (logicamente, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso) – v. arts. 660º-2 e 684º-3-4 do CPC, ex vi art. 140º do CPTA.
Assim, o presente recurso incide sobre o seguinte:
i. A decisão recorrida é ilegal, por ser uma decisão-surpresa;
ii. Não houve revogação do procedimento concursal, pelo que a decisão recorrida errou;
iii. A decisão recorrida violou o art. 20º CRP, pois o A seria o concorrente escolhido, atento o critério de adjudicação;
iv. O A mantém interesse na anulação da adjudicação, pois teria direito à adjudicação (v. arts. 76 e 79 CCP) e poderia vir a ser indemnizado pelo R;
v. O ato de encerrar o procedimento é nulo, por ser consequente ao ato anulável da adjudicação do contrato (art. 133º-2-i CPA);
vi. A exclusão do A do concurso foi ilegal.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS
Não tendo o tribunal a quo elencado completa e sistematicamente os factos provados pertinentes, cabe-nos fazê-lo. Assim, está provado o seguinte:
1
Através do Anúncio de procedimento n.° 447/2011, publicado no Diário da República n.° 24, II Série, de 3 de Fevereiro de 2011, o Réu deu a conhecer que pretendia celebrar um contrato de "Prestação de Serviços de Transporte de Passageiros" - cfr. cópia de Anúncio junta como documento n.° 1 da p.i.
2
O Réu, nesse anúncio, publicitou ainda diversos outros aspectos do concurso para adjudicação do contrato a celebrar, designadamente:
-O valor base do procedimento: de EUR 1.800.000,00 (um milhão
e oitocentos mil Euros);
-Que o contrato seria executado em Ponta Delgada;
-Teria a duração de 48 meses (4 anos); e
-O critério de adjudicação seria o do "Mais baixo preço".
3
Desse anúncio resulta ainda que o regime legal aplicável à contratação é o Código dos Contratos Públicos ("CCP"), constante do Decreto-Lei n.° 18/2008 de 29 de Janeiro de 2008.
4
Após a exclusão do concorrente nº 1 (ora A) e da adjudicação do contrato ao concorrente nº 3 (AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO POR C……………., e P…………, LDA, AUTO VIAÇÃO ………………, LDA, e V………… & Ca, LDA), a "Câmara Municipal, por proposta da Senhora Presidente, deliberou, por unanimidade, considerando a recusa do visto pela Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas, não recorrer da decisão e encerrar aquele procedimento do concurso público internacional de transporte colectivo de passageiros de Ponta Delgada. Mais deliberou, por unanimidade, a promoção dos procedimentos necessários para abrir novo concurso público e garantir, entretanto, a continuidade da prestação daqueles serviços, pelos procedimentos administrativos legais da contratação pública (...) " - cfr. ata da reunião de câmara de 9 de Janeiro de 2012, junta, em extracto, ao requerimento do MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA a solicitar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO (3)
A)
O R, após excluir o ora A (concorrente nº 1) do concurso cit. e após a adjudicação ao ora C-I concorrente nº 3, decidiu “encerrar o procedimento concursal” respetivo, por causa da recusa do visto prévio do T. de Contas (v. art. 44º-3 da L.O.P.T.C.).
O tribunal a quo, considerando haver assim uma revogação do procedimento concursal e do ato de adjudicação, concluiu que o objeto desta ação deixou de existir, pelo que haveria impossibilidade superveniente da presente lide.
O recorrente discorda deste entendimento do tribunal a quo.
Note-se que o recorrente não faz uso do previsto no art. 64º CPTA.
B)
Temos de compreender o teor deste ato administrativo de “encerrar o procedimento”.
Ora, a adjudicação, aqui já ocorrida, é um ato legalmente devido – arts. 76º-1 (4), 79º-1 (5) e 80º(6) CCP -, e é um ato constitutivo de direitos, ainda que à mesma se sigam outros atos antes da celebração do contrato. Pelo que só pode ser revogada por ilegalidade e no prazo legal (arts. 140º, 141º e 145º CPA).
O controlo prévio pelo TContas consiste no exame da legalidade e do cabimento orçamental dos atos, contratos ou outros instrumentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras diretas ou indiretas para as entidades da Administração Pública Central, Regional e Local. A indicação dos actos a submeter a fiscalização prévia do Tribunal de Contas, assim como a identificação das entidades que os devem remeter, encontra-se tipificada na lei do Tribunal de Contas, sendo a maior parte contratos celebrados pelas entidades públicas de montante superior a 317160 euros. O controlo prévio exerce-se mediante a concessão ou a recusa de visto. Constituem fundamento para a recusa de visto a ilegalidade dos atos que implique nulidade, encargos sem cabimento em verba orçamental própria ou violação directa de normas financeiras e a ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro. Nesta última situação o tribunal, mediante decisão fundamentada, pode conceder o visto e fazer recomendações às entidades no sentido de suprir ou evitar no futuro tais ilegalidades. Os pagamentos relativos aos atos e contratos sujeitos a fiscalização prévia não podem ser feitos antes da concessão do visto.
Um contrato, como este, sujeito a visto prévio do TContas, não deve ser celebrado se tal visto for recusado, pois a recusa do visto implica a ineficácia jurídica do contrato (assim o art. 45º-2 da L.O.P.T.Contas).
Terá sido, pois, por isto que o R tomou a decisão de “encerrar o procedimento”. Isto quis dizer que o R decidiu não celebrar o contrato, ao contrário do que decorria da adjudicação. É assim um ato de sentido oposto ao da adjudicação com o fim de contrariar os efeitos desta. Pelo que é uma revogação da decisão de adjudicar, pois que se destinou a extinguir os efeitos do ato de adjudicar, baseada na ilegalidade detetada pelo TContas.
Também revogou a decisão propulsora ou legitimadora do procedimento concursal (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et al., Concursos…, 2011, p. 775) prevista no art. 36º CCP (7), a decisão inicial de contratar, a qual é pressuposto básico da validade do procedimento e do contrato a celebrar.
C)
Ora, revogadas (por ilegalidade declarada anteriormente pelo TContas) a decisão inicial de contratar e a adjudicação, parece que este processo especial urgente fica sem objeto. Coloca-se, pois, a questão da impossibilidade superveniente da lide (quando os sujeitos ou o objeto da controvérsia desapareceram entretanto), que não o da inutilidade superveniente da lide (quando o efeito jurídico pretendido pelo A foi entretanto plenamente alcançado).
Contrapõe o recorrente que mantém interesse na anulação da adjudicação ao concorrente nº 3, porque teria direito à mesma (v. arts. 76º e 79º CCP cits.) se aqui se anulasse a adjudicação feita, caso em que poderia depois (supõe-se que no caso de manutenção das revogações cits.), por isso mesmo, vir a ser indemnizado pela não celebração do contrato imputável ao R.
Este ponto é muito importante aqui, porque o A também pede licitamente (assim AcSTA de 14-12-2005, p. nº 905/2005; MÁRIO AROSO/C. CADILHA, Comentário ao CPTA, nota 5 ao art. 100º, e jurisprudência e doutrina aí cits.), além da
i. anulação da adjudicação,
ii. a sua readmissão ao concurso,
iii. a exclusão do concorrente vencedor e
iv. a adjudicação do contrato a ele mesmo, com base no critério do preço mais baixo.
E, de facto, obtendo vencimento em todas as suas pretensões neste processo especial urgente e sendo válido, como parece ser, este ato revogatório novo, o A poderá ser indemnizado em consequência do ato revogatório nos termos céleres previstos no nº 5 do art. 102º CPTA (8). Este ato revogatório, havendo procedência de todas as pretensões aqui deduzidas, terá trazido à satisfação dos interesses do autor a impossibilidade absoluta de que fala aquela norma.
Portanto, o A mantém assim um interesse jurídico atendível neste processo, apesar da revogação ocorrida, o que confirma a tese de que a impossibilidade e inutilidade supervenientes da lide têm natureza jurídica e não material ou real (v. assim a jurisprudência referida por MÁRIO AROSO/C. CADILHA, Comentário ao CPTA, notas 4 e 5 ao art. 102º).
Pelo que a decisão recorrida violou os arts. 102º-5 CPTA e 287º-e CPC.
D)
O tribunal a quo não ouviu previamente o A sobre a matéria da decisão jurisdicional ora recorrida, questão nova que foi trazida pelo R (v. arts. 87º-1-a e 102º-1 CPTA).
A decisão recorrida é, assim, ilegal, por ser uma decisão-surpresa, i.e. resultante de uma omissão ilegal, da violação do princípio do contraditório como previsto no art. 3º-1-2-3 do CPC (9) ex vi art. 1º CPTA. Tal omissão pode influir no exame ou decisão da causa, pelo que é uma nulidade processual (art. 201º-1 CPC).
Cfr: MANUEL DE ANDRADE, NEPC, p. 379ss; ANTONIO GERALDES, Temas…, cap. I, I, nº 4; J. LEBRE DE FREITAS, Introdução…, cap. II, nº 3.2; F. M. FERREIRA DE ALMEIDA, DPC, I, 2010, p. 247-252.
E)
Quanto às restantes 2 questões do recurso ((i) a decisão recorrida violou o art. 20º CRP, pois o A seria o concorrente escolhido, atento o critério de adjudicação; (ii) a exclusão do A do concurso foi ilegal), há ainda necessidade da fase de produção de prova subsequente a despacho de saneamento e de condensação (arts. 87º a 90º CPTA), pois que os demandados impugnaram muitos dos factos contidos na p.i. e que a elas dizem respeito: v.g., entre outros, os artigos 5°, 8.°, 9.°, 11.0, 12.°, 14.° a 17.°, 19.°, 20.°, 22.° a 36.°, 38.0, 39.°, 41.° a 43.°, 47.°, 53.°, 59.°, 61.° a 80.°, 83.° a 88.°, 90.° a 99.°, 141.° a 107.0, 110.° a 118.°, 120.° a 128.°, 130.°, 131.°, 135.° a 139.°, 143.°, 145.°, 147.° a 157.°, 159.° a 165.°, 171.°, 173° a 185.°, 188.° a 219.°, 221.° a 231.°, 233.° a 251.° (v. ainda o art. 280º da Contest. do Município).
Pelo que não podem ser apreciadas neste recurso.
*
III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar o recurso procedente, revogar o despacho recorrido e determinar o prosseguimento dos autos nos termos previstos nos arts. 87ºss ex vi art. 102º-1-2-3 do CPTA.
Custas a cargo dos recorridos que contra-alegaram.
Lisboa, 26-4-2012
(Paulo Pereira Gouveia - relator) ________________________________________
(António C. da Cunha) _________________________________________________
(J. Fonseca da Paz) ___________________________________________________
(1) Até porque “de minimis non curat praetor”, pois o juiz moderno, em democracias massificadas, tem de aliar a preocupação moderada com a quantidade à preocupação com a qualidade técnico-jurídica.
Qualidade e quantidade exigem sentenças com relatórios sintéticos esclarecedores e com uma fundamentação jurídica (breve e simples ou profunda e complexa) conforme à simplicidade ou à complexidade do caso a resolver.
(2) Daqui ser essencial que se tenha presente o analisado na decisão recorrida e o invocado nos articulados.
(3) Sobre os tribunais administrativos recai o sagrado dever de fazer cumprir a lei e o Direito em toda a extensão em que a conduta da Administração se deva pautar por regras e princípios jurídicos, assim se proporcionando a adequada tutela jurisdicional. Esta é especialmente necessária numa sociedade com pouca efetividade das leis.
(4) Artigo 76.º Dever de adjudicação
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 79.º, o órgão competente para a decisão de contratar deve tomar a decisão de adjudicação e notificá-la aos concorrentes até ao termo do prazo da obrigação de manutenção das propostas.
2 - Por motivo devidamente justificado, a decisão de adjudicação pode ser tomada e notificada aos concorrentes após o termo do prazo referido no número anterior, sem prejuízo do direito de recusa da adjudicação pelo concorrente cuja proposta foi a escolhida.
3 - Quando a decisão de adjudicação seja tomada e notificada aos concorrentes após o termo do prazo referido no n.º 1, a entidade adjudicante deve indemnizar o concorrente que recuse a adjudicação pelos encargos em que comprovadamente incorreu com a elaboração da respectiva proposta.
(5) Artigo 79.º Causas de não adjudicação
1 - Não há lugar a adjudicação quando:
a) Nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta;
b) Todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas;
c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento após o termo do prazo fixado para a apresentação das propostas;
d) Circunstâncias supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem;
e) No procedimento de ajuste direto em que só tenha sido convidada uma entidade e não tenha sido fixado preço base no caderno de encargos, o preço contratual seria manifestamente desproporcionado;
f) No procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante.
2 - A decisão de não adjudicação, bem como os respectivos fundamentos, deve ser notificada a todos os concorrentes.
3 - No caso da alínea c) do n.º 1, é obrigatório dar início a um novo procedimento no prazo máximo de seis meses a contar da data da notificação da decisão de não adjudicação.
4 - Quando o órgão competente para a decisão de contratar decida não adjudicar com fundamento no disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1, a entidade adjudicante deve indemnizar os concorrentes, cujas propostas não tenham sido excluídas, pelos encargos em que comprovadamente incorreram com a elaboração das respectivas propostas.
(6) Artigo 80.º Revogação da decisão de contratar
1 - A decisão de não adjudicação prevista no artigo anterior determina a revogação da decisão de contratar.
2 - Quando as circunstâncias previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior ocorrerem entre o início do procedimento e o termo do prazo de apresentação das propostas, a decisão de contratar também pode ser revogada.
(7) Artigo 36.º Decisão de contratar e decisão de autorização da despesa
1 - O procedimento de formação de qualquer contrato inicia-se com a decisão de contratar, a qual cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, podendo essa decisão estar implícita nesta última.
2 - Quando o contrato a celebrar não implique o pagamento de um preço pela entidade adjudicante, a decisão de contratar cabe ao órgão desta que for competente para o efeito nos termos da respectiva lei orgânica ou dos seus estatutos.
(8) “5 - Se, na pendência do processo, se verificar que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta, o tribunal não profere a sentença requerida mas convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização a que o autor tem direito, seguindo-se os trâmites previstos no artigo 45.º”
(9) 1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final

CONTRATAÇÃO “IN HOUSE”


Proc. Nº 8720/12  26 de Abril de 2012  TCAS
 
I – Estabelecendo o protocolo celebrado entre o CHS e o S............ um contrato público de aquisição de serviços, efectuado após a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, e celebrado por entidade que reveste a forma de Entidade Pública Empresarial [o Centro Hospitalar de Setúbal], e de valor superior ao referido na alínea b) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE48, o mesmo não está abrangido por qualquer excepção à aplicação do regime da contratação pública, pelo que lhe é inteiramente aplicável o Código dos Contratos Públicos, mormente a sua parte II, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº 2, 2º, nº 2, alínea a), e 5º, nº 3, alínea b), do referido Código.

II – Assim, de acordo com o estipulado no artigo 20º, nº 1, alínea b) do CCP, o protocolo/contrato em causa deveria ter sido precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, com publicação dos respectivos anúncios no Jornal Oficial da União Europeia.

III – Deste modo, não tendo sido realizado nenhum destes procedimentos, resulta do citado normativo que o protocolo/contrato não podia ter sido celebrado, pelo que a ausência do concurso, obrigatório no caso, implica a falta de um elemento essencial da adjudicação, o que determina a respectiva nulidade, nos termos do artigo 133º, nº 1 do CPA, originando também a nulidade do contrato, nos termos do estabelecido no artigo 283º, nº 1 do CCP


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
E…….. [Portugal] – Sociedade ……………….., Ldª”, com sede em Alfragide, Amadora, intentou no TAF de Almada contra o Centro Hospitalar ………….., EPE [CHS], acção administrativa especial de contencioso pré-contratual, através da qual pediu:
A) A anulação do despacho do Conselho de Administração do CHS, proferido em data que não sabe identificar, mas seguramente anterior a 22-7-2011 e a que se faz referência no ofício nº Aprov 2011-07-21, datado de 21-7-2011, e dirigido à E............., nos termos do qual se decidiu fazer cessar o contrato celebrado com a E............., ao abrigo de Ajuste Directo e se decidiu contratar o “S……. – Serviços de …………….” [S............] para a prestação de serviços de alimentação;
B) E, em consequência:
i) A condenação do réu a manter o fornecimento de refeições a cargo da autora até 30-6-2012 no quadro do Concurso Público Internacional nº 1C0001/2009, ao abrigo do qual foram celebrados dois contratos por ajuste directo, nos termos do disposto no artigo 27º, nº 1, alínea a) do CCP; e,
ii) A anulação do protocolo nº DCS/2498/01/2011 celebrado com o S............ no dia 27 de Junho de 2011;
C) Ou caso assim se não entenda, a anulação do despacho do Conselho de Administração do CHS, proferido em data que a autora não sabe identificar, mas seguramente anterior a 22-7-2011 e a que se faz referência no ofício nº Aprov 2011-07-21, datado de 21-7-2011, e dirigido à E............., nos termos do qual se decidiu fazer cessar o contrato celebrado com a E............., ao abrigo de Ajuste Directo e se decidiu contratar o “S…….. - Serviços de Utilização …………” [S…..] para a prestação de serviços de alimentação;
D) E, em consequência:
i) A condenação do réu a lançar mão do procedimento concursal que se afigurar competente, nos termos do CCP, para a prestação daquele serviço; e,
ii) A anulação do protocolo nº DCS/2498/01/2011 celebrado com o S............ no dia 27 de Junho de 2011.
Por sentença datada de 30-1-2012, o TAF de Almada julgou a acção parcialmente procedente e declarou a nulidade da adjudicação efectuada pelo CHS ao S…. pela falta de elemento essencial, ou seja, pela falta de procedimento para a formação de contrato legalmente previsto, bem como declarou nula a celebração do Protocolo nº DCS/2498/01/2011, improcedendo a mesma no mais que veio pedido [cfr. fls. 414/452].
Inconformado, recorre o Centro Hospitalar……….. para este TCA Sul, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida julgou nula a adjudicação efectuada pelo CHS ao S…. pela falta de elemento essencial, ou seja pela falta de procedimento para a formação de contrato legalmente previsto.
2. Em consequência, declarou igualmente nula a celebração do Protocolo nº DCS/2498/01/2011.
3. Em sede própria, o ora recorrido teve a oportunidade de expor os motivos pelos quais discorda do entendimento expresso pelo Tribunal de Contas no acórdão 70/2011, mencionado pela sentença recorrida, tanto mais que tal entendimento é contraditório com a mais recente posição veiculada por aquele mesmo Tribunal [vide, o visto tácito a um Protocolo celebrado recentemente ao abrigo da relação "in house", ou seja, nos mesmos termos e com os mesmos fundamentos que presidiram à celebração do Protocolo em apreço].
4. Com feito, a argumentação expendida pelo Tribunal de Contas no acórdão em apreço, é fortemente criticável, encontrando-se em desconformidade com o direito nacional e comunitário constituído, como se expôs no ponto "A) Da inadmissibilidade de consideração do Acórdão do Tribunal de Contas" supra das presentes alegações, que aqui se considera integralmente reproduzido. Vejamos.
5. Com efeito, a celebração do Protocolo em apreço foi efectuada sem sujeição a qualquer procedimento pré-contratual legalmente tipificado no Código dos Contratos Públicos – mas ao abrigo de uma norma habilitante que integra aquele mesmo Código, o seu nº 2 do artigo 5º –, partindo do reconhecimento, de facto e de direito, que as relações contratuais entre os associados e o S............ não se situam num plano idêntico ao das relações com terceiros, existindo uma manifesta especialidade que permite concluir que ao processo de formação daqueles contratos não são aplicáveis as regras da contratação pública.
6. Seria aliás contraditório, como a douta sentença recorrida parece defender [página 32] que o legislador permitisse que os hospitais criassem serviços de utilização comum [e para cujo funcionamento contribuem, desde logo pelo pagamento de quotas], para possibilitar uma melhor repartição de custos, que por vezes são avultados, a optimização dos recursos, e "um funcionamento mais ágil" dos associados, e viesse, por outro lado, sujeitar a qualquer procedimento de formação de contratos públicos legalmente tipificado, a utilização de tais serviços.
7. Este entendimento vem de encontro: (i) primeiro, com a posição defendida pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nos Pareceres nºs 1/95, de 9 de Março de 1995, e 145/2001, de 7 de Novembro de 2002, onde se concluiu que os serviços prestados pelo S…. aos associados, no exercício das suas atribuições, inserem-se num "plano materialmente cooperativo", encontrando-se, assim, excluídos dos pressupostos de aplicação das normas sobre contratação pública, o que se mantém inalterado; (ii) segundo, com a doutrina erigida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias; (iii) terceiro, com a positivação daquela doutrina no nº 2 do artigo 5º do CCP, e (iv) quarto, com o acolhimento expresso dos traços caracterizadores da teoria da relação "in house" nos Novos Estatutos do S............, que, em rigor, nada vieram inovar, mas apenas clarificar a questão.
8. Com efeito, analisadas as disposições mais relevantes dos Novos Estatutos do S….., consideramos que as dúvidas suscitadas – sobre a existência de uma relação "in house" entre o S............ e os seus associados, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 5º, nº 2 do CCP – no âmbito dos anteriores Estatutos se devem considerar ultrapassadas à luz dos Novos Estatutos desta associação.
9. Entendimento este que o próprio Tribunal de Contas, até Junho de 2009 – data em que passou a recusar o visto a contratos celebrados entre o S…. o os seus associados sem sujeição às regras da contratação pública – manteve, certamente por reconhecer a especialidade assinalada da relação entre o S……. e os seus associados públicos.
10. Estão reunidas as condições para se considerar existir uma relação "in house" entre os associados, incluindo o CHS, E.P.E., e o S…...
11. Desde logo, está suficientemente provada a existência de controlo análogo do S….., exercido conjuntamente pelos seus associados, para os efeitos previstos na alínea a) do nº 2 do artigo 5º do CCP, quer seja pela adstringência do S............ aos seus fins estatutários [o que determina que tenha obrigatoriamente que pautar a sua actividade sem ter em vista o lucro, sem prejuízo, evidentemente, de um gestão racional e eficiente], quer seja pelos intensos poderes de controlo que os associados conjuntamente têm, não só sobre as decisões macro de gestão [orientações estratégicas] mas também sobre a gestão corrente da actividade do S............, exercendo, assim, uma influência decisiva sobre a actuação desta associação, como expressamente previsto nos Novos Estatutos.
12. O requisito do controlo análogo não é abalado pelos motivos sustentados na douta sentença recorrida, a saber, (i) pela alegada existência de associados do S............ não pertencentes ao sector público e (ii) uma suposta ausência de dependência decisória por parte do S............. Vejamos.
13. O primeiro daqueles motivos apenas se pode referir à existência de Misericórdias na qualidade de associados do S............. Mas mesmo a existência destas enquanto associadas não põe em causa o requisito do controlo análogo, pois as Misericórdias detêm uma participação minoritária na Assembleia Geral e na composição do Conselho de Administração do S.............
14. A sentença recorrida refere que resulta do probatório que o S............ tem como associados 88 entidades públicas e particulares e 46 do sector social [facto Q.]. Tal não corresponde à verdade: os associados do S............ são 126, dos quais apenas 24 pertencem ao sector privado, os restantes 102 integram o sector público da economia.
15. Com efeito, as Misericórdias, para além de constituírem a significativa minoria dos associados, detêm também uma participação minoritária na Assembleia Geral e na composição do Conselho de Administração, relativamente aos associados públicos, por aplicação do mecanismo de votos previsto no artigo 15º, nº 7 dos Novos Estatutos do S............, de onde resulta que nenhuma das Misericórdias associadas do S............ tem mais que um voto, enquanto que há vinte associados públicos com dois votos [é o caso do CHS, E.P.E.], quatro com três votos, um com quatro votos e um com cinco votos; os restantes associados públicos têm também apenas um voto.
16. Dito de outro modo, os associados públicos detêm uma maioria de decisão [votos] ainda muito superior à da maioria do número de associados que já representam.
17. Efectivamente, apenas uma minoria dos associados do S............ não são entes públicos, antes pertencendo ao sector cooperativo e social da economia, inexistindo qualquer associado privado com fim lucrativo.
18. Neste contexto, é manifesto que não podem tais entidades privadas sem fins lucrativos, com participações minoritárias, influir em termos decisivos e contrários às orientações [gerais e correntes] dos demais associados públicos, com participações maioritárias [cfr. artigo 7º, nº 2 dos Estatutos], nos variados órgãos de formação da vontade do S.............
19. Aliás, qualquer tentativa de perspectivar nas [poucas] Misericórdias associadas do S............ um argumento susceptível de ser invocado para negar a existência de controlo análogo do S............ pelo conjunto dos seus associados, incluindo o CHS, E.P.E., esbarra com esta limitação inultrapassável: a [singular] interpretação feita pelo TJCE no acórdão Stadt Halle é finalística ou materialmente justificável por apelo ao invocado receio de uma potencial influência "desviante" do capital privado sobre as finalidades de interesse geral/público/colectivo prosseguidas por autoridades públicas, receio aquele que, evidentemente, por definição, não se verifica no que concerne às Misericórdias.
20. Adicionalmente, refira-se ainda que este argumento utilizado pela douta sentença recorrida para rejeitar a verificação do requisito do controlo análogo desconsidera o elemento genético do S............, plasmado nas vinculações adstringentes previstas nos respectivos Estatutos, donde resulta que a sua actividade está, como não poderia deixar de estar, em absoluto condicionada à prestação de certos serviços aos seus associados, para um funcionamento mais ágil e eficiente destes, e em regime de cooperação e entreajuda, não podendo tal elemento teleológico-material deixar de desempenhar relevante missão na consideração da específica relação do ente com os seus associados e, especialmente, na caracterização jurídica do modo e dos termos da prestação de serviços pelo S............ aos seus associados.
21. O segundo dos motivos invocados na douta sentença recorrida para negar a existência de um controlo análogo prende-se com uma ausência de dependência decisória do S.............
22. Todavia, o motivo indicado no ponto precedente não encontra o mínimo respaldo quer no plano dos factos quer nos Estatutos do S............, e cuja veracidade não foi de todo demonstrada no sentença recorrida ou no referido Acórdão do Tribunal de Contas [não transitado em julgado].
23. Efectivamente, tal entendimento ignora por completo os poderes efectivos e intensos [cfr. artigo 8º, nºs 4 e 5, e 16º dos Novos Estatutos] que actualmente, à luz dos Novos Estatutos do S............, estão cometidos à Assembleia Geral, órgão em que estão representados todos, e apenas, os associados, poder de controlo que se encontra igualmente no Conselho de Administração, pois este órgão de gestão é maioritariamente composto por associados, sendo os vogais executivos e não executivos eleitos em Assembleia Geral [cfr. nºs 3 e 4 do mesmo artigo 17º dos Novos Estatutos], onde estão todos os associados [e, dentro destes, associados públicos maioritariamente, cfr. artigo 7º, nº 2 dos Novos Estatutos]; por sua vez, também o Conselho Fiscal [cfr. artigo 23º] e o Conselho Geral [cfr. artigo 25º, nº 1] são eleitos em Assembleia Geral].
24. Mas é o próprio Tribunal de Contas, no acórdão mencionado na sentença recorrida, que reconhece que "as decisões sejam juridicamente tomadas pela Assembleia Geral", o que é verdade por força estatutária, para logo de seguida, na mesma frase, afirmar parcialmente o seu oposto, de que "é o Conselho de Administração que, juridicamente e de facto, as prepara e condiciona".
25. A afirmação precedente gera algumas perplexidades: Não será essa a função de um órgão executivo [ainda para mais quando esse mesmo órgão é composto na sua maioria por associados]? Não será intrínseco às atribuições de um órgão executivo a preparação das decisões a tomar, posteriormente, pelo órgão decisor [órgão decisor este, por sua vez, composto na sua maioria por associados públicos, cfr. artigo 7º, nº 2 dos Novos Estatutos]? Sobretudo, haverá maior poder de controlo que o poder de decidir [sendo que quem decide é a Assembleia Geral – é o próprio Tribunal de Contas que o afirma: "as decisões sejam juridicamente tomadas pela Assembleia Geral", cabendo ao Conselho de Administração a preparação dessas decisões?! Que poder mais intenso que o poder de decisão? Será que o Tribunal de Contas considera que o poder [do Conselho de Administração] de "preparar e condicionar" as decisões é um poder mais intenso que o efectivo poder de decidir [da Assembleia Geral]?!
26. Donde, em última análise e sem conceder, ainda que se admitisse, por absurdo, como boa a tese do Acórdão do Tribunal de Contas, mencionado na sentença recorrida – segundo a qual "quem controla o S............ é o seu Conselho de Administração" –, não se alcança o motivo para daí se retirar a conclusão de que não está preenchido o requisito do controlo análogo, pelo simples facto – este sim, incontestável e não especulativo! – de que aquele órgão executivo é maioritariamente composto por associados, sendo os vogais executivos e não executivos eleitos em Assembleia Geral [cfr. nºs 3 e 4 do mesmo artigo 17º dos Novos Estatutos].
27. Por sua vez, o segundo requisito de uma relação "in house" forjado pelo TJCE e vertido na alínea b) do nº 2 do artigo 5º do CCP [a saber, o essencial da actividade] encontra-se desde logo, cumprido no nº 4 do artigo 5º dos novos Estatutos do S............, onde se prevê expressamente que a prestação do S............ a entidades terceiras, em regime de concorrência e de mercado, "deve ter natureza acessória no contexto da actividade do S............ não devendo representar um volume de facturação superior a 20% [porque de acordo com o entendimento da Comissão Europeia e do TJCE, o adjudicatário deve prestar, pelo menos, 80% da sua actividade em favor da entidade adjudicante; assim, o S............ apenas pode prestar serviços em ambiente de mercado em até 20% da sua actividade, e sem que isso prejudique os seus fins não lucrativos] do seu volume global anual de negócios apurados no exercício económico anterior, se outro indicador não for geralmente considerado como representativo daquela acessoriedade" [dimensão quantitativa do requisito do essencial da actividade]. Trata-se, note-se, de uma vinculação estatutária a que o S............ se encontra adstrito: pelo menos 80% da actividade do S............ tem obrigatoriamente que ser realizada em benefício [conjunto] dos respectivos associados.
28. De igual modo, a dimensão qualitativa deste segundo requisito também se encontra verificada, por se encontrar geneticamente ligada à constituição do S............, na medida em que está em causa a prestação de serviços aos associados [maxime, hospitais] num regime de auto-produção, porquanto as necessidades do S............ são, como sempre foram, as necessidades dos associados, não outras;
29. Para além do exposto, a sentença recorrida ignora a sentença recorrida [o que se retira sem ambiguidades dos dois últimos parágrafos de fls. 35 da sentença recorrida] que o requisito do "essencial da actividade" do S............ não tem necessariamente que se verificar individualizadamente, mas "em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes" [sic, artigo 5º, nº 2, alínea b) do CCP], o que constitui um apodíctico erro de julgamento.
30. Estão, assim, reunidas as condições para se considerar existir uma relação "in house" entre os associados e S............, no que se refere às aquisições de bens e serviços que se enquadrem nos respectivos fins estatutários, como sucede no caso dos autos, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida.
31. É isto que explica que no âmbito das finalidades estatutárias do S............, os seus associados possam com este contratar directamente, sem sujeição aos procedimentos pré-contratuais juridíco-públicos legalmente tipificados.” [cfr. fls. 460/520 dos autos].
Também o contra-interessado “S............ – Serviço de …………………” interpôs recurso para este TCA Sul, tendo concluído que “a celebração do Protocolo não é nula, uma vez que o mesmo foi assinado, tendo por base a referida norma do CCP, não se verificando a falta/necessidade de procedimento para a formação de contrato legalmente previsto” [cfr. fls. 574/582 dos autos].
A autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do decidido [cfr. fls. 607/637 dos autos].
Neste TCA Sul o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer.
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. Em 23-12-2008 foi publicitado no Diário da República nº 247, o anúncio de procedimento nº 926/2008, relativo a concurso público para a prestação de serviços de alimentação durante o ano de 2009, aberto pela entidade adjudicante Centro Hospitalar de Setúbal, EPE – cfr. doc. 1, fls. 35 a 37 do processo cautelar.
ii. O programa de concurso [PC] referente ao concurso público nº 1C0001/9 [PC] consta de fls. 38 a 52, sendo o teor do artigo 1º o seguinte:
1. O presente processo de concurso, na modalidade de Concurso Público com o nº 1C0001/2009, é efectuado nos termos do Capítulo III, artigo 9º e seguintes das disposições transitórias do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, sendo objecto do contrato, a celebrar na sequência da adjudicação, a aquisição do serviço de fornecimento de refeições, reforços e suplementos alimentares, durante os 12 meses subsequentes à assinatura do contrato, podendo o mesmo ser renovado ao abrigo da alínea a), ponto 1 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 18/2008 de 29 de Janeiro, nos termos e de harmonia com o disposto no caderno de encargos e respectivo anexo, bem como no disposto no procedimento interno de revisão de contratos.” – cfr. doc. 2, fls. 38 a 52 do processo cautelar.
iii. O caderno de encargos [CE] referente ao concurso público nº 1C0001/2009 consta de fls. 53 a 128, sendo o teor dos artigos 1º e 3º o seguinte:
Artigo 1º
Objecto
O contrato tem por objecto:
1. O fornecimento, por parte do adjudicatário, das refeições a seguir indicadas, devidamente confeccionadas e/ou preparadas:
a) A Doentes – Pequenos-almoços, Almoços, Jantares, Ceias e Reforços Alimentares;
b) Ao Pessoal – Almoços, Jantares e Ceias;
c) Ao Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental – UDEP [Confecção no HSB e transporte para o local, em viatura disponibilizada pelo adjudicatário]
2. A concessão de exploração dos refeitórios para o pessoal.
[...]
Artigo 3º
Prazo de vigência da prestação do serviço
1. O fornecimento do serviço, a realizar no âmbito do contrato, deverá ser executado a contar da data da assinatura do Contrato e pelo período de 12 meses;
2. No biénio subsequente podem ser celebrados contratos através do recurso ao Ajuste Directo, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 18/2008 de 29 de Janeiro.
3. A denúncia do contrato deve ser efectuada mediante a notificação à contraparte, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 60 [sessenta] dias em relação ao termo do contrato.” – cfr. doc. 3, fls. 53 a 128 do processo cautelar.
iv. Em 25-6-2009 foi celebrado entre o Centro Hospitalar de Setúbal, EPE e a ora autora o contrato de prestação de serviços de alimentação com o teor de fls. 129 a 137, do qual consta na cláusula 4ª que:
[...]
1. O fornecimento do serviço, a realizar no âmbito do contrato, terá início a 1 de Julho de 2009 e pelo período de 12 meses;
2. No biénio subsequente podem ser celebrados contratos através do recurso ao Ajuste Directo, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 18/2008 de 29 de Janeiro.
3. A denúncia do contrato deve ser efectuada mediante a notificação à contraparte, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 60 [sessenta] dias em relação ao termo do contrato.” – cfr. doc. 4, fls. 129 a 137 do processo cautelar.
v. Em 11-10-2010 foi celebrado entre o Centro Hospitalar de Setúbal, EPE e a ora autora o contrato de prestação de serviços de alimentação com o teor de fls. 139 a 146, do qual consta na cláusula 4ª e na cláusula 15ª que:
[…]
Cláusula Quarta
[Vigência]
1. O fornecimento do serviço, a realizar no âmbito do contrato, terá início a 1 de Julho de 2010 e pelo período de 12 meses;
2. A denúncia do contrato deve ser efectuada mediante a notificação à contraparte, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 60 [sessenta] dias em relação ao termo do contrato.
[…]
Cláusula Décima Quinta
[Denúncia]
A denúncia do contrato deve ser efectuada mediante a notificação à contraparte, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 60 [sessenta] dias em relação ao termo do contrato.” – cfr. doc. 6, fls. 139 a 146 do processo cautelar.
vi. Em 17-2-2011, o Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E. comunicou à autora o seguinte:
Assunto: Cessação da Prestação de Serviços de Alimentação no CHS, EPE
Exmºs Senhores,
Vimos, por este meio comunicar a cessação da Prestação de Serviços de Alimentação, com a v/ firma e Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E. com efeitos a partir de 01 de Julho de 2011, conforme o estipulado na cláusula "Décima Quarta" do contrato datado de 11 de Outubro de 2010.
[...]” – cfr. doc. 1, fls. 21 dos autos.
vii. O ofício supra foi objecto da seguinte rectificação comunicada através de ofício datado de 4-3-2011:
[...]
Assunto: Cessação da Prestação de Serviços de Alimentação no CHS, EPE
Exmºs Senhores,
Ao nosso Ofício ref. Aprov 2011-02-17, sobre o assunto acima mencionando, faz-se a seguinte errata:
Onde se lê "...conforme o estipulado na cláusula "Décima Quarta" do contrato datado de 11 de Outubro de 2010."
Deverá ler-se: "...conforme o estipulado na cláusula "Décima Quinta" do contrato datado de 11 de Outubro de 2010. – cfr. doc. 2, fls. 22 dos autos.
viii.
Em 3-6-2011, o Serviço de Gestão Aprovisionamento e Logística elaborou a seguinte Nota de serviço dirigida ao Dr. José …………….. – Vogal Executivo do Conselho de Administração:
[...]
O contrato de prestação de serviços para o fornecimento de serviços de alimentação e dietética, em vigor até ao próximo dia 30.06.2011, foi denunciado através de ofício que se anexa à presente informação.
Entretanto, as peças do procedimento pré-contratual a lançar pelo CHS – Concurso Público – foram preparadas para garantir a contratação de novo período da prestação de serviços, incluindo-se a premissa de comprometimento, por parte do próximo adjudicatário, de colaborar com o CHS na remodelação da cozinha e implementação do sistema cook n' chill.
Contudo, dado que o concurso ainda não foi lançado, não é previsível a alteração do adjudicatário nos próximos meses, pelo que se impõe uma comunicação formal ao actual prestador de serviços dando conta da sua continuidade através de Ajustes Directos até à finalização de procedimento pré-contratual.
Desta forma garante-se a regularidade do processo de contratação, tendo em conta a actual realidade do CHS, EPE e os prazos legais associados ao Concurso Público.
[...]” – cfr. doc. 3, fls. 248 do processo cautelar.
ix. Em 8-6-2011, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Setúbal exarou o seguinte despacho na nota de serviço supra:
O CA delibera concordar e autorizar a celebração de ajuste directo para o mês de Julho, face às circunstâncias descritas.” – cfr. doc. 3, fls. 248 do processo cautelar.
x. Em 14-6-2011, a entidade requerida comunicou à ora autora o seguinte:
Assunto: Renovação de Contrato de Alimentação
Exmºs Senhores,
Informamos que, por despacho do Conselho de Administração de 8-6-2011, foi autorizada a realização de Ajuste Directo, para o mês de Julho, para a Prestação de serviços de Alimentação.” – cfr. doc. 7, fls. 147 do processo cautelar.
xi. Em 19-7-2011, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Setúbal deliberou concordar com o início do Protocolo em 10 de Agosto de 2011 – cfr. doc. 4, fls. 249 do processo cautelar e fls. 405 dos autos.
xii. Em 21-7-2011, a entidade requerida comunicou à ora autora o seguinte:
Assunto: Cessação da Prestação de Serviços de Alimentação no CHS, EPE
Serve a presente para comunicar a V. Exªs. que, na sequência de despacho exarado pelo Conselho de Administração deste Centro Hospitalar, a prestação de serviços por parte de V. Exªs encontra-se adjudicada até ao próximo dia 9-8-2011 [inclusive], terminando a partir desta data.
Informamos ainda que, com base no mesmo despacho, será o S............ a assumir esta prestação de serviços, pelo que serão contactados por esta entidade no sentido de se proceder às formalidades respectivas.
[...]” – cfr. doc. 3, fls. 23 dos autos.
xiii. Dos Estatutos do S............ – Serviço de …………………, consta:
Artigo 2º
Natureza e fins
1. O S............ é uma associação sem fins lucrativos que tem por finalidade a realização de uma missão de serviço público, contribuindo para a concretização da política da saúde e, em particular, para a eficácia e eficiência do Sistema de Saúde Português.
2. O S............ deve assumir-se, nas suas preocupações com a eficiência dos seus associados, como uma Organização que contribua significativamente para a sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde.
3. Para efeitos do número anterior, o S............ constitui um instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, encontrando-se, para o efeito, obrigado a tomar a seu cargo as iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente, libertando-os para a plena dedicação à prestação de cuidados de saúde aos utentes e proporcionando-lhes ganhos de escala, através designadamente:
a) Da gestão e prestação de assistência técnica no domínio das instalações e equipamentos;
b) Da exploração ou gestão de instalações técnicas e áreas industriais, designadamente lavandarias, cozinhas, centrais e transportes;
c) Da promoção de acções no âmbito do desenvolvimento tecnológico e da investigação, quer dos equipamentos quer das instalações, designadamente em matéria de normalização;
d) Da colaboração na formação e aperfeiçoamento profissional do pessoal enquanto utilizador dos equipamentos;
e) Da realização da generalidade dos serviços de apoio à prestação de cuidados de saúde.
[...]
Artigo 3º
Tutela
Sem prejuízo do controlo resultante dos poderes de direcção, superintendência e tutela que o membro do governo responsável pela área da saúde exerce sobre os seus associados públicos, o S............ está sujeito à tutela daquele membro do Governo competindo-lhe:
a) Nomear o Presidente e o Vice-Presidente do Conselho de Administração;
b) Homologar as deliberações da Assembleia Geral sobre a contracção de empréstimos que impliquem um nível de endividamento líquido igual ou superior a 75% dos capitais próprios apurados no exercício do ano transacto;
c) Homologar as deliberações da Assembleia Geral sobre as alterações dos estatutos;
d) Homologar as deliberações da Assembleia Geral sobre a dissolução do S............, bem como determinar o destino a dar aos seus bens, em caso de dissolução.
Artigo 5º
Relação com os associados
1. A concretização dos termos e condições da prestação dos serviços previstos no artigo 2º pode ser feita através da celebração de protocolos entre o S............ e cada associado.
2. Os protocolos a estabelecer nos termos do número anterior conterão as condições concretas de execução da prestação de serviços, designadamente o preço, prazo e demais condições específicas de cada protocolo.
3. O S............ pode ainda, em regime de concorrência e de mercado, prestar serviços a entidades públicas não associadas ou entidades privadas, nacionais ou estrangeiras, desde que, em simultâneo, se verifiquem os seguintes pressupostos:
a) Não resultar qualquer prejuízo para os associados;
b) Ser vantajoso para o S............ e para os seus associados, quer no plano económico quer em matéria de enriquecimento e valorização tecnológica.
4. A prestação de serviços resultante do disposto no nº 3 deve ter natureza acessória no contexto da actividade do S............ não devendo representar um volume de facturação superior a 20% do seu volume global anual de negócios apurados no exercício económico anterior, se outro indicador não for geralmente considerado como representativo daquela acessoriedade.
Artigo 6º
Participação em outras entidades
O S............ sempre que se mostre relevante para a prossecução do interesse público a seu cargo pode, sem prejudicar a sua natureza jurídica, instituir ou participar na constituição de outras pessoas colectivas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, designadamente nas áreas do tratamento de resíduos hospitalares perigosos e da eficiência energética, salvaguardando a livre concorrência no exercício da actividade destas entidades.
CAPÍTULO III
Dos associados
Artigo 7º
Âmbito
1. Podem ser associados do S............ as entidades pertencentes ao sector público e social que prestem cuidados de saúde ou desenvolvam outras actividades relacionadas com a promoção e a protecção da saúde, incluindo os serviços e instituições do Ministério da Saúde ou integrados no Serviço Nacional de Saúde, bem como de outros ministérios.
2. O S............ deve assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que integrem e estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da Saúde.
Artigo 8º
Direitos
1. São direitos dos associados, através da sua participação na Assembleia Geral e da sua posição maioritária na composição do Conselho de Administração, exercer sobre a gestão do S............, estratégica e corrente, um controlo análogo ao que detêm sobre as suas próprias Instituições, designadamente as estratégias da prestação de serviços e da respectiva contrapartida remuneratória.
2. São direitos específicos dos associados;
a) Usufruir dos serviços prestados pelo S............;
[…]” – cfr. fls. 101 a 121 dos autos.
xiv. Em 27-7-2011, foi celebrado o Protocolo nº DCS/2498/01/2011 entre o Centro Hospitalar de Setúbal, EPE e o S............ – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, que consta de fls. 342 a 404 dos autos.
xv. Na cláusula 17ª do Protocolo supra consta o preço total anual de € 1.295.289,00 e na cláusula 23ª, refere-se que o protocolo terá início em 10 de Agosto de 2011 e terminará em 9 de Agosto de 2016 – cfr. fls. supra.
xvi. Em 28-11-2011 foi proferido o Acórdão nº 70/2011 – 28 de Novembro, do Tribunal de Contas no Processo nº 1197/2011 recusou o visto ao Protocolo supra, conforme consta de fls. 267 a 315 dos autos.
xvii. Os associados do S............ são:
[…]
t) O S............ tem como associados 88 entidades públicas e particulares, entre as quais se contam serviços da administração directa do Estado, institutos públicos, entidades públicas empresariais, e instituições particulares de solidariedade social [IPSS];
u] As IPSS são 23, contando-se 20 irmandades e santas casas da misericórdia, a União das Misericórdias Portuguesas, a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré e a Fundação Aurélio Amaro Diniz;
v) O CHS é um desses 88 associados.” – cfr. Acórdão nº 70/2011, de 28 de Novembro, do Tribunal de Contas, no Processo nº 1197/2011.
xviii. O Acórdão nº 70/2011, de 28 de Novembro, do Tribunal de Contas, não transitou em julgado.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como se viu, a decisão recorrida considerou que o Protocolo nº DCS/2498/01/2011, celebrado em 27-7-2011, o Centro Hospitalar de Setúbal, EPE e o S............ – Serviço ……………….. era nulo e, consequentemente, era também nula a adjudicação efectuada pelo CHS ao S............ ao seu abrigo, pela falta de elemento essencial, ou seja, pela falta de procedimento para a formação de contrato legalmente previsto, nomeadamente pela inobservância do procedimento previsto na Parte II do Código dos Contratos Públicos, seguindo de muito perto a jurisprudência firmada no acórdão do Tribunal de Contas nº 70/2001, de 28 de Novembro, que recusou o visto ao Protocolo referido no ponto xiv. da matéria de facto assente.
Para tanto, fundamentou o decidido nos seguintes termos:
[…]
Sendo assim, atento o universo dos associados, na sua maioria não pertencentes ao sector público, não podemos acompanhar a argumentação do S............ quando afirma no 47º da douta contestação que:
"Na verdade, a actividade contratual entre o contra-interessado e os seus associados, mormente quando esta é feita no âmbito dos seus fins estatutários, situa-se num plano materialmente cooperativo, de entreajuda e fruição comum, através da qual os hospitais, seus associados, se organizam para a satisfação das suas necessidades sem recurso a entidades externas, ou seja, num "plano de auto-satisfação das necessidades", desenvolvida no interior da colectividade e para os membros desta, socorrendo-se dos meios que nela já existem, usufruindo em comum, retirando as potencialidades que é possível extrair da optimização do uso dos recurso disponíveis." [sublinhado nosso].
Em consequência, os Estatutos não demonstram que haja um controlo análogo das entidades adjudicantes sobre o S............ que se traduza numa dependência decisória que transforme a entidade adjudicatária num meio próprio ou numa estrutura interna da entidade adjudicante isolada ou conjuntamente.
No que respeita à demonstração da afectação da "destinação da actividade" do S............ às entidades adjudicantes, in casu, ao CHS, também tal não resulta dos autos.
Na verdade, a dependência do S............ da eficiência dos seus associados concretiza-se perante um universo de entidades múltiplo e de natureza díspar sendo que não se pode afirmar que o S............ "desenvolva o essencial da sua actividade em benefício directo ou por conta daquela [entidade adjudicante]" o que se traduz na "dependência económica-jurídica".
Acontece que a prova da verificação cumulativa dos requisitos previstos no artigo 5º, nº2, alíneas a) e b) do CCP, por se tratar de regime de excepção à regra geral da contratação pública incumbe às entidades beneficiárias. Igualmente, em razão de tal excepcionalidade, os requisitos devem ser objecto de interpretação restrita.
Em consequência, não resultando dos autos a demonstração da verificação de tais requisitos, não se pode considerar que a celebração do Protocolo se integre no regime de exclusão da aplicação da parte II do CCP, devendo assumir-se que se lhe aplicam as regras da contratação pública.
Na verdade, não resulta dos autos que o Protocolo se integre no domínio da auto-satisfação de interesses a que os associados podem preferir recorrer, no uso dos seus poderes de gestão, em alternativa à aquisição externa dos bens e serviços necessários ao desenvolvimento da sua actividade.
Deste modo, apenas podemos concluir que há que salvaguardar os princípios da concorrência e da imparcialidade, tendo em vista garantir a igualdade de tratamento dos operadores que pretendam contratar com a Administração que, no caso concreto, não devem ser afastados.
Apreciada a questão na presente acção principal vem esta fundamentar conclusão diversa da resultante da análise sumária efectuada no âmbito da tutela cautelar.
Importa pois concluir, que não ficou demonstrado, na presente acção, a existência dos requisitos previstos no artigo 5º, nº 2, alíneas a) e b) para a exclusão da parte II do CCP do Protocolo de fornecimento de serviços celebrado com o S.............
O Protocolo em causa constitui um contrato público de aquisição de serviços.
Sendo assim, a celebração do Protocolo é ilegal, por dever conformar-se com as regras da contratação pública, o que não aconteceu.
Em conformidade e como foi decidido no Acórdão do Tribunal de Contas que negou o visto ao Protocolo em causa, sendo contrato celebrado por um Hospital EPE, de valor superior ao referido na alínea b) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE [preço anual de € 1.295.289,00 – total pelo período de cinco anos de € 6.476.455,00], previsto na alínea b) do nº 3 do artigo 5º do CCP, é-lhe aplicável o Código dos Contratos Públicos, incluindo a parte II, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº 2, 2º, nº 2, alínea a) e 5º, nº 3, alínea b) do referido Código.
Nos termos do artigo 20º, nº 1, alínea b) do CCP, o contrato deveria ter sido precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, com publicação dos respectivos anúncios no Jornal Oficial da União Europeia.
A ausência de procedimento concursal determina a falta de um elemento essencial da adjudicação o que determina a respectiva nulidade [cfr. artigo 133º, nº 1 do CPA], determinando a nulidade do Protocolo de acordo com o artigo 283º, nº 1 do CCP.
Não obstante o acima referido, não se pode condenar a entidade demandada à abertura de novo procedimento como vem pedido porquanto a oportunidade e conveniência de tal decisão integra o poder discricionário da Administração.
Em conclusão e prejudicadas demais considerações, a presente acção deve ser julgada parcialmente procedente por provada e deve ser declarada nula a adjudicação efectuada pelo CHS ao S............ pela falta de elemento essencial, ou seja, pela falta de procedimento para a formação de contrato legalmente previsto, bem como deve ser declarada nula a celebração do Protocolo nº DCS/2498/01/2011, com as consequências legais”.
É contra este entendimento que o CHS e o S............ se insurgem.
Vejamos se com razão.
A questão de saber se os Estados Membros estão ou não sujeitos às exigências pré-contratuais das normas comunitárias e nacionais, quando uma entidade pública adquire bens ou serviços a outro ente público sob o seu controlo tem vindo a ser objecto de apreciação pelo TJCE desde os anos 90 do séc. XX.
Desde essa altura que a jurisprudência do TJCE tem vindo a construir o conceito da contratação “in house”, partindo dos princípios enformadores do direito comunitário e, em particular, dos textos das Directivas 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, e 93/36/CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993.
Como refere Cláudia Viana, até à publicação das Directivas de 2004, a celebração de contratos, entre entidades adjudicantes e entes públicos, apenas era objecto de regulação na Directiva 92/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho, que prescrevia no seu artigo 1º, alínea c) que “os prestadores de serviços são qualquer pessoa singular ou colectiva, incluindo organismos de direito público, que ofereçam serviços” [vd. Contratos Públicos “in house” – em especial, as relações contratuais entre municípios e empresas municipais e intermunicipais, Revista de Direito Regional e Local, nº 0, pág. 34]. No mesmo sentido, o nº 6 do artigo 1º da Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho, admitia que o prestador de serviços podia ser uma entidade adjudicante.
Foi, porém, no Acórdão Teckal, de 18 de Novembro de 1999 [no qual o Tribunale amministrativo regionale per l’Emília Romagna solicitou ao Tribunal de Justiça que, a título de reenvio prejudicial, se pronunciasse sobre a possibilidade de um contrato de fornecimento ser atribuído directamente pelo Conselho Municipal de Vianno a um agrupamento de municípios de Régio Emília, constituído para assegurar a gestão de serviços de energia e do ambiente, dotado de personalidade jurídica e com autonomia de gestão], que o TJCE sintetizou pela primeira vez as condições que teriam que se verificar para que um contrato deste tipo se pudesse considerar excepcionado das regras da contratação pública.
Aí se considerou que se verificaria uma relação “in house” sempre que, simultaneamente, a entidade adjudicante exerça sobre o adjudicatário um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e de essa entidade realizar o essencial da sua actividade com a entidade adjudicante que a controla.
Em tais casos, a dependência do co-contratante em relação à entidade adjudicante caracterizar-se-ia por ser, ao mesmo tempo, estrutural, através do controlo, e funcional, através da inexistência de uma liberdade de actuação [cfr., neste sentido, P. Flamme, M. Flamme, C. Dardenne, “Les marchés publiques européens et belges – L´ irresistible européanisation du droit de la commande publique”, a págs. 29 e segs.].
Assim, desde que verificados os requisitos da contratação “in house”, não haveria lugar à aplicação das regras gerais da contratação pública, pois, na realidade, tudo se processava no âmbito de uma “relação interna” de fornecimento e satisfação de necessidades da própria entidade adjudicante, em que o co-contratante era visto como uma “longa manus” desta mesma entidade, não obstante se estar perante pessoas juridicamente distintas.
De acordo com o que hoje se dispõe no artigo 5º, nº 2 do CCP, a qualificação de uma relação contratual como “in house”, determinante da não aplicação da Parte II do Código dos Contratos Públicos, depende da verificação cumulativa de dois requisitos:
a) A existência de controlo análogo, ou seja, o controlo [dependência estrutural e controlo efectivo] exercido pela entidade adjudicante sobre a entidade com a qual pretende celebrar o contrato, o qual deve ser análogo àquele que a entidade adjudicante exerce sobre os seus próprios serviços;
b) E que o essencial da actividade exercida pela adjudicatária o seja em proveito da entidade adjudicante: a entidade com a qual é celebrado o contrato deve realizar a parte substancial da sua actividade em benefício da entidade adjudicante.
Porém, os dois aludidos requisitos constantes das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do CCP, e designadamente o constante da alínea b), não são de fácil interpretação e verificação, já que integram conceitos vagos e indeterminados, cujo sentido e alcance se revela, por vezes, difícil de apreender.
Com efeito, nem sempre é fácil apurar em concreto a existência de um controlo análogo ao que a entidade adjudicante exerce sobre os seus próprios serviços, nem qualificar, seja no plano quantitativo, seja no qualitativo, quando é que o essencial da actividade da entidade adjudicatária é realizado em proveito da entidade adjudicante.
Neste particular, a jurisprudência do TJCE também veio ajudar na concretização desta tarefa de interpretação.
Com a publicação dos acórdãos “Stadt Halle”, de 11 de Janeiro de 2005, e “Parking Brixen”, de 13 de Outubro de 2005, começou a formar-se uma primeira e importante ideia para balizar a referida tarefa interpretativa.
Assim, constituindo a contratação “in house” uma excepção às regras gerais do direito comunitário, as duas condições ou requisitos que acima se deixaram enunciadas devem ser objecto de uma interpretação restritiva, recaindo sobre aquele que as invoca, o ónus da prova de que existem efectivamente circunstâncias excepcionais que justificam a derrogação das ditas regras gerais [cfr. ponto 46. do Acórdão Stadt Halle e RPL Lochau – Processo nº C-26/03 – e o ponto 63. do Acórdão Parking Brixen – Processo nº C-458/03; e, na doutrina, Bernardo Azevedo, in “Estudos de Contratação Pública – Tomo I”, Coimbra Editora, 2008, a págs. 125 e 126, para quem a interpretação restritiva dos dois requisitos, é reclamada consistentemente pelos Acórdãos Stadt Halle e RPL Lochau e Parking Brixen, em razão do seu carácter excepcional e derrogatório dos princípios gerais do Tratado, em matéria de concorrência, com especial saliência para as regras que valem em sede de contratação pública, e seguida, igualmente, pela doutrina; e também Pedro Gonçalves, Regime Jurídico das Empresas Municipais, a págs. 180].
Deste modo, e antes de mais, importa determinar em que consistem os dois requisitos atrás referidos, começando por analisar o previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 5º do CCP, ou seja, o exercício de “controlo análogo” por parte da entidade adjudicante.
Na expressão de R. Perin/D. Casalini [L’in house providing: un’impresa dimezzata, Dirito Amministrativo, 2006, citados por Bernardo Azevedo, in “Estudos de Contratação Pública – Tomo I”, Coimbra Editora, 2008] para que se possa concluir por uma relação de controlo análogo entre a Administração adjudicante e uma qualquer entidade dela distinta, sob o plano formal, é mister que, à primeira caiba um “penetrante poder de indirizzo” ou, segundo Riccardo Ursi [igualmente citado por Bernardo Azevedo, no estudo referido] um “adstringente poder de direcção” sobre a actividade da entidade sujeita ao seu poder de controlo [organização “in house”], um poder que lhe permita exercer uma influência determinante [e não apenas dominante], sobre os objectivos estratégicos e as decisões vitais, a tomar pela organização “in house”.
Ora, como se viu, o S............ – como decorre dos respectivos estatutos, cfr. artigo 2º – “é uma associação sem fins lucrativos que tem por finalidade a realização de uma missão de serviço público, contribuindo para a concretização da política de saúde e, em particular, para a eficácia e eficiência do sistema de Saúde Português”, constituindo “um instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, encontrando-se para o efeito obrigado a tomar a seu cargo as iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente, libertando-os para a plena dedicação à prestação de cuidados de saúde aos utentes e proporcionando-lhes ganhos de escala”.
Por outro lado, como decorre dos artigos 7º e 8º dos respectivos estatutos, “podem ser associados do S............ as entidades pertencentes ao sector público e social que prestem cuidados de saúde ou desenvolvam outras actividades relacionadas com a promoção e a protecção da saúde, incluindo os serviços e instituições do Ministério da Saúde ou integrados no Serviço Nacional de Saúde, bem como de outros ministérios”, devendo o “S............ assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que integrem e estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da Saúde” [cfr. artigo 7º], constituindo “direitos dos associados, através da sua participação na Assembleia Geral e da sua posição maioritária na composição do Conselho de Administração, exercer sobre a gestão do S............, estratégica e corrente, um controlo análogo ao que detêm sobre as suas próprias instituições, designadamente as estratégias da prestação de serviços e da respectiva contrapartida remuneratória” [cfr. artigo 8º, nº 1 dos estatutos].
Porém, a possibilidade de serem associados entidades pertencentes ao sector social e, portanto, não públicas, o dever que passou a impender sobre o S............ de assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde, e a afirmação estatutária de que assiste aos associados o direito de exercer sobre a gestão estratégica e corrente do S............ um controlo análogo ao que detêm sobre as suas próprias instituições, constituirão fundamento suficiente para se poder considerar que o protocolo celebrado entre o CHS e o S............ – e em geral as relações contratuais estabelecidas entre o S............ e os seus associados – se enquadra no regime da contratação “in house”?
O acórdão do Tribunal de Contas nº 70/2001, de 28 de Novembro, que recusou o visto ao Protocolo referido no ponto xiv. da matéria de facto assente, teceu, a propósito da não verificação do requisito previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 5º do CCP, as seguintes considerações, com as quais se concorda inteiramente:
[…]
O S............ […] tem como associados 88 entidades públicas e particulares, sendo estas 23 instituições particulares de solidariedade social: 20 irmandades e santas casas da misericórdia, a União das Misericórdias Portuguesas, a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré e a Fundação Aurélio Amaro Diniz, sendo que estas últimas [IPSS], nos termos da doutrina e jurisprudência dominantes, são pessoas colectivas de direito privado, com autonomia, não administradas pelo Estado.
Relembre-se, mais uma vez, que a construção da teoria das relações internas [ou in house] arrancou da constatação de que a contratação inter-administrativa justificava um regime especial, na medida em que as entidades públicas podem auto-organizar-se para a satisfação das suas necessidades. Foi perante essa constatação que inicialmente foi admitido, por alguns sectores doutrinários, que a contratação entre entidades públicas poderia não ser submetida às regras da contratação pública. Mas a essa abordagem inicial, como já se viu, sucedeu-se outra com maior exigência, visando simultaneamente a observância alargada do princípio da concorrência, mas igualmente uma melhor satisfação dos interesses públicos.
Ora, se essas exigências surgiram para sujeitar, em regra, a contratação entre instituições públicas aos princípios e regras da contratação pública, como já se disse, mais sentido faz ainda sujeitar a tais princípios e regras, a contratação entre uma entidade pública (o CHS) e uma entidade não pública, como é o S.............
E quando esta – uma pessoa colectiva de direito privado, como acima se viu – tem como associados, em número não despiciendo – note-se: mais de um quarto – entidades não públicas, aquelas exigências não podem aligeirar-se, sob pena de incoerência na aplicação do direito. Deve pois manter-se uma interpretação estrita do direito aplicável.
É verdade que, em rigor, não se trata de entidades privadas. Mas manda a objectividade reconhecer que não sendo privadas, e embora podendo alegar-se que prosseguem interesses públicos, também não são públicas.
Ora, como se pode invocar que o controlo exercido pela CHS [obviamente em conjunto com as demais entidades adjudicantes] sobre o S............ é análogo ao que exerce sobre os próprios serviços, quando o S............ não só é uma pessoa colectiva de direito privado [o que não seria por si impeditivo, embora constituísse uma circunstância pertinente a considerar], como tem como associados um número relevante de entidades não públicas que notoriamente escapam aos controlos públicos.
Relembre-se que na contratação interna, a entidade adjudicatária deve poder ser considerada uma “estrutura de gestão interna de um serviço público” ou materialmente um prolongamento administrativo da entidade adjudicante. Pode considerar-se o S............, com 23 associados não públicos – com larguíssima autonomia legalmente consagrada, a maior parte dos quais erguidos no âmbito da ordem canónica, com reflexo na ordem jurídica – como uma estrutura de gestão interna do CHS e das demais entidades públicas associadas?
Ora, parece evidente que na relação entre as entidades públicas e o S............ aquelas não podem comportar-se relativamente a este como se de uma estrutura interna se tratasse. A condução dos destinos do S............ e a sua gestão – face aos próprios poderes que resultam dos estatutos – não poderão ignorar a participação de um relevante número de instituições particulares de solidariedade social.
É verdade que foi consagrado nos estatutos o dever que passou a impender sobre o S............ de assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde.
Mas tendo em conta que a observância dos princípios e regras da contratação pública mesmo na contratação entre entidades públicas devem ser observados – a já muito referida contratação inter-administrativa – tal disposição leva-nos necessariamente a afirmar que o S............ é um mero prolongamento das estruturas das entidades públicas? Não parece. É que se fosse assim, qual o “papel” desempenhado no S............ pelas entidades particulares?
21. Tal “papel” não pode ser, nem é, despiciendo. Sintoma disso é o facto de no Conselho de Administração do S............ ter assento a União das Misericórdias Portuguesas, como se assinalou na matéria de facto.
Pergunta-se: o CHS e as demais entidades sujeitas aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde relacionam-se com o S............ como se este fosse um seu prolongamento administrativo, quando no Conselho de Administração tem assento uma entidade não sujeita àqueles poderes? Não seria lógico dar-se uma resposta afirmativa a esta pergunta.
22. Mas voltemos à nova orientação constante dos estatutos de que sobre o S............ passou a impender o dever de assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde. Tal disposição, pretendendo colocar em minoria na Assembleia Geral os associados do S............ que pertencem ao sector social da economia, permite considerar definitivamente que, assim, os associados que são entidades adjudicantes exercem um controlo análogo sobre o S............ como o fazem sobre os seus próprios serviços?
Relembrando que devemos fazer uma interpretação estrita das excepções consagradas na lei à observância dos procedimentos que salvaguardam os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, a resposta àquela pergunta deve ser: não.
É que, naquela matéria, muito depende da dinâmica concreta de funcionamento das assembleias gerais – das concretas presenças verificadas em cada uma, por exemplo – e do tipo de maiorias exigidas para a decisão. Assim, por exemplo, a exigência estatutária de uma maioria de ¾ para aprovação de alteração dos estatutos, permite considerar que as entidades públicas adjudicantes que são associadas do S............ se relacionam com este, como se de um seu serviço se tratasse, quando para a constituição daquela maioria poderão ter de contar com a posição dos associados que são IPSS? A resposta é de novo: não. Isto é: há especificidades no relacionamento entre as entidades adjudicantes públicas e o S............ que não permitem obter-se a conclusão, numa interpretação estrita da lei, de que este pode ser considerado uma “estrutura de gestão interna de um serviço público”.
23. Deve referir-se que aquela norma estatutária de exigência de uma maioria de ¾ para alteração dos estatutos é bem compreensível numa entidade associativa. Aliás, tal disposição vai na linha de muitas das alegações feitas a propósito dos novos estatutos do S............: estes pretendem reforçar a natureza associativa do S.............
Crê-se que se caminhou nessa direcção, por forma a vincar as finalidades altruísticas e de auto-satisfação de necessidades que o S............ configurará.
O problema é que tal orientação, fragilizando a intervenção dos poderes do Estado, reforça o papel dos associados e, de entre estes, também, o dos associados que não são entidades adjudicantes públicas, prejudicando-se assim a verificação do requisito do controlo análogo, por aquelas que o são.
A conclusão de que efectivamente as entidades adjudicantes públicas não podem exercer um controlo análogo sobre o S............, quando este tem como associados instituições do sector social, é alterada pela disposição estatutária de que “[s]ão direitos dos associados através da sua participação na Assembleia Geral e da sua posição maioritária na composição do Conselho de Administração, exercer sobre a gestão do S............, estratégica e corrente, um controlo análogo ao que detêm sobre as suas próprias Instituições”?
Não parece. Porque se trata de uma proclamação claramente feita por forma a se alegar que se verifica o pressuposto legalmente fixado na alínea a) do nº do 2 do artigo 5º do CCP. Ora, a verificação deste pressuposto deve resultar da análise de muitas circunstâncias [parte da qual já se fez] e não da aceitação indiscutida de uma disposição estatutária.
Aliás, seguindo à letra o que a disposição diz, dela resulta o seguinte: que tanto as entidades públicas como as particulares exercem sobre o S............ um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços. Tendo tais instituições tão diferente natureza pode tal situação – simultâneo controlo análogo – ocorrer? Não parece que possa.
25. Em conclusão: a natureza dos associados do S............ – entidades públicas e não públicas, em particular as santas casas da misericórdia, canonicamente erectas e com a autonomia que legalmente lhes está reconhecida – não milita a favor de se considerar que as relações entre CHS e o S............ sejam análogas à que aquele estabelece com os seus serviços. Assim, o facto de o S............ ser uma associação privada com associados com larga autonomia e independência face aos poderes públicos é indício de que se não pode considerar que as entidades adjudicantes públicas tenham sobre o S............ um controlo análogo ao que têm sobre os seus próprios serviços.
[…]
27. Note-se friamente: o S............ tem 88 associados, dos quais 65 são entidades adjudicantes públicas.
Face aos pressupostos legais da contratação “in house” e à doutrina e jurisprudência que sobre ela tem sido desenvolvida, podemos considerar que de facto – não só de direito – aquelas 65 entidades, através dos poderes que detêm na Assembleia Geral, exercem efectivamente sobre o S............, um controlo análogo ao que exercem sobre os seus serviços?
Poderemos de facto afirmar que o S............ é uma entidade que funciona como um prolongamento administrativo daquelas 65 entidades?
Vejamos.
28. Como acima se viu nas alíneas ii) a mm) do nº 2, o S............ é uma grande organização de natureza empresarial:
a) Com um volume de vendas previsto na ordem de 90 milhões de euros;
b) Com um negócio que envolve variadas e complexas áreas de actividade;
c) Com indicadores de actividade muito impressivos [vide a alínea ll) do nº 2];
d) Com mais de 3300 trabalhadores;
e) Participando em dois agrupamentos complementares de empresas e em duas sociedades comerciais, nas percentagens indicadas e com actividades cuja natureza confirma a complexidade empresarial da organização S.............
29. É aceitável considerar-se que uma organização com esta dimensão possa ser tida como uma “estrutura de gestão interna de um serviço público”, como um “prolongamento administrativo” das entidades adjudicantes associadas?
A esta pergunta responder-se-ia: sim, porque os associados, mediante a sua participação na Assembleia Geral, têm os poderes, nomeadamente, de apreciar e aprovar os planos estratégicos e de acção bem como o orçamento anual do S............, de apreciar e aprovar o relatório de actividades e contas do exercício do ano económico anterior, de apreciar e aprovar a estratégia de prestação de serviços e a respectiva contrapartida remuneratória, de acompanhar e controlar a gestão do S............, quer estratégica quer corrente, de deliberar sobre alterações aos estatutos e sobre a admissão de novos associados e o cancelamento de inscrições.
A esta resposta poderia contrapor-se: sim, é verdade que os estatutos assim o prevêem. Mas, deve igualmente relembrar-se que compete ao Conselho de Administração submeter anualmente à Assembleia Geral o plano de actividades, o orçamento, o relatório e contas e a estratégia de prestação de serviços e a respectiva contrapartida remuneratória; propor à Assembleia Geral alterações aos estatutos e a admissão de novos associados e cancelamento de inscrições.
É natural que assim seja, dir-se-á. Sim, de facto, é natural que numa organização com a complexidade e a dimensão do S............ o poder de iniciativa nas matérias de maior relevo da gestão estratégica e corrente repousem no executivo da organização.
Mas esta constatação, vai ao arrepio de considerar o S............ como um mero prolongamento administrativo das entidades adjudicantes.
Pelo contrário: o S............ é uma organização de apreciável dimensão e complexidade que naturalmente vive de forma autónoma relativamente aos seus associados, estando destes dependente em algumas decisões fulcrais que o executivo – o Conselho de Administração – de facto, prepara.
[…]
Em conclusão: o S............ na sua concreta dimensão e na sua concreta dinâmica de funcionamento – com relevo para o papel desempenhado pelo Conselho de Administração – não pode considerar-se como um mero prolongamento das entidades públicas adjudicantes que dele são associadas.
O S............ é uma organização empresarial complexa que funciona com larga autonomia relativamente aos seus associados.
Entre o S............ e os seus associados não existe uma relação de dependência em que se elimina a autonomia de vontade daquele e permita considerar que os instrumentos contratuais celebrados não o foram com um terceiro.
O S............ não se subordina aos associados e a cada um dos associados: o S............ negoceia com os associados. E os instrumentos contratuais celebrados são um encontro de vontades autónomas.
Evidente sinal disso é o que o próprio CHS refere a propósito da prorrogação do protocolo e que se revela acertado, enquanto posição defensiva dos seus interesses: “[r]eitera-se, ainda, que o CHS não está vinculado a aceitar as condições propostas pelo S............, nem tão-pouco se prevê uma renovação automática do Protocolo por qualquer período” e “a decisão de renovação do Protocolo […] será precedida por uma aferição das condições susceptíveis de serem propostas pelos operadores económicos privados, apenas sendo renovado o Protocolo caso as condições então propostas pelo S............ forem substancialmente vantajosas para o CHS”.
32. Mas há um outro aspecto essencial a ter em conta em toda esta avaliação: a questão da observância de princípios.
Não percamos de vista que os procedimentos de contratação pública existem para salvaguardar a observância de princípios consagrados no direito interno [quer no plano constitucional, quer no do direito ordinário] e no direito comunitário.
As excepções legalmente consagradas à observância dos procedimentos de formação dos contratos – designadamente nas situações de contratação in house – fundam-se na constatação de que tal observância, nessas situações não está em causa.
E de entre esses princípios destacam-se os da igualdade, da imparcialidade e da concorrência, com consagração na Constituição e no CCP e no direito comunitário originário e derivado.
A excepção consagrada para a contratação in house – de dispensa de observância de procedimentos contratuais legalmente fixados – funda-se na constatação de que não sendo verdadeira contratação – ou sendo, numa abordagem substancial e não formal, uma “contratação interna” ou uma “contratação consigo mesmo” – não está em causa a observância daqueles princípios.
A obrigatoriedade de observância dos princípios mantém-se, simplesmente naquele caso a excepção não os belisca.
Por isso, entendeu o legislador fixar os pressupostos de aplicação da excepção. Por isso, a jurisprudência advoga que na sua aplicação se sigam critérios estritos de interpretação.
Já vimos que
· a natureza das instituições envolvidas na celebração do protocolo,
· a natureza das entidades que, como associados, participam na entidade adjudicatária do protocolo [o S............],
· a concreta dimensão e complexidade da entidade adjudicatária,
· os efectivos poderes de gestão estratégica e corrente da entidade adjudicatária se centram no seu órgão executivo [o Conselho de Administração],
não militam a favor de se considerar que se está no âmbito da contratação “in house”, por não se verificar o primeiro pressuposto legalmente fixado.
33. Mas embora as seguintes constatações não pesem, na economia do presente acórdão, para se retirarem conclusões, devemos observar ainda o seguinte: de entre os associados do S............, como vimos, contam-se 65 entidades do sistema público de saúde. De entre elas, contam-se as maiores unidades hospitalares do país: por exemplo, os Centros Hospitalares de Lisboa Central, de Lisboa Norte, de Lisboa Ocidental, de São João, o Centro Hospitalar do Porto, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, o Hospital Garcia de Horta, o Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca, os IPO de Lisboa e do Porto. Contam-se ainda todas as ARS, IP do país.
Admitir que a contratação estabelecida entre o S............ e todas estas entidades – e as demais – ainda que só nas áreas de actividade daquele, é uma mera contratação interna, é retirar parte significativa dos mercados públicos da área da saúde da observância dos princípios da igualdade, da transparência e da concorrência.
Ora, só com tal observância, nos termos constitucionais, legais e comunitários, é possível às administrações públicas obter as melhores propostas, aos melhores preços. Só com tal observância é possível que funcione um mercado concorrencial e respeitador de todos os operadores económicos.
E diga-se ainda: só com observância de tais princípios o próprio S............ poderá progredir, na procura das melhores soluções, em termos de economia, de eficácia e de eficiência.
34. Nesta linha atenda-se ainda ao seguinte: como se fixou na matéria de facto, o nº 3 do artigo 5º dos estatutos do S............ prevê que este “pode ainda, em regime de concorrência e de mercado, prestar serviços a entidades publicas não associadas ou entidades privadas, nacionais ou estrangeiras […]”, devendo tal actividade, nos termos do nº 4, “ter natureza acessória no contexto da actividade do S............ não devendo representar um volume de facturação superior a 20% do seu volume global anual de negócios apurados no exercício económico anterior […]”.
Se se admitir que a contratação realizada entre o S............ e as entidades adjudicantes associadas é contratação interna, e portanto não sujeita aos procedimentos concorrenciais de contratação, conduzir-se-ia a uma situação em que o S............ pode, à partida, contar com um segmento muito significativo dos mercados públicos de saúde – o correspondente ao dos seus associados que, como se viu, são dos mais relevantes no país – em que sem concorrência se desenvolve e, por essa via, obter vantagens muito apreciáveis, quando por via daquela disposição estatutária, concorre com outros operadores económicos para a produção de bens ou prestação de serviços noutros segmentos.
Admitir-se esta situação era também permitir-se uma nova distorção no funcionamento equilibrados dos mercados públicos.
35. Diga-se a propósito que as alegações feitas a propósito das vantagens da contratação directa com o S............ feitas pelo CHS e que acima se retomaram, só se poderiam confirmar se as concretas propostas do S............ fossem avaliadas em regime de concorrência. Noutra situação, trata-se de mera suposição que precisa de ser demonstrada”.
Como se referiu no recente acórdão do TJUE, proferido no processo C-480/06 [Comissão vs. República Federal da Alemanha], pode admitir-se que as autoridades públicas prossigam as suas missões de serviço público com base em instrumentos organizativos de natureza cooperativa, sem submissão às regras da contratação pública, mas “desde que a realização desta cooperação seja regida unicamente por considerações e exigências próprias à prossecução de objectivos de interesse público e que o princípio da igualdade de tratamento dos interessados consagrado na Directiva […] seja garantido”.
Não sendo esse o caso, e pese embora os actuais estatutos do S............, a respectiva alteração não garante a subordinação exclusiva da sua gestão a objectivos de interesse público e a contratação directa do S............ pelos seus associados nem sempre conduzirá à mera partilha e utilização de serviços comuns, num modelo de auto-satisfação, como sustentam os recorrentes.
Improcedem, deste modo, todas as conclusões das alegações dos recorrentes CHS e S.............
Donde, e em consequência, podemos extrair as seguintes conclusões:
i. Estabelecendo o protocolo celebrado entre o CHS e o S............ um contrato público de aquisição de serviços, efectuado após a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, e celebrado por entidade que reveste a forma de Entidade Pública Empresarial [o Centro Hospitalar de Setúbal], e de valor superior ao referido na alínea b) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE48, o mesmo não está abrangido por qualquer excepção à aplicação do regime da contratação pública, pelo que lhe é inteiramente aplicável o Código dos Contratos Públicos, mormente a sua parte II, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº 2, 2º, nº 2, alínea a), e 5º, nº 3, alínea b), do referido Código.
ii. Assim, de acordo com o estipulado no artigo 20º, nº 1, alínea b) do CCP, o protocolo/contrato em causa deveria ter sido precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, com publicação dos respectivos anúncios no Jornal Oficial da União Europeia.
iii. Deste modo, não tendo sido realizado nenhum destes procedimentos, resulta do citado normativo que o protocolo/contrato não podia ter sido celebrado, pelo que a ausência do concurso, obrigatório no caso, implica a falta de um elemento essencial da adjudicação, o que determina a respectiva nulidade, nos termos do artigo 133º, nº 1 do CPA, originando também a nulidade do contrato, nos termos do estabelecido no artigo 283º, nº 1 do CCP, tal como concluiu a decisão recorrida.
IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul em negar provimento aos recursos interpostos pelo CHS e pelo S............, confirmando deste modo a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
Lisboa, 26 de Abril de 2012
[Rui Belfo Pereira – Relator]
[Paulo Gouveia]
[António Coelho da Cunha]