quarta-feira, 15 de maio de 2013

PREÇO ANORMALMENTE BAIXO.



Proc. Nº 08460/12      TCAS                  23 Fev 2012


-Nem sempre a um preço anormalmente baixo obtido por aplicação do disposto no art.º 71.º, n.º 1, do CCP, corresponde um preço anormalmente baixo segundo a lógica do mercado;

-Tal situação ocorre, designadamente, quando se constata que o preço base é anormalmente alto, isto é, quando é substancialmente mais elevado que a média dos preços de todas as propostas apresentadas.

-Nessa situação, e sem embargo da aplicação do citado n.º 1 do art.º 71.º do CCP, a diferença entre o mais baixo preço proposto e o preço base não legitima uma conclusão automática de se estar perante uma proposta de preço anormalmente baixo segundo a lógica de mercado;

-Nesse contexto a apreciação das notas justificativas e os esclarecimentos prestados pelos concorrentes deve levar em conta o preço base como critério meramente indicativo, e ainda todas as circunstâncias de ordem técnica, económica, financeira, social, de mercado e mesmo o planeamento de execução da obra ou do fornecimento, que enformam a proposta.
Nessa apreciação o dono da obra não está vinculado a atender exclusivamente aos critérios estabelecidos no art.º 71.º, n.º 4, do CCP, gozando ainda de ampla discricionariedade quanto à aferição da razoabilidade e pertinência dos esclarecimentos prestados, desde que respeite os princípios a que se subordina a contratação pública

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório
a) - As partes e o objecto do recurso
V……….., S.A., com os demais sinais nos autos, interpôs no TAF de Ponta Delegada acção de contencioso pré-contratual contra a ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DAS …………….. - A……….., S.A., e em que figura como contra-interessada J………….., LDA., com sede na Zona ……………., Lotes 109-110-111, Apartado ………-999 ……………..
Pediu a anulação do ato de adjudicação à contra-interessada do "Fornecimento e montagem de bombas centrífugas para o sistema de combate a incêndio no Terminal de Navios de Cruzeiro de Ponta Delgada", no âmbito do procedimento concursal n° 1471/2011, que a ré anunciou no Diário da Republica de 31 de Março de 2011, condenando-se esta à prática de novo ato que, excluindo a proposta da contra-interessada, adjudique o fornecimento à autora, por violação do disposto nos artigos 57.°, n.° 1, alínea d), 71.°, n.° 4, e 146.°, n.° 2, alínea d), do Código dos Contratos Públicos (CCP).
Inconformada com a sentença que absolveu a ré e a contra-interessada do pedido, interpôs recurso jurisdicional em cujas alegações conclui como segue:
1. A sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia - al. d) do n.° 1 do art. 668° do CPC.
2. O Tribunal a quo não respondeu à questão "apresentou a contra-interessada documentos que justificassem a apresentação de “preço anormalmente baixo", sendo esta resposta fundamental para apreciar o cumprimento pela entidade adjudicante da alínea d) do n°2 do art. 146 do CCP, na remissão operada para o art. 57° n° 1 ai d).
3. O Tribunal também não apreciou a alegação de que os elementos constantes do procedimento não permitem fazer um juízo sobre a licitude do preço apresentado pela contra-interessada.
4. O Tribunal não apreciou a alegação de que a entidade adjudicante tinha, em cumprimento do art. 71°, que investigar, ainda que de forma superficial, os elementos da proposta da contra-interessada.
5. A entidade adjudicante só cumpre o art. 71° do CCP se cumprir o seu dever de investigar se a proposta de preço anormalmente baixo é sustentável, sendo este um dever estabelecido não só para protecção do concorrente que apresenta tal proposta, mas também para protecção dos restantes concorrentes.
6. A omissão dessa investigação constante dos presentes autos viola o art. 71° do CCP (cfr. acórdãos citados nas alegações).
7. A R. não sabe nem tem elementos no procedimento para saber a resposta a nenhuma das questões que devem, em obediência às mais elementares questões cuja existência de um regime de preços anormalmente baixos impõe que se coloquem.
8. O regime dos preços anormalmente baixos procura salvaguardar o bem "concorrência", tendo esta salvaguarda que ser feita através da protecção de outros bens de que esta depende, designadamente a igualdade de oportunidades no procedimento, e a igualdade de oportunidades a nível do mercado, uma vez que um mercado que contenha distorções (como seja a prática de preços ditados por outros mecanismos que não a lei da oferta e da procura - por exemplo, "dumping") é um mercado anti-concorrencial por natureza.
9. A R. não sabe nem possui elementos no procedimento para saber a resposta a nenhuma das questões que devem, em obediência às mais elementares questões cuja existência de um regime de preços anormalmente baixos impõe que se coloquem.
10. A R. entende que não deve saber a resposta a nenhuma destas questões, e como tal, nem sequer as procurou, violando o art. 71° n°3 do CCP.
11. A discricionariedade existe na apreciação de facto s. A interpretação do direito, que é a questão central destes autos, continua, apesar da demissão do Tribunal "a quo", a ser tarefa dos Tribunais.
12. A entidade adjudicante é livre (fora erro grosseiro) de apreciar os elementos que dispõe. Não é, contudo, livre para demitir-se de pedir os elementos indispensáveis a essa apreciação, investigando todos os elementos indispensáveis para, a final, poder apreciar tais elementos, sendo somente este último juízo o que se enquadra dentro da sua discricionariedade técnica.
13. A conduta da R. e a jurisprudência do tribunal "a quo" permitem, no limite, um concorrente apresentar material contrabandeado a preços que serão naturalmente anormalmente baixos sem que ninguém queira saber o porquê, implementando-se na contratação pública portuguesa uma espécie de "don't ask don't tell" relativamente aos preços apresentados, por mais anormais que estes sejam, o que é terreno fértil, designadamente, para receptação de bens furtados, lavagem de capitais ou utilização de mão de obra escrava e, naturalmente, dumping salarial, ambiental ou abuso de posição dominante para extermínio da concorrência.
A recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo não tinha elencar quaisquer pretensos facto s relacionados com (í) a "questão: apresentou a contra-interessada documentos que justificassem a apresentação de preço anormalmente baixo?'" ou com (ii) a "questão: tinha o júri elementos suficientes em sua posse para fazer qualquer juízo técnico que preenchesse as exigências legais'", cujo carácter é manifestamente conclusivo.
2. A matéria de facto constante dos artigos 51.°, 52.°, 81.", 82.°, 83.°, 84.°, 86.°, 87.°, 88.°, 89.°, 91.°, 92.°, 93.°, 94.°, 95.°, 96.°, 98.°, 99.°, 100°, 101.° e 102.° da contestação da APSM não foi seleccionada pelo Tribunal a quo, apesar de poder ser relevante para a decisão a proferir, na hipótese de a sentença recorrida não subsistir. Deveria, por isso, ser ampliada a matéria de facto , de maneira a incluir esse âmbito, o que se invoca a título subsidiário e nos termos do artigo 684.°-A, n.° 2, do Código de Processo Civil, indicando como meios de prova as propostas que se encontram juntas ao processo instrutor.
3. A sentença recorrida não padece de qualquer omissão de pronúncia, tendo o Tribunal a quo cumprido o dever previsto no n.° 2 do artigo 660.° do CPC, pelo que não se verifica a nulidade referida na alínea d) do n.° 1 do artigo 668.° do mesmo Código, seja porque os aspectos apontados pela Recorrente neste domínio nem sequer constituem verdadeiras questões, seja porque todos eles foram, afinal, tidos em conta pelo Tribunal a quo.
4. A invocação pela Recorrente, apenas em sede de recurso jurisdicional e de uma forma totalmente inovadora, de uma pretensa violação, por parte do ato impugnado, do disposto no n.° 3 do artigo 71.° do CCP, consubstancia uma ampliação da causa de pedir processualmente inadmissível, pelo que a conclusão 10 e as três primeiras linhas da décima página da alegação da V………., a partir de "na medida (...)" devem ser tidas como não escritas, para todos os efeitos legais, o que aqui se requer.
5. Clarifica-se, em qualquer caso, que tal pretensa violação não ocorreu.
6. As preocupações relacionadas com a concorrência subjacentes ao regime da contratação pública não permitem enquadrar a disciplina respeitante às propostas de preço anormalmente baixo. A necessidade de conciliar adjudicação ao mais baixo preço com a diminuição do risco de uma execução contratual insatisfatória corresponde ao interesse directa e imediatamente protegido pelo regime respeitante às propostas de preço anormalmente baixo - e, portanto, à razão de ser de tal regime -, enquanto que o mercado e a concorrência surgem, apenas, e de forma subalterna, como um interesse reflexamente protegido ou, quanto muito, como um interesse indirectamente protegido por aquele mesmo regime.
7. O elenco de situações justificativas de preços anormalmente baixos constante das alíneas do n.° 4 do artigo 71.° do CCP é meramente exemplificativo, pelo que, na consideração de propostas contemplando tais preços é admissível que sejam tidas outras realidades para além das mencionadas naquelas alíneas.
8. As entidades adjudicantes gozam de uma ampla margem de livre decisão (qualificável como discricionariedade de critério e como discricionariedade técnica) na apreciação de propostas contemplando preços anormalmente baixos, porquanto o juízo sobre a formação de um preço assenta num pressuposto intelectual de raiz essencialmente técnica.
9. Por isso, a actuação das entidades adjudicantes em matéria de preço anormalmente baixo não pode ser jurisdicionalmente sindicada, a não ser em caso de erro manifesto, e aquelas, no exercício da margem de livre decisão, as entidades adjudicantes podem, para os efeitos da apreciação de preços anormalmente baixos, socorrer-se de quaisquer elementos.
10. De harmonia com o quadro normativo assim gizado, os motivos pelos quais a proposta da CONTRA-lNTERESSADA foi admitida ao Concurso, não obstante o carácter anormalmente baixo do respectivo preço, (i) contemplaram as justificações apresentadas por aquele concorrente, mas não se limitaram às mesmas, já que (ii) foram tidos em conta outros aspectos da proposta em causa (os quais não deixaram de ser relacionados com as justificações apresentadas pela CONTRA-1NTERESSADA) e que são naturalmente passíveis de ponderação.
11. A A………. dispunha, pois, de todos os elementos para apreciar o preço proposto pela CONTRA-lNTERESSADA.
12. Os motivos pelos quais o preço proposto pela CONTRA-lNTERESSADA foi admitido - designadamente, a diferença de preços nas bombas a montar e a economia na montagem e trabalhos acessórios - não padecem de qualquer erro patente ou grosseiro, ao contrário do que se depreende da alegação da V………….
13. A tentativa de assimilação pela V………….. dos domínios da concorrência e da contratação pública é totalmente incorrecta, já que os procedimentos pré-contratuais públicos não são a sede própria da investigação de aspectos específicos de concorrência, nem o conceito de preço anormalmente baixo, relevante em matéria de contratação pública, se confunde com o conceito de preço preciatório, relevante em matéria de concorrência.
14. No caso dos autos, procedeu-se a verificações que permitiram concluir pela exequibilidade da proposta da CONTRA-lNTERESSADA, pelo que não tem qualquer sentido invocar qualquer incumprimento de um qualquer dever de investigação, pelo que improcede a invocação de um suposto incumprimento de um qualquer dever de investigação.
A contra-interessada não contra-alegou.
O EMMP não emitiu parecer.
*
b) - Questões a decidir
¾
Saber se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia;
¾
Se foi colocada questão nova neste recurso, que o tribunal não possa conhecer;
¾
Se é necessário o alargamento da matéria de facto ;
¾
Se o júri do procedimento estava vinculado a uma averiguação exaustiva da justificação do “preço anormalmente baixo” apresentado pela contra-interessada.
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2 – Fundamentação
a) - De facto
A sentença julgou provados os seguintes factos:
a)
A ré publicou no Diário da Republica de 31 de Março de 2011, na Parte L, anúncio de concurso público (procedimento n° ………/2011), relativo ao concurso público que tem como objecto o "Fornecimento e montagem de bombas centrífugas para o sistema de combate a incêndio no Terminal de Navios de Cruzeiro …………".
b)
A prestação do adjudicatário consiste no fornecimento e montagem de duas bombas centrífugas para água salgada, de accionamento por motor diesel, para um caudal de 250 m3/hora, no fornecimento e montagem de colectores de aspiração, tubagem, órgãos de manobra, dispositivos de utilização, exteriores e acabamentos e na execução dos trabalhos de construção civil necessários, no Terminal de Navios de Cruzeiro de ………………...
c)
Apresentaram-se a concurso:
- P…… - Tratamento de ……………, Lda, com o preço de 285.628,04 €;
- J ………… , Lda, com o preço de 164.280,00 €;
- C ……………., Lda, com o preço de 247.999,79 €;
- V …………, SA, com o preço de 240.000,01 €.
d)
O preço base do procedimento é de 400.000,00 €.
e)
O ponto 14.1 do programa de procedimento dispõe que "para efeitos do artigo 71° do CCP, o valor a partir do qual o preço total resultante de uma proposta é considerado anormalmente baixo, é de 40% ou mais inferior ao preço base fixado no Caderno de Encargos".
f)
Para justificar o preço da sua proposta, a contra-interessada apresentou declaração de preço anormalmente baixo, conforme cópia de fls 20.
g)
A pedido do júri do concurso, foram prestados esclarecimentos adicionais relativos a essa declaração.
h)
Após relatório preliminar e audição das concorrentes, foi elaborado relatório final de análise das propostas, no qual foi proposta a adjudicação do fornecimento à contra-interessada.
i)
Nesse relatório refere-se, no que concerne ao preço anormalmente baixo da proposta desta:
"No âmbito da apreciação global feita dos argumentos apresentados, o júri considerou a apresentação de um preço anormalmente baixo, como justificada.
Acresce o facto de os argumentos apresentados, ao contrário do que diz o concorrente n° 4 na sua reclamação, registarem enquadramento na alínea a) do n° 4 do artigo 71° do CCP, nomeadamente no que se refere à economia dos processos de construção e prestação de serviço. De qualquer modo, as alíneas do n° 4 do referido artigo são meramente indicativas e não taxativas, pelo que outros argumentos para a justificação de um preço anormalmente baixo poderão ser apresentados pelos concorrentes e tidos em conta pelo júri do procedimento.
Actualmente e ao abrigo do artigo 71° do CCP, e ao contrário do que o concorrente n° 4 afirma na sua reclamação ao dizer "(...) o objectivo daquela regulamentação prendia-se com a necessidade de evitar o aviltamento dos preços e a consequente degradação da indústria", abandonou-se claramente a perspectiva indicada pelo concorrente uma vez que actualmente é permitida a execução de trabalhos com um preço anormalmente baixo, desde que devidamente justificados e aceite essa justificação, o que leva à conclusão de que "(...) deixará de repugnar à Administração Pública obter o bem ou serviço objecto do contrato à injusta custa do contraente particular" (in Silva, Jorge Andrade da, Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado, 2 edição 2009, Almedina, página 272).
Diz ainda o concorrente n° 4 que "o concorrente J……., Lda, não apresentou nenhum facto concreto (...), que justifique o motivo de possuir vantagens competitivas sobre os restantes concorrentes resultantes de uma maior eficiência da sua operação". No entanto, também o concorrente n° 4 não apresentou, na sua reclamação, nenhum argumento concreto, através do qual seja possível ao júri concluir no mesmo sentido que o reclamante.
Pelo contrário, o júri ao avaliar a lista de quantidades e preços de ambos os concorrentes em causa, verificou no item "Fornecimento e Montagem de duas bombas centrífugas", (itens possíveis de comparação) que a diferença de preços é de cerca de 15%, valor que no âmbito de um processo negocial se considera razoável. Este ponto comprova que a diferença de preço global de ambas as propostas (concorrente n° 2 e 4) está nos itens relativos à montagem e trabalhos acessórios, pelo que o júri entende ver-se comprovado o argumento da declaração apresentada pela J ………, Lda, de que 'A nossa empresa (...) possuir uma equipa de trabalho com larga experiência neste tipo de obras (...) ".
Em conclusão, verifica-se que o concorrente n° 2 demonstrou conhecer o local da obra e o modo como se irão executar os trabalhos (condicionalismos no acesso à zona portuária), o que lhe permite ter uma maior eficiência na execução dos trabalhos, situação esta que lhe permitiu apresentar uma proposta competitiva e com uma pequena margem de lucro de comercialização, conforme consta expressamente da declaração de preço anormalmente baixo".
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b) - De Direito
(i) – Da nulidade da sentença
A recorrente alega a nulidade da sentença, por não se ter pronunciado sobre questão(ões) que suscitou. Concretamente alega que a sentença não se referiu à inaptidão dos documentos apresentados pela contra-interessada para justificar o preço da sua proposta, que não sindicou a “alegação de que os elementos constantes do procedimento não permitem fazer um juízo sobre a licitude do preço apresentado pela contra-interessada” e de que “não apreciou a alegação de que a entidade adjudicante tinha, em cumprimento do art. 71°, que investigar, ainda que de forma superficial, os elementos da proposta da contra-interessada”.
O Mm.º Senhor Juiz a quo não se pronunciou, implicitamente rejeitando assim a existência de qualquer nulidade.
A diferença entre argumento e questão tem sido tão amplamente vincada na doutrina e na jurisprudência, ambas com um sentido uniforme, que causa alguma perplexidade, salvo o devido respeito, a frequente insistência em confundir argumentos com questões, precisamente o que se passa no caso vertente, o que nos dispensa de tecer mais alargadas considerações sobre tais figuras.
Dir-se-á, apenas, que saber se os documentos possuem ou não idoneidade para o fim visado, se os elementos constantes do procedimento são ou não suficientes para o juízo de credibilidade do preço apresentado pela contra-interessada, ou se o júri investigou ou não as afirmações daquela, são argumentos que podem ser esgrimidos, num ou noutro sentido, quanto ao desfecho da verdadeira questão, que consiste em determinar se devem considerar-se aceitáveis os esclarecimentos prestados quanto ao preço anormalmente baixo constante da proposta da recorrida contra-interessada. Ora, como argumentos que são, o tribunal a quo não estava obrigado a discuti-los em concreto, tanto mais que ao acolher a posição da recorrida implicitamente também os rechaçou, ou seja, não os considerou procedentes.
Não há, por isso, qualquer nulidade por omissão de pronúncia [cf. art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC], sendo certo que, como infra melhor se demonstrará, a aptidão dos documentos e elementos procedimentais para atingirem a finalidade acima referida resulta das circunstâncias que se perfilam no caso sub judice, que diminui o grau de exigência quanto à amplitude e completude dos esclarecimentos prestados ao júri do procedimento.
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(ii) – Da alegada ampliação do objecto da causa (questão nova colocada no recurso) e do alargamento da matéria de facto
Relega-se a pronúncia sobre estas questões para final, já que a utilidade da sua apreciação está directamente correlacionada com o desfecho da última questão.
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(iii) – Da justificação do “preço anormalmente baixo” apresentado pela contra-interessada.
Antes de entrarmos na discussão jurídica da questão nuclear neste recurso, importa fazer uma advertência: é de que o recurso ao elemento histórico de interpretação, que a recorrente amplamente convoca, não é necessária nem conveniente.
Não é necessária porque a solução que se adoptará o dispensa nem é conveniente face ao regime legal actual, plasmado no CCP.
Posto isto e entrando então na apreciação de mérito, principiar-se-á por dizer que a questão central que neste recurso se coloca gira em volta do conceito indeterminado de “preço anormalmente baixo”.
Tal conceito pode ser perspectivado de dois ângulos: numa óptica puramente natural, balizada por razões de ordem prática e de senso comum; ou segundo uma visão estritamente jurídica.
Vem isto a propósito do disposto no art.º 203.º da Constituição da República Portuguesa que determina que os tribunais apenas estão sujeitos à lei, consagrando uma orientação positivista do nosso direito, que contudo não dispensa uma aproximação ao jusnaturalismo, já que é pacificamente entendido que o direito também procura dar resposta às tensões da sociedade, reflectindo por isso e em grande medida a ideia de Baptista Machado, segundo o qual o Direito não pode alhear-se da “nossa condição humana e social (1)
Por isso, a interpretação do art.º 71.º do CCP, ao estabelecer o regime do preço anormalmente baixo, não exige uma visão estritamente jurídica nem impede, bem pelo contrário, que a mesma seja intermediada por considerações de ordem natural, social ou técnica.
Ora, para o senso comum um preço anormalmente baixo significa um preço que escapa a toda a lógica de mercado, irrazoável, sem qualquer justificação a não ser a que é ditada por razões de conveniência e urgência inadiáveis ou por qualquer outro motivo oculto. Representa aquilo que se entende comummente por prática de preços ao desbarato, na maioria dos casos motivada por alguma situação desesperante e urgente do oferente.
Se esta ideia do conceito em causa pudesse ser transposta, sem mais, para a contratação pública, o preço anormalmente baixo seria ditado não por um comando legal mas antes pela sua relativização com o preço que em circunstâncias normais um contraente razoável e prudente ofereceria.
É que, esta relação entre o preço anormalmente baixo e o preço base pode conduzir a uma situação em que o preço apresentado não é anormalmente baixo em função das regras de mercado mas já o é em função do procedimento concursal. Expliquemo-nos: se a entidade adjudicante, aquando da preparação do concurso e no que toca à fixação do preço base adoptar critérios excessivamente latos ou permissivos, tecnicamente pouco rigorosos ou acautelar em demasia a hipótese do concurso ficar deserto, pode estabelecer um preço que é anormalmente elevado para os padrões habitualmente vigentes em função do mercado e do tipo e modalidade de empreitada ou fornecimento em causa.
Deste modo, a construção do conceito de preço base anormalmente elevado parte necessariamente do conceito de preço normal, regular ou habitual obtido segundo os ditames da técnica e das condições do mercado, para a obra ou fornecimento em concreto.
Ora, admitindo que todos e cada um dos concorrentes pretendem que lhes seja adjudicado o contrato e obter lucro, que não há concertação entre eles, o preço razoável, normal, equilibrado de um procedimento concursal corresponde à média dos preços propostos pelos vários concorrentes, ou seja, equivale ao preço que um contraente de diligência e conhecimentos médios, colocado na posição da entidade adjudicante, estaria disposto a pagar.
Obtido o preço normal e verificando-se um desvio significativo, para mais, entre este e o preço base, temos um preço base anormalmente alto ou elevado. Tal preço implica que uma proposta com preço inferior (preço baixo) às demais propostas mas ainda assim dentro da bitola de preços que o mercado consente, sem que haja o risco de alguma imputação ou suspeita de dumping ou de degradação ou aviltamento do preço por razões financeiras, económicas, conjunturais ou outro motivo ou finalidade oculta, pode ser juridicamente qualificada como proposta de preço anormalmente baixo. Isto é, uma mera proposta de baixo preço segundo as regras de mercado pode ser encarada como proposta de preço anormalmente baixo para efeitos do procedimento concursal.
As consequências que daí derivam, quer em termos concorrenciais, quer na boa aplicação dos dinheiros públicos, impelem o intérprete a ser cuidadoso na interpretação e aplicação do conceito em causa. É que, bem vistas as coisas, um preço base anormalmente alto pode ser tão restritivo da concorrência e tão lesivo dos interesses públicos quanto o preço anormalmente baixo. Na verdade, o preço base anormalmente alto possibilita a apresentação de propostas de preço elevado, que eventualmente podem reflectir soluções técnicas que poderiam ser vantajosamente substituídas por outras menos onerosas, levando a que eventuais interessados que destas disponham sejam excluídos por mera aplicação do conceito jurídico de preço anormalmente baixo. Como é evidente, tal situação lesa a concorrência e vicia a boa gestão da coisa pública, pelo que a opção mais neutral seria, pois, considerar que o preço base a ter em conta deveria resultar da média do preço das propostas (2).
Como se sabe, não foi esse o caminho seguido pelo legislador, que optou por considerar que, no âmbito do CCP, uma proposta é de preço anormalmente baixo quando seja 40 % ou mais inferior ao preço base fixado no caderno de encargos, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada, ou 50 % ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de qualquer dos restantes contratos (cf. art.º 71.º, n.º 1, do CCP, aplicável ao caso vertente já que o programa de concurso fixava um preço base) (3).
Ora, como na tarefa hermenêutica o intérprete não deixar de dar relevo ao elemento literal (art.º 9.º, n.º 2, do CC), não é possível na contratação pública substituir a vontade do legislador pela orientação que nos pareceria ser a mais correcta no modo de definir ou operacionalizar o conceito de preço anormalmente baixo. E isso tem como consequência que, embora seja possível afirmar alto e bom som que nem sempre o conceito jurídico de preço anormalmente baixo equivale ao conceito prático de preço de mercado anormalmente baixo, essa afirmação não tem efeitos concursais. O que não impede que neste contexto se possa e deva afrouxar os critérios relativos às justificações a ser apresentadas ou solicitadas, que além de serem meramente indicativos sob o prisma legal comportam ampla margem de discricionariedade, como a doutrina e a jurisprudência amplamente referem e adiante melhor se explicitará.
Dito de outro modo, se houver suficientes indícios de que o preço base do concurso foi mal calculado, não é exigível que em tais circunstâncias se imponha ao concorrente afectado uma explicitação exaustiva do preço proposto nem deve ser imposto ao júri do concurso que adopte uma postura de grande exigência no que concerne às explicações solicitadas. Cai-se, por isso, numa situação de discricionariedade técnica reforçada, que só perante a constatação de erro gravíssimo, manifestamente grosseiro ou notoriamente palmar pode ser sindicada.
Além disso, deve ter-se em consideração que nessas circunstâncias os esclarecimentos a prestar pelos concorrentes ou solicitados pelo júri não constituem tarefa fácil, já que se mostra algo difícil esclarecer um preço que é ajustado ao mercado sem cair em generalidades ou lugares comuns, que nada acrescentam à proposta que desejavelmente deve ser auto-explicativa, clara e concisa.
Doutro passo, um preço base anormalmente alto reduz ou elimina mesmo as dúvidas que poderiam pairar sobre a proposta de preço juridicamente anormalmente baixo, quanto à sua seriedade, congruência e vontade de ser cumprida.
À luz destes considerandos e volvendo os olhos para o caso sub judice, constata-se a existência de um facto indesmentível e destacado, qual seja a de todas as propostas se situarem bem abaixo do preço base fixado pelo dono da obra - € 400.000,00 - distribuindo-se uniformemente em torno de uma média de € 257.876,06 (4). Com apenas um desvio mais saliente, para menos, da proposta da contra-interessada, que em relação a esse valor apresenta um desvio, para menos, de cerca de 36%.
Sendo por isso patente a inexistência de concertação – que a existir certamente aproximaria os preços propostos do valor do preço base – esse mero factor estatístico do valor médio leva-nos a concluir de que os valores das propostas apontam no sentido do preço base ser bastante elevado e, concomitantemente, o preço da proposta da contra-interessada não significar um aviltamento do preço que justifique cautelas adicionais, designadamente quanto a eventual propósito de remeter para a fase de execução da obra os problemas que possam emergir do preço apresentado ou quanto a uma execução tecnicamente deficiente.
Como a estatuição relativa aos esclarecimentos não aponta para uma enunciação taxativa dos critérios mas antes para uma narração meramente exemplificativa, podem ser considerados outros critérios que o júri do procedimento entenda dever aplicar, sendo que no que concerne à bondade ou pertinência dos esclarecimentos prestados a Administração actua sem qualquer vinculação. Por conseguinte, quer na aplicação dos critérios, quer na aceitação ou não dos esclarecimentos prestados, a Administração – desde que respeite os princípios da adequação ao interesse público, da justiça, da imparcialidade, da boa fé, da igualdade e da proporcionalidade (5) - goza de verdadeira discricionariedade, que lhe confere liberdade de ponderação e escolha e ampla latitude no que respeita à sustentação e definição do conteúdo da decisão (6).
Resumindo:
a) Nem sempre a um preço anormalmente baixo obtido por aplicação do disposto no art.º 71.º, n.º 1, do CCP, corresponde um preço anormalmente baixo segundo a lógica do mercado;
b) Tal situação ocorre, designadamente, quando se constata que o preço base é anormalmente alto, isto é, quando é substancialmente mais elevado que a média dos preços de todas as propostas apresentadas.
c) Nessa situação, e sem embargo da aplicação do citado n.º 1 do art.º 71.º do CCP, a diferença entre o mais baixo preço proposto e o preço base não legitima uma conclusão automática de se estar perante uma proposta de preço anormalmente baixo segundo a lógica de mercado;
d) Nesse contexto a apreciação das notas justificativas e os esclarecimentos prestados pelos concorrentes deve levar em conta o preço base como critério meramente indicativo, e ainda todas as circunstâncias de ordem técnica, económica, financeira, social, de mercado e mesmo o planeamento de execução da obra ou do fornecimento, que enformam a proposta.
e) Nessa apreciação o dono da obra não está vinculado a atender exclusivamente aos critérios estabelecidos no art.º 71.º, n.º 4, do CCP, gozando ainda de ampla discricionariedade quanto à aferição da razoabilidade e pertinência dos esclarecimentos prestados, desde que respeite os princípios a que se subordina a contratação pública.
Concluindo: sendo esta a situação retratada nos autos, logo se vê que à recorrente não assiste razão na invocada violação dos art.os 57.°, n° 1, alínea d), 71.°, n.º 3 e 4, e 146.°, n° 2, alínea d), do CCP, o que conduz à inelutável consequência de se negar provimento ao recurso, embora com argumentos substancialmente diferentes dos que foram convocados na sentença.
O que prejudica, por manifesta inutilidade, a apreciação das questões do alargamento da matéria de facto e alegada questão nova invocada no recurso.
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3 - Dispositivo:
Em face de todo o exposto, acordam em negar provimento ao recurso confirmando, embora com fundamentação substancialmente diferente, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 2012-02-23
________________ (Benjamim Barbosa, Relator)
_____________________ (Sofia David)
_____________________ (Carlos Araújo)

(1) J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, 12.ª Impressão, Coimbra, Almedina, pág. 215.
(2) Este é o caminho seguido na Proposta de DIRECTIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO relativa aos contratos públicos COM/2011/0896 final - 2011/0438 (COD), cujo considerando 42 diz o seguinte:
As propostas que se revelem anormalmente baixas em relação à prestação em causa podem ser baseadas em pressupostos ou práticas incorretos do ponto de vista técnico, económico ou jurídico. Para evitar eventuais desvantagens durante a execução do contrato, as autoridades adjudicantes devem ser obrigadas a pedir uma explicação do preço indicado se uma proposta apresentar preços significativamente inferiores aos dos outros proponentes. Se o proponente não conseguir dar uma explicação válida, a autoridade adjudicante deve ter o direito de excluir a proposta. Essa exclusão deve ser obrigatória nos casos em que a autoridade adjudicante tenha determinado que o preço anormalmente baixo resulta do incumprimento de legislação obrigatória da União nos domínios do direito social, laboral ou ambiental ou de disposições internacionais em matéria de direito do trabalho.
E o art.º 69.º dispõe:
Propostas anormalmente baixas
1. As autoridades adjudicantes exigem que os operadores económicos expliquem os preços ou custos cobrados quando se verificarem todas as seguintes condições:
(a) O preço ou custo cobrado é inferior em mais de 50% ao preço ou ao custo médio das restantes propostas;
(b) O preço ou custo cobrado é inferior em mais de 20% ao preço ou ao custo da segunda proposta mais baixa;
(c) Foram apresentadas pelo menos cinco propostas.
2. Caso as propostas se afigurem anormalmente baixas por outros motivos, as autoridades adjudicantes podem também solicitar as correspondentes explicações.
3. As explicações mencionadas nos n.os 1 e 2 referem-se, designadamente:
(a) Aos dados económicos do método de construção, do processo de fabrico ou dos serviços prestados;
(b) Às soluções técnicas escolhidas ou a quaisquer condições excecionalmente favoráveis de que o proponente disponha para a execução das obras, para o fornecimento dos produtos ou para a prestação dos serviços;
(c) À originalidade das obras, produtos ou serviços propostos pelo proponente;
(d) À observância, pelo menos por via de equivalência, das obrigações estabelecidas pela legislação da União no domínio do direito social e do trabalho ou do direito ambiental ou das disposições do direito internacional no domínio do direito social e ambiental constantes do anexo XI ou, quando não sejam aplicáveis, à observância de outras disposições que assegurem um nível de proteção equivalente;
(e) À possibilidade de obtenção de um auxílio estatal pelo proponente.
4. A autoridade adjudicante verifica as informações prestadas consultando o proponente. Só pode excluir a proposta quando os meios de prova não justificarem o baixo nível de preços ou custos, tendo em conta os elementos a que se refere o n.º 3.
As autoridades adjudicantes excluem a proposta caso determinem que esta é anormalmente baixa por não cumprir as obrigações estabelecidas pela legislação da União no domínio do direito social e do trabalho ou do direito ambiental ou das disposições do direito internacional no domínio do direito social e ambiental constantes do anexo XI.
5. Caso a autoridade adjudicante verifique que uma proposta é anormalmente baixa por o proponente ter obtido um auxílio estatal, a proposta só pode ser excluída unicamente com esse fundamento se, uma vez consultado, o proponente não puder provar, num prazo suficiente fixado pela autoridade adjudicante, que o auxílio em questão foi compatível com o mercado interno na aceção do artigo 107.º do Tratado. Se a autoridade adjudicante excluir uma proposta nestas circunstâncias, deve informar do fato a Comissão.
6. Quando solicitados a fazê-lo, os Estados-Membros colocam à disposição dos outros Estados-Membros, em conformidade com o artigo 88.º, as informações relacionadas com as provas e os documentos apresentados em ligação com os elementos enunciados no n.º 3.
(Negrito nosso).
(3) Mas se o caderno de encargos não fixar o preço base, ou quando o convite ou o programa de concurso indicar, ainda que por referência ao preço base fixado no caderno de encargos, um valor a partir do qual o preço total resultante de uma proposta é considerado anormalmente baixo, o órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar a decisão de considerar que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo (n.º 2).
(4) Não considerando a proposta da contra-interessada, atento o seu valor mais baixo em relação às restantes. Se entrarmos com esse valor a média ponderada do preço das propostas desce para € 234.477,04, sendo o desvio da proposta da contra-interessada de cerca de 30%.
(5) Cf. Esteves de Oliveira, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 1980, p. 252 ss. e Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra, Almedina, 2003, p. 95
(6) Idem, ibidem, p. 93

CONTRATAÇÃO PÚBLICA - CONCURSO PÚBLICO INTERNACIONAL - AQUISIÇÃO SERVIÇOS TRANSPORTE - «DIA DEFESA NACIONAL» - QUALIFICAÇÃO CONCORRENTES - CRITÉRIOS ADJUDICAÇÃO - FATORES / SUBFATORES - PROPOSTA - ATRIBUTO (PREÇO) – FORMULÁRIO - DATA ENVIO AVISO PARA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO REPÚBLICA E NO «JOUE» (ARTS. 131.º E 136.º CCP) - EXCLUSÃO PROPOSTA



Proc. Nº 01312/11.3BEBRG                    TCAN   25 Jan 2013


I. O quadro normativo vigente transpondo comandos do direito da UE (cfr. vg., atualmente, Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE), veio impor a distinção entre fatores/subfatores que podem ser definidos nas peças concursais para densificação dos “critérios de adjudicação” e fatores/subfactores que podem ser definidos como “critérios de seleção qualitativa”, excluindo-se daqueles fatores/subfatores que estejam ligados à apreciação da aptidão dos proponentes para executar tal contrato.
II. A definição do critério de adjudicação da “proposta economicamente mais vantajosa” à luz dos fatores/subfactores insertos no art. 12.º do «PC» relativos aos “serviços similares” e da “experiência profissional dos motoristas” configura uma violação do art. 75.º, n.º 1 do CCP.
III. A enunciação daqueles fatores/subfatores traduz-se inequivocamente num apelo às qualidades, às caraterísticas relativos aos concorrentes, quando em matéria de avaliação das propostas está vedada o apelo ou a utilização de fatores que tenham por objeto considerações relativas à experiência da empresa e de seus profissionais, às habilitações, aos meios e equipamentos a utilizar, já que os mesmos se prendem com a avaliação em termos do concorrente garantir uma boa execução do contrato, constituindo fatores relativos à maior ou menor aptidão dos proponentes para o executar.
IV. Tem-se como ilegal a exigência inserta no «PC/CE» da junção por parte dos candidatos de certificado de qualidade de acordo com a Norma ISSO 9001:2008 ou equivalente e do certificado ambiental de acordo com a Norma 14001 ou equivalente porquanto dos concursais e daquilo que são os termos/condições relativos a aspetos da execução do contrato [quer estejam ou não estejam submetidos à concorrência] não existe qualquer justificação/motivação para a imposição da obrigação de junção com a proposta daqueles certificados.
V. No quadro de aspetos não submetidos à concorrência não se surpreende dos termos pré e contratualmente definidos quaisquer imposições ou objetivos especiais ou específicos a prosseguir com o procedimento e execução do contrato, mormente, motivações ou preocupações ambientais ou mesmo em termos de padrões de qualidade organizacional e de boas práticas que justifiquem a obrigação de junção de tal tipo de certificação.
VI. Por outro lado e em matéria de aspetos/condições submetidos à concorrência temos que a junção de tais certificados de nada serve para efeitos de aferição do critério de adjudicação definido à luz dos fatores que o integram, em especial, o da “valia técnica do serviço” face aos termos dos subfactores definidos [dos quais estão igualmente ausentes quaisquer preocupações ou fins a prosseguir em matéria de padrões organizacionais e ambientais a deter/cumprir pelos candidatos/concorrentes, vg., o privilegiar do uso/afetação ao serviço de veículos não poluentes ou com baixos índices de emissões] e seu modo de comprovação.
VII. Quer o exercício da atividade de transporte rodoviário de passageiros e do operar das empresas, quer as exigências de fabricação, de circulação e de inspeção das viaturas detidas ou pertencentes àquelas mesmas empresas e afetas à sua atividade não impõe, nem exigem, a titularidade duma certificação como a que está em causa, na certeza de que a prossecução de objetivos e cumprimento de metas em termos ambientais que se mostram essenciais no e para o contexto da existência no nosso planeta realiza-se ou pode concretizar-se com recurso a outros mecanismos, meios e entes/organismos envolvidos que estão muito para além da exigência de títulos de certificação.
VIII. Nessa medida, no contexto e objetivos prosseguidos neste procedimento concursal não se vislumbra como legítima a exigência/imposição da junção da certificação em crise ou equivalente nos termos das regras insertas no «PC» e «CE», na medida em que não colhendo justificação e razão cabal para os seus termos e fins tal exigência envolve efetiva ou encerra no mínimo potencialmente riscos para a concorrência em termos do poder afastar operadores no mercado de transportes que, cumprindo todas as regras impostas para o exercício da atividade, para a manutenção em circulação dos seus veículos e para o respeito do ambiente, não sejam, todavia, detentores de qualquer certificação como a exigida ou outra que se lhe equivalha.
IX. A proposta constitui todo um complexo de declarações heterogéneas através das quais o concorrente responde às diversas solicitações/exigências postas pela lei ou pela entidade adjudicante quanto aos aspetos e questões considerados procedimentalmente relevantes.
X. Não poderá deixar de se admitir o formulário principal, pelo seu conteúdo e teor, como integrando documento procedimental o qual, por cumprir os requisitos da apreensibilidade e da firmeza/irrevogabilidade quanto ao atributo da proposta daquela concorrente que se mostra submetido à concorrência (o preço),se mostra dotado de eficácia e validade de molde a suprir a irregularidade/omissão de formalidade.
XI. Tem-se como possível afirmar a existência de uma regra de prevalência da substância sobre a forma assegurado que se mostre no caso a observância do princípio da igualdade.
XII. A prevalência da substância sobre a forma implicará a aceitação duma proposta se dos termos e contexto em que a mesma se apresenta for possível retirar, expressa e inequivocamente, o atributo da mesma que haja sido submetido à concorrência e este se mostre conforme com o «PC» e «CE», bem como quando o próprio sistema emitiu recibo onde declara que constam todos os elementos da proposta, incluindo o do preço.
XIII. De harmonia com o disposto nos arts. 131.º e 136.º do CCP o prazo de apresentação das propostas no quadro de concurso público conta-se desde a data do envio do anúncio para a INCM e o SPOUE, envio esse que deve ocorrer em simultâneo (art. 131.º, n.º 7 do CCP), não relevando, assim, a data da publicação nos jornais oficiais.
XIV. Não poderemos deixar de considerar ilegal o ato administrativo impugnado no segmento em que procedeu à exclusão da A. do âmbito do procedimento do concurso por alegada apresentação extemporânea da sua proposta porquanto ainda que o R. haja procedido ao envio de ambos os anúncios na mesma data [art. 131.º, n.º 7 do CCP] ocorreu no caso manifesta desconformidade quanto àquilo que se tem como sendo as datas de envio para publicação à INCM e ao SPOUE, sendo que tal desconformidade, pela confusão e problemas que gera ou pode gerar, não poderá funcionar como base aceitável para decisão que leve à exclusão de proposta de concorrente se e quando esta haja sido apresentada dentro do último prazo que tenha decorrido por referência à data mais recente indicada como sendo de envio do anúncio para publicação.
XV. As dúvidas/confusões geradas pelo funcionamento do sistema de contratação pública e pelo modo como o mesmo se mostra bem ou mal implementado, como o mesmo se mostra concatenado com outros sistemas e como a articulação se apresenta correta ou não, não podem fazer recair sobre os concorrentes ou potenciais concorrentes as consequências funestas que tais dúvidas/confusões geram ou podem gerar nos e para os concretos procedimentos concursais

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL” (doravante «MDN») e “AV. …, LDA.” (doravante «AV...»), devidamente identificados nos autos, inconformados vieram, de per si, interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 14.03.2012, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa de impugnação urgente [contencioso pré-contratual] que a A. «AV...» havia deduzido nos termos dos arts. 100.º e segs. do CPTA contra o “MDN” e a contrainteressada “BT. …, SA”, e que anulou o “…despacho do Secretário da Estado da Defesa, datado de 13 de setembro de 2011, pelo qual acolheu as conclusões vertidas no relatório final n.º 2 elaborado pelo Júri do concurso, assim como [consequentemente] a decisão de adjudicação da prestação de serviços a favor da contrainteressada e o contrato com ela celebrado, datado de 14 de outubro de 2011…”.
Formulou o R./«MDN», enquanto recorrente, nas respetivas alegações (cfr. fls.267 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem:

1.ª O tribunal «a quo» fixou como facto, aquilo que na realidade é uma mera conclusão jurídica - de que o envio foi remetido em datas diferentes.
2.ª O envio do anúncio, ocorreu em simultâneo, facto que o «INCM» pode comprovar pelas suas competências de gestão da plataforma eletrónica da publicação de anúncios.
3.ª A data que aparece no anúncio do DR, preenchido através de plataforma eletrónica, é de preenchimento é automático e da responsabilidade do «INCM», não correspondendo à verdadeira data do envio dos anúncios.
4.ª Julgou o tribunal «a quo» a presente ação, trazendo à colação os artigos aplicáveis, nomeadamente o artigo 131.º, 135.º e 136.º do CCP, contudo, numa ampla «discricionariedade judicial», determinou que não deverá observar-se o prescrito no artigo 136.º do Código dos Contratos Públicos.
5.ª Ao contrariar o disposto no artigo 136.º que refere expressamente, que o prazo para a apresentação de propostas se conta a partir da data do envio desse anúncio ao Serviço de Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, o tribunal contrariou também, as disposições contidas nos n.ºs 2, 4, 5, e 5, do artigo 45.º da Diretiva n.º2004/17/CE e nos n.ºs 2, 4, 5 e 6 do artigo 38.º da Diretiva 2004/18/CE.
6.ª Se o Tribunal «a quo» tinha dúvidas na interpretação da norma do artigo 136.º do Código dos Contratos Públicos, de origem comunitária proveniente das Diretivas 17 e 18 de 2004, então que lançasse mão dos mecanismos previstos no Tratado, para colocar à consideração do Tribunal de Justiça da União Europeia, as dúvidas interpretativas que tivesse, nomeadamente, através da colocação de uma questão prejudicial.
7.ª O tribunal «a quo» ao julgar parcialmente procedente a presente ação, com a anulação do despacho do Secretário de Estado da Defesa, que acolheu a conclusão da exclusão da autora, por apresentação extemporânea da proposta, incorreu em erro de julgamento, na medida em que procedeu à errada apreciação da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, e a uma errada aplicação do direito aplicável, em manifesta violação do artigo 136.º do Código dos Contratos Públicos e das Diretivas 2004/17 e 18/CE - erro de direito…”.
Pugna pela revogação daquela decisão judicial e total improcedência da ação.
A A., enquanto recorrente,e no quadro de recurso jurisdicional de apelação na sequência do decidido nos autos de reclamação apensos por S.ª Ex.ª Presidente do STA (cfr. fls. 105/106 dos referidos autos - revogando decisão do TAF de Braga que não havia admitido o recurso jurisdicional “per saltum” deduzido pela A. e dirigido ao STA) formulou nas respetivas alegações (cfr. fls. 280 e segs.) as seguintes conclusões que se reproduzem:

A. A douta sentença julgou a presente ação parcialmente procedente e anulou o despacho do Secretário de Estado da Defesa de 13/9/2011, que adjudicou a prestação de serviços a favor da contrainteressada, e o contrato celebrado datado de 14/10/2011.
B. No entanto, apesar deste vencimento parcial, a douta sentença não deu razão à Autora/Recorrente quanto às seguintes questões:
- ilegalidade das normas 12.º e 8.º, al. e) e f) do procedimento do concurso.
- Admissão da proposta apresentada pela contrainteressada.
C. Por isso, pretende a ora Recorrente impugnar a sentença quanto à decisão proferida sobre estas questões.
D. O douto julgador a quo entendeu que os subfactores serviços similares e experiência dos motoristas não contendiam com a qualidade dos concorrentes, mas com a efetiva execução do contrato que se visa outorgar.
E. Em primeiro lugar, a experiência da empresa em torno de serviços similares nem sequer diz respeito aos meios humanos ou materiais que os concorrentes se propõem afetar na execução do contrato.
F. Este subfactor claramente e diretamente apela a qualidades dos concorrentes: EXPERIÊNCIA em serviços similares, violando o disposto no art. 75.º/1 do CCP.
G. Quanto ao subfactor experiência dos motoristas e apesar de, a partida, ser legítima a avaliação dos meios humanos que os concorrentes se propõem afetar à execução do contrato, não é isso que está em questão:A experiência profissional dos motoristas … relevantes é apenas a experiência ao serviço da empresa concorrente.
H. É por isso que este subfactor diz respeito indiretamente a situações, qualidades, caraterísticas ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes, violando o disposto no art. 75.º/1 do CCP.
I. O critério de adjudicação está ligado à execução do contrato e não às qualidades do concorrente, nomeadamente à sua experiência profissional. No caso em apreço para além de se pretender avaliar a experiência dos concorrentes na excussão de serviços similares; pretende-se também limitar a avaliação da experiência dos motoristas à experiência somente ligada à empresa concorrente. Se está apenas em causa a qualidade na execução do contrato, então seria relevante toda a experiência profissional dos motoristas, independentemente do seu empregador.
L. Ilegalidade das normas 8.ª, alíneas e) e f) determinam que a proposta seja instruída com o certificado de qualidade e com certificado ambiental: a Recorrente entende que esta exigência é ilegal por dois motivos:
- PRIMEIRO: porque o momento de apresentação destes documentos não seria na fase de apresentação das propostas, mas sim na fase de habilitação;
- SEGUNDO: a exigência de apresentação destes documentos viola o princípio da concorrência, porque resulta numa limitação desproporcionada do mercado habilitado a participar no procedimento. Ao impor esta condição para acesso ao concurso, a entidade adjudicante, ora Recorrente adotou uma medida restritiva do mercado habilitado a participar no procedimento: sem justificação suficiente e adequada para o efeito; violou o princípio da proporcionalidade, na vertente de adequação, pois estabeleceu medidas não adequadas à realização do interesse público em questão.
M. Ao contrário do decidido pelo douto julgador «a quo», a Recorrente entende que a proposta da contrainteressada não poderia ter sido admitida.
N. Este concorrente não apresentou qualquer proposta de preço, uma vez que carregou um documento a que atribui a designação de «proposta», mas que corresponde à declaração a que se refere a alínea a) do n.º 1 do art. 57.º do CCP.
O. A admissão da proposta da contrainteressada violou os arts. 57.º/1, 70.º/2/a, e 146.º/2/d do CCP…”.
Pugna pela revogação daquela decisão judicial e total procedência da ação.
A A., enquanto recorrida, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 359 e segs.), nas quais conclui nos termos seguintes:
...
A. Os documentos apresentados pela Recorrente não são supervenientes e por isso devem ser desentranhados.
B. Não deverá ser alterada a matéria assente constante da sentença.
C. O art. 131.º/7 do CPP conjugado com os princípios «do favor do procedimento» e da concorrência impõe que a data relevante para a contagem do prazo de apresentação das propostas seja a data do envio do anúncio para publicação no Diário da República (18 de julho de 2011)…”.
A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal notificada nos termos e para efeitos do disposto nos arts.146.º e 147.º ambos do CPTA apenas veio apresentar parecer/pronúncia quanto ao recurso jurisdicional interposto pela A. e no sentido da sua improcedência (cfr. fls. 387 e segs. e fls. 421/422 v.), parecer esse que objeto de contraditório mereceu resposta discordante da A.(cfr. fls. 426 e segs.).
Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0b8f0bd722de4bf180257b0200623d65/DECTINTEGRAL/0.28EE?OpenElement&FieldElemFormat=gif


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Para além da questão prévia suscitada pela A., enquanto recorrida, já decidida por despacho do Relator de fls. 443/446 sem qualquer reclamação/impugnação cumpre, pois, apreciar e decidir das questões colocadas pelos aqui recorrentes sendo certo que, se pese embora, por um lado, o objeto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA,660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redação introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
E as questões suscitadas pelos recorrentes de que cumpre decidir resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão judicial recorrida ao julgar parcialmente procedente a pretensão deduzida pela A., nos termos e pelos fundamentos dela constantes, incorreu:
A)Em erro de julgamento de facto e de direito por desrespeito, nomeadamente, ao disposto nos arts.136.º do CCP, 45.º, n.ºs 2, 4, 5, e 6 (nas alegações repetiu-se, certamente por lapso, o n.º 5) da Diretiva n.º 2004/17/CE e 38.º, n.ºs 2, 4, 5 e 6 da Diretiva n.º 2004/18/CE;
B)Em erro de julgamento por desrespeito, nomeadamente, ao disposto nos arts.75.º, n.º 1, 57.º, n.º 1, 70.º, n.º 2, al. a) e 146.º, n.º 2, al. d) todos do CCP,12.º e 08.º, n.º 2, als. e) e f) do Programa do Concurso (abreviadamente «PC») [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas].

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0b8f0bd722de4bf180257b0200623d65/DECTINTEGRAL/0.34B6?OpenElement&FieldElemFormat=gif


3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
I) Por despacho do Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, datado de 03.05.2011, foi autorizada a abertura do procedimento de concurso público internacional para aquisição de serviços de transporte para o Dia de Defesa Nacional - Ciclo 2011/2012 - Cfr. fls. 749 a 753 do Processo Administrativo.
II) Do Programa do Concurso - cfr. fls. 689 a 719 do Processo Administrativo - para aqui se extraem, por ter interesse os normativos que seguem:
Artigo 8.º
Documentos da proposta
1. A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.
2. A proposta é obrigatoriamente constituída, sob pena de exclusão, pelos seguintes documentos:
[…]
b) Documentos em que o concorrente descreve os atributos da sua proposta relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência;
[…]
e) Certificado de qualidade, de acordo com a Norma ISO 9001:2008 ou equivalente;
f) Certificado ambiental, de acordo com a Norma ISO 14001 ou equivalente; […].
3. Devem ainda ser entregues juntamente com a proposta os seguintes documentos:
a) Declarações (originais) que confirmem a prestação e respetivos quantitativos de serviços similares prestados nos últimos 2 (dois) anos;
[…]
c) Declaração da Segurança Social ou listagem de remunerações para a Segurança Social que comprove a ligação contratual entre a empresa e os motoristas a afetar ao serviço.
[…]
Artigo 10.º
Prazo e modo de apresentação das propostas
As propostas e os documentos que as acompanham devem ser apresentadas até às 16 horas 30 minutos do 40.º dia, a contar da data de envio do anúncio ao Serviço de Publicações Oficiais das Comunidades Europeias.
[…]
Artigo 12.º
Critérios de adjudicação
A adjudicação é feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta os seguintes fatores e subfactores com a incidência pontual que se indica:
Fatores
Ponderações
Pontos
Subfactores
Valia técnica do serviço (VTS)
20%
100
Categoria veículos
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Antiguidade veículos
Serviços similares (SS)
20%
100
******************************
Experiência profissional dos motoristas (EP)
10%
100
*******************************
Preço mais baixo (P)
50%
100
*******************************

[…]
2. Serviços similares (SS) - é aferido em função de declaração do concorrente, comprovada através de declarações (originais) emitidas pelas empresas às quais foram prestados os serviços que confirmem a prestação e respetivos quantitativos de serviços similares prestados nos últimos 2 (dois) anos, com a seguinte pontuação:
- De 1 a 5 serviços similares, comprovados pelas declarações das entidades que confirmem que o concorrente presta/prestou o tipo de serviço classificado como similar = 10 pontos;
- De 6 a 10 serviços similares = 20 pontos;
- De 11 a 20 serviços similares = 30 pontos;
- Entre 21 e 30 serviços similares = 50 pontos;
- Mais de 31 serviços similares = 100 pontos.

3. Experiência profissional dos motoristas escalados pela empresa para a prestação do serviço (EP) - a referida experiência deverá ser aferida em função da média do número de anos de serviço prestado pelos motoristas escalados para o serviço, devendo ser considerado para o efeito a experiência efetivamente demonstrada relativa ao transporte de pessoas em «serviços similares».
Deve-se considerar como «serviços similares» o transporte diário entre 610 a 725 pessoas, número que corresponde o número mínimo de jovens a transportar entre os CDDN (5 a 6) em funcionamento por dia.
Fator aferido em função de declaração da empresa sobre a média do número de anos de serviço prestado pelos motoristas escalados para o serviço, comprovada por declaração da Segurança Social ou através de listagem de remunerações para a Segurança Social que comprove a ligação contratual entre a empresa e os motoristas:
- Até 3 anos = 10 pontos;
- Mais de 3 anos e até 5 anos = 20 pontos;
- Mais de 5 anos e até 8 anos = 30 pontos;
- Mais de 8 anos e até 10 anos = 50 pontos;
- Mais de 10 anos = 100 pontos…”.
III) O anúncio de procedimento foi remetido para o Jornal Oficial da União Europeia, em 15.07.2011, e para o Diário da República, em 18.07.2011-cfr. fls. 681 a 686 do Processo Administrativo.
IV) No Diário da República, II.ª Série, de 18.07.2011, foi publicitado o Anúncio de Procedimento n.º 3586/2011-cfr. fls. 685 a 687 do Processo Administrativo - o qual para aqui se extrai, na parte relevante, como segue:
MODELO DE ANÚNCIO DO CONCURSO PÚBLICO
1 - IDENTIFICAÇÃO E CONTACTOS DA ENTIDADE ADJUDICANTE
NIF e designação da entidade adjudicante:
600032205 - Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional
Serviço/Órgão/Pessoa de contacto: Ministério da Defesa Nacional
Direção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar
[…]
2 - OBJETO DO CONTRATO
Designação do contrato: Aquisição do Serviço de Transporte dos Jovens convocados para o Dia da Defesa Nacional - Ciclo 2011/2012
Tipo de Contrato: Aquisição de Serviços
Valor do preço base do procedimento 849000.00 EUR
Classificação CPV (Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)
[…]
10 - PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS OU DAS VERSÕES INICIAIS DAS PROPOSTAS SEMPRE QUE SE TRATE DE UM SISTEMA DE AQUISIÇÃO DINÂMICO
Até às 16:30 do 40.º dia a contar da data de envio do presente anúncio [sublinhado nosso]
11 - PRAZO DURANTE O QUAL OS CONCORRENTES SÃO OBRIGADOS A MANTER AS RESPETIVAS PROPOSTAS
180 dias a contar do termo do prazo para a apresentação das propostas
12 - CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
Proposta economicamente mais vantajosa
Fatores e eventuais subfactores acompanhados dos respetivos coeficientes de ponderação: Valia técnica do serviço (VTS) - 20%;Serviços similares (SS) - 20%; Experiência profissional dos motoristas (EP) - 10%; Preço mais baixo (P) - 50%.
[…]
15 - DATA DE ENVIO DO ANÚNCIO PARA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA
2011/07/18.
16 - O PROCEDIMENTO A QUE ESTE ANÚNCIO DIZ RESPEITO TAMBÉM É PUBLICITADO NO JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA: Sim…”; [sublinhado nosso].
V) No Jornal Oficial da União Europeia de 20.07.2011 foi publicitado o anúncio do concurso -cfr. fls. 681 a 683 do Processo Administrativo - o qual para aqui se extrai, na parte relevante, como segue:

P - Lisboa: Serviços de transporte rodoviário
2011/S 137-228201
ANÚNCIO DE CONCURSO
Serviços
SECÇÃO I: ENTIDADE ADJUDICANTE
I.1) DESIGNAÇÃO, ENDEREÇOS E PONTOS DE CONTACTO
Ministério da Defesa Nacional
[…]
SECÇÃO II: OBJETO DO CONTRATO
II.1) DESCRIÇÃO
II.1.1) Designação dada ao contrato pela entidade adjudicante
Aquisição do serviço de transporte dos jovens convocados para o Dia da Defesa Nacional - ciclo 2011/2012.
II.1.2) Tipo de contrato e local da realização das obras, da entrega dos fornecimentos ou da prestação de serviços
Serviços
[…]
IV.3) INFORMAÇÕES DE CARÁTER ADMINISTRATIVO
[…]
IV.3.4) Prazos de receção das propostas ou dos pedidos de participação
24.8.2011 - 16:30
[…]
VI.5) DATA DE ENVIO DO PRESENTE ANÚNCIO:
15.7.2011”; [sublinhado nosso].
VI) Ao concurso em apreço, foram apresentadas propostas pelos concorrentes “BT. …, SA”-cfr. fls. 263 a 654 do Processo Administrativo - e “AV. …, Lda.”-cfr. fls. 23 e 262 do Processo Administrativo.
VII) A proposta da A. foi submetida na plataforma eletrónica, em 24.08.2011, às 16h38m59s - cfr. fls. 23 do Processo Administrativo.
VIII) A proposta apresentada pela contrainteressada não contém a proposta de preço, tendo carregado na plataforma eletrónica um documento a que atribuiu a designação de Proposta, que corresponde à declaração a que se refere o artigo 57.º, n.º 1, al. a) do CCP;
IX) No que concerne ao fator “Serviços Similares”, a A. entregou cópias dos contratos constantes a fls. 39 a 183 do Processo Administrativo, e a contrainteressada as declarações constantes a fls. 271 a 300 do Processo Administrativo.
X) Quanto ao fator “Experiência profissional dos motoristas escalados pela empresa para a prestação do serviço” a A. remeteu os documentos a fls. 229 a 243 do Processo Administrativo, e a contrainteressada, os documentos a fls. 339 a 654 do Processo Administrativo.
XI) O Júri do Concurso elaborou Relatório Preliminar tendo, no seu âmbito, empreendido a análise das propostas que, por ter interesse, para aqui se extrai como segue:
“…
4. ANÁLISE DAS PROPOSTAS
4.1. Proposta da empresa «BT. …, SA»
Esta concorrente apresenta tempestivamente uma proposta que contém todos os documentos e elementos pedidos no artigo 8.º do Programa do Procedimento, com exceção do atributo da proposta relativo ao preço.
De facto, o concorrente não apresentou qualquer proposta de preço, uma vez que na plataforma eletrónica o concorrente efetivamente carregou um documento a que atribuiu a designação de «Proposta», mas que com efeito corresponde à declaração a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CCP, declaração essa que também surge com a designação de «Declaração - Anexo I».
4.1.1. Admissão ou exclusão da proposta
Face ao exposto supra, deliberou o júri que a mesma deverá ser excluída nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP.
4.2. Proposta da AV. …, Lda.
Esta concorrente apresentou a proposta às 16h38m59s.
O prazo de apresentação das propostas, estabelecido, por força do disposto no n.º 1 do artigo 136.º, conjugado com o n.º 3 do mesmo artigo do CCP, no artigo 10.º do Programa do Procedimento eram as 16h30m00s do dia 24 de agosto, uma vez que, conforme documento anexo, o anúncio de concurso foi enviado aos serviços de publicações do Jornal Oficial da União Europeia a 15 de julho de 2011.
4.2.1. Admissão ou exclusão da proposta
Face ao exposto supra, deliberou o júri que a mesma deveria ser excluída nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP…”.
XII) Notificados do teor do relatório preliminar, os concorrentes foram ainda notificados para exercerem o seu direito de audiência prévia, em 05 dias, o que fizeram.
XIII) O Júri do concurso elaborou o relatório final n.º 01, onde procedeu à análise dos factos invocados em sede de audiência prévia nos termos que, por ter interesse, para aqui se extrai como segue:
“…
5. AUDIÊNCIA PRÉVIA
5.1. Direito de audiência prévia
Nos termos previstos no artigo 147.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), o júri remeteu, em sede de audiência prévia, o relatório preliminar a todos os concorrentes, determinando o prazo de 5 (cinco) dias úteis para, sobre o mesmo assunto, se pronunciarem por escrito, através da plataforma eletrónica onde decorre o concurso.
5.2. Resposta à audiência prévia
A empresa AV. …., Lda. veio ao abrigo da audiência prévia manifestar o seu desacordo com o relatório preliminar referindo que «1. A concorrente foi excluída pelo facto de a sua proposta ter sido envidada às 16.38h do dia 24 de agosto. … 2. Entenderam V.Exas que o prazo de apresentação das propostas expirava às 16.30h do dia 24 de agosto, uma vez que o anúncio de concurso foi enviado aos serviços de publicação do JOUE a 15/7/2011. … 3. Porém, no anúncio de procedimento n.º 3586/2011, publicado a 18/7/2011 no Diário da República, II Série, parte C, consta (ponto 10) que o prazo para apresentação das propostas é ‘até às 16.30 do 40º dia a contar da data de envio do presente anúncio’. … 4. No ponto 15 do mesmo anúncio consta que a data de envio do anúncio para a publicação no Diário da República é ‘2011/07/18’. … 5. Assim, é o próprio anúncio do procedimento que contém informações erradas, pois informa os potenciais concorrentes que o prazo de apresentação das propostas só terminaria a 27/8/2011, uma vez que se contaria a partir da data de envio para a publicação no Diário da República. … 6. Por outro lado, o art. 131.º do CCP dispõe no seu n.º 7 que o envio para publicação dos anúncios no Diário da República e no JOUE deve ocorrer em simultâneo. … 7. Também o art. 136.º/1 do CCP prevê que, quando o anúncio seja publicado no JOUE, não pode ser fixado um prazo para a apresentação das propostas inferior a 47 dias a contar da data do envio do anúncio».
5.3. Quanto aos pontos 1 a 6 dos argumentos, em sede de audiência prévia o Júri remete a sua resposta para mencionado em sede de relatório preliminar. Já quanto ao ponto 7, o júri ao conceder 40 dias como prazo para apresentação de propostas limitou-se a utilizar o previsto n.º 3 do artigo 136.º do CCP «os prazos mínimos para a apresentação das propostas previstos nos números anteriores podem ser reduzidos em até sete dias quando o anúncio referido no número 1.º for preparado e enviado por meios eletrónicos conforme formato e modalidades de transmissão indicados no portal da Internet http://simap.eu.int.".
5.4. Assim, entidade adjudicante ao abrigo do princípio da celeridade procedimental utilizou esta faculdade que o CCP concede no procedimento por concurso público.
5.5. Acresce ainda que, conforme resulta do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 40.º o anúncio não é peça do procedimento, sendo que em caso de divergência entre o anúncio e as peças do procedimento, nos termos do n.º 6 do artigo 132.º do CCP prevalecem as normas que constam do programa do concurso, sendo na hierarquia da prevalência se encontra o CCP nos termos do artigo 51.º do CCP.
5.6. A Empresa «BT. … SA» em audiência prévia veio aduzir o seguinte: «O preço consta do formulário principal, na medida que é uma prestação de serviços. 2. Não havendo mapa de quantidades o preço constava como atributo no quadro principal 3. Sendo certo que o preço indicado foi de 798.785,00 € (Setecentos e noventa e oito mil setecentos e oitenta e cinco euros), sem IVA».
6. CONCLUSÕES
6.1 No que toca aos argumentos apresentados pela empresa AV. … Lda., o Júri decidiu manter a exclusão pelos motivos e nos termos expostos no relatório preliminar.
6.2 Quanto à empresa BT. … S.A. a mesma vem declarar que o preço consta do formulário principal, uma vez que é uma prestação de serviços.
6.3. O preço apresentado na proposta é no valor de 798.785,00€ (Setecentos e noventa e oito mil setecentos e oitenta e cinco euros), sem IVA.
6.4. A proposta apresentada na plataforma eletrónica (formulário principal) onde consta o preço proposto é uma declaração firme e irrevogável onde o concorrente declara que quer concorrer com a proposta ora apresentada.
6.5. A proposta foi assinada por meio de assinatura eletrónica qualificada e contêm todos os atributos submetidos à concorrência.
6.6. A plataforma eletrónica emitiu um recibo onde constam todos os elementos da proposta, inclusive o preço proposto pela empresa.
6.7. Face ao exposto o Júri decidiu aceitar a proposta da empresa BT. … SA …”.
XIV) Aquando da notificação do teor do Relatório Final n.º 01, os concorrentes foram notificados para exercerem o seu direito de audiência prévia, em 05 dias, não o tendo feito.
XV) No dia 26.09.2011 os concorrentes foram notificados do despacho do Secretário de Estado Adjunto da Defesa, datado 13.09.2011 - ATO SOB IMPUGNAÇÃO - que sancionou o teor do Relatório Final n.º 02, que, em suma, manteve o que constava do Relatório Final n.º 01, e bem assim adjudicou o serviço de transporte para o Dia da Defesa Nacional - Ciclo 2011/2012, à concorrente “BT. …, SA”, por despacho do Secretário Adjunto e da Defesa Nacional, do que foram notificados os concorrentes - cfr. fls. 822 a 831 do Processo Administrativo inserto, nesta parte, a fls. 136 a 156 dos autos em suporte físico.
XVI) A adjudicatária [a contrainteressada “BT. …, SA”] apresentou os documentos de habilitação a 28.09.2011-cfr. fls. 847 a 868 e 876 do Processo Administrativo.
XVII) O contrato foi assinado pelo Réu e pela contrainteressada a 14.10.2011-cfr. fls. 877 a 890 do Processo Administrativo.
XVIII) A petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida a este Tribunal, por correio, em 17.08.2011-cfr. fls. 02 dos autos em suporte físico.
«»

3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise das questões suscitadas aferindo da procedência ou improcedência da argumentação desenvolvida pelos recorrentes em sede dos recursos jurisdicionais “sub judice”, presente que se mostra transitado o julgado quanto à ampliação/modificação do pedido e em matéria de exceção nos despachos de fls. 123/126 e de fls. 216/220 [ilegitimidade ativa e inutilidade da lide].
Daí que, face aos fundamentos/questões em discussão nos autos, importa começar, desde logo, pela apreciação do recurso jurisdicional deduzido pela A..
ð
3.2.1.DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF de Braga em apreciação da pretensão deduzida pela A., aqui também recorrente, concluiu no sentido apenas da verificação da ilegalidade assacada ao ato de exclusão da mesma no âmbito do concurso público internacional aberto para “Aquisição de serviços de transporte para o Dia de Defesa Nacional - Ciclo 2011/2012” traduzido na infração do disposto no arts. 131.º, n.º 7 e 136.º do CCP, julgando improcedentes os demais fundamentos de ilegalidade relativos à adjudicação do objeto concursal [ilegalidade dos n.ºs 08.º, als. e) e f) e 12.º do «PC» por infração, respetivamente, dos arts. 146.º, n.º 2, al. d), 57.º, n.º 1, al. c) e 81.º do CCP bem como do princípio da concorrência (exigência dos certificados de qualidade e ambiental) e do art. 75.º do CCP (na fixação de fatores/subfatores quanto aos critérios adjudicação); ilegalidade da admissão da contrainteressada ao concurso por violação do disposto nos arts. 57.º, 70.º, n.º 2, al. a) do CCP], termos em que anulou o ato impugnado com aquele fundamento.
ð
3.2.2.DAS TESES DOS RECORRENTES
Argumenta, por um lado, o R. que tal decisão judicial fez errado julgamento de facto [quanto ao n.º III) dos factos fixados] e de direito já que o ato impugnado não padece da ilegalidade que lhe havia sido assacada pelo que ao assim não haver concluído aquele TAF violou, nomeadamente, o disposto nos arts.136.º do CCP, 45.º, n.ºs 2, 4, 5, e 6 da Diretiva n.º 2004/17/CE e 38.º, n.ºs 2, 4, 5 e 6 da Diretiva n.º 2004/18/CE.
Já a A. sustenta, por sua vez, que aquela mesma decisão incorreu em erro de julgamento ao desatender os demais fundamentos de ilegalidade que haviam sido invocados, termos em que foram incorretamente aplicados os arts. 75.º, n.º 1, 57.º, n.º 1, 70.º, n.º 2, al. a) e 146.º, n.º 2, al. d) todos do CCP,12.º e 08.º, n.º 2, als. e) e f) do «PC».
ð
3.2.3.DO OBJETO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
3.2.3.1.DO RECURSO JURISDICIONAL DA A.
3.2.3.1.1.DA VIOLAÇÃO DOS ARTS.75.º, n.º 1 do CCP e 12.º do «PC»
Invoca a mesma, enquanto fundamento de recurso, que a decisão judicial sob apreciação terá efetuado errado julgamento do quadro normativo em epígrafe porquanto foram definidos como fatores/subfactores nos critérios de adjudicação [experiência da empresa em serviços similares e dos seus motoristas] que se prendem com qualidades/caraterísticas dos concorrentes o que está vedado pelo aludido regime legal.
Analisemos, convocando os pertinentes comandos legais e considerandos de enquadramento.

I. Decorre do art. 41.º do CCP que o “… programa do procedimento é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração …”, sendo que dimana do art. 01.º do mesmo Código, em termos da definição do seu “âmbito”, que o “… presente Código estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo …” (n.º 1), que o “… regime da contratação pública estabelecido na parte II do presente Código é aplicável à formação dos contratos públicos, entendendo-se por tal todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no presente Código …” (n.º 2), que a “… parte II do presente Código é igualmente aplicável, com as necessárias adaptações, aos procedimentos destinados à atribuição unilateral, pelas entidades adjudicantes referidas no artigo seguinte, de quaisquer vantagens ou benefícios, através de ato administrativo ou equiparado, em substituição da celebração de um contrato público …” (n.º 3), sendo que à “… contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência …” (n.º 4).

II. Extrai-se, por sua vez, do art. 74.º do CCP que a “… adjudicação é feita segundo um dos seguintes critérios: a) O da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante; b) O do mais baixo preço …” (n.º 1), sendo que só “… pode ser adotado o critério de adjudicação do mais baixo preço quando o caderno de encargos defina todos os restantes aspetos da execução do contrato a celebrar, submetendo apenas à concorrência o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objeto daquele …” (n.º 2).

III. E, por seu turno, do art. 75.º do mesmo diploma deriva que os “… fatores e os eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa devem abranger todos, e apenas, os aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, não podendo dizer respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, caraterísticas ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes …” (n.º 1), que apenas “… os fatores e subfatores situados ao nível mais elementar da densificação do critério de adjudicação, denominados fatores ou subfatores elementares, podem ser adotados para a avaliação das propostas …” (n.º 2) e que o “… disposto na parte final do n.º 1 não é aplicável quando se tratar de um procedimento de formação de um contrato cujo objeto não abranja prestações típicas de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de locação ou de aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços …” (n.º 3), sendo que quando “… por força do disposto no número anterior, fatores e eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação se refiram a elementos de facto relativos aos concorrentes, são-lhes aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras do presente Código respeitantes aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos …” (n.º 4).

IV. O processo de construção do mercado interno, enquanto objetivo da UE que “… compreende um espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada …”, reclama necessariamente um mercado concorrencial e a afirmação/efetivação quer do princípio da livre concorrência [cfr., entre outros, os arts. 03.º, n.º 3 do Tratado UE, 03.º, 26.º, 40.º, 49.º, 56.º, 57.º, 60.º, 61.º, 101.º e segs. do Tratado de Funcionamento da EU (TFUE) - versões consolidadas publicadas JOUE, C 326 de 26.10.2012], quer do da proporcionalidade enquanto princípio geral do direito comunitário tal como vem sendo afirmado sucessivamente pelo Tribunal de Justiça da UE (abreviada e doravante «TJ») [cfr., v.g., Ac.
TJ de 13.11.1990 (Proc. C-331/88 - «The Queen») in: «www.curia.europa.eu/»].

V. Sustentam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira que o princípio da concorrência constitui “… a verdadeira trave-mestra da contratação pública uma espécie de umbrela principle …”, sendo que “… um procedimento concorrencial regulado pelo direito administrativo, realiza-se pública ou abertamente no mercado, através dele, dirigindo-se à concorrência aí existente, para que o maior número de pessoas ou empresas se interessem pela celebração do contrato em causa …”, na certeza de que a concorrência se manifesta na exigência de que “… dentro da modalidade escolhida os procedimentos de contratação pública sejam organizados de maneira a suscitar o interesse do maior (e melhor) número de candidatos ou concorrentes, abrindo-se tendencialmente a todos os que a eles queiram aceder (ou candidatar-se), sem quaisquer condições que tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência …”, tendo como corolário ou reflexo que salvo justificação pertinente “… os requisitos de acesso ao procedimento não deverem ser definidos de tal maneira (vg., por referência ao número e valores das obras ou serviços iguais ou similares já prestados ou à proveniência dos bens a fornecer) que resultem numa limitação desproporcionada do mercado com capacidade para participar nesse procedimento …” (in: “Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública”, 2011, págs. 185 a 187; vide ainda, no mesmo sentido, Rodrigo Esteves de Oliveira em: “Os princípios gerais da contratação pública” in: «Estudos da Contratação Pública - I», págs. 67 e 71) (sublinhados nossos).

VI. Importa, todavia, ter presente que, como sustenta Cláudia Viana, a “… concorrência é em sede de contratação pública, um resultado, que se obtém através da concretização dos princípios da igualdade e das liberdades comunitárias, enquanto regras que vinculam os Estados-membros na sua relação com os particulares. Esta tem sido, …, a posição adotada pelo Tribunal de Justiça, que tem feito assentar o regime da contratação pública na igualdade e nas liberdades de circulação, e não na concorrência, enquanto conjunto de regras dirigidas fundamentalmente às empresas …” (in: “Os princípios comunitários na Contratação Pública”, pág. 172).

VII. Temos, pois, que a concorrência constitui sem dúvida alguma o elemento dinamizador da construção do mercado interno, impondo em matéria de contratação pública especiais medidas de transparência, de imparcialidade e de publicidade com a abertura dos procedimentos ao maior número de operadores económicos, sejam eles nacionais sejam de outros Estados-membros da UE.

VIII. O princípio em referência impõe, por um lado, que ninguém possa ser impedido de deduzir ou apresentar a sua candidatura em procedimento concursal pelo facto deste se mostrar disciplinado ou assente em exigências arbitrárias e, por outro lado, que cada candidatura apresentada seja avaliada de per si, ou seja, de acordo com os seus méritos e deméritos intrínsecos, sem que possam ou que sejam valoradas quaisquer situações, qualidades/caraterísticas ou outros elementos de facto relativos aos candidatos/concorrentes ou que exijam pronúncias ou emissões de declarações de vontade de entes terceiros que aqueles candidatos/concorrentes não controlem ou não possam controlar e que condicionam a possibilidade de candidatura ou interfiram com os critérios de avaliação das propostas [cfr. Ac. TCAN de 16.12.2011 - Proc. n.º 00322/11.5BEBRG in: «www.dgsi.pt/jtcn» - cujo posicionamento na definição/delimitação dos critérios adjudicação e do princípio da concorrência iremos seguir de perto].

IX. É certo que quando critério de adjudicação é o da proposta economicamente mais vantajosa as entidades adjudicantes gozam duma margem de liberdade ou de discricionariedade ampla no âmbito da fixação dos requisitos mínimos de capacidade (técnica e financeira) e dos fatores/subfatores que densificam aquele critério de adjudicação [cfr., entre outros, Acs. do «TJ» de 19.06.2003 nos seus n.ºs 62 e segs. (Proc. n.º C-315/01 «Technik GmbH (GAT)»), de 24.01.2008 no seu n.º 29 (Proc. n.º C-532/06 «Lianakis») e de 12.11.2009 no seu n.º 54 e jurisprudência ali citada (Proc. n.º C‑199/07 - «República Helénica») in: «www.curia.europa.eu/»], tal não significa minimamente que se trate dum poder arbitrário tanto para mais que naquela fixação a liberdade detida sofre, todavia, importantes limitações decorrentes dos princípios da proporcionalidade e da concorrência interpenetrados e em estreita ligação com o objeto do contrato público em causa.

X. Assim, as entidades adjudicantes não podem, por exemplo, estabelecer requisitos de acesso e/ou de avaliação de propostas em termos tais de que resulte uma limitação desproporcionada e desigualitária quanto ao mercado habilitado a participar no procedimento ou então um condicionamento, ainda que potencial, dos resultados do próprio procedimento concursal.

XI. É que a definição dos fatores de avaliação não poderá ser feita em abstrato sem qualquer ligação ao contrato que se visa vir a outorgar na sequência do procedimento de formação aberto, sendo que tal definição terá de considerar e de se ajustar ao objeto daquele contrato, na certeza de que na concretização dos requisitos terão sempre de estar presentes as exigências de proporcionalidade, de necessidade e de adequação à luz e atentos os termos do ulterior contrato, devendo ainda atentar nos deveres de prossecução do normal funcionamento do mercado e da proteção subjetiva dos potenciais concorrentes de molde a assegurar o mais amplo acesso aos procedimentos por parte dos interessados em contratar.

XII. A ponto de se os requisitos definidos envolverem ou implicarem uma ponderação desadequada, desequilibrada e com sacrifícios desnecessários à concorrência padecerem os mesmos de ilegalidade.

XIII. De igual modo e através do uso de normas contratuais não podem ser introduzidas ou pelas mesmas permitidas distorções artificiais ao mesmo acesso decorrentes de “protecionismos encapotados” a operadores locais, regionais ou mesmo nacionais a pretexto de se estar a prosseguir determinados fins legítimos mas que acabam, indireta ou mesmo diretamente, por conduzir ou se traduzir em infrações quer a preceitos específicos quer ao próprio princípio da concorrência.

XIV. É que para satisfazer o objetivo de desenvolvimento de uma concorrência efetiva em matéria de contratos públicos impõe-se que todo o procedimento de formação, a começar logo pelo «PC» e «CE», esteja organizado de molde a que na atribuição do contrato em causa a entidade adjudicante esteja em condições de comparar diferentes propostas e escolher a mais vantajosa com base em critérios objetivos.

XV. Se é certo que em termos teóricos poderão ser convocados para a definição dum modelo de avaliação das propostas num concurso fatores/subfactores que digam respeito aos atributos objetivos das propostas (preço, prazo de execução curto, qualidade técnica) e outros que respeitem aos próprios concorrentes que as apresentam e que estão ligados com a aptidão para a execução do contrato a outorgar (recursos humanos, financeiros, equipamentos, experiência), temos, todavia, que o nosso quadro normativo vigente transpondo comando do direito da UE (cfr. vg., atualmente, Diretivas 2004/17/CE e 2004/18/CE), veio, nomeadamente, no art. 75.º do CCP impor-se a distinção entre fatores/subfatores que podem ser definidos nas peças concursais para densificação dos “critérios de adjudicação” e fatores/subfactores que podem ser definidos como “critérios de seleção qualitativa”, excluindo-se daqueles fatores/subfatores que estejam ligados à apreciação da aptidão dos proponentes para executar tal contrato.

XVI. Na densificação e conformação destes critérios extrai-se, a título exemplificativo, da jurisprudência comunitária firmada no citado acórdão «Lianakis» (proferido no quadro da Diretiva 92/50 mas claramente atual face aos termos das Diretivas 2004/17 e 2004/18) “…são excluídos como «critérios de adjudicação» os critérios que não visam identificar a proposta economicamente mais vantajosa, mas que estão ligados essencialmente à apreciação da aptidão dos proponentes para executar o contrato em questão. … No processo principal, os critérios definidos, pela entidade adjudicante, como «critérios de adjudicação» referem‑se, no entanto, principalmente à experiência, às qualificações e aos meios suscetíveis de garantir uma boa execução do contrato em questão. Trata‑se de critérios que dizem respeito à aptidão dos proponentes para executar esse contrato e que, portanto, não têm a qualidade de «critérios de adjudicação», na aceção do artigo 36.º, n.º 1, da Diretiva 92/50. … Deve, por conseguinte, reconhecer‑se que os artigos 23.º, n.º 1, 32.º e 36.º, n.º 1, da Diretiva 92/50 se opõem a que, no quadro de um processo de adjudicação, a entidade adjudicante tenha em conta a experiência dos proponentes, o seu pessoal e o equipamento assim como a capacidade de executarem o contrato no prazo previsto, não a título de «critérios de seleção qualitativa», mas a título de«critérios de adjudicação»…”.

XVII. E no também citado acórdão «República Helénica» considerou-se que face a um anúncio donde constava como critério de adjudicação a “… proposta economicamente mais vantajosa, em conformidade com os critérios seguintes [...]:Tendo em conta o artigo 34.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 93/38, o contrato será adjudicado em conformidade com os seguintes critérios:1. Experiência geral e específica, em particular trabalho de conceção de projetos semelhantes, seja por gabinetes de estudos seja por projetistas e respetivo pessoal científico …” considerou e passa-se a citar que “…embora as diretivas comunitárias em matéria de contratos públicos não excluam, teoricamente, que a verificação da aptidão dos proponentes e a adjudicação do contrato possam ser simultâneas, não deixa de ser verdade que essas duas operações são distintas e que se regem por regras diferentes (…). … Com efeito, a verificação da aptidão dos proponentes é efetuada pelas entidades adjudicantes de acordo com os critérios de capacidade económica, financeira e técnica (denominados «critérios de seleção qualitativa») referidos, no presente caso, nos artigos 30.º e 31.º da Diretiva 93/38 (…). … Em contrapartida, no presente caso, a adjudicação do contrato baseia-se nos critérios enumerados no artigo 34.º, n.º 1, desta mesma diretiva, isto é, ou no preço mais baixo ou na proposta economicamente mais vantajosa (…). … Ora, embora seja verdade que, neste último caso, como demonstra a utilização da expressão «por exemplo», os critérios que podem ser seguidos pelas entidades adjudicantes não são enumerados deforma taxativa no artigo 34.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 93/38 e que essa disposição deixa, portanto, às entidades adjudicantes a escolha dos critérios de adjudicação do contrato que entenderem, não é menos certo que essa escolha só pode incidir em critérios que visem identificar a proposta economicamente mais vantajosa (…). … Portanto, são excluídos como «critérios de adjudicação» os critérios que não visem identificar a proposta economicamente mais vantajosa, mas que estejam ligados essencialmente à apreciação da aptidão dos proponentes para executar o contrato em questão (…). … No presente processo, os critérios retidos pela entidade adjudicante como «critérios de adjudicação», na secção …, ponto …, do anúncio de concurso controvertido, incidem na experiência e na capacidade real para garantir uma boa execução do contrato em questão. Trata-se de critérios que dizem respeito à aptidão dos proponentes para executar esse contrato e que, portanto, não têm a qualidade de «critérios de adjudicação», na aceção do artigo 34.º, n.º 1, da Diretiva 93/38, o que as autoridades helénicas, aliás, não contestaram seriamente. … Em face do exposto, deve concluir-se que o ponto … da secção … do anúncio de concurso controvertido não está em conformidade com o disposto no artigo 34.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 93/38…”.

XVIII. Este TCA, pronunciando-se no quadro do regime decorrente do art. 75.º do CCP, entendeu no seu recente acórdão de 12.10.2012 (Proc. n.º00371/11.3BEBRG in: «www.dgsi.pt/jtcn») que sendo o critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa ocorria violação do citado preceito “… a inclusão, nesse critério, de um fator relativo ao «currículo dos concorrentes», com ponderação de 30%, pontuável em função do número de anos de «experiência na gestão de sistemas de transportes públicos rodoviários urbanos de passageiros» …”, extraindo-se da linha argumentativa fundamentadora que aquela norma “…é extremamente clara, dir-se-ia duplamente clara, pela positiva e pela negativa, conjugando harmoniosamente comando e proibição em termos que mutuamente se convalidam, de modo a não permanecerem dúvidas sobre o sentido profundo do preceito. … A exigência, ou dimensão positiva, é que os fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa «devem abranger todos, e apenas, os aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos». … E a proibição, ou dimensão negativa, em suma a outra face da mesma moeda, que tais fatores e subfatores não podem «dizer respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, caraterísticas ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes». … O sentido profundo do preceito ao qual se aludiu pode resumir-se nesta frase constante do acórdão do Tribunal de Contas de 12.JUL.2011 - 1ª S/PL, Rec. Ord. n.º 27/2011 Proc. n.º 1833/2010: Não está em causa a escolha entre concorrentes, mas, apenas, a escolha entre propostas. … Lê-se ainda no citado acórdão do T. Contas o seguinte: «A norma acabada de transcrever não tem correspondência com qualquer dispositivo constante do regime jurídico aprovado pelo DL n.º 59/99 …, sendo que resulta da transposição da Diretiva n.º 2004/18/CE (…). … Ora, face ao que estabelece o n.º1, do referido artigo 75.º, do CCP, os fatores - e eventuais subfatores - que densificam o critério de adjudicação da proposta, devem dizer respeito, apenas, aos aspetos da execução dos contratos a celebrar, submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos. … Assim, contendo o critério de adjudicação, no caso vertente, um fator - a experiência em serviços similares - que tem a ver com capacidades ou qualificações relativas aos concorrentes, isso pode proporcionar uma distorção/perturbação na escolha da proposta adjudicatária que pode colocar em causa o modo de seleção da proposta economicamente mais proveitosa. … É que não está em causa a escolha entre concorrentes, mas, apenas, a escolha entre propostas». … Resta indagar se é sustentável o entendimento … no sentido de que o fator denominado «Currículo do concorrente» pode qualificar-se como aspeto do contrato a celebrar, submetido à concorrência pelo caderno de encargos, não sendo, portanto, uma situação, qualidade, caraterística ou outro elemento de facto relativo ao concorrente. … Entende-se que tal tese não é sustentável. … Basta imaginar a hipótese estatisticamente improvável, mas logicamente possível, de todos os concorrentes apresentarem propostas iguais. Nessa situação, a maior ou menor duração da experiência de cada concorrente na atividade submetida a concurso surgiria como um facto decisivo, diferenciador, próprio a cada um deles. Em suma, o currículo é um facto relativo ao concorrente e não à proposta, pelo que a sua admissão no caso representaria a subversão da regra consagrada no artigo 75.º/1 CCP. …”.

XIX. Referem, aliás, M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira que “… a avaliação das propostas é um conceito que apela a elementos objetivos, virados para o conteúdo da proposta e não para a (maior ou menor) capacidade dos concorrentes. … O motivo para esta separação (entre habilitação e adjudicação) é de natureza concorrencial: as propostas devem distinguir-se pelo que nelas se contém, pela sua maior ou menor valia, não pela maior ou menor capacidade dos seus autores, dos respetivos proponentes, protegendo-se assim os operadores económicos de menor dimensão ou de menor capacidade técnica ou financeira, cujas propostas, mesmo que objetivamente melhores, poderiam, se não fosse a proibição do art. 75.º/1, ser preteridas a favor de outras que, mesmo com menores atributos objetivos, fossem apresentadas por empresas de grande capacidade técnica e (ou) financeira …” e daí “… a ilegitimidade de os fatores e os eventuais subfactores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa se reportarem, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, caraterísticas ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes …” pelo que deve “... entender-se pois que está proibida nos contratos nominados do respetivo n.º 3, pelo art. 75.º/1 do CCP - e pelo direito comunitário -, a utilização de fatores que tenham por objeto considerações relativas à experiência, às habilitações académicas, aos meios e equipamentos suscetíveis de garantir uma boa execução do contrato, etc., por serem fatores relativos à (maior ou menor) aptidão dos proponentes para executar o contrato …” porquanto ao “… fim e ao cabo, do que se trata é de um comando no sentido de as entidades adjudicantes olharem para as propostas sem atender à pessoa de quem as ofereceu e de quando, por qualquer motivo, determinado contrato - a sua complexidade, a sua tecnicidade, a sua dimensão - convir que … seja executado por operadores económicos que deem garantias acrescentadas quanto ao cumprimento pontual e de valor acrescentado ao contrato, se dever então optar por um procedimento em que exista uma fase de qualificação…”, na certeza de que no seu juízo “… a tendência das instâncias comunitárias será a de considerar inelegíveis, para efeitos da adjudicação daqueles contratos, quaisquer elementos que constem, por exemplo, dos arts. 47.º e 48.º (também dos arts. 49.º e 50.º) da Diretiva 2004/18 para avaliar a capacidade técnica e financeira dos operadores …” dando como exemplo o constante das als. b), e) e h) do n.º 2 do art. 48.º daquela Diretiva [ou seja, «indicação dos técnicos ou dos serviços técnicos envolvidos, integrados ou não na empresa do operador económico, e especialmente dos responsáveis pelo controlo da qualidade e, sempre que se trate de contratos de empreitada de obras públicas, dos técnicos de que o empreiteiro poderá dispor para executar o trabalho»; «certificados de habilitações literárias e profissionais do prestador de serviços ou do empreiteiro e/ou dos quadros da empresa, e especialmente do ou dos responsáveis pela prestação dos serviços ou pela direção das obras»; «declaração das ferramentas, material, instalações ou equipamento industrial e técnico de que o prestador de serviços ou o empreiteiro disporá para a realização dos serviços»] (in: ob. cit., págs. 966 e 967)

XX. Aqui chegados e cientes dos considerandos acabados de expender temos como desacertado o juízo que foi feito nesta sede pela decisão judicial recorrida já que a definição do critério de adjudicação da “proposta economicamente mais vantajosa” à luz dos fatores/subfactores insertos no art. 12.º do «PC» relativos aos “serviços similares” e da “experiência profissional dos motoristas” configura, no nosso, entendimento uma violação do art. 75.º, n.º 1 do CCP.

XXI. A enunciação daqueles fatores/subfatores traduz-se ou redunda inequivocamente num apelo às qualidades, às caraterísticas relativos aos concorrentes, quando em matéria de avaliação das propostas está vedada o apelo ou a utilização de fatores que tenham por objeto considerações relativas à experiência da empresa e de seus profissionais, às habilitações, aos meios e equipamentos a utilizar, já que os mesmos se prendem com a avaliação em termos de o concorrente garantir uma boa execução do contrato, constituindo fatores relativos à maior ou menor aptidão dos proponentes para o executar.

XXII. Registe-se que a jurisprudência firmada no acórdão deste TCA de 09.09.2011 (Proc. n.º 01798/10.3BEBRG - inédito), que respeita a concurso público similar ao ora em presença mas referente ao ano de 2010 e a que se faz referência na decisão judicial recorrida, não contende com o supra julgado porquanto na pronúncia que ali se mostra vertida não foi objeto de análise e decisão o fundamento de ilegalidade que aqui se mostra em discussão por para tal não ter sido o tribunal convocado.

XXIII. Assiste, assim, razão à recorrente na crítica que dirige neste segmento à decisão judicial recorrida não podendo a mesma nesse âmbito manter-se.

XXIV. Argumenta, por outro lado, a recorrente que o art. 08.º, n.º 2, als. e) e f) do «PC», ao exigir a junção por parte dos candidatos de certificado de qualidade de acordo com a Norma ISSO 9001:2008 ou equivalente e do certificado ambiental de acordo com a Norma 14001 ou equivalente [obrigação essa reiterada nas cláusulas 04.ª e 05.ª do Caderno de Encargos - «CE»], seria ilegal por ofensivo do princípio da concorrência.

XXV. Valendo aqui o que supra se foi tecendo em torno da delimitação dos contornos do referido princípio importa neste quadro ter ainda presente o entendimento jurisprudencial firmado pelo «TJ» em vários de seus arestos no sentido de que no estabelecimento dos requisitos de admissão ao concurso ou de adjudicação podem ser prosseguidos outros fins do Estado, como os da promoção da igualdade social ou outros (v.g., emprego, ambiente), configurando o concurso como instrumento de política social ou económica [cfr., entre outros, os Acs. TJ de 20.09.1988 nos seus n.ºs 29 e 36(Proc. C-31/87 - «Beentjes»), de 26.09.2000 nos seus n.ºs 50 e 51 (Proc. n.º C-225/98 - «Comissão/República Francesa») in: «www.curia.europa.eu/»].

XXVI. Contudo tal possibilidade exige, por um lado, não só que se tal condição respeite todos os princípios fundamentais do direito da União e designadamente o princípio da não discriminação tal como resulta das disposições dos Tratados em matéria de direito de estabelecimento e de livre prestação de serviços, devendo constar expressamente do anúncio do concurso por forma que os candidatos/concorrentes estejam em condições de ter conhecimento da existência de tal condição/requisito. E, por outro, que não se estejam a desvirtuar ou tornear regras e procedimentos, bem como que a motivação ou fundamento de interesse público se mostre como constitucionalmente relevante e previamente fundamentado, constituindo aquele o meio ou forma mais adequada e proporcional de prosseguir aquele objetivo [cfr. citado Ac.
TCAN de 16.12.2011 - Proc. n.º 00322/11.5BEBRG in: «www.dgsi.pt/jtcn»].

XXVII. Passando à análise do invocado erro de julgamento importa atentar, ainda, que nos termos do n.º 1 do art. 57.º do CCP a “… proposta é constituída pelos seguintes documentos: a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao presente Código, do qual faz parte integrante; b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar; c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento que contenham os termos ou condições, relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule …”.
XXVIII. Temos, por outro lado, que no quadro das regras definidas para o concurso em presença ressalta que o fator relativo à “valia técnica do serviço” tinha como subfatores os da “categoria veículos” e da “antiguidade dos veículos”, sendo os mesmos aferidos, respetivamente, “… em função da classe dos veículos, classes II ou III, afetos ao serviço, cuja comprovação (classe) deverá ser feita pelo concorrente através de fotocópias dos livretes ou dos documentos únicos de matrícula, ou ainda da licença do veículo para o transporte público de passageiros em autocarro, emitida pelo IMTT, donde conste a matrícula, a classe do veículo, a validade da licença e a identidade do transportador, com a seguinte pontuação: - veículos da classe II = 50 pontos; - veículos da classe III = 100 pontos …” e “… em função da categoria dos veículos …, M3 ou M2, classes II ou III, afetos ao serviço, cuja comprovação (antiguidade) deverá ser feita pelo concorrente através de fotocópias dos livretes ou dos documentos únicos de matrícula, ou ainda da licença do veículo para o transporte público de passageiros em autocarro, emitido pelo IMTT, onde conste a matrícula, a classe do veículo, a validade da licença e a identidade do transportador, com a seguinte pontuação: - veículos com mais de 8 anos = 10 pontos; - veículos com mais de 5 e menos de 8 anos =30 pontos; - veículos com mais de 3 e menos de 5 anos = 50 pontos; - veículos com menos de 3 anos = 100 pontos …” [cfr. fls. 685 a 735 do «PA» apenso].

XXIX. A norma ISO 9001 constitui uma referência internacional para a Certificação de Sistemas de Gestão da Qualidade, reconhecendo-se através daquele certificado o esforço da organização (pública/privada) em assegurar a conformidade dos seus produtos e/ou serviços, a satisfação dos seus clientes e a melhoria contínua. Com tal sistema pretende-se, entre outros aspetos, a satisfação das expetativas dos clientes, assegurando não só a sua fidelização mas também a competitividade e o desenvolvimento sustentável; o assegurar, de um modo inequívoco e transparente, às diversas partes interessadas, um Sistema de Gestão da Qualidade adequado e que potencie a dinâmica da melhoria contínua; o proporcionar à organização maior notoriedade e melhoria da imagem perante o mercado; o evidenciar a adoção das mais atuais ferramentas de gestão; o acesso a mercados e clientes cada vez mais exigentes; uma confiança acrescida nos processos de conceção, planeamento, produção do produto e/ou fornecimento do serviço [cfr. guia norma ISO 9001:2008 consultável in: «http://www.apcer.pt/media/guias/»].

XXXI. Por sua vez, mercê do papel inquestionável e crescente que a integração das questões ambientais passou e vem desempenhando nos sistemas de gestão das organizações, a certificação de sistemas de gestão ambiental, suportada na norma de referência NP EN ISO 14001:2004,“… constitui uma ferramenta essencial para as organizações que pretendem alcançar uma confiança acrescida por parte dos clientes, colaboradores, comunidade envolvente e sociedade, através da demonstração do compromisso voluntário com a melhoria contínua do seu desempenho ambiental …”, visando-se com a implementação e posterior certificação o potenciar a “… redução de custos: melhoria da eficiência dos processos e, consequentemente, redução de consumos (matérias-primas, água, energia); minimização do tratamento de resíduos e efluentes; diminuição dos prémios de seguros e minimização de multas e coimas; Redução de riscos, tais como emissões, derrames e acidentes; Vantagens Competitivas: melhoria da imagem da empresa e a sua aceitação pela sociedade e pelo mercado; minimização dos riscos dos investidores; Evidência, de uma forma credível, da qualidade dos processos tecnológicos da organização, de um ponto de vista de proteção ambiental e de prevenção da poluição; Uma nova dinâmica de melhoria, nomeadamente através da avaliação independente efetuada por auditores externos...” [cfr. para mais desenvolvimentos o guia norma NP EN ISO 14001:2004 consultável in: «http://www.apcer.pt/media/guias/»].

XXXII. Ora vistos os termos do «PC» e «CE» e daquilo que são os termos/condições relativos a aspetos da execução do contrato que estejam ou que não estejam submetidos à concorrência não se descortina qualquer justificação/motivação para a imposição da obrigação de junção com a proposta dos certificados em causa presentes os objetivos e fins por estes prosseguidos.

XXXIII. Na verdade, no quadro de aspetos não submetidos à concorrência não se surpreende dos termos pré e contratualmente definidos quaisquer imposições ou objetivos especiais ou específicos a prosseguir com o procedimento e execução do contrato, mormente, motivações ou preocupações ambientais ou mesmo em termos de padrões de qualidade organizacional e de boas práticas que justifiquem a obrigação de junção de tal tipo de certificação.

XXXIV. Por outro lado e em matéria de aspetos/condições submetidos à concorrência temos que a junção de tais certificados também de nada serve para efeitos de aferição do critério de adjudicação definido à luz dos fatores que o integram, em especial, o da “valia técnica do serviço” face aos termos dos subfactores definidos [dos quais estão igualmente ausentes quaisquer preocupações ou fins a prosseguir em matéria de padrões organizacionais e ambientais a deter/cumprir pelos candidatos/concorrentes, vg., o privilegiar do uso/afetação ao serviço de veículos não poluentes ou com baixos índices de emissões] e seu modo de comprovação [cfr. ponto XXVIII)].

XXXV. Face ao que vimos constatando e referindo não se encontra na exigência da junção daquele tipo de certificação ou equivalente qualquer razão legítima e/ou que legitime tal imposição para mais com a sanção da automática exclusão do concurso, afastando, dessa forma, não apenas os candidatos/concorrentes mas também potenciais candidatos/concorrentes que, não detendo tal certificação ou equivalente, resolvam desde logo afastar-se ou alhear-se do concurso por não satisfação dos requisitos pelo mesmo impostos.

XXXVI. Frise-se, por outro lado, que quer o exercício da atividade de transporte rodoviário de passageiros e do operar das empresas [cfr., entre outros, DL n.º 3/01, de 10.01 na redação introduzida pelo DL n.º 90/02, de 11.04; Regulamento (CE) n.º 1071/09; Deliberação IMTT n.º 1065/2012, publicada DR II Série, n.º 149, de 02.08; Deliberação IMTT n.º 585/2012 relativa aos alvarás, licenças, autorizações e os certificados emitidos às empresas e demais operadores das atividades transportadoras e das atividades auxiliares e complementares dos transportes publicado DR II Série, n.º 80, de 20.04; Decreto n.º 37272, de 31.12.1948 - Regulamento de Transportes em Automóvel (RTA), sucessivamente alterado, que estabelece as condições de acesso e organização do mercado de transportes públicos coletivos de passageiros], quer as exigências de fabricação, de circulação e de inspeção das viaturas detidas ou pertencentes àquelas mesmas empresas e afetas à sua atividade [cfr., vg., Regulamento (CE) n.º 595/09 na redação dada pelo Regulamento (UE) n.º 582/2011 - referente às emissões dos veículos pesados (Euro VI); DL n.º 144/012, de 11.07 - regula as inspeções técnicas periódicas, as inspeções para atribuição de matrícula e as inspeções extraordinárias de veículos a motor e seus reboques; DL n.º 140/010, de 29.12 - regime jurídico relativo à promoção de veículos de transporte rodoviário não poluentes e energeticamente eficientes e transpondo a Diretiva n.º 2009/33/CE; DL n.º 346/07, de 17.10 na redação introduzida pelo DL n.º 196/09, de 24.08 -que contém o Regulamento relativo às medidas a tomar contra a emissão de gases e partículas poluentes provenientes dos motores de ignição por compressão e contra a emissão de gases poluentes provenientes dos motores de ignição comandada alimentados a gás natural ou a gás de petróleo liquefeito utilizados em veículos; DL n.º 06/06, de 21.03 na redação introduzida pelo DL n.º 206/08, de 23.10 - relativo à promoção da utilização de biocombustíveis ou doutros combustíveis renováveis nos transportes] não impõe, nem exigem, a titularidade duma certificação como a que está em causa, na certeza de que a prossecução de objetivos e cumprimento de metas em termos ambientais que se mostram essenciais no e para o contexto da existência no nosso planeta realiza-se ou pode concretizar-se com recurso a outros mecanismos, meios e entes/organismos envolvidos que estão muito para além da exigência de títulos de certificação.

XXXVII. Nessa medida, no contexto e objetivos prosseguidos neste procedimento concursal não se vislumbra como legítima a exigência/imposição da junção da certificação em crise ou equivalente nos termos das regras insertas no «PC» e «CE», na medida em que não colhendo justificação e razão cabal para os seus termos e fins tal exigência envolve efetiva ou encerra no mínimo potencialmente riscos para a concorrência em termos do poder afastar operadores no mercado de transportes que, cumprindo todas as regras impostas para o exercício da atividade, para a manutenção em circulação dos seus veículos e para o respeito do ambiente, não sejam, todavia, detentores de qualquer certificação como a exigida ou outra que se lhe equivalha.

XXXVIII. Este TCA no seu acórdão de 07.10.2011 (Proc. n.º00225/11.3BECBR in: «www.dgsi.pt/jtcn»), em caso com contornos factuais em parte diversos daqueles que se mostram fixados nos presentes autos, considerou que envolvia violação do princípio da concorrência a exigência de determina certificação, argumentando-se, então e na concreta situação, que está “… provado que …, ora Recorrida, é a única empresa em Portugal a possuir o certificado ISO 27001 e a acreditação no ACEPI.… Sendo assim, sempre que estivesse em causa no procedimento a prestação de serviços de idêntica natureza à que aqui está em causa, o resultado já estaria pré-determinado, passando a saber-se antecipadamente a quem iria ser adjudicado o serviço, sempre a mesma pessoa coletiva, a empresa ora recorrida. … O que claramente constitui uma violação do princípio da concorrência. … E mostra-se irrelevante, para esta conclusão, que a Entidade Adjudicante tivesse ou não conhecimento deste facto. … Em qualquer caso, o conhecimento por parte da entidade adjudicante de um facto que elimina a concorrência releva para efeitos de violação do princípio da isenção, da justiça e da imparcialidade. … Não releva para se concluir se foi ou não violado o princípio da concorrência. A existência ou não de (possibilidade de) concorrência é uma realidade objetiva que, como tal, se aprecia objetivamente. … No caso, a exigência de possuir o certificado ISO 27001 e a acreditação no ACEPI elimina, objetivamente, toda e qualquer concorrência porque só a Recorrida os possui em Portugal. Assim, logo por violação do princípio da concorrência, consignado no n.º 4 do artigo 1.º do Código dos Contratos Públicos se deveria ter por ilegal a exigência, feita no Convite, quer da acreditação do ACEP quer da certificação pela norma ISO 27001. … E não se diga, para impedir esta conclusão, que a Entidade Adjudicante poderia reclamar para a sua plataforma eletrónica um padrão ou bitola de segurança superiores, como se faz na sentença recorrida. … É que, por um lado, a referidas exigências, e em concreto a exigência ISO 27001 - a que verdadeiramente aqui está em causa - não se referem ou pelo menos não se referem diretamente e exclusivo, …, ao modo de prestação do serviço em apreço, ou seja, à execução do contrato. … E, por outro lado, ainda que esta exigência se referisse à execução do contrato, a prevalência do princípio da concorrência sempre deveria preterir qualquer eventual vantagem que adviesse da sua introdução no Convite. … A aparente vantagem de uma melhor prestação de serviço acabaria por desaparecer com a eliminação da concorrência …”.

XXXIX. Não sendo situação que se possa transpor automaticamente para o julgamento do caso vertente temos para nós, todavia, que a solução a dar ao caso “sub judice” não poderá ser diversa face à argumentação atrás já expendida.

XL. A imposição da junção com a proposta daquela certificação ou equivalente, sem que da mesma se extrai qualquer vantagem, utilidade ou interesse para o concurso e para a contratualização e execução subsequente, acaba formal e materialmente por se traduzir efetiva ou potencialmente num mero entrave ao acesso ao procedimento por parte dos candidatos/concorrentes, preterindo, desta feita, a concorrência entre os operadores no mercado.

XLI. Em suma, o ato administrativo impugnado no segmento que procedeu à adjudicação do serviço em questão enferma de ilegalidade dado os arts. 08.º, n.º 2, als. e) e f) e 12.º do «PC» violarem o disposto nos arts. 01.º, n.º 4, 75.º do CCP e o princípio da concorrência, termos em que a decisão judicial recorrido que assim não concluiu não poderá manter-se neste âmbito.
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3.2.3.1.2.DA VIOLAÇÃO DOS ARTS.57.º, 70.ºe 146.º do CCP

XLII. Alega a A., como segundo fundamento motivacional da sua discordância quanto ao julgado sob apreciação, que o ato impugnado na medida em que não procedeu à exclusão do concurso da contrainteressada [por falta de apresentação de qualquer proposta de preço uma vez que carregou um documento a que atribuiu a designação de «proposta» mas que corresponde à declaração a que se refere a al. a) do n.º 1 do art. 57.º do CCP] e à mesma adjudicou o fornecimento do serviço infringiu o quadro normativo em epígrafe.
Vejamos.

XLIII. Para além do quadro normativo atrás já convocado extrai-se ainda do quadro legal necessário à apreciação do julgado que são “… excluídas as propostas cuja análise revele: a) Que não apresentam algum dos atributos, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 57.º …” [art. 70.º, n.º 2 do CCP], sendo que no “… relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas: … d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57.º …” [art. 146.º, n.º 2 do CCP].

XLIV. Mais deriva do art. 56.º do CCP que a “… proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo …” (n.º 1) e que para “… efeitos do presente Código, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou caraterística da mesma que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos …” (n.º 2).

XLV. Vista a definição de “proposta” decorrente do n.º 1 do art. 56.º do CCP e tal como sustentam M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira “… não se trata de uma declaração unitária, mas de um complexo de declarações heterogéneas respondendo às diversas solicitações ou exigências postas pela lei ou pela entidade adjudicante quanto aos aspetos e questões considerados procedimentalmente relevantes para aferir das vantagens que cada proposta lhe trará …”, pelo que a mesma corresponde a “… um processo documental em que, além da manifestação da pretensão («modelada») de celebrar o contrato objeto do procedimento e da aceitação do conteúdo do caderno de encargos, o concorrente há-de incluir, basicamente, os documentos - qualquer que seja a forma … - nos quais exprime os atributos e caraterísticas das prestações que se propõe realizar e(ou) receber …” (in: ob. cit., pág. 570).

XLVI. Temos, por outro lado, que face ao que decorre da al. a) do n.º 2 do art. 70.º do CCP serão compreensivelmente excluídas as propostas que “não apresentem algum dos atributos” exigidos já que, mercê de tal falta, as mesmas são insuscetíveis de serem alvo duma avaliação completa à luz do modelo de avaliação definido pelo «PC», pelo que se se pede o preço ou o prazo de execução de determinada prestação a sua falta conduz à exclusão da proposta.

XLVII. Na situação vertente e face ao que resulta apurado [cfr. n.º VIII)] temos que a proposta apresentada na plataforma eletrónica pela aqui contrainteressada, que recebeu do sistema resposta de confirmação da correta apresentação da proposta, não continha o anexo relativo à proposta de preço visto no seu lugar figurar na plataforma um documento com a designação de “proposta” mas que correspondia à declaração a que se refere a al. a) do n.º 1 do art. 57.º do CCP, na certeza de que do impresso/formulário principal de apresentação da proposta preenchido e validado pela concorrente figura a indicação do preço proposto [ponto 4. Valor da proposta: 798.785,00 € - cfr. fls. 263 do «PA»].

XLVIII. Este quadro factual permite inferir ou extrair que terá havido lapso ou erro na operação de anexação/inclusão dos ficheiros/documentos aquando da apresentação da proposta por parte da concorrente na plataforma eletrónica, incluindo-se ao que parece o mesmo documento duplamente.

XLIX. Perante este quadro factual relativo ao iter procedimental havido a falta de inclusão do anexo/documento no contexto apurado deveria ter conduzido à exclusão da proposta como sustenta a recorrente?

L. Não sendo a resposta fácil e isenta de dúvidas temos, todavia, que a mesma terá de ser negativa no nosso juízo.

LI. No caso, face aos contornos descritos e constituindo a proposta todo um complexo de declarações heterogéneas através das quais o concorrente responde às diversas solicitações/exigências postas pela lei ou pela entidade adjudicante quanto aos aspetos e questões considerados procedimentalmente relevantes, cremos que, pese embora a omissão da formalidade por não junção/inclusão do documento ou anexo em questão, ainda assim não poderemos considerar como totalmente irrelevante o que no impresso/formulário principal de apresentação da proposta consta ou figura, mormente, quanto à indicação ali aposta do preço proposto, ato esse subscrito e validado pela assinatura da concorrente e que a obriga/vincula.

LII. Julgamos que na situação vertente não poderemos deixar de entender e admitir o formulário principal, pelo seu conteúdo e teor, como integrando documento procedimental o qual, por cumprir os requisitos da apreensibilidade e da firmeza/irrevogabilidade quanto ao atributo da proposta daquela concorrente que se mostra submetido à concorrência (o preço),se mostra dotado de eficácia e validade de molde a suprir a irregularidade/omissão de formalidade.

LIII. Com efeito, tem-se como possível afirmar a existência de uma regra de prevalência da substância sobre a forma assegurado que se mostre no caso a observância do princípio da igualdade, na certeza de que importa ter presente que a forma (ou a formalidade) desempenha uma função estritamente associada à revelação de um conteúdo material ou de um atributo da proposta.

LIV. A prevalência da substância sobre a forma implicará a aceitação duma proposta se dos termos e contexto em que a mesma se apresenta for possível retirar, expressa e inequivocamente, o atributo da mesma que haja sido submetido à concorrência e este se mostre conforme com o «PC» e «CE».

LV. Assim, sendo claramente apreensível para o júri do concurso o atributo em questão da proposta da concorrente, por não se mostrar necessário da parte daquele qualquer operação ou esforço integrativo quanto à captação do preço proposto, entende-se que a preterição da formalidade no concreto circunstancialismo apurado em que, frise-se, o próprio sistema emitiu recibo onde constam todos os elementos da proposta, incluindo o do preço, deverá ter-se como não essencial e, nessa medida, não enfermará de ilegalidade por preterição do quadro normativo invocado o ato concursal impugnado no segmento em que admitiu ao concurso a proposta da aqui contrainteressada, assim, soçobrando este fundamento de recurso.
*
3.2.3.2.DO RECURSO JURISDICIONAL DO R.

LVI. Invoca o R., aqui também ora recorrente, enquanto fundamentos de recurso que a decisão judicial sob apreciação, por um lado, terá efetuado errado julgamento de facto ao fixar a matéria nos termos em que se mostra assente sob o seu ponto n.º III), já que ali terá fixado não realidade factual mas antes mera conclusão jurídica, na certeza de que na situação em questão os anúncios terão sido remetidos em simultâneo para publicação no «JOUE e no «DR», só tendo assumido no «DR» como data de envio uma data diversa por motivo do preenchimento automático desse campo pela plataforma eletrónica e que é da inteira responsabilidade da «INCM». E, por outro lado, que aquela decisão enferma de erro de julgamento de direito dada a infração ao que se mostra disposto nos arts. 136.º do CCP, 45.º, n.ºs 2, 4, 5 e 6 da Diretiva n.º 2004/17/CE e 38.º, n.ºs 2, 4, 5 e 6 da Diretiva n.º 2004/18/CE.
Vejamos.

LVII. Refira-se, desde logo, que não se vislumbra que a realidade descrita sob o n.º III) dos factos apurados se traduza numa mera conclusão jurídica já que a mesma não envolve ou encerra um qualquer produto ou resultado final decorrente duma atividade de enquadramento, de subsunção ou interpretação de quadro normativo.

LVIII. O ali vertido é, ao invés, produto da análise ou do juízo efetuado pelo decisor quanto à reconstituição da realidade factual ocorrida em termos do processo histórico havido no procedimento concursal, juízo esse que se estribou ou fundou nos elementos probatórios produzidos nos autos pelas partes.

LIX. Nessa medida, soçobra a argumentação do recorrente expendida neste âmbito ao pretender ver naquele n.º III) dos factos apurados uma conclusão jurídica.

LX. Cientes ainda do que veio a ser decidido no despacho de fls. 443/446 dos autos, sem qualquer impugnação, importaria então reconduzir o julgamento deste fundamento recursivo aquilo que eram os elementos que constavam dos autos e respetivos apensos à luz dos quais o julgador formou a sua convicção, bem como ao posicionamento que as partes tomaram quanto àquela mesma realidade factual.

LXI. Ora, como primeira nota, cumpre referir que a matéria em questão [data em que se procedeu ao envio para a INCM e o SPOUE para publicação, respetivamente, no DR e no JOUE] se mostra e deveria considerar como controvertida mercê da contradição entre o que o R./recorrente alegou no seu art. 20.º da contestação [donde se extrai que pese embora datas de publicação diversas naqueles boletins oficiais o anúncio teria como “… data de envio a 15 de junho de 2011 …”]e o que se mostra alegado pela A. nos seus arts. 11.º a 13.º do articulado de resposta inserto a fls. 79 e segs. [de que decorre datas diversas de envio, uma a 15.07.2011 e outra a 18.07.2011].

LXII. Tal constatação remeter-nos-ia, num primeiro juízo, para a necessidade de anulação naquele segmento do julgamento de facto realizado, de molde a que após elaboração da competente base instrutória fosse permitido às partes produzir prova da alegação formulada.

LXIII. Ocorre, contudo, que face àquilo que consideramos ser a acertada interpretação do quadro normativo em confronto tal procedimento e consequentes atos se mostrarão inúteis.

LXIV. Motivando este nosso juízo e afastando, desde logo, por manifestamente inaplicável ao caso vertente o art. 45.º da Diretiva n.º 2004/17/CE [por respeitante à coordenação procedimentos de adjudicação de contratos nos setores água, energia, transportes e serviços postais o que não é a situação],extrai-se do art. 130.º do CCP que o “… concurso público é publicitado no Diário da República através de anúncio conforme modelo aprovado por portaria dos ministros responsáveis pela edição do Diário da República e pelas áreas das finanças e das obras públicas …” (n.º 1), que o referido anúncio ou seu resumo quanto aos seus elementos mais importantes “… pode ser posteriormente divulgado por qualquer outro meio considerado conveniente, nomeadamente através da sua publicação em plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante …” (n.º 2)

LXV. Decorre ainda do art. 131.º do mesmo Código que quando “… a entidade adjudicante pretenda publicitar o concurso público no Jornal Oficial da União Europeia deve fazê-lo através de um anúncio conforme modelo constante do anexo II do Regulamento (CE) n.º 1564/2005 …” (n.º 1), que os anúncios “… devem ser enviados ao Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias através de meios eletrónicos, conforme formato e modalidades de transmissão indicados no portal da Internet http://simap.eu.int, ou através de qualquer outro meio, caso em que o respetivo conteúdo deve limitar-se a cerca de 650 palavras …” (n.º 4), devendo “… ser junto ao processo de concurso documento comprovativo da data do envio do anúncio para publicação no Jornal Oficial da União Europeia …” (n.º 5), na certeza, por um lado, que a “… publicação do anúncio no Jornal Oficial da União Europeia não dispensa a publicação do anúncio referido no n.º 1 do artigo anterior …” (n.º 6) e, por outro lado, de que o “… envio para publicação dos anúncios referidos no número anterior deve ocorrer em simultâneo …” (n.º 7).

LXVI. Prevê-se, por seu turno, no seu art. 136.º que quando “… o anúncio do concurso público seja publicado no Jornal Oficial da União Europeia, não pode ser fixado um prazo para a apresentação das propostas inferior a 47 dias a contar da data do envio desse anúncio ao Serviço de Publicações Oficiais das Comunidades Europeias …” (n.º 1), podendo aquele prazo mínimo para a apresentação das propostas ser reduzido “… em até sete dias quando o anúncio referido no n.º 1 for preparado e enviado por meios eletrónicos conforme formato e modalidades de transmissão indicados no portal da Internethttp://simap.eu.int …” (n.º 3).

LXVII. Por último, preceitua-se no art. 38.º da Diretiva n.º 2004/18/CE que ao “… fixarem os prazos de receção das propostas e dos pedidos de participação, as entidades adjudicantes terão em conta, em especial, a complexidade do contrato e o tempo necessário à elaboração das propostas, sem prejuízo dos prazos mínimos fixados no presente artigo …” (n.º 1), que nos “… concursos públicos, o prazo mínimo para receção das propostas é de 52 dias a contar da data de envio do anúncio de concurso …” (n.º 2) e que caso “… as entidades adjudicantes tenham publicado um anúncio de pré-informação, o prazo mínimo para a receção das propostas, nos termos do n.º 2 e da al. b) do n.º 3,pode, regra geral, ser reduzido para 36 dias, mas nunca poderá ser reduzido para menos de 22 dias.Este prazo começa a correr na data de envio do anúncio de concurso, no caso dos concursos públicos (…). O prazo reduzido referido no primeiro parágrafo é permitido desde que o anúncio de pré-informação tenha incluído todas as informações exigidas para o anúncio de concurso no anexo VII A, na medida em que essas informações estejam disponíveis à data de publicação do anúncio e o anúncio de pré-informação tenha sido enviado para publicação entre um mínimo de 52 dias e um máximo de 12 meses antes da data de envio do anúncio de concurso …” (n.º 4), sendo que se os “… anúncios forem preparados e enviados por meios eletrónicos, em conformidade com o formato e as modalidades de transmissão indicados no ponto 3 do anexo VIII, os prazos de receção das propostas indicados nos n.º 2 e 4, nos concursos públicos, …, poderão ser reduzidos em sete dias …” (n.º 5) e é “… possível uma redução de cinco dias nos prazos de receção das propostas, fixados no n.º 2 …, se a entidade adjudicante oferecer acesso livre, direto e completo, por meios eletrónicos, ao caderno de encargos e a todos os documentos complementares a partir da data de publicação do anúncio em conformidade com o anexo VIII, indicando no anúncio o endereço na Internet em que a documentação está disponível. Esta redução é cumulável com a prevista no n.º 5 …” (n.º 6).

LXVIII. Munidos do quadro legal que importa relevar na análise da questão cumpre ter presente que de harmonia com o mesmo o prazo de apresentação das propostas no quadro de concurso público conta-se desde a data do envio do anúncio para a INCM e o SPOUE, envio esse que deve ocorrer em simultâneo (art. 131.º, n.º 7 do CCP), não relevando, assim, a data da publicação nos jornais oficiais.

LXIX. No caso vertente não podendo, é certo, ter-se como assente a data em que ocorreu o envio à INCM e ao SPOUE, mormente, se o mesmo ocorreu ou não em simultâneo e como tal se foi ou não observado o disposto no art. 131.º, n.º 7 do CCP, temos que, no entanto, não poderemos deixar de considerar ilegal o ato administrativo impugnado no segmento em que procedeu à exclusão da A. do âmbito do procedimento do concurso por alegada apresentação extemporânea da sua proposta.

LXX. Com efeito, ainda que o R. haja procedido ao envio de ambos os anúncios na mesma data, cumprindo dessa forma o disposto no art. 131.º, n.º 7 do CCP, temos que a desconformidade existente e que se mostra comprovada nos autos quanto àquilo que se tem como sendo as datas de envio para publicação à INCM e ao SPOUE, pela confusão e problemas que gera ou pode gerar, não poderá funcionar como base aceitável para decisão que leve à exclusão de proposta de concorrente se e quando esta haja sido apresentada dentro do último prazo que tenha decorrido por referência à data mais recente indicada como sendo de envio do anúncio para publicação.

LXXI. Aliás, como sustentam M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira perante uma situação em que os anúncios não hajam sido enviados em simultâneo “… o prazo para apresentação de propostas, candidaturas e soluções começará a contar da data do envio mais tardio dos anúncios para publicação no Diário da República e no JOUE, como é princípio geral em matéria de contagem de vários prazos para o mesmo efeito …” (in: ob. cit., pág. 873).

LXXII. Não poderá, na verdade, admitir-se uma tal desproteção dos concorrentes que numa situação como a em presença, fazendo fé no teor do anúncio publicado no DR, mormente quanto à data que ali figura como sendo de envio para publicação, que, note-se, não foi alvo de qualquer correção, nem de chamada de atenção ou de alerta em qualquer local, mormente, ao nível da plataforma eletrónica, adequaram e conformaram seus comportamentos e procedimentos a tal realidade.

LXXIII. Independentemente da culpa ou da falta dela por parte do R. quanto ao sucedido e de toda a argumentação pelo mesmo expendida nesta sede na justificação da data que é assumida como sendo a do envio e que se mostra aposta no anúncio publicado no DR quanto ao procedimento concursal “sub judice” [que se prende com o quadro legal (arts. 03.º, n.ºs 3 e 4 e 05.º, n.ºs 4 e 5 ambos da Portaria n.º 701-A/08, de 29.07) e com as regras/procedimentos ao nível da programação da plataforma eletrónica e que leva ao preenchimento automático e da responsabilidade da «INCM» do campo da data de envio de forma que não corresponde àquela que é a efetiva data de envio para publicação levando a desconformidades nas publicações no DR e no JOUE quanto ao campo da data de envio do anúncio], não se pode aceitar que, perante publicações nos jornais oficiais que apresentam desconformidades quanto a item relevante e essencial na e para a condução do procedimento pelos seus intervenientes e pelas consequências quiçá dramáticas que tal pode implicar, o ónus de atuação e consequências recaiam sobre os concorrentes ou potenciais concorrentes.

LXXIV. Não se pode ter como exigível, que à cautela ou pelo seguro, um concorrente ou um potencial concorrente vá indagar se o concurso foi alvo de publicação ou não no JOUE e qual a data que no mesmo figura como sendo de data de envio do anúncio e que no caso de desconformidade entre publicações,quanto àquilo que figura como sendo a data de envio, tenha ainda de deduzir e obter esclarecimento/confirmação junto da entidade adjudicante quanto àquilo que é a efetiva data de envio que importa considerar.

LXXV. As dúvidas/confusões geradas pelo funcionamento do sistema de contratação pública e pelo modo como o mesmo se mostra bem ou mal implementado, como o mesmo se mostra concatenado com outros sistemas e como a articulação se apresenta correta ou não, não podem fazer recair sobre os concorrentes ou potenciais concorrentes as consequências funestas que tais dúvidas/confusões geram ou podem gerar nos e para os concretos procedimentos concursais.

LXXVI. A A. desenvolveu seus procedimentos e conduziu a sua atuação fazendo fé no teor do veiculado no anúncio publicado no DR do qual resulta como data de envio do mesmo para publicação 18.07.2011, pelo que quando apresentou a sua proposta em 24.08.2011, pelas 16h38m59s, fê-lo tempestivamente considerando o prazo definido pelo «PC» para apresentação das propostas à sua luz.

LXXVII. Não cremos que à A. se possa imputar conduta gravemente culposa ou negligente quando, uma vez consultado o anúncio publicado no DR, do mesmo recolheu determinada informação quanto àquele concreto dado [data de envio do anúncio: 18.07.2011], informação essa fornecida por meio oficial que confiada e legitimamente deu como fiável em termos da data ali aposta corresponder àquela que constaria também do JOUE, inexistindo, assim, qualquer desconformidade, e sendo com base nesse facto que, de boa-fé, adequou seus procedimentos e atuação.

LXXVIII. E isso pese embora o teor do art. 10.º do «PC» já que não é aceitável, nem crível que existisse ou pudesse existir uma tal desconformidade nas publicações oficiais quanto àquilo que nas mesmas figura como sendo a data de envio do anúncio para publicação destinado à publicitação do concurso, quando é certo que a A. não tem acesso, nem pode controlar minimamente, o procedimento de remessa de envio do anúncio para publicação, mormente, quanto à data em que o mesmo teve lugar ou até se houve mais do que uma data.

LXXIX. Não é exigível que a A. para se por à margem deste perigo, que nem sequer prefigurou ou poderia prefigurar, tivesse que ir confirmar junto do anúncio publicado no JOUE qual a data que ali figura como sendo de envio e que uma vez constatada a desconformidade lhe fosse ainda exigível a dedução de esclarecimento junto da entidade adjudicante.

LXXX. Nessa medida, impunha-se e impõe-se uma adequada interpretação do quadro normativo à luz princípios estruturantes do ordenamento jurídico [cfr., nomeadamente, em sede de regras de contagem dos prazos para a prática de atos, os arts. 279.º e 296.º e segs. do CC; em sede de contencioso, o regime previsto no n.º 4 do art. 58.º do CPTA -convocáveis também em matéria da contratação pública], de molde a ter-se e a considerar-se como tempestiva a apresentação da proposta por parte da A., improcedendo desta forma, a tese defendida pelo R./recorrente já que, com esta fundamentação, importa manter a decisão judicial impugnada neste âmbito.
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0b8f0bd722de4bf180257b0200623d65/DECTINTEGRAL/4.AD8?OpenElement&FieldElemFormat=gif

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A)Negar total provimento ao recurso jurisdicional deduzido pelo R. e, consequentemente, com a fundamentação antecedente manter a decisão judicial recorrida no segmento sindicado com todas as legais consequências;
B) Conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional deduzido pela A., revogando, nessa medida e com a motivação antecedente, a decisão judicial recorrida apenas no segmento em que desatendeu as ilegalidades relativas aos arts. 08.º, n.º 2, als. e) e f) e 12.º do «PC» e 75.º, n.º 1 do CCP, que se julgam ocorrer e, assim, se anulando o ato impugnado também com tais fundamentos.
Custas nesta instância a cargo da A. e do R., aqui recorrentes, em proporção que se fixa, respetivamente, em ¼ e ¾, sendo que na mesma a taxa de justiça, não revelando os autos especial complexidade, se atenderá ao valor resultante da secção B) da tabela I anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC, 04.º “a contrario”, 07.º, n.º 2, 12.º, n.º 2, 25.º e 26.º todos do referido Regulamento- tendo em consideração o disposto no art. 08.º da Lei n.º 07/12 e alterações introduzidas ao RCP -, e 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 6.337.512,61€ [cfr. art. 12.º, n.º 2 do RCP].
Notifique-se. D.N..
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0b8f0bd722de4bf180257b0200623d65/DECTINTEGRAL/4.14C0?OpenElement&FieldElemFormat=gif


Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA).

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0b8f0bd722de4bf180257b0200623d65/DECTINTEGRAL/4.18DC?OpenElement&FieldElemFormat=gif

Porto, 25 de janeiro de 2013
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Maria do Céu Neves