sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

AJUSTE DIRECTO



Proc. Nº 0857/12    STA  - 2 SUBSECÇÃO DO CA     4 Dez 2012

I - Na contratação pública, a regra é a de que a Administração não pode contratar como (modo de vinculação e escolha de proposta) e com quem quiser, devendo respeitar o procedimento pré-contratual previsto na lei.
II - Com o Convite para apresentação de propostas dirigido às várias concorrentes abriu-se um procedimento de acordo com o que se dispõe em tal Convite.
III - A abertura do procedimento de concurso vincula legalmente a entidade adjudicante a levá-lo até ao fim nos termos fixados nas peças do procedimento (e na lei), a outorgar o benefício ou a celebrar o contrato que constituem seu objecto àquele (ou aquele) dos concorrentes que oferecer a melhor proposta, segundo o critério de adjudicação e, ainda , a fazê-lo de acordo com o que resultar da proposta.
IV - A Administração goza, embora com observância dos princípios que devem presidir ao desempenho das suas funções (designadamente, o princípio da transparência), de uma larga margem de discricionaridade, quer na enunciação e ordenação nos factores e subfactores que irão determinar a proposta economicamente mais vantajosa, quer na ponderação que lhes for atribuída e mesmo na sua aplicação às propostas admitidas ao procedimento.
V - Não enumera o CCP os factores a considerar para a escolha da proposta mais vantajosa para a entidade adjudicante mas podem, entre outros enumerar os seguintes: qualidade, preço, custo de utilização, valia técnica, características estéticas e/ou funcionais, custo da utilização, rendibilidade, características ambientais, assistência técnica, serviço pós-venda, prazo de entrega, prazo de execução, compromissos em matéria de peças sobresselentes, segurança de abastecimento e garantia.
VI - O princípio da proporcionalidade (ou da racionalidade da decisão) tem uma tripla componente de adequação, necessidade e não excesso de meios. Porém, a violação deste princípio só pode ocorrer no exercício de poderes discricionários


Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

A……., SA (doravante: A……..), sociedade anónima com sede na …….. nº……., 1649-……. Lisboa, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, nos termos dos arts. 4º e 44º nº1 do ETAF e arts. 36º nº1 al.b), 100º e 101º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), acção administrativa especial, com processo urgente, contra a Região Autónoma dos Açores, sedeada no ……., Rua ……., 9504-…… Ponta Delgada, pedindo:
1-a anulação do acto de adjudicação da Secretaria Regional da Ciência, Tecnologia e Equipamentos, que lhe foi notificado no dia 26/10/2011 e pelo qual à adjudicação do objecto do procedimento à B…….;
2-a condenação da entidade demandada a adjudicar o contrato objecto do procedimento em causa à Autora, ou,
3-caso aquele já tenha sido celebrado, anulado o contrato celebrado com a B…….

Por sentença do TAF de Ponta Delgada de 20/2/2012 foi a ré Região Autónoma absolvida do pedido (fls. 140 a 147).

Discordando desta sentença da mesma interpôs recurso jurisdicional a autora A……. para o TCAS, que por acórdão de 24/5/2012 (fls. 257 a 268) julgou procedente o recurso, revogou a sentença recorrida e anulou o acto de adjudicação do objecto do procedimento à B…….., condenando a recorrida a adjudicar o contrato à recorrente.

Não se conformando com esta decisão do TCAS as ora recorrentes B…….. e Região Autónoma dos Açores interpuseram recurso de revista para este STA, nos termos do artº150º do CPTA.

Termina a recorrente B……. as suas alegações com as seguintes conclusões:
A – O presente recurso funda-se na necessidade de apreciação de uma questão imprescindível para a melhor aplicação do Direito;
B – Cumpre analisar a margem de liberdade da administração pública na conformação das condições em que se dispõe a celebrar um contrato, e os requisitos dos respectivos procedimentos contratuais;
C – Esta margem de liberdade foi, no caso, restringida pela decisão recorrida;
D – A questão em análise é, pois, de especial complexidade, e a sua utilidade extravasa os limites do caso concreto;
E – A Região Autónoma dos Açores definiu, no Caderno de Encargos, a obrigatoriedade de apresentação, para seu conhecimento, de todos os planos de tarifas em vigor;
F – Não tendo especificado ou feito distinção das tarifas não controladas pelos concorrentes;
G – A concorrente A…… não apresentou todos os seus planos de tarifas, nomeadamente as tarifas de chamadas para outros operadores e o tarifário associado à marca C…….;
H – O Caderno de Encargos refere expressamente a possibilidade de solicitação da aplicação do desconto comercial, a que se obriga o adjudicatário, pela Região Autónoma dos Açores, relativamente a serviços, produtos ou tarifários em vigor que não sejam previstos no contrato;
I – Facto que demonstra o interesse e utilidade da condição imposta pela Região Autónoma dos Açores para a apresentação das propostas contratuais pelos concorrentes.
J – A definição da condição referida em E cabe ainda dentro da margem de livre conformação que assiste à Região Autónoma dos Açores no âmbito da contratação pública, e não viola qualquer princípio fundamental que rege a Administração Pública.


K – A falta de divulgação, pela A……., de todos os seus planos de tarifas em vigor, determinou a exclusão da sua proposta do procedimento pré-contratual.
L – A decisão recorrida considerou ilegal tal exclusão, condenando a Região Autónoma dos Açores a celebrar contrato com a A……;
M – A legitimidade e legalidade da condição referida em E. não foram questionadas ou julgadas inadmissíveis;
N – Ao decidir pela ilegalidade da exclusão da proposta da A……. e condenação da adjudicação do contrato à mesma, nos termos expostos, a decisão recorrida impõe à Região Autónoma dos Açores a celebração de contrato em termos que violam a sua auto-vinculação;
O – A decisão recorrida viola ainda a liberdade de definição dos pressupostos e requisitos do contrato que se propõe a celebrar, sendo obrigada a celebrar contrato em violação das condições que legitima e legalmente considerou relevantes;
P – A decisão recorrida usurpa a discricionariedade que compete apenas à Região Autónoma dos Açores, concorrendo legítima e incorrectamente com esta na conformação e prosseguimento do interesse na contratação em causa.

A recorrente Região Autónoma dos Açores formula nas suas alegações as seguintes conclusões:
1ª – Está hoje assente que o recurso de revista tem carácter excepcional, o mesmo sempre será admissível, desde que se encontrem preenchidos os dois requisitos fundamentais e que são o da “relevância jurídica ou social “ ou o da sua necessidade para uma “melhor aplicação do direito “.
2ª – No preenchimento destes requisitos o STA tem vindo a entender que (acórdão de 31/3/2011-Proc. nº250/11), a revista sempre será admissível (…) se o caso em análise for passível de se repetir em casos futuros, e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
3ª – Ora, nos autos está em causa saber se a proposta da A……., ora recorrida, ao não apresentar os tarifários em vigor para as chamadas para serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos) e para os serviços associados à marca C……., deveria ou não ter sido excluída.
4ª – A resolução destas questões reveste-se de particular relevância, já que têm como consequência a sanção máxima prevista nos procedimentos adjudicatórios que é a exclusão de uma proposta, donde é necessário para a segurança das partes e do sistema aferir se tal decisão foi ou não ilegal.
5ª – Para além disso, tendo em conta a actualidade do objecto do procedimento em causa – prestação de serviços de comunicações móveis – com uma linguagem muito própria, eminentemente técnica, é bem possível que as questões em apreço venham a repetir-se em casos futuros, sendo, por isso necessário a sua resolução, em termos de uniformização do direito aplicável.
6ª – Acresce que o tratamento dado pelas instâncias inferiores não só foi unânime nesta matéria, como do mesmo modo, o próprio parecer do Ministério Público do Tribunal Central Administrativo do Sul realizado ao abrigo do nº1 do artº146º do CPTA, ainda que não vinculativo foi no sentido contrário à decisão que posteriormente veio a ser proferida pelo TCAS.
7ª – Torna-se, pois, imprescindível a intervenção do STA, como órgão de regulação do sistema, a fim de repor a certeza e estabilidade na resolução do presente litígio. Tudo, sem prejuízo, da existência de erro de julgamento por parte do Tribunal a quo o que também justifica a intervenção do STA, conforme passaremos a demonstrar.
8ª – Nesta matéria, em primeiro lugar entendeu o Tribunal a quo que da exigência prevista no ponto 3.b) do Convite, das propostas terem de ser constituídas por todos os planos de tarifas em vigor, pretendeu-se com o facto da entidade adjudicante querer saber todos os valores que poderia ter de pagar, para poder comparar as propostas.
9ª – No entanto não é esta a razão de ser da exigência desta obrigação, antes deveu-se à obrigação prevista na cláusula 4.2 alíneas e) e f) do Caderno de Encargos, em que além dos tarifários que contavam para efeitos do critério de adjudicação, o adjudicatário obrigava-se a praticar um desconto comercial sobre todos os tarifários em vigor e sobre aqueles que viessem a existir.
10ª – Assim, só desta forma, é que no futuro, na execução do contrato e caso viesse a verificar ser necessário, mediante contratação avulsa, ou até em massa de um determinado tarifário, se poderia aferir do cumprimento pelo adjudicatário da supra referida obrigação.
11ª – Do mesmo modo, que durante a execução do contrato o adjudicatário ficaria ainda de comunicar todos os novos tarifários que não existissem à data da apresentação das propostas no presente procedimento.
12ª – Acresce que ao contrário do referido na douta sentença recorrida o tarifário em apreço, tal como a C……., fazem parte da matéria submetida à concorrência, estando reflectido na parte relativa ao “DP – Desconto Comercial a efectuar em qualquer outro plano de tarifas ou serviço prestado no âmbito do contrato a celebrar”, ainda que de forma indirecta, se atendermos aos restantes vectores que fazem parte do critério de adjudicação (cfr. alínea Anexo I, alínea f) em conjugação com artº1º alínea K) do caderno de encargos e II da carta convite).
13ª – Quer isto dizer, que este tarifário como todos os restantes tarifários em vigor, para além dos mencionados nas alíneas a) a e) do Anexo I do convite, fazem parte do critério de adjudicação, já que a todos estes será aplicado o Desconto Comercial referido pelos concorrentes nas propostas a que se refere, portanto, a parte final da fórmula de cálculo prevista no nº1 do Anexo II da carta convite, razão pela qual teriam de ser entregues no presente procedimento.
14ª – Esta é a interpretação correcta que decorre da leitura conjugada das alíneas f) a k) da cláusula 1ª do caderno de encargos, com o teor dos Anexos I e II da carta convite e da cláusula 4ª nº2 als. e) e f) do caderno de encargos.
15ª – Termos em que incorre em erro de julgamento a Tribunal a quo ao considerar que “os tarifários em vigor para as chamadas para serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos) não fazem parte da fórmula que permite pontuar as propostas dos concorrentes (…). Ou seja, o preço em questão não faz parte dos atributos (…) pelo que a sua falta não pode fundamentar a exclusão da proposta”
16ª – Sendo os tarifários para as chamadas para serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos), atributo da proposta não poderá nunca, nos termos da lei, tratar-se de termos ou condições, pelo que não faz sequer sentido a alusão do Tribunal a quo a esta matéria.
17ª – Contudo, ainda assim, mesmo que em tese se considerasse essa disposição como um termo e condição, o que por mera hipótese se coloca, importa ver o que refere o Tribunal a quo a este respeito: “(…) nunca pode ser a situação dos autos, porque os preços em causa não são sequer fixados pelo próprio operador, mas por outros operadores, o que significa que o concorrente não se pode vincular a eles” .
18ª – Nada mais errado. Nos tarifários associados às chamadas para serviços de outros operadores há dois custos que definem o valor total a pagar pelo cliente, sendo que apenas um é regulado o da determinação, esse sim, determinado pelo regulador ICO-ANACOM. O que significa que qualquer operador pode-se vincular aos valores cobrados para as chamadas para serviços de outros operadores, desde que não altere o valor associado ao serviço que origina a chamada (ou serviço) que depende única e exclusivamente dele próprio.
19ª – Também aqui, mais uma vez o Tribunal a quo comete erro grosseiro de julgamento. Ao contrário do meritíssimo Juiz a quo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que muito bem andou ao entender que: “a sugestão de que a autora não teria cumprido integralmente a obrigação de apresentar as tarefas partiu da entidade reguladora ICP-ANACOM, que expressamente referiu a necessidade de os serviços de comunicações electrónicas com preços específicos associados serem divulgados”.
20ª – A este propósito, conforme se defendeu em sede de contestação (artº5º) o júri teve o cuidado de pedir parecer à entidade reguladora e foi o próprio regulador a referir que as chamadas para outros operadores constituíam “serviços de comunicações electrónicas com preços específicos associados que devem ser divulgados”.
21ª – Daí que o júri suportando-se neste parecer tenha vindo a entender que havendo preço para esses serviços haverá necessariamente uma tarifa, (cfr. fls. 5 do Relatório Final), pois estes serão facultados e facturados à Entidade Adjudicante pelo operador com quem realizará o contrato independentemente de quem produziu esses serviços e por sua vez os facultou à operadora de telecomunicações móveis.
22ª – A recorrida ao não juntar o tarifário correspondente para as chamadas para os serviços de outros operadores (apoio a clientes informativos), não deu cumprimento ao estipulado na al.b) do Convite para a apresentação de proposta, como fez, por exemplo a contra interessada B……., que juntou o tarifário correspondente na sua proposta, sendo por isso devidamente excluída.
23ª – A decisão do Tribunal a quo nesta matéria padece pois de erro manifesto de julgamento tal como acontece, na outra questão em discussão nos autos e que é a falta de tarifários associados à marca C…….
24ª – Também aqui é manifesto o erro de julgamento operado pelo Tribunal a quo, ao considerar que: “a A……. não concorreu com as tarifas desta marca (podia tê-lo feito mas optou por concorrer apenas com as tarifas da marca A……) pelo que a sua não indicação não pode fundamentar a sua exclusão. Quando se fala em todas as tarifas em vigor, tem de se entender todas as tarifas da proposta com que se concorre. Se uma operadora tem várias marcas distintas no mercado (…) e decide concorrer só com uma, é em relação a esta que se tem de verificar os requisitos do concurso, não em relação às outras”.
25ª – Com o devido respeito, tal entendimento é no mínimo absurdo é que segundo a tese do Tribunal a quo seria o concorrente a escolher a condição da resposta ao procedimento e não a entidade adjudicante, para além de violadora das normas e princípios de contratação pública vigentes. Senão vejamos.
26ª – Por hipótese, imaginemos que a A……. decidia não concorrer com os tarifários de dados de banda larga móvel, a entidade adjudicante não poderia usufruir deste serviço, porquanto o mesmo não tinha sido apresentado e por isso teria (se quisesse) de contratar esses serviços à parte ou a outro operador, o que é no mínimo absurdo.
27ª – E de acordo com a sentença recorrida seria o concorrente a definir quais os serviços que a entidade adjudicante iria ter e não ao contrário.
28ª – A este propósito, conforme se referiu em sede de contestação os serviços da marca C……. não têm paralelo nos serviços da A……., mas são parte integrante desta, já que, como refere o ICP-ANACOM (no seu parecer) não tem qualquer registo ou título atribuído pelo regulador, tratando-se de uma oferta da A…….
29ª – Isto é, trata-se de uma marca exactamente como todas as outras que a A…… entregou na sua proposta (……., ……, etc.).
30ª – Isto mesmo apreendeu e bem o TAF de Ponta Delgada ao considerar que: “a verdade é que se C……. fazia parte da oferta constante da proposta apresentada pela autora, não se vê como as respectivas tarifas não devessem da mesma fazer parte (…).
31ª – Note-se que também aqui vale nos exactos termos o que se disse a propósito dos tarifários em vigor para as chamadas para serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos) e no facto dos mesmos serem considerados atributos da proposta, para efeitos do desconto comercial a que se refere o critério de adjudicação, donde a C……. sempre teria de fazer parte da proposta a A……..
32ª – A tudo isto, acresce que na compra de um qualquer produto C……. no respectivo recibo fiscal aparecem todos os elementos identificativos da A…….. (cfr. doc. 2 junto à contestação), donde a própria natureza do documento em causa demonstra que a venda daquele produto/tarifário é uma receita própria da A……..
33ª – Por fim, e apenas por cautela, nem se ouse defender que a C……. se trata de uma oferta destinada ao mercado individual e não empresarial e que como tal poderia estar fora do objecto do procedimento, pois da proposta da recorrida, como acontece com a da própria contra-interessada, fazem parte vários planos de tarifas direccionadas para o mercado individual, como sejam os pré-pagos.
34ª – O Tribunal a quo incorre, pois, em manifesto erro de julgamento, sendo que a par de todos os argumentos apresentados, considerar que não era obrigatório a apresentação do tarifário C……., porque a A……. não pretendeu concorrer com esta marca não faz qualquer sentido.
35ª – Face ao exposto, muito mal andou o Tribunal a quo ao revogar a sentença proferida pelo TAF de Ponta Delgada, por considerar ilegal os actos de execução da recorrida. Assim, deve a presente revista ser admitida revogando-se a acórdão recorrido, substituindo-se por outra decisão que mantenha a que foi proferida na 1ª instância.

Contra-alegou a recorrida A……. formulando as seguintes conclusões:
A – Salvo o devido respeito, as razões aduzidas pelas recorrentes não bastam para se lançar mão de um recurso excepcional de revista.
B – Desde logo, porque não está em causa a liberdade de conformação das peças dos procedimento e saber se uma proposta foi legalmente admitida ou excluída de um procedimento é uma questão concreta, com relevância apenas para as partes sem repercussão noutros casos.
C – Não estamos perante questões de elevada complexidade jurídica ou de relevância social.
D – Em situações semelhantes, já o STA decidiu rejeitar a revista – cfr. Ac. de 14/10/2009-Proc. nº960/09 e Ac. de 5/1/2012-Proc. nº1132/11.
E – Não obstante, sempre se diz que o Tribunal a quo andou bem ao considerar que o ponto 3 do convite não exige a apresentação dos custos das comunicações para os serviços não geográficos de outros operadores.
F – Com efeito, não é admissível exigir-se ao concorrente que se vincule a preços que não são fixados ou geridos por si.
G – Por outro lado, não corresponde à verdade que o regulador ICP-ANACOM concluiu pela obrigatoriedade de inclusão desses custos na proposta.
H – Andou bem também o Tribunal a quo ao considerar ilegal a exclusão da proposta da recorrida por não ter apresentado o tarifário associado à marca C…….
I – Ora, a proposta da recorrida apenas refere a marca C……. como possível destino de comunicações, distinguindo-a da marca A……. (cfr. a título de exemplo, a página 7 da proposta da recorrente).
J – É o concorrente que conforma a sua proposta, oferecendo os serviços que entende adequados prestar, não podendo ser obrigado a concorrer com aqueles que objectivamente não respondem ao que é pedido nas peças do procedimento.
K – Por outro lado, a recorrida não pode ser excluída por não apresentar uma solução que não corresponde aos requisitos técnicos previstos nos arts. 4º, 5º, 7º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º e 14º do CE.
L – Assim, a decisão do Tribunal a quo não pôs em causa a liberdade da entidade adjudicante fixar o conteúdo das peças do procedimento, antes interpretou, em conformidade com a lei, aquele conteúdo, decidindo que a proposta da recorrida não o contrariava.

Por acórdão do STA (FAP) de 13/9/2012 foi admitida a revista (fls. 366 a 369).

Emitiu douto parecer o Exmo. Magistrado do Ministério Público com o seguinte teor:
“1. A…….., SA, intentou acção de contencioso pré-contratual contra a Região Autónoma dos Açores pedindo a anulação do acto de adjudicação à contra interessada B…….., SA da prestação de serviços de telecomunicações móveis e a condenação da ré a adjudicar o contrato objecto do procedimento à autora.
2. Fundamentava o pedido em erro sobre os pressupostos de facto, violação do princípio da auto-vinculação administrativa e dos princípios da igualdade, da transparência, da imparcialidade e da concorrência já que a sua proposta cumpria todos os requisitos do caderno de encargos nomeadamente os exigidos nos pontos 3. e 9. e anexo I do convite.
3. Por sentença de 20/2/2012 o TAF de Ponta Delgada julgou improcedente a acção e absolveu a ré do pedido. Em recurso para o TCA-Sul aquela veio a obter ganho de causa já que por acórdão de 24/5/2012 foi revogada aquela sentença declarando-se totalmente procedente a acção.
4. Inconformados interpõem agora o presente recurso de revista B……., SA e Região Autónoma dos Açores. Em síntese, alegam que no Caderno de Encargos a entidade adjudicante – Região Autónoma dos Açores – definiu a obrigatoriedade de apresentação, para o seu conhecimento, de todos os planos de tarifa em vigor, sendo que, manifestamente, a proposta apresentada pela recorrida não cumpriu tal requisito.

5. Cremos que as recorrentes têm razão.
Desde logo, o convite endereçado à ora recorrida pela Região Autónoma dos Açores para apresentar uma proposta para “prestação de serviços de telecomunicações móveis” esclarecia que “a adjudicação seria efectuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa” (ponto 9).
E na al.b) do ponto 3 do mesmo convite mais se esclarecia que a proposta teria de ser acompanhada por todos os planos de tarifas em vigor. Ou seja, dúvidas não há que as concorrentes (todas) sabiam que nas propostas a apresentar tinham de fazer constar todos os preços relativos às tarifas dos vários serviços que podem ser prestados no âmbito das telecomunicações móveis. E bem se compreende que assim seja, já que só após o confronto de preços a entidade adjudicante poderia saber qual das propostas apresentadas era a mais vantajosa economicamente, tanto mais que nos termos da cláusula 4ª do CE (número 2) o adjudicatário ficava obrigado a aplicar um desconto comercial em todos os planos de tarifas, incluindo a “outros serviços, produtos ou tarifários não previstos no contrato mas que venham a ser solicitados por parte da Entidade Adjudicante” .
6. Defende a recorrida que não é admissível exigir-se ao concorrente que se vincule a preços que não são fixados ou geridos por si. Ora, parece-nos ser aqui que a recorrida laborou em erro. A A……. é, sem dúvida, um colosso no âmbito das telecomunicações em Portugal e tudo conhece e sabe sobre este serviço e negócio. E o mesmo se dirá quanto à B…….. Por isso, é por demais compreensível que a adjudicante impusesse que das propostas constasse tudo o que diz respeito a preços e serviços correlacionados para melhor poder fazer a sua opção de adjudicação.
E foi isso o que a concorrente B……. cumpriu e a A……. não.
Assim, não podemos deixar de acompanhar a posição do Mº Pº no TCAS quando no seu parecer de fls. 10 escreve «não há qualquer razão para não se incluir na proposta de preços, as tarifas em vigor relativas aos serviços não geográficos de outros operadores, bem como as tarifas referentes à marca C…….. E isto porque estas tarifas são as tarifas em vigor portanto, ainda que não fixadas pela recorrente, são da mesma conhecidas e teriam necessariamente que ser incluídas nos preços a propor pelas concorrentes, uma vez que constituem encargos a suportar por este. Para além disso deverão ser conhecidas pelos consumidores…Nestes termos, não se percebe a interpretação restritiva que a recorrente faz da al.b) do ponto 3 do convite já que o mesmo se refere a todas as tarifas em vigor».
E no mais também acompanhamos as alegações das recorrentes.
7. Como assim, somos de parecer que o presente recurso de revista merece provimento”.

Vêm os autos à conferência sem os vistos.

As instâncias deram como provados os seguintes factos (numeração nossa):
1 - Por ofício de 22 de julho de 2011, foi a autora convidada pela Região Autónoma dos Açores a apresentar uma proposta para "prestação de serviços de telecomunicações móveis".
2 - O caderno de encargos (CE) "compreende as normas a incluir no contrato a celebrar na sequência da adjudicação a efectuar pela entidade adjudicante no âmbito do presente procedimento, com vista à prestação de serviços de telecomunicações móveis".
3 - A cláusula 26ª nº 2 do CE determina que "o contrato vigorará pelo prazo de 24 meses, prorrogável por mais 12 meses, se nenhuma das partes o denunciar por escrito, através de carta registada, com pelo menos 60 dias de antecedência relativamente ao termo do prazo inicial".
4 - O convite esclarece que “a adjudicação será efectuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa” (ponto 9 do convite), para o qual concorrem, nas seguintes ponderações, o custo por minuto para as:
i) Comunicações de voz efectuadas entre telemóveis da mesma rede, mas em que um dos telemóveis não se encontra abrangido pelo contrato a celebrar (89);
ii) Comunicações de voz efectuadas entre telefones móveis abrangidos pelo contrato a celebrar e telefones de outras redes móveis (89);
iii) Comunicações de voz efectuadas entre telefones móveis abrangidos pelo contrato a celebrar e telefones da rede fixa (32);
iv) Comunicações de voz efectuadas, em roaming, a partir de telefone móvel abrangido pelo contrato a celebrar, nos EUA, Canadá e EU (3,2);
v) Comunicações de voz recebidas em roaming, em telefone móvel abrangido pelo contrato a celebrar, quando nos EUA, Canadá e EU (4,9).
5 - Concorre também o desconto comercial a efectuar em qualquer outro plano de tarifas ou serviço prestado no âmbito do contrato a celebrar, numa ponderação de 0,204.
6 - O ponto 3. do convite exige que as propostas sejam apresentadas com a indicação de preços "elaborada de acordo com o anexo F” e "todos os planos de tarifas em vigor".
7 - O Anexo I ao convite exige a apresentação dos preços supra referidos e que se repetem por facilidade de exposição:
i) Comunicações de voz efectuadas entre telemóveis da mesma rede, mas em que um dos telemóveis não se encontra abrangido pelo contrato a celebrar;
ii) Comunicações de voz efectuadas entre telefones móveis abrangidos pelo contrato a celebrar e telefones de outras redes móveis;
iii) Comunicações de voz efectuadas entre telefones móveis abrangidos pelo contrato a celebrar e telefones da rede fixa ;
iv) Comunicações de voz efectuadas, em roaming, a partir de telefone móvel abrangido pelo contrato a celebrar, nos EUA, Canadá e EU;
v) Comunicações de voz recebidas em roaming, em telefone móvel abrangido pelo contrato a celebrar, quando nos EUA, Canadá e EU;
vi) Desconto comercial a efectuar em qualquer outro plano de tarifas ou serviço prestado no âmbito do contrato a celebrar.
8 - Apresentaram proposta a autora e a contra-interessada B…….
9 - No dia 4 de agosto de 2011, foram as concorrentes notificadas do Relatório Preliminar, no qual o júri propôs a adjudicação do objeto do procedimento à autora.
10 - Inconformada, a concorrente B……. exerceu o seu direito de audiência prévia, pugnando pela exclusão da proposta da autora.
11 - Na sequência daquele exercício, a entidade adjudicante, em 22 de agosto de 2011, procedeu à consulta do ICP-ANACOM para esclarecer alguns aspectos suscitados na audiência prévia.
12 - Este respondeu por ofício de 8 de setembro de 2011, conforme parecer que consta do processo apenso, a fls. 188 e seguintes.
13 - Subsequentemente, a entidade adjudicante solicita, em 30 de setembro de 2011, esclarecimentos à autora, que os presta em 4 de outubro de 2011.
14 - Em 7 de outubro de 2011, são as concorrentes notificadas do 2.° relatório preliminar, no qual se propõe a adjudicação do contrato à B…….. e a exclusão da proposta da autora por não conter "os tarifários em vigor para as chamadas para serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos) e para os serviços associados à marca C…….".
15 - Em 14 de outubro de 2011, a autora pronuncia-se em sede de audiência prévia, refutando cada um dos argumentos do júri relativamente à intenção de exclusão da proposta da A……..
16 - Em 20 de outubro de 2011, o júri elabora o relatório final, mantendo a proposta apresentada no segundo relatório preliminar, que é aceite pela entidade adjudicante em 24 de outubro e comunicada à autora em 26 de outubro de 2011.
17 - Consta de tal relatório:
"Conforme é claro na alínea b) do ponto 3 do oficio convite, a proposta teria de ser acompanhada por todos os planos de tarifas em vigor. Entendimento este já reforçado em sede de esclarecimentos prestados pela entidade adjudicante no procedimento pré-contratual que antecedeu o presente procedimento, onde o júri referiu expressamente que «o proponente deve apresentar todos os planos de tarifas em vigor para os serviços de telecomunicações que preste, sejam eles empresariais ou não». (...) Entende o júri que onde há uma tarifa há um tarifário e daí a necessidade do mesmo ter sido apresentado aquando da proposta já que os mesmos serão facultados e faturados à Entidade Adjudicante pelo operador com quem realizará o contrato independentemente de quem produziu esses serviços e por sua vez os facultou à operadora de telecomunicações móveis". (...) "No que respeita aos serviços associados à marca C……, entende o júri não ser justo tratar-se de uma questão partindo do comentário deixado pela resposta da ANACOM, onde era referido que caberia à Entidade Adjudicante avaliar até que ponto estes serviços correspondiam àquilo que se quereria adjudicar, por isso mesmo, cabe à Entidade Adjudicante apurar que serviços mais lhe convém e isso não poderá servir de atenuante ao facto da …... não ter entregado os tarifários associados a esta marca. E nem tão pouco o facto da marca C……. ter um modelo específico de comercialização exclusivamente dirigido a clientes particulares e não ao mercado empresarial poderá servir para rebater a falta dos tarifários desta marca aquando da apresentação da proposta, isto porque, mais uma vez, em sede de esclarecimentos prestados pela entidade adjudicante no procedimento pré-contratual que antecedeu o presente procedimento, o júri referiu expressamente que «o proponente deve apresentar todos os planos de tarifas em vigor para os serviços de telecomunicações que preste, sejam eles empresariais ou não»".
17 - Em conclusão, deliberou o júri "manter as conclusões constantes do 2º relatório preliminar de apreciação das propostas, mantendo a proposta de exclusão da proposta da A…….. nos termos da alínea a) do nº2 do artigo 70º ex vi da alínea o) do nº2 do artigo 146º, ambos do CCP, por não cumprir com o exigido na alínea b) do ponto 3 do convite, na medida em que dela (a proposta) não constam os tarifários em vigor para as chamadas para serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos) e para os serviços associados à marca C…….”.

Foi com base nestes factos que foi proferido o acórdão recorrido.

No acórdão deste STA (FAP) que admitiu o presente recurso, decidiu-se que: “o acórdão recorrido (do TCAS, acrescentamos nós) entendeu que a informação exigida sobre os tarifários em vigor nas chamadas para outros operadores e na C……. não fazem parte da fórmula de pontuação das propostas, pelo que não eram submetidas à concorrência. E não podiam ser introduzidas como exigência de elementos relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, porque são uma característica do produto e não cabem na previsão do artigo 57º nº1-c) do CCP. A posição adoptada pelo TCA apresenta-se discutível, não só pelo facto de contradizer a decisão de 1.ª instancia como também por carecer de clareza e força argumentativa, entrando a interpretar o regime legal dos aspectos não submetidos à concorrência, donde retira elementos que podem relevar decisivamente para definir a vinculação a que fica obrigado o fornecedor do serviço. Saber se, nestas condições, o contratante que lança o concurso e estabelece as características do serviço pretendido e as condições respectivas, pode estabelecer validamente uma cláusula como a que o Governo Regional introduziu, é uma questão que tem implicações com o regime geral da validade da introdução de cláusulas desta natureza nos contratos públicos à luz dos artigos 57º nº1-c) e 70º nº2-b) do CCP. Portanto, a decisão da questão central da revista pedida apresenta interesse objectivo na aclaração do regime legal em causa, que é novo, de aplicação extremamente frequente e não foi objecto de pronúncia do Supremo, que importa fazer intervir no exercício da tarefa que lhe incumbe de contribuir para uma melhor aplicação do direito”.
O acórdão do TCAS ora recorrido entendeu que a informação exigida sobre os tarifários em vigor nas chamadas para outros operadores e na C…….. não fazem parte da fórmula de pontuação das propostas, pelo que não eram submetidos à concorrência. E não podiam ser introduzidas como exigência de elementos relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, porque são uma característica do produto e não cabem na previsão do artigo 57º nº1 al.c) do CCP.
No tribunal de 1ª instância a ré foi absolvida do pedido por se ter entendido que exigindo o ponto 3 do convite a apresentação nas propostas a apresentar de todos os planos de tarifas em vigor, nomeadamente os preços de outros operadores, e tal não sido feito pela autora A……., a mesma foi legalmente excluída do concurso, nos termos do arts. 70º nº2 al.a) e 146º nº2 al.o) do CCP.
O TCAS revogou a sentença da 1ª instância, anulando o ato de adjudicação do objecto do procedimento B……. e condenando a RAA a adjudicar o contrato à A…….., por entender que, e em primeiro lugar, os tarifários em vigor para as chamadas para serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos) não fazem parte da fórmula que permite pontuar as propostas dos concorrentes e depois, em segundo lugar, estes tarifários não são fixados pelo próprio operador, mas por outros operadores, o que significa que o concorrente não se pode vincular a eles, e, finalmente, quando se fala em todas as tarifas em vigor, tem de se entender todas as tarifas da proposta com que se concorre, não concorrendo a A…….. com a marca C…….. não tinha que referir o tarifário relativamente a este com que não concorreu.

No ponto 3 do Convite que a recorrente RAA enviou às entidades convidadas refere-se que: “Além dos documentos referidos nas alíneas a) do nº1 do artigo 57º do CCP, as propostas devem ser constituídas pelos seguintes documentos: a) Proposta de preço elaborada em conformidade com o Anexo I; b) Todos os planos de tarifas em vigor”.

No ponto 9 do mesmo Convite refere-se que “a adjudicação será efectuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa de acordo com o referido no Anexo II”.
O que está em discussão é precisamente o entendimento que deve dar-se ao disposto na al.b) do Ponto 3 do Convite quando ali se diz que as propostas devem ser constituídas (para além dos documentos referidos no artº57º nº1 al.a) do CCP) de todos os planos de tarifas em vigor”.
No mundo da contratação pública, a regra é a de que a Administração não pode contratar como (modo de vinculação e escolha de proposta) e com quem quiser, devendo respeitar o procedimento pré-contratual previsto na lei (cfr.Vieira de Andrade, Princípio da Legalidade e Autonomia da Vontade na Contratação Pública, pág.66; Verde de Sousa, A Negociação nos Procedimentos de Adjudicação, pág.17).
Urge, pois, fixar o sentido do Convite formulado, às entidades concorrentes.
De entre os vários procedimentos previstos no nosso sistema legal para a formação de contratos, um deles é o ajuste directo (artº16º do CCP).
Este procedimento de ajuste directo teve como fundamento o disposto no artº24º nº1 al.e) do CCP.
Segundo este preceito legal, “qualquer que seja o objecto do contrato a celebrar pode ser adoptado o ajuste directo quando, por motivos técnicos, artísticos ou relacionados com a protecção de direitos exclusivos, a prestação objecto só possa ser confiada a uma entidade determinada”.
Assim, por motivos técnicos foram dirigidos convites às empresas A……., B……. e D……., a que acresceram razões de celeridade, economia e eficiência.
Com o Convite para apresentação de propostas dirigido às várias concorrentes abriu-se um procedimento de acordo com o que se dispõe em tal Convite.
Além do Convite constituem no ajuste directo peças do procedimento, o caderno de encargos (artº40º nº1 do CCP), a não ser que se trate do regime simplicado previsto nos arts. 128º e 129º do mesmo diploma legal.
Nos termos do artº115º nº1 do CCP “o programa de procedimento é substituído pelo convite à apresentação da proposta, devendo tal convite, além de outros elementos, indicar o critério de adjudicação e os eventuais factores e subfactores que o densificam, não sendo, porém, necessário um modelo de avaliação das propostas” (artº115º nº2 alc)).
Mas a abertura do procedimento de concurso vincula legalmente a entidade adjudicante a levá-lo até ao fim nos termos fixados nas peças do procedimento (e na lei), a outorgar o benefício ou a celebrar o contrato que constituem seu objecto àquele (ou aquele) dos concorrentes que oferecer a melhor proposta, segundo o critério de adjudicação e, ainda , a fazê-lo de acordo com o que resultar da proposta (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Concursos e Outros procedimentos de Contratação Pública, fls.806).
Já o caderno de encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar (artº42º nº1).
No Convite enderessado às concorrentes (Ponto 3 al.b)) exige-se que as propostas devem ser constituídas (para além dos documentos referidos no artº57º nº1 al.a) do CCP) de todos os planos de tarifas em vigor”.
O critério de adjudicação escolhido foi o da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade recorrida.
Não enumera o CCP os factores a considerar para a escolha da proposta mais vantajosa para a entidade adjudicante mas podem, entre outros enumerar os seguintes: qualidade, preço, custo de utilização, valia técnica, características estéticas e/ou funcionais, custo da utilização, rendibilidade, características ambientais, assistência técnica, serviço pós-venda, prazo de entrega, prazo de execução, compromissos em matéria de peças sobresselentes, segurança de abastecimento e garantia (cfr. Jorge Andrade Silva, in CPP Comentado e Anotado, 2ª ed., pág.s 282 e 283).
Goza a Administração, embora com observância dos princípios que devem presidir ao desempenho das suas funções, designadamente, o princípio da transparência, de uma larga margem de discricionaridade, quer na enunciação e ordenação nos factores e subfactores que irão determinar a proposta economicamente mais vantajosa, quer na ponderação que lhes foi atribuida e mesmo na sua aplicação às propostas admitidas ao procedimento (Jorge Andrade Silva, ob. e loc. citados).

Então o que se quis dizer no Convite ao referir-se as propostas devem ser constituídas (para além dos documentos referidos no artº57º nº1 al.a) do CCP) de todos os planos de tarifas em vigor”?
Interessa para o apuramento do sentido desta expressão (todos os planos de tarifas em vigor) saber qual o critério de adjudicação e que de acordo com o ponto 9 do Convite é o da proposta economicamente mais vantajosa de acordo com o referido no Anexo II do mesmo convite.
Refira-se, numa primeira abordagem, que o Convite ao referir que as propostas devem ser constituídas de todos os planos de tarifas em vigor, inculca não ficar omitido nenhum, seja por conveniência das concorrentes, ou por qualquer outro motivo.
Está em causa o interesse público (apurar qual a proposta economicamente mais vantajosa) o que passa por uma análise de todas as potencialidades da contratante, nas suas mais variedades vertentes, entre outras, de laboração, negociação, organização, execução, inovação, comercialização e prestação dos serviços ou produtos a que se dedica.
Acresce que a entidade adjudicante se auto vinculou ao conhecimento de todos os planos de tarifas em vigor de cada convidado, como sobre o adjudicatário recai “a obrigação de reflectir uma taxa de desconto comercial constante da proposta para outros serviços, produtos ou tarifários não previstos no contrato mas que venham a ser solicitados por parte da entidade adjudicante” (artº4º nº2 al.f) do Caderno de Encargos).
Assim, na prossecução do interesse quis a entidade adjudicante não só saber os planos de tarifas em vigor, como obrigar o adjudicatário a aplicar uma taxa de descontos para todos os futuros serviços, produtos ou tarifários que pelo mesmo fossem prestados e a adjudicante tivesse interesse.
Acrescente-se que o conhecimento de todas as tarifas aplicadas pelas entidades convidadas servia para um termo de comparação das propostas, a fim de poder escolher a mais conveniente (economicamente mais vantajosa).
E para chegar a esta conclusão, nada melhor do que conhecer não só todos os produtos, métodos e meios utilizados como os fins conseguidos.
Ora, sendo assim, a A……. ao não concorrer com a marca C….. não está a mostrar à entidade adjudicante todas os serviços por si prestados, omitindo, deste modo, alguns dos planos de tarifas em vigor, não permitindo que ela faça um juizo correcto sobre o valor da proposta apresentada.
Aliás, recaindo sobre a entidade adjudicatária a obrigação de refletir uma taxa de desconto comercial constante da proposta para outros serviços, produtos ou tarifários não previstos no contrato que venha a ser solicitados por parte da entidade adjudicante (artº4º nº2 al.f) do CE), incluindo-se todos aqueles que ainda não eram prestados ou comercializados pela adjudicatária não se entende como possam ficar excluídos alguns que ela já presta no momento da apresentação da proposta.
Relativamente aos tarifários associados às chamadas para os serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos) diz-se no acórdão recorrido que “…os preços em causa não são sequer fixados pelo próprio operador, mas por outros operadores, o que significa que o concorrente não se pode vincular a eles…”.
Porém, nos tarifários associados às chamadas para serviços de outros operadores há dois custos que definem o valor total a pagar pelo cliente e só um é regulado o determinado pelo regulador ICO-ANACOM. Ora pode o operador vincular-se aos valores cobrados para as chamadas para serviços de outros operadores, desde que não altere o valor associado ao serviço que origina a chamada (ou serviço) que depende única e exclusivamente de si próprio.
Mas no acórdão recorrido defende-se que, relativamente à falta de apresentação dos tarifários em vigor para as chamadas para os serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos), a mesma não pode constituir motivo de exclusão, quer por a tal se opor o princípio da proporcionalidade, quer por não se subsumir à previsão do artº72 nº2 al.b) do CCP.
Analisemos se a exlusão da proposta da recorrente por falta de apresentação dos tarifários em vigor para as chamadas para os serviços de outros operadores viola aquele referido princípio.
O princípio da proporcionalidade (ou da racionalidade da decisão) tem uma tripla componente de adequação, necessidade e não excesso de meios (Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, 1999, pág. 459; (Prof. João Caupers, Direito Administrativo, 58).
Embora, nada adiantando o acórdão recorrido sobre o fundamento da violação deste princípio, tudo inculca que tal violação ocorre por se ter usado um excesso de meios, ou seja numa relação “custos-benefícios” há um desiquilibrio entre as vantagens decorrentes da prossecução do interesse público e o sacrifício inerente dos interesses privados.
Porém, a violação deste princípio só pode ocorrer no exercício de poderes discricionários, pois a discricionariedade consiste na liberdade concedida por lei à Administração de adoptar um de entre vários comportamentos possíveis, escolhido pela Administração como o mais adequado à realização do interesse público protegido pela norma que a confere (Prof. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, vol. 1º, pág. 175; (Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, 1999, pág. 107).
No caso sub judice, estamos na presença de uma actividade vinculada por parte da Administração.
O ato impugnado é “a exclusão da proposta da A……. nos termos da alínea a) do nº2 do artigo 70º ex vi da alínea o) do nº2 do artigo 146º, ambos do CCP, por não cumprir com o exigido na alínea b) do ponto 3 do convite, na medida em que dela (a proposta) não constam os tarifários em vigor para as chamadas para serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos) e para os serviços associados à marca C……..".
Estatui-se no artº70º nº2 al.a) do CCJ que “são excluídas as propostas cuja análise revele “que não apresentam alguns dos atributos, nos termos do disposto na al.b) do nº1 do artigo 57º”.
Esta exclusão foi proposta pelo Júri do Concurso ao abrigo do disposto no artº146º nº2 al.o), por não satisfazer o exigido na al.b) do ponto 3 do Convite (não mencionar os tarifários em vigor quer para os serviços de outros operadores [apoio a clientes e informativos] quer para os serviços associados à marca C…….).
Ora, tendo nós concluído supra pela obrigatoriedade da menção deste tarifários, face aos preceitos legais sobre a Administração recaía um poder vinculado sobre a exclusão da proposta da A……., não lhe restando à entidade adjudicante qualquer margem de escolha de outro comportamento a tomar que não fosse o da exclusão.
Tanto nos basta para concluir que nunca poderíamos estar perante a violação do princípio da proporcionalidade.
Mas segundo o acórdão recorrido a proposta da A……. nunca podia ser excluída por tal situação não se subsumir à previsão do artº70 nº2 al.b) do CCP.
Diz-se neste preceito que “são excluídas as propostas cuja análise revelem apresentar atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos nºs 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49º ”.
É patente a confusão em que elabora o acórdão recorrido. A exclusão da proposta da A……. não se baseou no disposto na al.b) do nº2 do artigo 70º, como se entende em tal acórdão, mas sim, no disposto na al.a) do nº2 do artigo 70º, como da leitura da deliberação do Júri de Concurso se alcança “ao manter as conclusões constantes do 2º relatório preliminar de apreciação das propostas, mantendo a proposta de exclusão da proposta da A……. nos termos da alínea a) do nº2 do artigo 70º ex vi da alínea o) do nº2 do artigo 146º, ambos do CCP, por não cumprir com o exigido na alínea b) do ponto 3 do convite, na medida em que dela (a proposta) não constam os tarifários em vigor para as chamadas para serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos) e para os serviços associados à marca C…….".
Não pode, pois e de acordo com o que se acaba de expor, ser dada como violado no na al.b) do nº2 do artigo 70º pelos fundamentos invocados.
Assim, conclui-se que a recorrida A……. não cumpriu a exigência al.b) do Ponto 3 do Convite, na medida em que na proposta não constam os tarifários em vigor das chamadas para serviços de outros operadores (apoio a clientes e informativos) e para os serviços associados à marca C……
É, pois, legal a exclusão da proposta da A……. pelo que se acaba de dizer, nos termos do artº70º nº2 al.a) do Código dos Contratos Públicos.
Procedendo as conclusões das recorrentes em concordância com tudo o exposto, concede-se provimento ao presente recurso jurisdicional, revoga-se o acórdão recorrido, mantendo-se a sentença da 1ª instância.

Custas pela recorrida em todas as instâncias.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2012. – Américo Joaquim Pires Esteves (relator) – António Bento São Pedro – Fernanda Martins Xavier e Nunes


RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL - PRESSUPOSTOS



Proc. Nº 857/12   STA - 1ª Secção   13 de Setembro de 2012 

I - Saber se o ente público que lança um concurso e estabelece as características do serviço pretendido e as condições respectivas, pode validamente estabelecer uma cláusula que obriga os concorrentes a informar no procedimento todos os tarifários que gere para a prestação de serviços da mesma natureza, é uma questão que tem implicações com o regime geral da validade da introdução de cláusulas desta natureza nos contratos públicos à luz dos artigos 57.º n.º 1 - c) e 70.º n.º 2 - b) do CCP.
II - A decisão em revista da referida questão apresenta interesse objectivo na aclaração do regime legal em causa, que é novo, de aplicação extremamente frequente e não foi ainda objecto de pronúncia do Supremo, que importa intervir no exercício da tarefa que lhe incumbe de contribuir para uma melhor aplicação do direito

Formação de Apreciação Preliminar

Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do STA:

I – Relatório.

A……… S.A. e

REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

Inconformados com o Acórdão do TCA Sul de 24.05.2012, que, revogando a sentença de 1.ª instancia proferida na presente acção administrativa especial, julgou procedente a acção proposta por

B………, S.A.
pedem a admissão de recurso excepcional de revista.

Para sustentar a pretensão nesta fase alega, em resumo, a A………:
O Acórdão recorrido não atendeu à definição pela Região Autónoma do conteúdo do contrato a celebrar e ao direito que lhe assiste a fazê-lo. Efectivamente, o ponto 3, al. b) do convite para apresentação de propostas determina que os concorrentes deverão incluir na proposta todos os tarifários em vigor, o que a B……… não fez pelo que foi excluída.
A questão da liberdade de actuação e dos poderes de definir os requisitos a exigir na contratação pública é matéria de importância geral e de especial complexidade. A informação exigida apresenta interesse objectivo porque o concorrente que vier a ser contratado obriga-se a aplicar um desconto comercial em todos os planos de tarifas, mesmo não incluídos no contrato - cláusula 4, n.º 2 e) e f) -, mas que venham a ser solicitados pela entidade adjudicante e o facto de não ser um elemento submetido à concorrência pelo caderno de encargos não significa que não se trate de elemento essencial do contrato a celebrar.

A Região Autónoma dos Açores para justificar a admissão alega em resumo:
- Está em causa saber se a proposta da B……… ao não apresentar os tarifários em vigor nas chamadas para outros operadores e para os serviços associados à marca C……… deveria ou não ter sido excluída, questão que é bem possível repetir-se em casos idênticos.
- O tratamento dado à questão pelas instâncias não foi unânime, o que mostra a necessidade de intervenção do Supremo.

A B……… contra alegou opõe-se à admissão do recurso por não se verificarem os pressupostos necessários.

II - Apreciação:
1. Os pressupostos do recurso de revista.
O art. 150° nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode ser admitido, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, A excepcionalidade deste recurso tem sido reiteradamente sublinhada pela jurisprudência da formação do STA encarregada de efectuar esta filtragem, referindo que, para não se banalizar, só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito.
A intervenção do STA é considerada justificada apenas em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador.
A jurisprudência desta formação tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo artigo 150º no 1 do CPTA, se verifica tanto em face de questões de direito substantivo, como de direito processual, sendo essencial que a questão atinja o grau de relevância fundamental. Nos termos da referida jurisprudência, o preenchimento do conceito indeterminado verifica-se, designadamente, quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação conjunta e harmonizada de diversos diplomas legais e institutos jurídicos, seja pelo carácter inovador, seja porque o seu tratamento suscita dúvidas sérias que fluem da jurisprudência ou da doutrina.
E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando apresente capacidade de repercussão de grande impacto na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias jurídicas tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, sendo que com este recurso não se visa primariamente a correcção de erros judiciários, antes se há-de entender a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de fazer intervir o Supremo com vista à boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo.
2. Da aplicação ao caso dos autos.
O Acórdão recorrido entendeu que a informação exigida sobre os tarifários em vigor nas chamadas para outros operadores e na C……… não fazem parte da fórmula de pontuação das propostas, pelo que não eram submetidas à concorrência. E não podiam ser introduzidas como exigência de elementos relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, porque são uma característica do produto e não cabem na previsão do artigo 57.º n.º 1- c) do CCP.

A posição adoptada pelo TCA apresenta-se discutível, não só pelo facto de contradizer a decisão de 1.ª instancia como também por carecer de clareza e força argumentativa, entrando a interpretar o regime legal dos aspectos não submetidos à concorrência, donde retira elementos que podem relevar decisivamente para definir a vinculação a que fica obrigado o fornecedor do serviço. Saber se, nestas condições, o contratante que lança o concurso e estabelece as características do serviço pretendido e as condições respectivas, pode estabelecer validamente uma cláusula como a que o Governo Regional introduziu, é uma questão que tem implicações com o regime geral da validade da introdução de cláusulas desta natureza nos contratos públicos à luz dos artigos 57.º n.º 1 - c) e 70.º n.º 2 - b) do CCP.
Portanto, a decisão da questão central da revista pedida apresenta interesse objectivo na aclaração do regime legal em causa, que é novo, de aplicação extremamente frequente e não foi objecto de pronúncia do Supremo, que importa fazer intervir no exercício da tarefa que lhe incumbe de contribuir para uma melhor aplicação do direito.

Ou seja, conclui-se que a questão de direito assume, no caso, importância fundamental para o bom funcionamento do contencioso administrativo o que justifica a admissão da revista nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA

III – Decisão:
Em conformidade acordam em conferencia, na formação a que se refere o n.º 5 do art.º 150.º do CPTA, em admitir a revista.
Sem custas nesta fase.

Lisboa, 13 de Setembro de 2012. - Rosendo Dias José (relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho – Luís Pais Borges