sexta-feira, 12 de abril de 2013

IMPUGNAÇÃO DE DOCUMENTOS CONFORMADORES DO PROCEDIMENTO – ARTº 100º/2 CPTA



Proc. Nº 8655/12    TCAN  3 de Maio de 2012   

1.No domínio específico a que se reporta, o nº 2 do artº 100º do CPTA tem o alcance de afastar o regime regra em matéria de impugnação de regulamentos (artº 73º nº 2 CPTA) sendo os interessados admitidos a recorrer aos tribunais, por antecipação, para prevenirem a prática de actos administrativos lesivos, em ordem a obter uma tutela jurisdicional mais rápida e efectiva do que aquela que apenas poderia resultar da utilização do tradicional meio, meramente reactivo, de impugnação dos actos lesivos
2. No tocante ao modo de contagem do prazo de um mês do artº 101º CPTA, esteja em causa a impugnação de acto endo-procedimental ou dos documentos conformadores do procedimento, caso a ilegalidade do acto ou do documento se repercuta no acto final, o termo ad quem do prazo de impugnação ocorre 1 mês após o acto final procedimental em causa.

P…………. II – V…. …………, Unipessoal, Lda., com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

A) A questão que é colocada em crise com o presente recurso, centra-se em saber se a falta de impugnação das normas do programa de concurso ou do caderno de encargos, no prazo de um mês a contar da data do respectivo conhecimento, constitui impedimento para os interessados impugnarem outros actos procedimentais com fundamento em ilegalidades cometidas no procedimento.
B) Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, a impugnação das normas contidas no programa de concurso ou no caderno de encargos, prevista no nº 2 do artigo 100º do CPTA, constitui uma faculdade a que o interessado pode recorrer e não um ónus de impugnação.
C) Aquela faculdade traduz assim, de acordo com a doutrina, um acréscimo de garantia de tutela dos interessados.
D) O artigo 51º nº 3 do CPTA permite expressamente a impugnação contenciosa de actos ilegais praticados no procedimento, independentemente da impugnação de actos procedimentais.
E) Consagrando este normativo, em articulação com o nº l do mesmo artigo, o princípio da impugnabilidade dos actos que potencialmente tenham efeitos externos.
F) É, portanto, lícito ao recorrente impugnar, nos presentes autos, todos os actos praticados no procedimento que padecem de ilegalidade.
G) Sendo que a falta de conhecimento das impugnações invocadas não pode deixar de traduzir uma omissão de pronúncia na decisão recorrida.
H) O despacho de não adjudicação proferido pela Recorrida, com fundamento na alínea c) do n.º l do artigo 79º do CCP, se justificado pela necessidade de corrigir erros do programa de concurso, designadamente os alvarás solicitados no programa de concurso, tal como a Recorrida o fez, viola o disposto na norma invocada, na medida em que não estamos perante uma circunstância
imprevista.
I) A não realização, pela Recorrida, da audiência prévia em caso de despacho de caducidade da adjudicação violou de forma grave os direitos de defesa da Recorrente.
J) Para além disto, violou ainda expressamente o disposto no n.º 2 do artigo 86º do CCP, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto Lei nº 278/09, de 2 de Outubro o qual determina que "sempre que se verifique um facto que determine a caducidade da adjudicação (...) o órgão competente para a decisão deve notificar o adjudicatário relativamente ao qual o facto ocorreu, fixando-lhe um prazo não superior a 5 dias para que se pronuncie, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia".
K) Esta notificação, conforme se encontra provado nos autos, foi totalmente omitida.
L) Ao não indemnizar a recorrente pela sua decisão de não adjudicação, a Recorrida violou o disposto no nº 4 do artigo 79º do CCP, o qual consagra o direito de indemnização a todos os concorrentes cujas propostas não tenham sido excluídas.
M) Tendo a proposta do Recorrente sido objecto de Adjudicação e tendo os actos ilegais praticados pela Recorrida determinado a não adjudicação e a não formalização do contrato, a recorrida está obrigada a indemnizar a Recorrente, não só pelos custos em que incorreu com a elaboração da sua proposta, mas também pelos danos e prejuízos sofridos por efeito da não celebração do contrato.
N) A sentença recorrida violou assim, entre outras normas, o disposto no artigo 100.5 e no artigo 51.5, ambos do CPTA.
O) Violou ainda o disposto na alínea c) do n.2 l e n.3 4 do artigo 79º, bem como o n.5 2 do artigo 86.3, ambos do CCP.

*
A Recorrida E………… - Empresa Pública ………………………, EM contra-alegou, concluindo como segue:

A) Recorrente invoca nas suas conclusões dois vícios que alegadamente afectam o Saneador Sentença proferido pelo Tribunal a quo, a saber;
• A violação do disposto nos artigos 100° e 51° do CPTA (alínea n) das conclusões de recurso);
• A violação do disposto na alínea c), do n.° l, e n.° 4 do artigo 79°, bem como do n.° 2 do artigo 86°, ambos do CCP (alínea o) das conclusões de recurso).
B) Como resulta do pedido deduzido na Petição Inicial, a Recorrente invocou a ilegalidade da alínea c) do artigo 16 do Programa do Concurso, por considerar que aquela exigência viola normas imperativas do CCP, sendo, por isso, nula.
C) O Tribunal a quo tinha, assim, que decidir o pedido da Recorrente, julgando se a alínea c) do artigo 16 do Programa do Concurso, violava normas imperativas do CCP.
D) E para se pronunciar sobre esse pedido da Recorrente, tinha, primeiramente, de averiguar se estavam reunidas as condições estabelecidas na lei para o exercício desse direito (de acção) por parte da Recorrente, nomeadamente, se o mesmo era tempestivo, nos termos previstos nos artigos 89°, n.° l, alínea h), e 101°, ambos do CPTA, como fez, e bem, no Saneador Sentença.
E) Por outro lado, não se pode aceitar a interpretação defendida pela Recorrente para os artigos 51°, n.° 3, 100°, n.° 2, e 101°, todos do CPTA.
F) O artigo 51°, n.° 3, constitui uma norma geral face à norma especial do artigo 100°, n.° 2, do CPTA, devendo esta aplicar-se em detrimento daquela nos processos de contencioso pré-contratual, como expressamente decidiu o STA no Acórdão de 27 de Janeiro de 2011, citado no Despacho Saneador proferido pelo Tribunal a quo (proc. n.° 0850/10, in www.dgsi.pt), cuja doutrina subscrevemos integralmente.
G) Os processos de contencioso pré contratual são processos urgentes, cuja tramitação tem subjacente um objectivo de celeridade processual e segurança jurídica, não se concebendo que o legislador tivesse querido permitir que a indefinição e incerteza sobre a legalidade das peças do procedimento de formação pré contratual pudesse perpassar toda a tramitação do procedimento, sem qualquer consequência.
H) Acresce que, a norma do nº 3 do artigo 51º do CPTA é muito clara ao prever apenas a possibilidade de se impugnar actos interlocutórias ("actos procedimentais") através da impugnação do acto final do procedimento administrativo.
I) O Programa do Concurso não é um acto administrativo ou interlocutório, mas sim um regulamento administrativo, como prescreve o artigo 41° do CCP, não podendo, também por esse motivo, aplicar-se o nº 3 do artigo 51° do CPTA à impugnação do Programa do Concurso.
J) No que diz respeito à alegada omissão de pronuncia e violação do disposto na alínea c), do n.° l, e nº 4 do artigo 79°, bem como do n.° 2 do artigo 86°, ambos do CCP, não pode ignorar-se, na apreciação e decisão deste Recurso, que em rigor a Recorrente apenas impugna a decisão de não adjudicação proferida pela Recorrida e o não pagamento da indemnização prevista no nº 4 do artigo 79° do CCP, e não qualquer omissão de pronuncia cometida no Despacho Saneador.
K) Diga-se, no entanto, que a apreciação e decisão do pedido de indemnização feito pela Recorrente ao Tribunal a quo, pressupunha que os anteriores pedidos fossem julgados procedentes e que a Recorrida não celebrasse o contrato com a Recorrente, causando-lhe, desse modo um prejuízo.
L) Ora, tendo já caducado o direito da Recorrente impugnar a decisão da Recorrida que declarou a caducidade da adjudicação, não podia o Tribunal a quo conhecer o mérito do pedido de indemnização, que dependia da procedência daquela impugnação e da recusa da Recorrida celebrar o contrato com a Recorrente.
M) Muito menos podia o Tribunal a quo decidir se a não celebração do contrato com a Recorrente
constituía a Recorrida na obrigação de lhe pagar uma indemnização de 56.107,90 Euros, não só
porque se trata de um facto futuro e incerto, mas também porque o Tribunal a quo não podia
substituir-se à Recorrida na adjudicação do contrato objecto do concurso ora em crise.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.

*
Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Por anúncio publicado no Diário da República n.° 232, II Série, de 30 de Novembro de 2010, a E……… - Empresa …………….., E.M. lançou um procedimento de concurso público denominado «PROCEDIMENTO POR CONCURSO PÚBLICO INTERNACIONAL PARA …………..» (cfr. processo instrutor e fls. 17-19 do proc. cautelar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2. O Programa do Concurso e o Caderno de Encargos do Concurso mencionado em L, encontram-se no processo instrutor, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.
3. A Autora apresentou-se ao Concurso, apresentando a 7 de Janeiro de 2011 a proposta que consta do processo instrutor e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida.
4. A 9 de Fevereiro de 2011, o Júri concluiu o «Relatório Final de Análise das Propostas», mantendo neste a decisão de classificar a proposta da Autora em primeiro lugar e adjudicar àquela a prestação de serviço pelo valor de € 523.300,00 (IVA não incluído), decisão essa que a 17 de Fevereiro de 2011 foi publicitada na plataforma electrónica e notificada à Autora (cfr. fls. 45 e s., do proc. adm. apenso).
5. Simultaneamente, a Autora foi notificada para em cinco dias úteis, apresentar os documentos de habilitação, o que viria a concretizar através da entrega dos documentos solicitados com excepção das cópias do Alvarás para o exercício da actividade de transporte de valores e do Alvará de protecção pessoal (cfr. doe. fls. 53, no proc. cautelar apenso e acordo das partes).
6. A 25 de Fevereiro os concorrentes foram notificados da «Publicação dos Documentos de Habilitação» (cfr. doe. de fls. 54 do proc. cautelar apenso).
7. Posteriormente a tal publicitação, mas ainda no mesmo dia, a Autora foi notificada da «Notificação de Decisão de Adjudicação Caducada» e, subsequentemente, da «Notificação de Decisão de Não Adjudicação» (cfr. documentos de fls. 55 e 56, do proc. cautelar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
8. Foi introduzida na plataforma de concursos electrónicos, a propósito da decisão de «Não Adjudicação», o seguinte (cfr. doe. de fls. 57 do proc. cautelar apenso).
"3. Não adjudicar a coberto da alínea c), do n.° l, do art. 79.° do Código dos Contratos Públicos, conjugado com o n.° 3, desse artigo, e com o artigo 80º do CCP; Mantendo-se a necessidade de contratar e de se proceder a uma alteração de aspectos fundamentais das peças do procedimento (no caso concreto, a compatibilização entre o objecto do Contrato e os alvarás exigidos, com base no n.° 3 do artigo 79.° do CCP, repetição do procedimento, no prazo máximo de 6 meses e nos termos da regra geral de escolha do procedimento (previsto no artigo 18.° do CCP) e do valor máximo do benefício económico que pode ser obtido pelo adjudicatário com a execução do contrato a celebrar (de acordo com os limites ao valor do contrato constantes dos artigos 19.° a 21.° do CCP), propõe-se a adopção de um novo Concurso Público Internacional. Este ato pratica-se com a revogação da Decisão de Contratar, segundo o disposto no artigo 80.° do CCP."
9. A Demandada procedeu à abertura de novo concurso tendo por objecto a prestação dos serviços que constituíam o objecto do Concurso referido em 1. supra, tendo procedido à alteração de várias peças do procedimento (acordo das partes e doe. de fls. 126-128 do proc. cautelar apenso).
10. A Autora apresentou-se ao Concurso referido em 9. (cfr. doe. de fls. fls. 129 do proc. cautelar apenso e por acordo).
11. A 9 de Março de 2011 a Autora intentou a presente acção (cfr. registo a fls. 2).



DO DIREITO

a. impugnabilidade directa dos documentos conformadores de procedimentos pré-contratuais;

Acerca da interpretação do artº 51º nº 3 CPTA e do regime decorrente do artº 100º nº 2 CPTA, salienta a doutrina que “(..) o nº 2 do artº 100º introduziu, no nosso contencioso administrativo, uma modalidade inovadora de impugnação directa de normas regulamentares não imediatamente lesivas, que apenas projectem os seus efeitos na esfera jurídica dos interessados através da prática de actos administrativos concretos de aplicação. (..)
O nº 2 do artº 100º tem o alcance de afastar, no domínio específico a que se reporta, o regime regra em matéria de impugnação de regulamentos [cfr. artº 73º nº 2 CPTA], consagrando uma solução que vai contra toda a tradição do contencioso administrativo, de elaboração fundamentalmente jurisprudencial.
Com efeito, é tradicional no contencioso administrativo e entendimento, ditado por razões de economia processual, de que não se justifica proceder à impugnação de actos de que apenas resultem ameaças de lesão ainda não efectivadas. Há que aguardar pela efectivação da lesão para reagir. (..)
Ora, é desta lógica que o regime do nº 2 do artº 100º claramente se afasta, em defesa de outros valores, os valores promovidos pela directiva recursos, introduzindo uma modalidade inovadora de tutela preventiva, mediante a qual os interessados são admitidos a recorrer aos tribunais, por antecipação, para prevenirem a prática de actos administrativos lesivos, em ordem a obter uma tutela jurisdicional mais rápida e efectiva do que aquela que apenas poderia resultar da utilização do tradicional meio, meramente reactivo, de impugnação dos actos lesivos. (..)
Como, na verdade, claramente resulta da sua colocação sistemática, o nº 3 do artº 51º refere-se à matéria da impugnabilidade dos actos administrativos integrados numa sequência procedimental
É porque, à partida, existiria o ónus de impugnação destes actos, que o preceito vem afastar esse ónus, com a ressalva de duas excepções que nele são previstas. Estabelece, assim, o preceito que, por via de regra, ainda que um interessado não impugne um acto administrativo lesivo inserido num procedimento, nem por isso ele deixa de poder impugnar o acto final, com fundamento em ilegalidades cometidas durante o procedimento.
O preceito reporta-se, pois, às relações que se estabelecem entre os actos administrativos que são praticados durante a tramitação do procedimento administrativo.
Como é evidente não tem, assim, em vista uma realidade distinta, a que só o nº 2 do artº 100º se reporta, a da impugnabilidade directa dos documentos conformadores de procedimentos pré-contratuais, que não são actos administrativos, pelo que não estão submetidos ao respectivo regime de impugnação, regulado pelo artº 51º.
Afigura-se, pois, errónea a afirmação de que, nos casos previstos no nº 2 do artº 100º, existe um ónus de impugnação dos documentos conformadores dos procedimentos pré-contratuais porque este caso constitui uma excepção ao regime do nº 3 do artº 51º, tal como também se afigura errónea a afirmação de que, neste caso, não existe um ónus de impugnação por força do disposto no nº 3 do artº 51º. Ambas as afirmações dão, na verdade, por demonstrado o que, precisamente, cumpriria demonstrar: que, à partida, existe um ónus de impugnação dos documentos conformadores dos procedimentos pré-contratuais, cujo afastamento dependeria da aplicabilidade do previsão do nº 3 do artº 51. (..)
No caso do nº 3 do artº 51º, o legislador entendeu que, salvo no que respeita ao acto que exclui o interessado do procedimento ou dos casos previstos em lei especial, não é exigível a imposição do ónus de impugnação de actos que, estando inseridos nu procedimento administrativo, não sejam a resolução final desse procedimento. (..)” (1)

b. prazo de impugnação – artº 101º CPTA;

Acresce que - conforme decisão deste TCA tirada no rec. nº 6985/10 de 17.02.2011 - no que tange ao modo de contagem do prazo de um mês do artº 101º CPTA, esteja em causa a impugnação de acto endo-procedimental ou dos documentos conformadores do procedimento, caso a ilegalidade do acto ou do documento se repercuta no acto final, o termo ad quem do prazo de impugnação ocorre 1 mês após o acto final procedimental em causa, isto é, “(..) esse prazo não se conta a partir da prática do acto ilegal, mas da prática do acto final do procedimento (em princípio, do acto de adjudicação). Melhor dizendo, ele termina 1 mês após a adjudicação e corre desde a prática do acto endo-procedimental ilegal. É isso que resulta do facto de a ilegalidade do acto endo-procedimental se repercutir no acto final de adjudicação (..)
Quanto ao prazo de impugnação dos documentos conformadores do procedimento (..) esse prazo talvez não devesse começar a contar do acesso ao documento em causa (..) o prazo podia começar a contar do momento em que o interessado ficou colocado em condições concretas de deduzir a impugnação judicial, isto é, a partir do momento em que a ilegalidade (uma certa ilegalidade) do documento se tornou uma questão do procedimento. (..)
Para não dizer também que não veríamos necessariamente como má solução a de permitir a impugnação do documento por todo o tempo do procedimento até ao decurso de 1 mês após o acto de aplicação do documento ou até mesmo ao prazo de 1 mês a contar do acto final.
Na verdade, se a ilegalidade do documento se mantém operativa e invocável contra os actos de sua aplicação (em última instância, em princípio, a adjudicação), por que motivo não permitir a impugnação do documento nesses momentos? (..)”. (2)
Na mesma linha doutrinária no tocante aos documentos conformadores do procedimento “(..) não se afigura razoável submeter a impugnação destes documentos, que se destinam a vigorar pelo menos durante todo o período de pendência do procedimento pré-contratual, a um prazo preclusivo de um mês, contado desde a data em que eles se tornem acessíveis aos eventuais interessados. Coloca-se, em todo o caso, a necessidade de articular a possibilidade de impugnar, desde logo, as determinações contidas nos documentos em causa com a possibilidade de impugnar os actos administrativos que, ao longo do procedimento, podem ser praticados em aplicação ou, pelo menos, no pressuposto de tais determinações. (..)
Com efeito, o contencioso pré-contratual urgente deve ser, a nosso ver, encarado como uma unidade, nas duas modalidades em que, em conformidade com as Directivas recursos, o nº 1 e o nº 2 deste artº 100º o desdobram. Deve, por isso, entender-se que entre as previsões do nº 1 e do nº 2 existe uma relação de complementaridade, que explica o silêncio do segundo dos preceitos quanto à questão dos pressupostos processuais aplicáveis.
Tudo ponderado, parece-nos, pois, de entender que o prazo de um mês do artº 101º também vale para a impugnação dos documentos conformadores do procedimento pré-contratual. (..) o eventual não exercício da faculdade de impugnação concedida pelo artº 100º nº 2 não preclude a faculdade, que sempre existiria, da impugnação dos actos administrativos que, ao longo do procedimento, porventura venham a ser praticados em aplicação ou, pelo menos, no pressuposto da determinação ilegal contida no documento conformador não impugnado – maxime, a faculdade da impugnação do acto final do procedimento, com fundamento em todas as ilegalidades que ao longo do mesmo possam ter sido cometidas. (..)” (3)
*
Neste sentido e quanto ao caso presente, não pode subsistir o entendimento sustentado pelo Tribunal a quo de caducidade do direito de acção, fundada na circunstância de a sociedade Recorrente não ter impugnado a norma do artº 16º do Programa do Concurso, pelo que cabe revogar a sentença proferida, sendo que o probatório não permite conhecer em substituição pelos motivos seguintes.

*
A sociedade Recorrente deduziu o pedido múltiplo e subsidiário nos seguintes termos:
“(..) deve a presente acção ser declarada procedente e provada e, em consequência,
a) determine a rectificação do erro material constante da al. c) do Programa do Concurso, na parte em que determina a apresentação do alvará de transporte de valores como documento de habilitação e o consequente prosseguimento do procedimento ou, em alternativa, considera este exigência como violadora de normas imperativas do CCP e, como tal, nula;
b) ser anulada a deliberação de caducidade da proposta da A. proferida pela R.;
c) ser anulada a deliberação de revogação da decisão de contratar proferida pela R.;
d) ser mantida a deliberação de adjudicação da proposta da A., proferida pela R. e, em consequência,
e) deve a R. celebrar o contrato de aquisição de serviços com a A., de acordo com a proposta adjudicada.
Caso a R venha a praticar os actos de execução devida, com vista à reposição da legalidade deve a R. ser,
f) condenada a pagar à A. uma indemnização no valor de € 56 107,90 para reparação de todos os prejuízos sofridos pela A. (..)”
A ora Recorrente discute a bondade dos termos em que a habilitação para a execução do contrato se mostra expressa na respectiva cláusula do Programa do Concurso e, consequentemente, a bondade da decisão de caducidade da adjudicação, bem como da subsunção dos pressupostos da decisão de não adjudicação na previsão do artº 79º nº 1 c) CCP, concluindo pela condenação da entidade adjudicante a celebrar o contrato de acordo com a primitiva adjudicação a seu favor.
Peticiona ainda, em via subsidiária, a atribuição de indemnização por danos emergentes e lucros cessantes em valor concreto pela não celebração do contrato, pretensão indemnizatória que reitera no presente recurso, é um evidência que o probatório não permite apreciar a sustentação fáctica do enquadramento jurídico sustentado na petição, sendo certo que as partes alegam e controvertem matéria de facto que substancia, a título de causa de pedir, os pedidos múltiplo e subsidiário deduzidos.
De acordo com o probatório, a decisão de não adjudicação fundou-se na ocorrência de circunstâncias imprevistas impositivas de alteração das peças fundamentais do procedimento, no caso “a compatibilização entre o objecto do contrato e os alvarás exigidos” no Programa do Concurso, louvando-se a entidade adjudicante no disposto no artº 79º nºs. 1c) e 3 CCP – itens 7 e 8 do probatório.
Antes, porém, a ora Recorrente fora notificada da adjudicação da proposta por si apresentada, na qualidade de adjudicatária para apresentar os documentos de habilitação, apresentação notificada a todos os concorrentes – itens 4, 5 e 6 do probatório.
Todavia, antes da decisão de não adjudicação, a ora Recorrente foi notificada da declaração de caducidade da adjudicação – item 7 do probatório.
Também decorre do probatório que a entidade adjudicante abriu novo procedimento (artº 79º nº 3 CCP), com introdução de alterações várias nas peças do procedimento, a que a ora Recorrente apresentou proposta – itens 9 e 10 do probatório.
Em face da causa de pedir que substancia os pedidos múltiplo e subsidiário é uma evidência que o probatório não contém os fundamentos de facto passíveis de suportar juízo jurídico a emitir por este TCA, em via de substituição, traduzido no comando que configura o direito do caso concreto. (4)
Com a clareza que lhe é reconhecida, diz-nos Alberto dos Reis que "uma decisão sem fundamentação equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base", sancionada, nos termos de art° 668° n° l b) CPC com a nulidade. (5)
Do que vem exposto resulta a insusceptibilidade de dar cumprimento ao disposto no art° 712° n° l a)
CPC, isto é, reapreciar, em via de substituição, o julgamento da matéria de facto provinda da 1a Instância, quando do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão e tendo por pressuposto que a decisão recorrida emitiu pronúncia sobre a matéria de facto.
Uma coisa é o tribunal de recurso em 2a Instância reapreciar o julgamento da matéria de facto e, por
substituição do tribunal recorrido e no sentido confirmativo da decisão, alterar o probatório aditando-lhe
factos decorrentes dos elementos fornecidos pelo processo, outra, completamente distinta, é renovar o
probatório de alto abaixo, ainda que com fundamento nos meios de prova constantes dos autos, e integrar as omissões da sentença tanto quanto aos factos essenciais identificadores da situação jurídica invocada pela parte como os factos complementares, indispensáveis à procedência da causa - art° 264° CPC. (6)
Aqui não se trata de ampliar, trata-se de fixar ex novo a factualidade que fundamenta a decisão e tal
não é adjectivamente possível por se traduzir na supressão de um grau de recurso no domínio da matéria de facto.
Em suma, é indispensável não só explicitar a matéria de facto na medida dos documentos que
substanciam a controvérsia vazada petição inicial pela ora Recorrente no confronto com os facto vazados na contestação pela ora Recorrida, matéria de facto absolutamente silenciada no registo da prova, o que impossibilita, como referido, este TCA de julgar em substituição, ex vi art° 712° n° s. l e 4, 1a parte, CPC.
Consequentemente, nesta parte impõe-se o recurso oficioso aos meios cassatórios de anulação da sentença proferida, por necessidade de ampliação da matéria de facto de acordo com a lei substantiva julgada aplicável em função das diversas soluções plausíveis em direito suscitadas pela substanciação dos pedidos - cfr. art°712° n° 4 CPC, ex vi art° 1° CPTA.

***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul - 2° Juízo em,

A) na procedência parcial do recurso, revogar a sentença proferida no segmento que declarou a caducidade do direito de acção;
B) anular ex officio a sentença proferida no segmento do probatório em ordem à ampliação da matéria de facto, ordenando a baixa dos autos à 1ª Instância para proceder em conformidade se a tanto nada mais obstar - art° 712° n° 4 CPC, ex vi art° 1° CPTA – ordenando a baixa dos autos à 1ª Instância .

Sem tributação.

Lisboa, 03.MAI.2012

(Cristina dos Santos) ……………………………………………………………………..

(António Vasconcelos) …………………………………………………………………..

(Paulo Carvalho) ………………………………………………………………………...

(1) Mário Aroso de Almeida, Artº 100º nº 2 CPTA: mera faculdade ou ónus de impugnação? – Ac. do STA de 27.1.2011, P.850/10, CJA/90 págs. 53-55.
(2) Rodrigo Esteves de Oliveira, O contencioso urgente da contratação pública, CJA nº 78, págs.10 e 13/15.
(3) Mário Aroso de Almeida, Manual …, págs. 342/343.
(4) Oliveira Ascenção, O direito - introdução e teoria geral, Fundação Calouste Gulbenkian, 2a edição, 1980 págs. 186. 488 e 489 - "Tudo o que assenta numa regra, deriva directamente da verificação histórica duma situação ou acontecimento que corresponde à previsão normativa (..)a sentença tem mais alguma coisa que mera aplicação (..) tem, justamente o comando dirigido às partes, para pautarem a sua conduta neste ou naquele sentido (..) dirige em determinado sentido a valoração genérica da lei (..) Logo, diremos que a sentença não cria o direito no caso singular, mas concretiza-o; nova o título da situação individual; e reforçado, nos casos normais, com um comando dirigido às partes (..)".
(5) Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra/1981, pág. 139.
(6) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex/1997, 2a edição, pág. 70-75, 350/351, 415 e 446/447, 221



REDUÇÃO REMUNERATÓRIA NOS CONTRATOS DE AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS, ARTºS 22º E 19º DA LEI Nº 55-A/2010 (LEI DO ORÇAMENTO DE ESTADO PARA 2011), VALOR BASE.



Proc. Nº 8882/12   TCAS   28 Junho 2012

I. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea b), do nº 1, do artº 668º do CPC, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

II. Subsume-se no disposto nos artºs 22º e 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, que aprova o Orçamento de Estado para 2011, os quais determinam a redução dos valores pagos pelos contratos de aquisição de serviços, o procedimento pré-contratual aberto em 2011, por pessoa coletiva de direito público, uma instituição de ensino superior (cfr. artº 22º, nº 1, alínea c) da Lei nº 55-A/2010), cujo objeto respeita à aquisição de serviços de limpeza, com o mesmo objeto do contrato anterior e com a mesma contraparte.

III. A referência à mesma contraparte, deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo qualquer parte, pois atendendo aos objetivos visados pelo legislador e às demais normas do ordenamento jurídico, de entre as quais as que consagram os princípios gerais de direito, não faz sentido, por um problema de desigualdade, limitar a redução dos valores pagos ou a pagar como contrapartida do contrato de aquisição de serviços apenas quando a renovação ou a celebração do novo contrato ocorra com a mesma contraparte do contrato anterior, o que no caso sempre se verifica, por a proposta graduada em primeiro lugar ter sido apresentada por essa contraparte.

IV. Está em causa a adoção de uma medida transitória e excecional, emanada por Lei da Assembleia da República, que visa a adoção de medidas destinadas a reduzir a despesa pública do Estado e com isso o défice do país e o seu consequente endividamento externo, que tem predomínio ou prevalência sobre as demais leis gerais ou especiais e, inclusivamente, sobre as convenções coletivas de trabalho, reduzindo os encargos com esses setores, relativos às remunerações e aos contratos de aquisição de serviços (cfr. nº 11 do artº 19º).

V. Tal medida constitui uma imposição às entidades adjudicantes, de redução da despesa pública, produzindo um efeito similar ao previsto para todos os servidores públicos, em sequência das reduções salariais operadas por força do artº 19º da Lei nº 55-A/2010, pelo que não tem razão de ser falar nos princípios da concorrência e da igualdade ou na prática de dumping.

VI. Além disso, não foi a contrainteressada cuja proposta foi graduada em primeiro lugar a única a apresentar proposta e a respeitar o valor base fixado no caderno de cadernos, tendo mais outras duas concorrentes apresentado a sua proposta em valor que respeita tal limite, o que permite concluir que tal valor, ainda que reduzido, constitui um atrativo comercial para as empresas concorrentes, segundo a sua respetiva estratégia comercial, isto é, segundo as regras de livre concorrência de mercado e da igualdade material em procedimentos concursais.

VII. O entendimento que preconiza o dever de exclusão dos concorrentes que não cumpram as obrigações sociais obrigatórias, vigora perante outro quadro normativo, isto é, fora do âmbito das reduções remuneratórias e das reduções do valor dos contratos de aquisições de serviços, impostas pelos artºs 19º e 22º da Lei nº 55-A/2010, pelo que, não está em causa a derrogação do anterior entendimento jurisprudencial sobre a matéria.

VIII. Por “valores pagos” a que se refere o artº 22º da Lei nº 55-A/2010, deve entender-se os preços totais ou parciais que constituem a contraprestação devida ao prestador de serviços, isto é, no caso da renovação do contrato, os preços contratuais previstos no contrato, mas já não no caso da celebração de novo contrato, pois neste caso não há que falar em “valores pagos”.

IX. No caso da celebração de um novo contrato, a redução remuneratória prevista no artº 22º nº 1 da Lei nº 55-A/2010 já tem de ter ocorrido, tendo de ser incorporada nas novas condições contratuais, nos termos do preço base definido no caderno de encargos, enquanto limite do preço que pode vir a ser proposto.

X. Atendendo ao disposto nos artºs 22º e 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12 e ao artº 69º nº 1 do D.L. nº 29-A/2011, de 01/03, a redução do valor contratual, por referência ao contrato anterior, deverá incidir sobre o valor total a pagar pelo contrato e não sobre o valor a pagar mensalmente.

XI. A celebração dos novos contratos de aquisição de serviços, com objeto idêntico ao do contrato anterior, pode ocorrer na sequência de procedimentos pré-contratuais submetidos à concorrência, sejam procedimentos de concurso, sejam procedimentos de ajuste direto com convite a vários operadores económicos, entre os quais a anterior contraparte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO
R…………., ………………., S.A., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 25/01/2012 que, no âmbito do processo de contencioso pré-contratual, instaurado nos termos do disposto no artº 100º e segs. do CPTA, movido contra o Instituto Superior de Economia e Gestão e as Contrainteressadas, aí melhor identificadas, julgou a ação totalmente improcedente, relativa ao pedido de declaração de ilegalidade das cláusulas 5ª e 23ª, nºs 1 e 2 do Caderno de Encargos, relativas ao concurso público para prestação de serviços de limpeza nas instalações do ISEG, com a consequente declaração de ilegalidade de todos os atos subsequentes à aprovação das peças concursais.
Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 235 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“1. Registe-se que, em momento algum, a Recorrente mencionou que o que estava em causa no caso dos autos era o regime do preço anormalmente baixo, previsto no artigo 71º do Código dos Contratos Públicos (doravante “CCP”). Todavia, existem outras causas que determinam a exclusão de uma proposta, com fundamento no preço apresentado, ainda que este não seja anormalmente baixo.
2. De facto, o que a Recorrente não aceita nem pode aceitar é que a Administração Pública acabe por contratar com o concorrente que apresenta o preço mais baixo mas que não cumpre os encargos diretos obrigatórios estabelecidos no Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31 de dezembro de 2010, quer do próprio CT, conseguindo, precisamente por não suportar esses encargos, o preço mais baixo. Neste caso, a entidade adjudicante tem legitimidade para excluir o concorrente que, apesar de apresentar o preço mais baixo, não cumpre os encargos diretos obrigatórios a que está adstrito.
3. De acordo com o preceituado no art. 659º/2, do Código de Processo Civil, ex vi do disposto no artº 1º do CPTA, o juiz deve “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
4. Saliente-se que a douta sentença recorrida nem sequer se pronunciou em termos concretos sobre as ilegalidades apontadas pela ora Recorrente às normas constantes dos artigos 5º e 23º, n.ºs 1 e 2 do CE, nomeadamente sobre a fixação de um preço base que em termos objetivos viola efetivamente as vinculações legais aplicáveis, no que concerne à retribuição dos trabalhadores afetos ao serviço a prestar, constantes quer do Decreto-Lei nº 143/2010, de 31 de dezembro de 2010, quer do próprio CT.
5. No caso em apreço, o Tribunal a quo limita-se a fazer apenas uma apreciação muito particular sobre o preço proposto pela aqui Contrainteressada, referindo-se sempre e singularmente à proposta da mesma apresentada no concurso público em apreço. Concluindo que aquele preço em concreto resulta de uma “gestão de pessoal excedentário” e de uma relativa “proximidade de edifícios”.
Note-se, que a sentença recorrida nem sequer refere como chegou à conclusão que a Ambiente e Jardim, Lda. tem pessoal excedentário de outros contratos, quantos tem em termos quantitativos, e quais contratos, entre tantas outras questões que urgem ser esclarecidas a bem do princípio da prossecução do interesse público, que as entidades administrativas estão adstritas em prosseguir.
6. Com efeito, o Tribunal a quo não procede a uma análise das normas constantes do CE em termos abstratos, gerais, aplicáveis a todos os proponentes que queiram participar neste Concurso Público. Pelo contrário, o que o Tribunal faz é uma análise única e incidente somente no preço proposto pela A ………………, Lda.
7. Saliente-se, mais uma vez, que o que a Autora efetivamente pediu, em sede de Petição Inicial, foi a “declaração de ilegalidade das normas conjugadas constantes do artigo 5º e do artigo 23º n.ºs 1 e 2 do CE do concurso público”, e não uma análise concreta ao preço proposto pela concorrente supra identificada. Embora, essa proposta de preço da A ………………, Lda. seja uma decorrência das ilegalidades plasmadas nas normas acima referidas. Sucede que nem uma palavra foi proferida a esse respeito pelo Tribunal a quo, que, deste modo, não cuidou de averiguar da conformidade, legalidade e validade das regras previstas no CE, conforme pedido pela Autora.
8. A douta sentença recorrida limitou-se, pois, a decidir pela improcedência dos vícios apontados pela ora Recorrente sem justificar fundamentadamente o referido entendimento e, muito menos, sem aferir se, em termos gerais, as disposições constantes do Caderno de Encargos eram compatíveis e respeitavam as regras da sã concorrência, plasmadas nomeadamente no artigo 3º, n.º 1 e do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de outubro, na sua atual redação, isto é, sem cuidar de averiguar se o preço base apresentado no CE permitia o respeito pela demais legislação aplicável. Pois, como acima referimos, só através da ponderação desta análise seria possível ao Tribunal a quo concluir que uma eventual não exclusão da concorrente A ……………., Lda. não padecia de qualquer ilegalidade.
9. Do exposto resulta, assim, que a douta sentença recorrida é nula por falta da especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificariam a decisão, violando, assim, os artigos 668º, alínea b), 659º, n.º 2 e 158º, nº 1 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1º do CPTA.
10. Registe-se que, conforme mencionado em sede de Petição Inicial, a ora Recorrente continua a entender que as disposições constantes dos artigos 5º e 23º, nºs 1 e 2 do CE do procedimento em crise nos autos são incompatíveis, por incitarem os concorrentes à apresentação de propostas em violação das regras da concorrência aplicáveis, designadamente com preços abaixo do preço de custo (dumping) e determinarem a celebração de um contrato que implica, necessariamente, a violação de disposições legais e regulamentares aplicáveis.
11. As testemunhas arroladas pela Contra Interessada referiram que a desconsideração de parte dos custos inerentes à prestação de serviços objeto do concurso, nomeadamente os encargos com a substituição do pessoal em férias e com materiais e equipamentos apenas foi possível pela existência de sinergias com outros contratos celebrados com a mesma entidade adjudicante para outros setores do mesmo edifício, o que apenas seria possível apenas para a Contrainteressada, e não para qualquer outro concorrente, visto que só aquela dispunha de condições que ilicitamente lhe permitem oferecer uma proposta mais vantajosa.
12. Donde resulta, de forma evidente e sem margem para quaisquer dúvidas, a violação tanto das regras da concorrência, como também dos próprios princípios da igualdade e da concorrência, uma vez que as condições acima descritas, apenas a A ……….. dispunha por ser já o prestador de serviços do Recorrido noutros contratos.
13. Nesta linha, veja o que foi decidido pelo douto Acórdão do TCA Norte, de 19 de julho de 2007:
É inaceitável a proposta que apresenta valores relativos a encargos sociais obrigatórios inferiores aos valores mínimos previstos na respetiva convenção coletiva de trabalho. Tal inaceitabilidade, reconduzindo-se à ilegalidade da proposta, determina necessariamente a exclusão do concorrente, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da concorrência. É que os princípios da igualdade e da concorrência não consentem a admissão de concorrentes que, por não suportarem os custos sociais com o pessoal que lhe esteja afeto, dispõem de condições que ilicitamente lhes permitem oferecer propostas mais vantajosas.” (Cfr. Acórdão TCA Norte, de 19.07.2007, Processo n.º 03162/06.OBEPRT, in www.dgsi.pt. Nosso o negrito e sublinhado)
14. Em bom rigor, a concorrência é essencial a um procedimento de adjudicação de contrato público, proporcionando que o interesse público que lhe está subjacente venha a ser realizado nas melhores condições técnicas e económicas.Com efeito, a conclusão a que o Tribunal a quo chega, quando refere que “algumas empresas por deterem determinadas condições (seja pessoal excedentário de outros contratos, proximidade de edifícios, ou outras situações), conseguiam apresentar uma proposta mais vantajosa”, é que efetivamente apenas a A ………….. poderia participar no presente Concurso Público, pois todos os demais proponentes, por não disporem das mesmas condições de vantagem, viriam goradas as suas legítimas pretensões de prestar o mesmos serviço.
15. Destarte, o Exmo. Júri criou uma vantagem ilegal acessível apenas a um único concorrente como supra demonstrámos. Por isso, não se entende como é que o Tribunal a quo, chegando e bem a esta conclusão, decide pela legalidade do preço base indicado no CE. Entrando, assim, em plena contradição com os factos que dá como assentes e provados.
16. Ora, regressando à questão dos custos inerentes à prestação de serviços de limpeza, a atividade em causa está sujeita à regulamentação coletiva de trabalho, a qual institui, para a categoria profissional de trabalhador da limpeza, valores muito aproximados do designado “salário mínimo nacional” (cfr. Boletim do Trabalho e Emprego (“BTE”) n.º 15, de 22 de abril de 2008 com a atualização salarial decorrente do BTE n.º 8, de 28 de fevereiro de 2010).
17. Ora, sendo exigidas 468 (quatrocentas e sessenta e oito) horas de trabalho mensal, verificamos que apenas quanto a custos com encargos salariais mínimos, a prestação de serviços do procedimento dos autos custaria o seguinte:
(…)
TOTAL 2061,41 €
O que implica, um custo anual de € 24.736,92, bem acima do preço base fixado no CE, de € 21.600,00. Facto este que a douta sentença deu como provado:
Efetivamente ficou provado que o custo anual para assegurar os aludidos serviços era efetivamente de €24.736,92.”
18. A necessidade destes encargos mínimos com a prestação dos serviços descritos no CE ficou, claramente demonstrada nos presentes autos, pelo que a conclusão de que o preço base fixado no CE é manifestamente insuficiente para cobrir os referidos custos é uma decorrência lógica, que a própria sentença recorrida reconheceu e bem.
19. É inquestionável que os encargos diretos obrigatórios com pessoal, estabelecidos no CCT em vigor à data da apresentação das propostas, constituem uma componente do cálculo e da formulação do “preço do serviço de limpeza” indicado pelos concorrentes para o fornecimento concursal. Deste modo, entre tais encargos e o “preço do serviço de limpeza” estabelece-se uma relação em que este tem de ser formulado de modo a, pelo menos, além de outros, suportar a aqueles custos, sob pena da contratação pública de bens e serviços contribuir para as práticas de dumping social.
20. E, é precisamente a esta conclusão, que o Tribunal a quo chega, ou seja, o preço base fixado no CE revela-se insuficiente para assegurar todos os custos inerentes obrigatoriamente afetos à prestação de serviços objeto do presente procedimento.
21. Embora, depois justifique o preço proposto pela proponente Ambiente Jardim, Lda. com a “gestão de pessoal excedentário” e a “proximidade de edifícios”, o facto com relevância para a causa é que a douta sentença reconhece e bem que o preço base fixado no CE viola efetiva e flagrantemente as disposições legais e regulamentares aplicáveis em termos de retribuição dos trabalhadores afetos ao serviço a prestar, constantes quer do Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31 de dezembro de 2010 quer do próprio CT, permitindo a apresentação de propostas ilegais e inaceitáveis, como a da Contra- interessada.
22. Com efeito, o Tribunal a quo julga, ainda que implicitamente, ilegais as normas constantes dos artigos 5º e 23º, nºs 1 e 2 do CE, ao determinar que o custo anual para assegurar os referidos serviços é de € 24.736,92, isto é, muito acima do preço base de € 21.600,00 fixado no CE.
Pelo que, muito se estranha que a douta sentença acabe por concluir pela improcedência dos vícios assacados pela Requerente aos artigos supra mencionados.
23. Em bom rigor, e ao contrário do decidido pela douta sentença aqui recorrida, a situação acima descrita consubstancia motivo de exclusão das propostas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70.º, n.º 2, alíneas f) e g) do CCP.
24. Ora, o certo é que, sejam quais forem as restrições decorrentes do Orçamento de Estado para 2011, é manifesto que a tentativa de redução das despesas dos serviços públicos não pode ser feita com recurso à violação da legalidade instituída. Pois o adjudicatário deve respeitar toda a legislação em vigor, a parte que lhe for aplicável, devendo nomeadamente observar as prescrições legais sobre salários mínimos, segurança e responsabilidade por acidentes de trabalho.
25. Registe-se que conforme resulta dos factos dados como assentes e atrás mencionados, é evidente que se o Recorrido apenas dispõe de um orçamento de € 21.600,00 acrescido de IVA para serviços de limpeza das instalações da Rua …….., n.º 20, em Lisboa, terá de coadunar as características do serviço pretendido com o orçamento existente.
Pois, com aquele orçamento é evidente que se torna impossível ter 6 (seis) trabalhadores, a prestar 3 (três) horas de serviço diário em 6 (seis) dias por semana.
E, portanto, das três uma:
• Ou se diminui a carga horária diária;
• Ou se diminui o número de trabalhadores afetos;
• Ou se diminui o número de dias por semana em que o serviço é prestado
26. De todo o exposto resulta claramente que, ainda que o objeto do contrato que se visa celebrar com o procedimento pré-contratual em causa nos autos seja o mesmo do anterior contrato do ISEG, o preceito do artigo 22º da Lei do Orçamento de Estado para 2011 não se aplica, na medida em que o Recorrido optou por lançar um concurso público, isto é, um procedimento pré-contratual concorrencial. Assim, nenhuma restrição legal existia para que o Recorrido fixasse outro preço base, caso entendesse.
27. Ainda que assim não fosse, no que não se concede, sempre se dirá que o Recorrido aplicou mal o disposto no artigo 19º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado para 2011. É que sendo o valor anual do anterior contrato de € 24.000,00 (o que, sujeito a uma redução de 10%, resulta nos € 21.600,00 agora em causa), verifica-se que a avença mensal da prestação de serviços é de € 2.000,00 (€ 24.000,00 7 12).
28. Ora, aquele artigo 19º, n.º 1 aplica-se às “remunerações totais ilíquidas mensais”, facto aliás que veio a ser esclarecido pelo disposto no artigo 69º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de março (Decreto-Lei de execução orçamental), pelo que a redução a que haveria lugar seria na ordem dos 3,5% e não de 10%, como o Recorrido veio a erradamente aplicar. Assim, mesmo que o disposto no artigo 19º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado para 2011 fosse aplicável ao caso dos autos, que não é como já vimos, ainda assim, o Recorrido poderia fixar como preço base o valor de € 23.160,00.
29. É, pois, evidente que se o ISEG apenas dispõe de um orçamento de € 21.600,00 (ou de € 23.160,00 como atrás vimos) acrescido de IVA para serviços de limpeza das instalações da Rua ……………….., n.º 20, em Lisboa, terá, como atrás mencionámos, de coadunar as características do serviço pretendido com o orçamento existente. E, note-se, não existe nenhum impedimento legal para tal.
30. A tudo acresce, que as três empresas que apresentaram uma proposta de acordo com o exigido no CE, das duas uma: ou apresentaram uma proposta abaixo do preço de custo, ou vão violar disposições legalmente aplicáveis para poder cumprir as obrigações a que se vincularam, a menos que não tencionem cumprir o contrato que irão celebrar. Pelo que se manifestava forçoso que o próprio Júri excluísse aquelas propostas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70º, n.º 2, al. f) e al. g) do CCP, sob pena de ilegalidade da respetiva admissão. Assim, o presente procedimento, caso prossiga, está condenado a resultar numa adjudicação ilegal e na celebração de um contrato que determinará, necessariamente, a violação de disposições legais aplicáveis, o que torna a referida adjudicação necessariamente ilegal.
31. De todo o exposto, é manifesta a procedência do presente recurso, uma vez que é evidente que as normas conjugadas do artigo 5º e do artigo 23º do CE do procedimento em crise nos autos são ilegais, pelo que as peças do concurso têm de ser anuladas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) e declarando-se nulos, em consequência, todos os atos subsequentes praticados no âmbito do procedimento em apreço (cfr. disposto no artigo 133º, n.º 2, al. i) do CPA).”.

*

O recorrido contra-alegou, mantendo a posição assumida na contestação, sem formular conclusões.

*

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado, nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, não emitiu parecer.

*

O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento, por se tratar de um processo urgente.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.
As questões suscitadas, ordenadas segundo a sua ordem lógica de conhecimento, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1. Nulidade, por falta de fundamentos de facto e de direito e
2. Erro de julgamento quanto ao juízo de improcedência da ilegalidade das cláusulas 5ª e 23ª do Caderno de Encargos, com fundamento em violação, pelo preço base fixado, dos encargos diretos obrigatórios estabelecidos no D.L. nº 143/2010, de 31/12 e do Contrato Coletivo e, com isso, na violação das regras da concorrência, previstas nos artºs. 3º, nº 1 e 4º do D.L. nº 370/93, de 29/10, com preços abaixo do preço de custo (dumping) e dos princípios da igualdade e da concorrência e por não ser aplicável o artº 22º da Lei nº 55-A/2010 (aprova o Orçamento de Estado para 2011) ou, se tal preceito for aplicável, por erro de julgamento, por o mesmo se aplicar às “remunerações ilíquidas mensais”.
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO
O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:
A) O Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) lançou o Concurso Público n° 4/LIMPEZA/ISEG/2011, para a prestação de serviços de limpeza nas instalações do ISEG, mediante anúncio de procedimento n° 204/2011, publicado no Diário da República, no 83, 2ª Série, de 29 de abril de 2011;
B) O Concurso Público em causa regeu-se pelo Programa de Concurso (PC) e Caderno de Encargos juntos ao processo administrativo apenso;
C) Nos termos do art. 11° do PC o critério de adjudicação do procedimento em causa é o do mais baixo preço;
D) Do CE destacam-se os seguintes artigos:

Artigo 5° Preço base

1. Pelo fornecimento dos serviços objeto do contrato, a Entidade Adjudicante dispõe-se a pagar o preço máximo anual de € 21,600 (vinte e um mil e seiscentos euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
(...)
Parte II — Clausulas Técnicas

Artigo 21° Equipamento

A colocação de equipamento e produtos de limpeza adequados à prestação do serviço é da inteira responsabilidade do adjudicatário.

Artigo 22° Pessoal

1. O adjudicatário fica responsável pelo integral cumprimento de todas as obrigações, relativas à proteção e às condições de trabalho do seu pessoal, nos termos da legislação em vigor.
(...)

Artigo 23° Pessoal

1. Memória descritiva do local, do serviço de limpeza e dos efetivos mínimos Edifício da rua Miguel Lúpi, 20.
Pessoal – Efetivos mínimos diários: 6 (seis), sendo 5 (cinco) trabalhadores de limpeza, acrescido de 1(um) elemento com funções de chefia, todos presentes das 6H00 às 9H00, prestando cada trabalhador e chefia 3H00 de serviço diário mínimo.
2. Horário a praticar nas diversas áreas de intervenção
De 2ª Sábado, das 6H00 às 8H00, gabinetes e salas de trabalho;
De 2ª a Sábado das 6H00 às 8H30, garagem, rampa de acesso, entrada do edifício, corredores e escadas interiores;
De 2º Sábado das 6H00 às 9H00 restantes espaços.
5. Especificações do trabalho
(...)
Limpeza mensal
Lavagem dos vidros interiores e exteriores
(...)
E) Nos termos do art. 5° do PC as propostas a concurso deveriam ser apresentadas até às 17h00 do dia 11 de maio de 2011;
F) No dia 2 de maio a Autora solicitou esclarecimentos às peças do concurso designadamente sobre a vinculatividade da carga horária do serviço a prestar – cf. doc. 4 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
G) No dia 3 de maio de 2011 o Júri do concurso estabeleceu que a carga horária e o número de trabalhadores constantes do art. 23° do CE eram vinculativos;
H) No dia 4 de maio a Autora publicou na plataforma eletrónica utilizada para o concurso, uma lista de erros e omissões do CE, de molde a comprovar a insuficiência do Preço Base face à Carga horária exigida no CE – cf. doc. 5 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
I) No dia 5 de maio o Júri esclareceu que o preço base era o que constava do CE e resultava da aplicação da Lei do Orçamento para 2011 – cf. doc. 5 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido,
J) Além da Autora outros interessados no concurso solicitaram esclarecimentos em termos similares, realçando o facto de o preço base não ser suficiente para cobrir os encargos mínimos legais para o pessoal exigido no CE – cf. doc. 7 a 9 juntos à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
K) Apresentaram proposta no concurso indicado em A) os seguintes concorrentes:
- E ……………. – Prestação ……………., SA (identificado no Relatório Preliminar como S……… PORTUGAL);
- I …….– ………………, Gestão e Manutenção de Edifícios, Ldª (ISS);
- C ………….., SA (CLECE);
- C ………….. – Sociedade ……………, Lda. (CTLIMPE);
- O…………. – Limpeza …………., Lda. (OPERANDUS);
- S ………….– Restaurantes e Alimentação, Lda. (SOLNUTRI);
- V ………….. – Sociedade ……….., Lda. (VARINHA CAPRICHOSA);
- R ………….– Limpeza e Serviços, S.A (REILIMPA);
- L…………– Limpopo ………………, Ldª (LIMPOPO);
- BIG ………….., Ldª (BIG SMILE);
- A………….., Limpeza………………, Ldª (AVEICLEAN);
- A…………….., Lda;
- E…………… – Facility Services, Lda, (EUROMEX);
-E…………… SUL – Empresa ……….. SA (ELECTROLIMPA);
L) No dia 18 de maio de 2011 foi publicado o Relatório Preliminar, nos termos do qual é proposta a exclusão de sete concorrentes por a proposta apresentar um preço contratual superior ao preço base, três por a proposta ter sido entregue depois do termo fixado para a sua apresentação e um por a proposta apresentar um preço anormalmente baixo;
M) No mesmo Relatório foi proposta a seguinte ordenação das propostas:
Ordem
Concorrente
Valor da proposta (sem IVA
A…………, Lda
20.976,00
E……… – F…………
21.402,00
E………. Sul
21.594,00
N) Em maio de 2011 o procedimento concursal encontrava-se em fase de audiência prévia;
O) A prestação de serviços a efetuar atentando ao n° de pessoal e carga horária indicada na cláusula 23ª do CE (alínea D) precedente) implica o pagamento mensal de €1.310,40 a título de encargo salarial (remuneração), sendo que a proposta pode conter preços inferiores obtidos com a gestão de pessoal noutros contratos;
P) E de € 109,16 a título de subsídio de férias;
Q) E de € 109,16 a título de subsidio de Natal;
R) Bem como de € 109,16 de substituição de férias, sendo que a proposta pode conter preços inferiores obtidos com gestão de pessoal noutros contratos;
S) E de € 311,22 de encargos sociais obrigatórios;
T) E de €112,32 a título de subsídio de alimentação.”.
DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada, não impugnada pela recorrente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Nulidade, por falta de fundamentos de facto e de direito
Nos termos da alegação do recurso, incorre a sentença recorrida de nulidade, por falta de fundamentos de facto e de direito, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 668º do CPC, por não se ter pronunciado em termos concretos sobre as ilegalidades apontadas às cláusulas 5ª e 23ª nºs 1 e 2 do Caderno de Encargos, nomeadamente, sobre a fixação de um preço base que viola em termos objetivos as vinculações legais aplicáveis relativas à retribuição dos trabalhadores afetos ao serviços a prestar, constantes do D.L. nº 143/2010, de 31/12 e do próprio contrato coletivo e ainda, por não se pronunciar sobre tais normas do Caderno de Encargos em termos abstratos, gerais e aplicáveis a todos os proponentes que queiram participar no concurso público.
Mais acrescenta (na conclusão 8.) que “a sentença recorrida limitou-se, pois, a decidir pela improcedência dos vícios apontados pela ora Recorrente sem justificar fundamentadamente o referido entendimento”.
Vejamos.
Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea b), do nº 1, do artº 668º do CPC, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito, pois que a simples insuficiência ou incompletude da motivação ou o erro de fundamentação é espécie diferente e podendo afetar o valor da sentença, mediante a sua revogação em recurso jurisdicional, não produz a sua nulidade (art.ºs 666º, n.º 3 e 668º, n.º 1, al. b), do CPC).
No caso dos autos, confrontando a seleção da matéria de facto relevante para a decisão a proferir, incluída nos factos assentes, decorre que foram levados ao probatório os factos necessários e indispensáveis, destinados a fundamentar de facto a concreta decisão que veio a ser proferida, pelo que não existe omissão na fundamentação de facto da sentença recorrida que determine a sua nulidade.
No que respeita à nulidade, por falta de fundamentação de Direito, a mesma igualmente não pode proceder, pois apresentam-se explanadas as razões que ditaram a concreta decisão proferida, independentemente da questão da sua correção ou do seu acerto e da decisão que veio a ser tomada.
Aliás, tal realidade acaba por ser admitida pela própria recorrente na alegação do recurso, ao referir-se que a sentença não justificou “fundamentadamente” o juízo de improcedência dos vícios apontados pela recorrente, admitindo, por isso, que a sentença contém alguma fundamentação de Direito.
Nestes termos, não procedem as conclusões do recurso, na parte em que se refere à nulidade invocada.

2. Erro de julgamento quanto ao juízo de improcedência da ilegalidade das cláusulas 5ª e 23ª do Caderno de Encargos, com fundamento em violação pelo preço base fixado, dos encargos diretos obrigatórios estabelecidos no D.L. nº 143/2010, de 31/12 e do Contrato Coletivo e com isso, na violação das regras da concorrência, previstas nos artºs. 3º, nº 1 e 4º do D.L. nº 370/93, de 29/10, com preços abaixo do preço de custo (dumping) e dos princípios da igualdade e da concorrência e por não ser aplicável o artº 22º da Lei nº 55-A/2010 (aprova o Orçamento de Estado para 2011) ou, se tal preceito for aplicável, por erro de julgamento, por o mesmo se aplicar às “remunerações ilíquidas mensais”
Segundo a recorrente as cláusulas 5ª e 23ª do Caderno de Encargos são ilegais, por a fixação do preço base violar as obrigações decorrentes do D.L. nº 143/2010, de 31/12 e do Contrato Coletivo, relativas aos encargos diretos obrigatórios relativos à retribuição dos trabalhadores.
Com isso, incorrem as normas do Caderno de Encargos em violação das regras da concorrência, previstas nos artºs. 3º, nº 1 e 4º do D.L. nº 370/93, de 29/10, com preços abaixo do preço de custo (dumping) e na violação dos princípios da igualdade e da concorrência.
Por outro lado, defende que não se aplica ao procedimento pré-contratual em causa, o disposto no artº 22º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, que aprova o Orçamento de Estado para 2011 ou que, ainda que se entenda ser aplicável tal dispositivo, não tem aplicação a redução de 10% sobre o valor do contrato anterior, mas antes a taxa de 3,5%, por referência ao valor da prestação mensal.
Vejamos.
Na presente ação de contencioso pré-contratual vem peticionada a impugnação direta de normas do procedimento, a saber, as cláusulas 5ª e 23ª do Caderno de Encargos, com fundamento de que o preço base aí fixado viola outras normas do ordenamento jurídico.
A questão essencial decidenda consiste em saber se o preço base fixado nas normas do procedimento, por referência às características da aquisição de serviços, relativas ao número de horas diárias, ao número de elementos a afetar à aquisição de serviços e ao tipo de serviços a prestar, derrogam as normas relativas aos encargos obrigatórios a assumir relativamente à remuneração dos trabalhadores, por referência à remuneração mínima mensal e aos demais encargos obrigatórios.
As normas do Caderno de Encargos alvo de discórdia, sob os nºs 5º e 23º, fixam o preço base e estabelecem o pessoal a alocar à prestação de serviços, mediante fixação do respetivo horário e do número de trabalhadores [cfr. alínea D) dos factos assentes].
Assim, nos termos da cláusula 5ª das Disposições Gerais do Caderno de Encargos, o preço base do presente procedimento é de € 21.600,00, acrescido de IVA à taxa legalmente em vigor e segundo as Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos, na cláusula 23ª nº 1, exige-se que o prestador de serviço afete 6 trabalhadores à prestação de serviço, sendo 5 trabalhadores de limpeza e 1 elemento com funções de chefia, devendo o serviço ser prestado entre as 06h00 e as 09h00, prestando cada trabalhador 3 horas de trabalho diário.
Nos termos da cláusula 11ª do Programa de Concurso o critério de adjudicação é do preço mais baixo, propondo-se a adjudicação à proposta apresentada pela Contrainteressada e anterior contraparte, por ser aquela que apresentou o melhor preço.
Mais decorre da factualidade assente que a prestação de serviços a efetuar, atendendo ao número de pessoal e carga horária indicada na cláusula 23ª, implica o pagamento da remuneração mensal e dos demais encargos, nos termos dos factos vertidos nas alíneas O) a T) do probatório, isto é, segundo uma carga horária mensal de 468 horas, obtida com base na seguinte fórmula 6 (trabalhadores) x 3 (horas diárias) x 6 (dias por semana) x 52 semanas / 12 meses).
Isso significa, tal como resulta da sentença recorrida, considerando a retribuição horária dos trabalhadores de limpeza e os encargos salariais mínimos, que a prestação de serviços do procedimento custaria € 2.061,41 mensais, o que implica um custo anual de € 24.736,92, bem acima do preço base fixado no CE ou seja de € 21.600,00.”, o que acarreta que tenha ficado “provado que o custo anual para assegurar os aludidos serviços era efetivamente de € 24.736,92 (…)”.
Extrai-se, por isso, que o preço base fixado na cláusula 5ª do Caderno de Encargos, por referência ao número de horas e ao número de trabalhadores exigido, é inferior ao que se encontra definido no artº 1º do D.L. nº 143/2010, de 31/12, que fixou a Retribuição Mínima Garantida para vigorar em 2010 (€ 485,00).
Contudo, tal como se extrai da factualidade apurada e das normas de Direito aplicadas pela entidade adjudicante, o preço base fixado no Caderno de Encargos resultou da aplicação do disposto no nº 1 do artº 22º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011.
Determina tal preceito legal, o seguinte:
Artigo 22.º
Contratos de aquisição de serviços
1 – O disposto no artigo 19.º é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços, que venham a celebrar-se ou renovar-se em 2011, com idêntico objeto e a mesma contraparte, celebrados por:
a) Órgãos, serviços e entidades previstos nos n.ºs 1 a 4 do artigo 3.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de dezembro, e 3-B/2010, de 28 de abril, incluindo institutos de regime especial e pessoas coletivas de direito público, ainda que dotadas de autonomia ou de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo;
b) Entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público e entidades do setor empresarial local e regional;
c) Fundações públicas e outros estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores;
d) Gabinetes previstos na alínea n) do n.º 9 do artigo 19.º.” (sublinhados nossos).
Com relevo, mais estabelece o artº 19º da citada Lei nº 55-A/2010, o seguinte:
Artigo 19.º
Redução remuneratória
1 – A 1 de janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a € 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:
a) 3,5 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 1500 e inferiores a € 2000;
b) 3,5 % sobre o valor de € 2000 acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os € 2000, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a € 2000 até € 4165;
c) 10 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 4165.
2 – Exceto se a remuneração total ilíquida agregada mensal percebida pelo trabalhador for inferior ou igual a € 4165, caso em que se aplica o disposto no número anterior, são reduzidas em 10 % as diversas remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias nos seguintes casos:
a) Pessoas sem relação jurídica de emprego com qualquer das entidades referidas no n.º 9, nestas a exercer funções a qualquer outro título, excluindo-se as aquisições de serviços previstas no artigo 22.º;
b) Pessoas referidas no n.º 9 a exercer funções em mais de uma das entidades mencionadas naquele número.
3 – (…)
4 – Para efeitos do disposto no presente artigo:
a) Consideram -se remunerações totais ilíquidas mensais as que resultam do valor agregado de todas as prestações pecuniárias, designadamente, remuneração base, subsídios, suplementos remuneratórios, incluindo emolumentos, gratificações, subvenções, senhas de presença, abonos, despesas de representação e trabalho suplementar, extraordinário ou em dias de descanso e feriados;
b) Não são considerados os montantes abonados a título de subsídio de refeição, ajuda de custo, subsídio de transporte ou o reembolso de despesas efetuado nos termos da lei e os montantes pecuniários que tenham natureza de prestação social;
c) Na determinação da taxa de redução, os subsídios de férias e de Natal são considerados mensalidades autónomas;
d) Os descontos devidos são calculados sobre o valor pecuniário reduzido por aplicação do disposto nos n.os 1 e 2.
5 – (…)
6 – (…)
7 – Quando os suplementos remuneratórios ou outras prestações pecuniárias forem fixados em percentagem da remuneração base, a redução prevista nos n.ºs 1 e 2 incide sobre o valor dos mesmos, calculado por referência ao valor da remuneração base antes da aplicação da redução.
8 – A redução remuneratória prevista no presente artigo tem por base a remuneração total ilíquida apurada após a aplicação das reduções previstas nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, e na Lei n.º 47/2010, de 7 de setembro, para os universos neles referidos.
(…)
11 – O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.” (sublinhados nossos).
Assim, afim de dilucidar a ilegalidade das normas impugnadas do Caderno de Encargos, importa tomar posição sobre a aplicação do artº 22º da Lei nº 55-A/2010, aplicada pela entidade adjudicante e que motivou o valor do preço base fixado no procedimento pré-contratual.
Resulta dos autos e nisso as partes estão de acordo, que o valor do preço base fixado em € 21.600,00 decorre da aplicação da redução em 10% do valor do contrato anterior, com o mesmo objeto, decorrente da aplicação ao procedimento pré-contratual do disposto nos artºs 22º e 19º da Lei nº 55-A/2010.
Sendo o valor do contrato anterior, de € 24.000,00, a sua redução em 10% resulta no valor de € 21.600,00, coincidente com o valor do preço base fixado no procedimento pré-contratual a que respeitam os autos.
Tomando posição por uma das questões suscitadas pela recorrente, em face do teor do artº 22º da Lei nº 55-A/2010, que remete para o seu artº 19º, designadamente, o seu nº 11, que nos diz que o regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos”, é de concluir pela sua aplicação, por o seu âmbito material disciplinar as relações materiais como a configurada nos autos.
O procedimento pré-contratual em causa subsume-se a tal preceito da lei que aprova o Orçamento de Estado para 2011, matéria que de resto não se mostra controvertida, pois tal procedimento foi aberto no ano de 2011, por pessoa coletiva de direito público, uma instituição de ensino superior, tendo por objeto a aquisição de serviços de limpeza, com o mesmo objeto do contrato anterior e com a mesma contraparte – cfr. alínea c) do nº 1 do artº 22º da Lei nº 55-A/2010, ao referir-se a “fundações públicas e outros estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores”.
Além disso, a referência à mesma contraparte, deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo qualquer parte, pois atendendo aos objetivos visados pelo legislador e às demais normas do ordenamento jurídico, de entre as quais as que consagram os princípios gerais de direito, não faz sentido, desde logo, por um problema de desigualdade, limitar a redução dos valores pagos ou a pagar como contrapartida dos contratos de aquisição de serviços apenas quando a renovação ou a celebração do novo contrato ocorra com a mesma contraparte do contrato anterior.
Neste caso, porém, a questão de ser ou não a mesma contraparte não se coloca, visto a proposta graduada em primeiro lugar ter sido apresentada pela contraparte do contrato anterior.
Pretenderam tais disposições legais, dos artºs 19º e 22º da Lei nº 55-A/2010, claramente de natureza excecional e ainda de natureza transitória, por incluídas em lei com essa própria natureza, a Lei do Orçamento de Estado (para 2011), que se destina a vigorar por um ano, disciplinar a redução dos encargos com as remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas e das demais entidades abrangidas, mas também a redução com os encargos com os contratos de aquisição de serviços.
Como salienta a doutrina, “muito embora sob a designação genérica «disposições relativas a trabalhadores do setor público», as reduções remuneratórias previstas na Secção I do Capítulo III da Lei nº 55-A/2010 estendem-se ainda às remunerações que são devidas como contraprestação pelos serviços prestados a entidades públicas ao abrigo de verdadeiros e próprios contratos de prestação de serviços.”, estando em causa, não a remuneração mensal de trabalhadores, mas “o pagamento do preço que é devido como contraprestação, às pessoas – singulares ou coletivas! – que prestem quaisquer serviços àquelas entidades públicas” – vide João Amaral e Almeida, “A lei dos Orçamento de Estado para 2011 e os contratos de aquisição de serviços: reduções remuneratórias e limitação da contratação”, in Revista de Contratos Públicos, nº 1, Janeiro-Abril de 2011, Cedipre, pág. 173 e segs..
Resulta da aplicação do artº 19º aos contratos de aquisição de serviços, a que se refere o artº 22º, isto é, àqueles que se celebrem ex novo ou renovem em 2011, com o mesmo objeto, que o legislador pretendeu “produzir o mesmo efeito redutivo que atinge as remunerações das pessoas referidas no nº 9 do artigo 19º” – autor e obra cit., pág. 179.
Assim, mostrando-se a entidade pública contratante vinculada a dar aplicação a tais normas constantes do Orçamento de Estado, aprovado pela Lei nº 55-A/2010, procedeu como devia à sua aplicação, reduzindo em 10% o valor do preço base estipulado no Caderno de Encargos, por referência ao valor do contrato anterior, com o mesmo objeto, isto é, reduzindo o valor do preço base de € 24.000,00, para € 21.600,00.
Deste modo, não tem razão de ser a censura assacada à decisão recorrida, quanto ao erro de julgamento, decorrente da aplicação da Lei nº 55-A/2010, pois que efetivamente tem aplicação a sua disciplina.
Tal juízo permite afastar os demais erros de julgamento invocados, pois estando em causa a adoção de uma medida transitória e excecional, como é a decorrente da aplicação do disposto no artº 22º da Lei nº 55-A/2010, considerando os valores e princípios que lhe estão subjacentes, isto é, visando a adoção de medidas destinadas a reduzir a despesa pública do Estado e com isso o défice do país e o seu consequente endividamento externo, não tem razão de ser falar nos princípios da concorrência e da igualdade ou na prática de dumping.
É o Estado que, através de lei emanada da Assembleia da República, dirige uma imposição às entidades adjudicantes, de redução da despesa pública, à semelhança do que fez com a redução das remunerações e outros abonos dos trabalhadores e demais entidades públicas, nos termos do artº 19º da Lei nº 55-A/2010, com predomínio ou prevalência sobre as demais leis gerais ou especiais e inclusivamente, sobre as convenções coletivas de trabalho, reduzindo os encargos com esses setores, relativos às remunerações e aos contratos de aquisição de serviços.
Está em causa uma vinculação estabelecida diretamente pela lei, que a entidade pública tem de considerar no momento da decisão de contratar, em redução da discricionariedade administrativa.
O facto de o valor base fixado no caderno de encargos, como consequência da aplicação das regras dos artºs 22º e 19º, não permitir assegurar a totalidade dos encargos diretos obrigatórios, constitui um efeito similar ao previsto para todos os servidores públicos, em sequência das reduções salariais operadas.
Além disso, ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente, não foi a contrainteressada cuja proposta foi graduada em primeiro lugar, a única a apresentar proposta e a respeitar o valor base fixado no caderno de cadernos, tendo mais outras duas concorrentes apresentado a sua proposta em valor que respeita tal limite, o que permite concluir que tal valor, ainda que reduzido, constitui ainda assim um atrativo comercial para as empresas concorrentes, segundo a sua respetiva estratégia comercial, isto é, segundo as regras de livre concorrência de mercado e da igualdade material em procedimentos concursais.
Donde, não poder dizer-se que apenas a anterior contraparte do contrato estaria em condições de apresentar proposta que respeitasse o valor base estipulado no caderno de encargos ou sequer que tal valor fixado tenha criado uma vantagem ilegal acessível apenas a essa concorrente.
Todos os operadores económicos foram colocados em situação de igualdade, por qualquer um deles dever cumprir as condições contratuais imperativas fixadas pela entidade adjudicante.
Por isso, também é de recusar que exista incompatibilidade entre as cláusulas 5ª e 23º do caderno de encargos ou que tais cláusulas incitem os concorrentes à apresentação de propostas em violação das regras da concorrência e da igualdade, já que colocam em situação de igualdade todos quantos pretendam apresentar proposta ao concurso.
É de acentuar que o entendimento que preconiza o dever de exclusão dos concorrentes que não cumpram as obrigações sociais obrigatórias, vigora perante outro quadro normativo, isto é, fora do âmbito das reduções remuneratórias e das reduções do valor dos contratos de aquisições de serviços, impostas pelos artºs 19º e 22º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, pelo que, não está em causa a derrogação do anterior entendimento jurisprudencial sobre a matéria.
Assim, é de recusar os vários erros de julgamento assacados à sentença recorrida, decorrentes do D.L. nº 143/2010, de 31/12, da derrogação da regulamentação coletiva de trabalho e das regras da concorrência e do princípio da igualdade, por as normas dos artºs 19º e 22º da Lei nº 55-A/2011 se sobreporem a tais normativos e a redução operada além de resultar ope legis, ter natureza transitória.
Importa agora analisar se foi incorretamente fixado tal preço base, por decorrência das normas dos artºs 22º e 19º da Lei nº 55-A/2010, defendendo a recorrente que não se aplica a redução de 10%, mas apenas de 3,5%, por estar em causa o pagamento de uma remuneração mensal de € 2.000,00 (por referência ao valor do contrato anterior de € 24.000,00:12).
Invoca a recorrente que aplicando-se tais disposições a remunerações totais ilíquidas mensais, sendo o valor do contrato anterior de € 24.000,00, em que a remuneração mensal é de € 2.000,00, então a redução tem de incidir sobre este valor, sendo a taxa aplicável de 3,5% e não de 10%, conforme fixado pela recorrida no valor base no caderno de encargos.
Sem razão.
O artº 22º refere-se aos “valores pagos por contratos de aquisição de serviços.
Por valores pagos (ou a pagar), deve entender-se os preços totais ou parciais que constituem a contraprestação devida ao prestador de serviços, como contrapartida do serviço, isto é, no caso da renovação do contrato, os preços contratuais previstos no contrato, mas já não no caso da celebração de novo contrato, pois neste caso não há que falar em “valores pagos”.
No caso da celebração de um novo contrato, o que configura a situação dos autos, em que foi aberto novo procedimento pré-contratual, “a redução remuneratória prevista no nº 1 do artigo 22º da Lei nº 55-A/2010 não incide sobre os preços contratualmente estipulados nesse novo contrato, não obstante o teor literal da norma parecer apontar nesse sentido. Quando se celebrar em 2011 um novo contrato, a redução remuneratória imposta por aquela norma já tem de ter ocorrido, isto é, já deve ter sido incorporada nas novas condições contratuais.” – autor e obra cit., pág. 187.
Como salienta a doutrina, “À semelhança pois do que sucede com as reduções remuneratórias dos trabalhadores e outros agentes do setor público, as reduções dos valores a pagar no âmbito de contratos de aquisição de serviços implicam necessariamente a prévia determinação de uma base sobre a qual incide essa redução. (…) Ora, essa base de incidência são, no caso das pessoas referidas nos nºs 2 e 9 do artigo 19º, as respetivas remunerações mensais ilíquidas e, no caso dos contratos de aquisição de serviços, os preços contratualmente estabelecidos no anterior contrato. (…) Em suma, como a redução remuneratória tem de ser incorporada nas novas condições contratuais, ela tem de produzir os seus efeitos antes da celebração do novo contrato. Ora, isso só pode suceder na elaboração do caderno de encargos do procedimento pré-contratual que dará origem ao novo contrato.” – autor e obra cit., pág. 188.
Por outras palavras, no caso dos novos contratos, a redução deve ocorrer no preço base a fixar no caderno de encargos do respetivo procedimento, operando a redução “não no momento do efetivo pagamento da remuneração, mas a priori, no momento da fixação do limite do preço que pode vir a ser proposto pelo prestador de serviço”, mediante aplicação da taxa aplicável.
Por isso, se determina na alínea c) do nº 3 do artº 22º da Lei nº 55-A/2010, que regula os pressupostos para a emissão de parecer prévio favorável vinculativo dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, de que depende a celebração ou a renovação de contratos de aquisição de serviços, que é necessária a “Verificação do cumprimento do disposto no n.º 1., isto é, da redução dos valores a pagar, nos termos das alíneas a), b) ou c) do nº 1 do artº 19º.
Sobre o suscitado pela recorrente, quanto a ter sido aplicada taxa superior à devida, releva o disposto no nº 1 do artº 69º do D.L. nº 29-A/2011, de 01/03, diploma que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado para 2011, aprovado pela Lei nº 55-A/2010 e que, nos termos do seu respetivo preâmbulo, vem “clarificar a aplicação do artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (…)”.
Para tanto, estipula o nº 1 do artº 69º do D.L. nº 29-A/2011, epigrafado “Contratos de aquisição de serviços”, o seguinte:
1 – Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, é considerado o valor total a pagar pelo contrato de aquisição de serviços, exceto no caso das avenças, previstas no n.º 7 do artigo 35.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de fevereiro, alterada pelas Leis n.os 64 -A/2008, de 31 de dezembro, 3 -B/20010, de 24 de abril, 34/2010, de 2 de setembro, e 55 -A/2010, de 31 de dezembro, em que a redução incide sobre o valor a pagar mensalmente.” (sublinhado nosso).
Assim, atendendo ao disposto nos artºs 22º e 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12 e ao artº 69º nº 1 do D.L. nº 29-A/2011, de 01/03, a redução do valor contratual, por referência ao contrato anterior, deverá incidir sobre o valor total a pagar pelo contrato e não sobre o valor a pagar mensalmente, pelo que quando a Administração fixou o valor base no caderno de encargos em € 21.600,00, por referência ao valor do contrato anterior, de € 24.000,00, não incorreu no vício de violação de lei invocado.
Nenhuma censura incorre, pois, a sentença recorrida quando denegou a procedência aos vícios de violação invocados contra as peças do procedimento, designadamente, por aplicação de taxa de redução superior à devida, por ser de considerar para efeitos do valor base, não o valor de cada uma das prestações mensais, mas o valor total do contrato.
Estando em causa a celebração de um novo contrato e não a renovação do contrato anterior, não se aplica, in casu, o disposto na alínea d) do nº 2 do artº 69º nº 1 do D.L. nº 29-A/2011, que prevê que não estão sujeitas ao disposto nos nºs 1 e 2 do artº 22º da Lei nº 55-A/2010, “As renovações de contratos de aquisição de serviços, nos casos em que tal seja permitido, quando os contratos tenham sido celebrados ao abrigo de concurso público em que o critério de adjudicação tenha sido o mais baixo preço.”.
Por outro lado, não tem igualmente a recorrente razão quando sustenta a não aplicação do artº 22º da Lei nº 55-A/2011, de 31/12, quando estejam em causa novos contratos a celebrar em sequência de procedimentos abertos à concorrência, como será o caso do concurso público a que se referem os autos, pois não se encontram motivos para distinguir a natureza dos procedimentos na ratio do preceito legal em causa.
Não só a letra não autoriza o intérprete legal a adotar esse entendimento restritivo, como constitui a ratio do preceito abranger todos os contratos de aquisição de serviços que viessem a ser celebrados no ano de 2011, com as entidades previstas no artº 19º – não obstante o acervo dos contratos em causa ter sido restringido por força do disposto no nº 2 do artº 69º do D.L. nº 29-A/2011, de 01/03 – em que se verifique a identidade de objeto e de contraparte.
Como nos diz a doutrina, a celebração dos novos contratos de aquisição de serviços, com objeto idêntico ao do contrato anterior, “pode ocorrer na sequência de procedimentos de contratação pública em que tenha sido suscitada a concorrência: sejam procedimentos de concurso (público ou limitado), sejam procedimentos de ajuste direto com convite a vários operadores económicos, entre os quais a anterior contraparte.”, não se vislumbrando razões suficientemente ponderosas e relevantes para aderir à restrição pela mesma preconizada, de que a redução nos contratos de aquisição de serviços, nos termos previstos no artº 22º da Lei nº 55-A/2011, de 31/12, só pode ocorrer quando estejam em causa procedimentos de ajuste direto – cfr. autor e obra cit. pág. 192.
Também nos casos em que o procedimento pré-contratual é aberto à concorrência, destinado não à renovação do anterior contrato, mas à celebração de um contrato ex novo, com o mesmo objeto do contrato anterior, a redução a que se referem os artºs. 22º e 19º deve ocorrer a priori, no valor base fixado no caderno de encargos, pelo que, não faz sentido falar na aplicação do efeito redutivo apenas depois de conhecido o adjudicatário.
Por outro lado, não se encontram razões para defender que a redução deva ocorrer no quadro de um procedimento de ajuste direto com convite a vários operadores económicos, entre os quais a anterior contraparte, em que a entidade adjudicante se dispõe a que a adjudicação não recaia necessariamente sobre a anterior contraparte e que quando essa adjudicação ocorra no âmbito de um procedimento concursal, já não se aplique a norma do artº 22º da Lei nº 55-A/2010 e a consequente redução da contrapartida financeira do contrato de aquisição de serviços.
Além do mais, no caso estão reunidos todos os pressupostos de que o legislador fez depender a aplicação do artº 22º, pois a proposta melhor graduada, nos termos das condições fixadas no caderno de encargos do procedimento pré-contratual aberto à concorrência (concurso público), é a da contraparte do contrato anterior.
Acresce ainda que constituindo pressuposto da aplicação do artº 22º da Lei do Orçamento de Estado para 2011 que exista coincidência entre objetos contratuais, isto é, entre o anterior contrato e o a celebrar de novo, é de recusar que a entidade adjudicante deva ou tenha de coadunar o objeto contratual do novo contrato, nos termos em que a recorrente defende nas conclusões do recurso.
Termos em que, embora com diferente fundamentação de Direito, não procede a censura dirigida contra a sentença recorrida, a qual é de manter, improcedendo in totum as conclusões do recurso.

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Pelo que, improcede o presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida, embora com diferente fundamentação.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:
I. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea b), do nº 1, do artº 668º do CPC, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
II. Subsume-se no disposto nos artºs 22º e 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, que aprova o Orçamento de Estado para 2011, os quais determinam a redução dos valores pagos pelos contratos de aquisição de serviços, o procedimento pré-contratual aberto em 2011, por pessoa coletiva de direito público, uma instituição de ensino superior (cfr. artº 22º, nº 1, alínea c) da Lei nº 55-A/2010), cujo objeto respeita à aquisição de serviços de limpeza, com o mesmo objeto do contrato anterior e com a mesma contraparte.
III. A referência à mesma contraparte, deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo qualquer parte, pois atendendo aos objetivos visados pelo legislador e às demais normas do ordenamento jurídico, de entre as quais as que consagram os princípios gerais de direito, não faz sentido, por um problema de desigualdade, limitar a redução dos valores pagos ou a pagar como contrapartida do contrato de aquisição de serviços apenas quando a renovação ou a celebração do novo contrato ocorra com a mesma contraparte do contrato anterior, o que no caso sempre se verifica, por a proposta graduada em primeiro lugar ter sido apresentada por essa contraparte.
IV. Está em causa a adoção de uma medida transitória e excecional, emanada por Lei da Assembleia da República, que visa a adoção de medidas destinadas a reduzir a despesa pública do Estado e com isso o défice do país e o seu consequente endividamento externo, que tem predomínio ou prevalência sobre as demais leis gerais ou especiais e, inclusivamente, sobre as convenções coletivas de trabalho, reduzindo os encargos com esses setores, relativos às remunerações e aos contratos de aquisição de serviços (cfr. nº 11 do artº 19º).
V. Tal medida constitui uma imposição às entidades adjudicantes, de redução da despesa pública, produzindo um efeito similar ao previsto para todos os servidores públicos, em sequência das reduções salariais operadas por força do artº 19º da Lei nº 55-A/2010, pelo que não tem razão de ser falar nos princípios da concorrência e da igualdade ou na prática de dumping.
VI. Além disso, não foi a contrainteressada cuja proposta foi graduada em primeiro lugar a única a apresentar proposta e a respeitar o valor base fixado no caderno de cadernos, tendo mais outras duas concorrentes apresentado a sua proposta em valor que respeita tal limite, o que permite concluir que tal valor, ainda que reduzido, constitui um atrativo comercial para as empresas concorrentes, segundo a sua respetiva estratégia comercial, isto é, segundo as regras de livre concorrência de mercado e da igualdade material em procedimentos concursais.
VII. O entendimento que preconiza o dever de exclusão dos concorrentes que não cumpram as obrigações sociais obrigatórias, vigora perante outro quadro normativo, isto é, fora do âmbito das reduções remuneratórias e das reduções do valor dos contratos de aquisições de serviços, impostas pelos artºs 19º e 22º da Lei nº 55-A/2010, pelo que, não está em causa a derrogação do anterior entendimento jurisprudencial sobre a matéria.
VIII. Por “valores pagos a que se refere o artº 22º da Lei nº 55-A/2010, deve entender-se os preços totais ou parciais que constituem a contraprestação devida ao prestador de serviços, isto é, no caso da renovação do contrato, os preços contratuais previstos no contrato, mas já não no caso da celebração de novo contrato, pois neste caso não há que falar em “valores pagos”.
IX. No caso da celebração de um novo contrato, a redução remuneratória prevista no artº 22º nº 1 da Lei nº 55-A/2010 já tem de ter ocorrido, tendo de ser incorporada nas novas condições contratuais, nos termos do preço base definido no caderno de encargos, enquanto limite do preço que pode vir a ser proposto.
X. Atendendo ao disposto nos artºs 22º e 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12 e ao artº 69º nº 1 do D.L. nº 29-A/2011, de 01/03, a redução do valor contratual, por referência ao contrato anterior, deverá incidir sobre o valor total a pagar pelo contrato e não sobre o valor a pagar mensalmente.
XI. A celebração dos novos contratos de aquisição de serviços, com objeto idêntico ao do contrato anterior, pode ocorrer na sequência de procedimentos pré-contratuais submetidos à concorrência, sejam procedimentos de concurso, sejam procedimentos de ajuste direto com convite a vários operadores económicos, entre os quais a anterior contraparte.

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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, embora com diferente fundamentação.
Custas pela recorrente.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)
(Maria Cristina Gallego Santos)
(António Paulo Vasconcelos)