sexta-feira, 25 de julho de 2014

INDEMNIZAÇÃO CUSTOS SUSPENSÃO EXECUÇÃO EMPREITADA. ART.º 282.º CCP - REPOSIÇÃO EQUILÍBRIO FINANCEIRO CONTRATO



Proc. Nº 00549/12.2BEAVR    TCANorte     15 Maio 2014

1. Um co-contratante tem direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, quando o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais determinou o valor das prestações e desde que o contratante público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.
2. A recorrente, como adjudicatária, como pressuposto para o direito à reposição do equilíbrio financeiro do contrato, tem direito ao custo acrescido com a manutenção do estaleiro da obra, no período de suspensão da mesma, por facto imputável apenas à contraparte, dono da obra, pois que, por via da suspensão, se alterou o valor dos custos constantes da sua proposta, sendo certo que o dono da obra não poderia ignorar estes pressupostos.

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I
RELATÓRIO
1. "E... - Engenharia e Construções, SA", com sede na Zona Industrial do Canedo, lote 38, Mealhada, inconformada, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro, datada de 17 de Março 2013, que, julgando parcialmente procedente a acção administrativa comum, sob forma ordinária, interposta contra o MUNICÍPIO de VAGOS" (onde peticionava, por um lado, (i) o reconhecimento do direito à prorrogação da execução do contrato de empreitada por 121 dias, período correspondente ao da suspensão da execução da obra e, por outro, (ii) o pagamento de uma indemnização pelos custos da suspensão da execução da obra, no período de 17 de Janeiro de 2012 a 17 de Maio de 2012, acrescidos de juros, desde a citação até integral pagamento), decidiu:
(a) Reconhecer o direito à prorrogação da execução do contrato de empreitada por 121 dias;
(b) Condenar a entidade demandada, Município de Vagos, no pagamento de juros de mora dos valores em dívida, contados a partir do dia da constituição em mora.
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2. A recorrente formulou, no final das suas alegações, as conclusões, que, de imediato, se transcrevem:
"I. Por não se poder conformar com a sentença proferida em 1ª instância na acção administrativa comum, sob a forma ordinária, no processo 549/12.2 BEAVR, em que é Réu Município de Vagos, nos termos do disposto nos art.º 141º n.º 1, 142º n.º 1 e seguintes do C.P.T.A., violação de lei, errada aplicação do direito e omissão de pronúncia quanto à factualidade alegada e relevante para a boa decisão da causa.
II. A sentença sob recurso julgou a questão sub judice com errada interpretação da lei aplicável, e em violação da mesma, designadamente do n.º 3 do art.º 282º do C.C.P. devendo em consequência a mesma ser julgada nula e substituída por outra que condene in totum e a preceito o Réu Município.
III. A decisão recorrida viola os art.ºs 480º e do n.º 1 do art.º 484º do C.P.C. ex vi art.º 1º, 35º e 42º n.º 1 do C.P.T.A., porquanto a A. instaurou acção administrativa comum, que não versa sobre direitos indisponíveis, e tendo o Réu sido regularmente citado não contestou, com a legal advertência e cominação que a falta de contestação importava a confissão, o que importava decisão de condenação in totum, a preceito, nos termos das normas supra referidas.
IV. Atenta a falta de contestação pelo Réu, toda a matéria alegada pela A. teria de ser dada como confessada pelo Réu, além do que toda a matéria se encontra documentalmente comprovada nos autos.
V. Devendo a decisão proferida ser julgada nula, por violação de lei e ser substituída por outra em que seja dada como integralmente provada a matéria alegada pela Autora, pois que deveriam desde logo ter sido dados como provados todos os factos alegados pela Autora, quer em sede de P.I. quer em sede de ampliação do pedido, nos termos legalmente previstos e em obediência ao disposto nos art.º 480º e 484º n.º 1 do C.P.C. ex vi art.ºs 1º, 35 n.º 1 e 42º n.º 1 do CPTA, o que, desde já se requer para os devidos e legais efeitos.
VI. Impunha a condenação in totum e a preceito como aliás já bem sucedeu, por douta decisão proferida e transitada em julgado, pelo mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, no âmbito de Acção Administrativa Comum – forma sumária, sob o n.º 4/12.0BEAVR, entre as mesmas partes, sobre objecto, causa de pedir e pedido idêntico aos da presente lide.
Sem prescindir, no que se não concede e por mera cautela se refere,
VII. Dando-se por integralmente reproduzido tudo quanto supra se alegou no que concerne à matéria de facto dada como provada e não provada, por motivos de economia processual, sempre se dirá ainda que, o Tribunal a quo decidiu considerar existirem três questões decidendas, delimitando-se o âmbito do presente recurso à matéria subjacente à alegada segunda questão decidenda: “ii) Saber se há lugar ao ressarcimento das despesas incorridas pelo empreiteiro, em virtude da suspensão da execução da empreitada;”
VIII. Ora, e desde logo quanto a esta matéria, a sentença recorrida padece de erro manifesto, porquanto omitiu factos relevantes na matéria dada como provada, que foram alegados de forma objectiva e documentalmente suportada, e que o Tribunal a quo não valorou como relevantes para a boa decisão da causa.
IX. No procedimento concursal em causa, nomeadamente no mapa de trabalhos e lista de preços não existe item específico para o custo de estaleiro, como se alegou e documentalmente provou. Facto que o Tribunal a quo omitiu na sentença recorrida, não fazendo qualquer referência ou pronúncia em relação a tal facto essencial à boa decisão da causa.
X. A inexistência de item específico para custo de estaleiro significa que o custo com o estaleiro em sede de proposta teve de ser diluído por todos os restantes itens constantes da lista de preços unitários, o que significa que embora não identificado individualmente não quer dizer, no que se não concede nem aceita, que tal custo não tenha existido e não seja determinável, como aliás o foi não só determinado mas demonstrado em sede de P.I. e até dado como provado pelo Tribunal a quo. Tal custo previsível foi determinado pela A. em sede de procedimento concursal e apresentação de proposta de preço para o prazo previsto de execução da empreitada, ou seja, 720 dias de calendário. Sendo que resulta provado que o prazo previsto e contratualizado foi ultrapassado em virtude da suspensão dos trabalhos, motivada por facto exclusivamente imputável ao Réu. Ora se o custo previsto pela A. para os custos e encargos previsíveis para o prazo de execução da obra de 720 dias, não podem, nem são os mesmos que para 841 dias (720 + 121). Tal inexistência de item específico para o custo do estaleiro no mapa de trabalhos e lista de preços deveria desde logo ter sido dado como provado documentalmente atentos os documentos 2, 5 e 6 juntos com a P.I., o que não sucedeu indevidamente. Sendo certo que também tal facto não foi dado como não provado, nem poderia.
XI. Resulta provado nos autos e nessa matéria bem decidido pelo Tribunal a quo que a A. emitiu, enviou e remeteu à Ré as Notas de Débito n.º 271, 276, 282, 286 e 290, no valor total de €46.828,56, correspondentes a custos, encargos, prejuízos decorrentes da suspensão da execução da obra por culpa imputável à Ré. E julgou ainda o Tribunal a quo como provado que tais notas de débito se repostam a despesas incorridas e suportadas pela A. no período da suspensão da execução da obra, entre 18.01.2012 e 17.05.2012. Mais resulta provado que o Réu recebeu e aceitou as notas de débito em crise, mas não as pagou.
XII. Contudo, e não obstante, não estarmos perante direitos indisponíveis, nem ter sido contestada a acção, e em violação do disposto nos art.ºs 480º, 484º n.º 1 do C.P.C. ex vi art.º 1º, 35º n.º 1 e 42º do C.P.T.A., proceder pela sua lavra e iniciativa à aplicação mediante incorrecta interpretação do disposto no art.º 282º do
CCP, no que concerne ao fundamento do pedido de pagamento do valor das notas de débito em crise, atendendo que as mesmas se reportam a despesas incorridas e suportadas pela A. no período da suspensão, pela qual foi única responsável o Réu.
XIII. Não fosse o facto de se tratar de despesas e encargos incorridos que não haviam sido previstos em item específico, até poderia, por exemplo, proceder-se à reposição do equilíbrio financeiro do contrato mediante uma revisão de preços extraordinária. Mas no caso em apreço, tal não era sequer possível atenta a inexistência do referido item.
XIV. A reposição do equilíbrio financeiro do contrato no caso em apreço deve assim efectuar-se, por um lado, através da prorrogação do prazo da execução da empreitada ou da vigência do contrato, e ainda, nos termos do n.º 3 do art.º 282º do C.C.P., mediante o pagamento do Réu à A. dos montantes reclamados a título de reposição do equilíbrio financeiro que correspondem, como resulta dos documentos e da prova produzida, de custos com meios fixos, equipamentos e mão-de-obra, que permaneceram ao dispor da empreitada, em obra, durante o período de suspensão.
XV. A reposição do equilíbrio financeiro através da revisão de preços extraordinária, não é adequada ou viável porquanto há que ter em conta que no procedimento concursal em causa, nomeadamente no mapa de trabalhos e lista de preços, não existe um item específico para o custo de estaleiro. Por outro lado, a revisão de preços se verifica independentemente da reposição do equilíbrio financeiro reclamada, tendo em conta que quer o art.º 300º, quer o art.º 382º ambos do Código dos Contratos Públicos, relativos à revisão de preços, referem expressamente “Sem prejuízo do disposto nos artigos 282.º...”.
XVI. As prorrogações a que se refere o artigo 298º n.º 2 do C.C.P. são prorrogações legais e não graciosas, pelo que resultam directamente da lei, e às mesmas acresce o direito do empreiteiro de exigir o ressarcimento dos danos emergentes e lucros cessantes.
XVII. Face ao exposto, e tendo em conta todo o vertido nos autos, a sentença recorrida para além de nula por violação do disposto 480º, 484º n.º 1 do C.P.C. ex vi 1º, 35º e 42º do CPTA, padece de erro de aplicação de lei, designadamente da interpretação dada pelo Tribunal a quo do n.º 3 do art.º 282º do C.P.C., pois que não valorou ou sequer conheceu da falta de previsão do item estaleiro no mapa de medições e lista de preços, por não ser tão pouco tal falta usual, nem o disposto nos artigos supra citados.
XVIII. Mesmo que a obra viesse a terminar antecipadamente ao prazo previsto, sempre os custos apresentados na reclamação em crise deveriam ser repostos ao empreiteiro, na medida em que os mesmos não decorreriam nem seriam encargos do empreiteiro não fosse a verificação da suspensão, e como tal, são justa e exclusivamente imputáveis ao dono de obra.
XIX. A sentença recorrida viola o disposto no n.º 3 do art.º 282º do C.C.P.
XX. Conforme se pode ler no Código Comentado supra citado: “A reposição do equilíbrio financeiro pode fazer-se através da prorrogação do prazo das prestações contratuais (que pode implicar ainda a cumulação com a compensação financeira), do mecanismo da revisão de preços (que não deve ser confundido com a revisão ordinária de preços prevista para as empreitadas de obras públicas no art.º 382º do Código) ou da assunção, por parte do contraente público do dever de prestar ao co-contratante o valor correspondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato. (…)”.
XXI. Na sua fundamentação de Direito o Tribunal a quo olvidou-se por completo do n.º 3 do 282º do C.C.P., fundamentando-se apenas e tão só no n.º 1 do referido artigo, o que não pode aceitar-se.
XXII. Pela presente acção a A. apenas pretende ver reconhecidos os direitos que a letra do n.º 3 do art.º 282º lhe confere, o que se reitera e requer.
XXIII. A sentença recorrida pronuncia-se em objecto diverso ao do pedido, pelo que a sentença recorrida padece de nulidade nos termos da alínea e) do n.º 1 do 668º do C.P.C., porquanto condena o Réu no pagamento de juros de mora contados sobre as facturas cuja falta de pagamento levaram à suspensão da execução da empreitada, o que não foi sequer peticionado".
Terminou a sua alegação, referindo que "... DEVERÁ O RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, E POR ESSA VIA SER JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE A ACÇÃO, POR PROVADA, POR CONFISSÃO ATENTO O DISPOSTO NOS ART.º 480º E 484º N.º 1 DO C.P.C. EX VI ART.º 1º, 35º N.º 1 E 42º N.º 1 DO C.P.T.A., SENDO EM CONSEQUÊNCIA O RÉU MUNICÍPIO CONDENADO IN TOTUM NO PEDIDO E RESPECTIVA AMPLIAÇÃO.
CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA, NO QUE SE NÃO CONCEDE NEM ACEITA E POR MERA CAUTELA SE CONCEBE, SEMPRE DEVERÃO V/ EXAS SUBSTITUIR A SENTENÇA EM CRISE, NA PARTE RECORRIDA, POR OUTRA QUE DÊ COMO PROVADOS TODOS OS FACTOS ALEGADOS COM BASE EM PROVA DOCUMENTAL E POR CONFISSÃO, E EM CONSEQUÊNCIA CONDENAR O RÉU MUNICÍPIO COM BASE NO N.º 3 DO ART.º 282º DO C.C.P. A PAGAR À AUTORA IN TOTUM OS MONTANTES PETICIONADOS EM SEDE DE PEDIDO E AMPLIAÇÃO DO PEDIDO...".
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3. Notificado das alegações, nada disse o recorrido Município de Vagos.
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4. A Digna Procuradora Geral Adjunta, neste TCA, notificada nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, pronunciou-se pelo provimento parcial do recurso - cfr. fls. 248/250 -, pronúncia que, notificada às partes, não obteve resposta.
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5. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, ns. 3 a 5 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - Lei 41/2013, de 26/6- art.º 5.º, n.º 1 - “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida:
1. Em 15 de Janeiro de 2011, é subscrito um documento denominado de “Proposta de Aluguer”, onde consta, designadamente “... Cliente: empresa – E...-Eng.&Const. SA (...)Dados da entrega (...) Retroescavadora JCB 3CXTED - (...) Total do Equipamento + Acessórios € 1.650,00... contrato de Aluguer de Equipamento n.º PJR/36222011...” - Facto Provado por documento, de fls. 101 dos autos.
2. Em 15 de Janeiro de 2011, um documento denominado de “Proposta de Aluguer”, onde consta, designadamente “... Cliente: empresa – E...-Eng.&Const. SA (...)Dados da entrega (...) Multifunções Rotativo Merlo Roto 30.16K - (...) Total do Equipamento + Acessórios € 2.850... contrato de Aluguer de Equipamento n.º PJR/36202011...” - Facto Provado por documento, de fls. 100 dos autos.
3. Em 17 de Fevereiro de 2011, foi subscrito pelos outorgantes documento denominado de “Contrato Escrito de Empreitada. Centro Escolar de Fonte de A...” onde consta em especial que “... Primeiro Outorgante: Câmara Municipal de Vagos (...) Segundo Outorgante: E...-Engenharia e construções, SA (...) Primeira: O Segundo Outorgante obriga-se a executar a referida empreitada pelo montante de € 2. 389.000,00, acrescido de IVA, de acordo com as quantidades de trabalhos e listas de preços unitários anexa à proposta (...) Terceira: Os trabalhos da empreitada terão início com o auto de consignação que será lavrado no prazo de 22 dias úteis, contados a partir da data do visto do Tribunal de Contas no presente contrato e deverão estar concluídos no prazo de 720 dias...” - Facto Provado por documento, de fls. 14 a 16 dos autos.
4. Em 30 de Março de 2011, é subscrito documento timbrado de “Grupo V...” dirigido a “E...- Engenharia SA” onde consta em especial “... 1. Âmbito dos trabalhos: a nossa proposta de preços diz respeito ao aluguer e transporte de módulos pré-fabricados (...) Preço Unitário – por cada 28 dias de calendário - € 70 – Ar condicionado por cada 28 dias de calendário de aluguer de equipamento - € 38. Transporte de aluguer de módulos MLD Entregas - € 200. Transporte de aluguer de módulos MLD Recolhas- € 200...” - Facto Provado por documento, de fls. 94-95 dos autos.
5. Em 1 de Junho de 2011, é subscrito documento denominado “Auto de Consignação Parcial da Obra. Centro Escolar de Fonte de A...”, onde consta, designadamente “... (...) no local onde irão ser executados os trabalhos que constituem a empreitada “Centro Escolar de Fonte de A...”, adjudicada, por deliberação camarária datada de 21-12-2010, à firma E...-Engenharia e Construções, SA conforme contrato celebrado de 17 de Fevereiro de 2011, compareceram: a) O representante do dono da obra, Ex.mo senhor Dr. RMRC...; b) O adjudicatário ou seu representante, Ex.mo sr. DSA... para, conjuntamente, lavrarem e assinarem, em duplicado, o Auto de Consignação Parcial da obra (...) - Facto Provado por documento, de fls. 18 dos autos.
6. Em 14 de Dezembro de 2011, é subscrito documento timbrado de E..., Engenharia SA, denominado de “Empreitada construção do centro escolar de Fonte de A... – suspensão de trabalhos”, dirigida ao Município de Vagos”, onde consta designadamente “... Depois de vários pedidos dirigidos a V.ªs Exªs solicitando a liquidação dos valores vencidos da empreitada em epígrafe, sem que obtivéssemos até à presente data qualquer resposta favorável aos mesmos e depois de vos termos comunicado por diversas vezes a dificuldade de tesouraria que o não recebimento dos trabalhos realizados estavam a causar à nossa empresa (...) vimos comunicar a impossibilidade de nestas condições esta empresa continuar a regular a execução dos trabalhos de empreitada em causa. Por tal facto, e ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 366.º do Código dos contratos Públicos vimos comunicar que irá esta empresa proceder à suspensão no todo da execução dos trabalhos da empreitada mencionada, com efeitos a partir de 01.01.2012, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 366.º do
CCP, caso até ao termo do prazo (01.01.2012) V.s Ex.ªs não efectuarem o pagamento das quantias em dívida que ascendem ao valor de 226.235,56€...” - Facto Provado por documento, de fls. 86 dos autos.
7. Em 14 de Dezembro de 2011, é subscrito documento timbrado de “Grupo V...”, dirigido a E...-Engenharia SA, onde consta designadamente o seguinte “... 1. Âmbito dos trabalhos: A nossa proposta de preços diz respeito ao aluguer e transporte de módulos pré-fabricados (...) Módulo amplo de 28 dias de calendário de aluguer de equipamento - € 100 (...) contentor marítimo/Ferramentaria 20´´ por cada 28 dias de calendário de aluguer de equipamento - € 70...” - Facto Provado por documento, de fls. 96-97 dos autos.
8. Em 15 de Dezembro de 2011, é subscrito documento timbrado de “Certigru” dirigido a “E..., SA” onde consta, designadamente “... a seguir indicamos cotação para aluguer: 1. Grua Torre “SGT 4010 (...) € 929,00 + IVA... - Facto Provado por documento, de fls. 99 dos autos.
9. Em 17 de Janeiro de 2012, é subscrito documento timbrado do Município de Vagos, denominado de “Auto de Suspensão”, onde consta, designadamente que “...os abaixo assinados Eng.ª AV..., representante da Câmara Municipal de Vagos, que é dona da obra em epígrafe, assistida pelo Eng.º DA..., representante da firma adjudicatária desta empreitada, compareceram expressamente no local da obra supra, freguesia de Fonte de A..., concelho de Vagos, onde se realizou a mencionada obra, a fim de verificarem o estado de execução da mesma e elaborarem o presente auto de suspensão. A suspensão ora notificada é baseada na alínea b) do n.º 3 do artigo 366.º do
CCP (falta de pagamento de qualquer quantia devida nos termos do contrato)...”- Facto Provado por documento, de fls. 89-90 dos autos.
10. Em 30 de Janeiro de 2012, num documento timbrado de “E...-Engenharia e Construções, SA” e dirigido ao Município de Vagos, consta designadamente “... Valor que levamos a débito da vossa conta, pelo montante dos encargos suportados com a suspensão da empreitada “Construção do Centro Escolar de Fonte de A...” ... Encargos suportados no período de 18-01-2012 a 31-01-2012 (...) Valor Total – 5.287,09...” - Facto Provado por documento, de fls. 114-116 dos autos.
11. Em 29 de Fevereiro de 2012, num documento timbrado de “E...-Engenharia e Construções, SA” e dirigido ao Município de Vagos, consta designadamente “... Valor que levamos a débito da vossa conta, pelo montante dos encargos suportados com a suspensão da empreitada “Construção do Centro Escolar de Fonte de A...” ... Encargos suportados no período de 01-02-2012 a 29-02-2012 (...) Valor Total – 11.797,14...” - Facto Provado por documento, de fls. 117-119 dos autos.
12. Em 9 de Março de 2012, é subscrito documento timbrado de “Município de Vagos”, dirigido a gerente da firma “E...-Engenharia e Construções, SA”, onde consta designadamente “... a Câmara Municipal em sua reunião de 24 de Fevereiro de 2012 deliberou por unanimidade homologar o Auto de Suspensão...” - Facto Provado por documento, de fls. 91 dos autos.
13. Em 31 de Março de 2012, num documento timbrado de “E...-Engenharia e Construções, SA” e dirigido ao Município de Vagos, consta designadamente “... Valor que levamos a débito da vossa conta, pelo montante dos encargos suportados com a suspensão da empreitada “Construção do Centro Escolar de Fonte de A...” ... Encargos suportados no período de 01-03-2012 a 31-03-2012 (...) Valor Total – 11.797,14...” - Facto Provado por documento, de fls. 121-123 dos autos.
14. Em 30 de Abril de 2012, num documento timbrado de “E...-Engenharia e Construções, SA” e dirigido ao Município de Vagos, consta designadamente “... Valor que levamos a débito da vossa conta, pelo montante dos encargos suportados com a suspensão da empreitada “Construção do Centro Escolar de Fonte de A...” ... Encargos suportados no período de 01-04-2012 a 30-04-2012 (...) Valor Total – 11.797,14...” - Facto Provado por documento, de fls 124-126 dos autos.
15. Em 31 de Maio de 2012, num documento timbrado de “E...-Engenharia e Construções, SA” e dirigido ao Município de Vagos, consta designadamente “... Valor que levamos a débito da vossa conta, pelo montante dos encargos suportados com a suspensão da empreitada “Construção do Centro Escolar de Fonte de A...” ... Encargos suportados no período de 01-05-2012 a 17-05-2012 (...) Valor Total – 6.420,05...” - Facto Provado por documento, de fls. 141 dos autos.
16. A E...-Engenharia e Construções L. da, manteve em obra um contentor destinado à fiscalização e um contentor individual com wc e ar condicionado, com custo mensal de € 70 e € 138 respectivamente - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
17. A E...-Engenharia e Construções L. da, manteve em obra uma máquina retroescavadora JCB2CX com custo mensal de € 1.650,00 - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
18. A E...-Engenharia e Construções L. da, manteve em obra uma máquina “Merlo” cujo custo mensal é de € 2.850,00 - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
19. A E...-Engenharia e Construções L. da, manteve em obra um engenheiro de produção e um engenheiro técnico cuja despesa foi de € 2500,00 e de € 250 mensais - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
20. A ré, Município de Vagos, não procedeu ao pagamento das facturas 2/2218, 2/2233, 2/2245, 2/2263 e 2/2274 - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
21. A ré, Município de Vagos, não procedeu a qualquer pagamento das Notas de Débito n.º 271, 176, 282, 286 2 290, recebidas por si - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
22. A suspensão da execução da obra foi levantada em 17 de Maio de 2012 - Facto confessado pela ré, por força do n.º 1 do artigo 484.º do CPC.
2. MATÉRIA de DIREITO
Analisados os autos na sua globalidade e, em especial, as alegações da recorrente - supra transcritas nas respectivas conclusões - e a sentença recorrida - o cerne do presente recurso pode objectivar-se, na óptica da recorrente, na análise dos seguintes itens:
- 2 - 1 - nulidade da decisão por alegadamente ter havido condenação em objecto diverso - al. e) do n.º 1 do art.º 668.º do Cód. Proc. Civil [actual art.º 615.º, n.º 1, al. e)].
- 2 - 2 - erro de julgamento da matéria de facto e,
- 2 - 3 - erro de julgamento de direito.
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2 - 1 - Quanto à nulidade da decisão por alegadamente ter havido condenação em objecto diverso - al. e) do n.º 1 do art.º 668.º do Cód. Proc. Civil (actual art.º 615.º do "novo" Cód. Proc. Civil - Lei 41/2013, de 26/7).
Nos termos previstos no art.º 668.º, n.º1, al. e) do Cód. Proc. Civil, a sentença é nula quando o juiz condene em objecto diverso do pedido.
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Importa, antes de mais e como ponto prévio, elucidar que a entidade recorrida, dono da obra, Município de Vagos, se nenhuma resposta deu aos pedidos de pagamento das notas de débito decorrente dos alegados custos com a manutenção do estaleiro no período de suspensão da empreitada, também, nesta acção, não só não apresentou contra alegações, como nem sequer contestou ou disse o que quer que fosse.
*
Esta nulidade, suscitada nas alegações de recurso e sintetizada na conclusão XXIII, supra transcrita, vem deduzida, com acuidade (saliente-se, desde já, sendo certo que nada tem a ver com a defesa apresentada pela Sr.ª Juíza no TAF de Aveiro a fls. 230/231, em sede de despacho nos termos do art.º do Cód. Proc. Civil, onde infirma a verificação de nulidade por omissão de pronúncia - que não foi sequer suscitada), na medida em que, na decisão recorrida (como decorre da conjugação da sua hermenêutica argumentativa e dispositivo propriamente dito), se levou em consideração causa de pedir e pedido que não foram efectivados na p.i. dos autos.
Na verdade, a A./Recorrente, depois de justificar o pedido de suspensão da empreitada no comprovado incumprimento do R./Recorrido, dono da obra (nunca infirmado sequer), por falta de pagamento dos trabalhos já executados, no prazo legal (art.º 299.º do
CCP) e convencionado, dívida no valor de € 226.235,56, vem, nesta acção, solicitar:
- por um lado, o reconhecimento do direito à prorrogação da execução do contrato de empreitada pelo período em que durou a suspensão do contrato --- o que foi correcta e definitivamente pela sentença recorrida - cfr. al. b) do n.º 3 do art.º 366.º do
CCP - e conformação das partes com esta vertente decisória, respectivamente;
- e, por outro, o pagamento de uma indemnização pelos custos da suspensão da execução da obra, no período de 17 de Janeiro de 2012 a 17 de Maio de 2012, acrescidos de juros, desde a citação até integral pagamento, o que não lhe foi concedido na sentença recorrida, pelo que a condenação da entidade demandada, Município de Vagos, no pagamento de juros de mora dos valores em dívida, contados a partir do dia da constituição em mora, não tem a ver com os juros em causa, mas antes e indevidamente com juros relativamente a quantia que não foi peticionada nos autos.
A este respeito escreveu-se na sentença recorrida (parte que se transcreve para se evidenciar e demonstrar o erro em que, na nossa óptica, incorreu):
"... o
CCP prevê, no seu artigo 326.º, como o co-contratante será ressarcido no caso dos atrasos nos pagamentos do contraente público. E prevê que se o contraente público não cumprir a sua obrigação contratual de pagamento pontual, constitui-se em mora e, por isso, é responsável pelo prejuízo que com isso possa causar ao credor da prestação. Sendo essa prestação devida de natureza pecuniária, então a indemnização corresponderá ao pagamento de juros a contar do dia da constituição em mora, conforme estatui o n.º 1 do artigo 806.º do Código Civil, doravante CC, e n.º 1 do artigo 326.º do CCP, enquanto esta se mantiver.
Não necessita o credor de provar os prejuízos, tendo direito a receber os juros independentemente dessa prova.
Perguntar-se-á se o credor poderá provar que os prejuízos sofridos pela mora são superiores ao montante dos juros legais a que tem direito, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 806.º do CC? Não. E não porque este n.º 3 do artigo 806.º do CC pressupõe que tais danos tenham sido causados por facto ilícito ou pelo risco, remetendo-se portanto para os resultantes da responsabilidade civil extracontratual, que não pode ser aplicável no domínio dos contratos administrativos".
Ou seja, a sentença condenou o Município de Vagos ao pagamento de juros sobre a quantia de € 226.235,56, contados a partir da constituição em mora (ou seja, antes da suspensão da execução) - valor dos pagamentos em falta e que justificaram o pedido de suspensão da empreitada - o que não foi sequer peticionado, quando essa condenação em juros, apenas seria devida se tivesse entendido que havia lugar ao pagamento da indemnização pelos custos da suspensão da execução da obra, no período de 17 de Janeiro de 2012 a 17 de Maio de 2012 - o que não deferiu -, sendo que, neste caso, os mesmos foram pedidos desde a citação.
Deste modo e divergindo, nesta parte, também do entendimento sufragado pela Digna Magistrada do M.º P.º no Parecer emitido nos autos - art.º 146.º do CPTA - concluímos que se verifica a nulidade da sentença por condenação em objecto diverso.
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2 - 2 - Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto.
Nesta parte, ainda que de forma algo deficitária - convenhamos - a recorrente alega que também deveria ter sido dada como provado o que alegou no art.º 12.º da p.i., por os custos com o estaleiro não estarem individualizados, como item específico, na Memória Descritiva e Lista de Preços, o que influiu no julgamento da causa.
Não cremos!
Se é verdade e como decorre do n.º 1 do art.º 484.º do Cód. Proc. Civil, ex vi, art.º 42.º do CPTA que "se o réu não contestar ... consideram-se confessados os factos articulados pelo autor", o que poderia importar e impor a positivação também deste facto na factualidade dada como assente, o certo é que, dando-se como provados os concretos e contabilizados custos, por documentalmente justificados, inerentes à manutenção do estaleiro, se mostra inócua e desnecessária a consagração expressa desse facto, descrito no indicado art.º 12.º da p.i., sendo certo que apenas deverão ser positivados, nesta sede, os factos que têm relevância para a decisão jurídica da acção, ainda que nas plausíveis perspectivas de análise, soluções de direitos.
Aliás, tendo a A./Recorrente alegado e sido dado como provado, sem mais (atenta a revelia do R./Recorrido), a manutenção em obra do estaleiro para a construção da Escola de A..., com os custos inerentes, do que foi dando atempada conta ao dono da obra, nos termos que constam dos factos 10 a 15 da factualidade provada, supra descrita, mostrando-se provados os inerentes custos suportados durante o período de suspensão da obra, os factos constantes da sentença como provados, em virtude de documentação e revelia operante do réu - cfr. despacho de fls. 149 dos autos -, são os necessários para, em sede de análise/decisão jurídica se encontrar a solução legalmente adequada.
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Em termos de prólepse, importa ainda referir que, embora nada se diga em concreto na sentença do TAF de Aveiro acerca da ampliação do pedido, o certo é que, sem qualquer contestação do Município de Vagos (como dissemos, nenhuma intervenção teve nos autos), além da ampliação do pedido ter sido expressamente deferida pelo TAF de Aveiro - cfr. despacho de fls. 145 - o certo é que o valor ampliado teve repercussão directa, não só na fixação do valor da acção - cfr. fls. 149 - como ainda na fundamentação jurídica constante da sentença - cfr., inter alliud, fls. 167, 1.º e 6.º parágrafos (ainda que, no 6.º, por erro, se tenha escrito "48.828,56" em vez de "46.828,56) -, valor este correspondente à soma das anteriores notas de débito e à posteriormente enviada, no valor de € 6.420,00, referente ao período de 1de Maio a 17 de Maio de 2012, data em que cessou a suspensão da execução da empreitada.
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2 - 3 - Quanto ao erro de julgamento de direito.
Nesta parte, a A./recorrente, num primeiro momento, defende que, havendo revelia do Município de Vagos, deveria, desde lodo e sem mais, efectivar-se a condenação de preceito, ou seja, no pedido ampliado, sem necessidade de considerações jurídicas.
Sem razão, porém.
Estando em causa uma acção administrativa comum, sob forma ordinária tem aplicação, ex vi, do n.º1 do art.º 42.º do CPTA, o art.º 484.º do Cód. Proc. Civil (actual art.º 567.º) e não o art.º 784.º, por este dizer respeito ao processo sumário, como, aliás, tratava o Proc. 4/12.0BEAVR, referido na conclusão VI das alegações de recurso jurisdicional.
E, segundo aquela norma legal - art.º 484.º - a falta de contestação, em caso de revelia operante, importa apenas que se considerem confessados os factos articulados pelo autor - n.º 1 da norma legal - sendo que, após a possibilidade de alegações, por escrito - o que a recorrente efectivou -, é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito - n.º 2 -, ainda que, em casos de manifesta simplicidade, a sentença possa limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado - n.º 3.
Inexistindo, como vimos, a possibilidade legal de condenação sem mais do pedido - condenação de preceito - importa, de seguida, analisar criticamente os factos e subsumi-los às normas jurídicas, ou seja, proceder ao seu correcto enquadramento jurídico.
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Assim, resulta do probatório apurado nos autos que, por falta de pagamento dos trabalhos realizados, a empresa adjudicatária deu conta ao dono da obra da impossibilidade de continuar a execução da escola sem que os pagamentos devidos fossem efectivados e sem que fosse apresentada qualquer justificação, mais lhe comunicando, nos termos da al. b) do n.º 3 do CCP da sua intenção de suspender a execução da obra, caso não efectuasse os pagamentos em dívida, num total de € 226.235,56 - cfr. ponto 6 dos factos provados.
Nessa consonância, foi, em 17/1/2012, lavrado Auto de Suspensão da obra - cfr. documento de fls. 89/90 - suspensão essa homologada por deliberação da CM do Município de Vagos de 24/2/2012 - cfr. fls. 91 dos autos.
Durante o período de suspensão da obra, a recorrente foi enviando ao dono da obra cinco notas de débito, referentes - como delas expressamente consta - ao encargos suportados com a suspensão da empreitada, ao abrigo do art.º 282.º do
CCP, juntando nota discriminativa e justificativa dos custos, nos termos que constam demonstrados nos pontos 10 a 15 dos factos provados.
Perante esta factualidade, coloca-se a questão:
Tem a sociedade adjudicatária da obra direito a receber as quantias reclamadas, processual e documentalmente justificadas, do dono da obra, referentes aos custos com a manutenção do estaleiro durante o período de suspensão, que ocorreu desde 17/1/2012 a 17/5/2012, num período de 121 dias (o que é bem diferente da exigência do pagamento das quantias devidas pela execução da obra até 17/1/2012, que justificou a suspensão da obra e respectivos juros legais)?
A decisão recorrida, com base exclusivamente no n.º 1 do art.º 282.º do
CCP, entendeu que não, enquanto a A./Recorrente e a Digna Procuradora Geral Adjunta, neste TCA-N, entendem que sim, sendo certo que - como já repetimos - a entidade demandada e dono da obra nada disse nem antes, nem durante a pendência dos autos, apenas se limitando, um seu representante, a participar/assinar o Auto de Suspensão da empreitada - cfr. fls. 89/90 - e a edilidade de Vagos a homologar o mesmo Auto - cfr. fls. 91 dos autos.
Vejamos!
Dispõe o art.º 282.º do
CCP (Dec. Lei 18/2008, de 29 de Janeiro, alterado e republicado pelo Dec. lei 278/2009, de 2 de Outubro), sob a epígrafe "Reposição do equilíbrio financeiro do contrato":
"
1 - Há lugar à reposição do equilíbrio financeiro apenas nos casos especialmente previstos na lei ou, a título excepcional, no próprio contrato.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o co-contratante só tem direito à reposição do equilíbrio financeiro quando, tendo em conta a repartição do risco entre as partes, o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais o co-contratante determinou o valor das prestações a que se obrigou, desde que o contraente público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.
3 - A reposição do equilíbrio financeiro produz os seus efeitos desde a data da ocorrência do facto que alterou os pressupostos referidos no número anterior, sendo efectuada, na falta de estipulação contratual, designadamente, através da prorrogação do prazo de execução das prestações ou de vigência do contrato, da revisão de preços ou da assunção, por parte do contraente público, do dever de prestar à contraparte o valor correspondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato.
4 - A reposição do equilíbrio financeiro efectuada nos termos do presente artigo é, relativamente ao evento que lhe deu origem, única, completa e final para todo o período do contrato, sem prejuízo de tal reposição poder ser parcialmente diferida em relação a quaisquer efeitos específicos do evento em causa que, pela sua natureza, não sejam susceptíveis de uma razoável avaliação imediata ou sobre cuja existência, incidência ou quantificação não exista concordância entre as partes.
5 - Na falta de estipulação contratual, o valor da reposição do equilíbrio financeiro corresponde ao necessário para repor a proporção financeira em que assentou inicialmente o contrato e é calculado em função do valor das prestações a que as partes se obrigaram e dos efeitos resultantes do facto gerador do direito à reposição no valor dessas mesmas prestações.
6 - A reposição do equilíbrio financeiro não pode colocar qualquer das partes em situação mais favorável que a que resultava do equilíbrio financeiro inicialmente estabelecido, não podendo cobrir eventuais perdas que já decorriam desse equilíbrio ou eram inerentes ao risco próprio do contrato".
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Refere a este propósito, Gonçalo Guerra Tavares e Nuno Monteiro Dente, in Código dos Contratos Públicos – Comentado Volume II - Almedina 2011 - também referido pela recorrente - que "... Para que o co-contratante tenha direito à reposição do equilíbrio financeiro é necessário que, tendo em conta a repartição do risco entre as partes, o facto que fundamenta o direito reclamado altere os pressupostos através dos quais o co-contratante determinou o valor das prestações contratuais a que se obrigou pelo contrato – considerando essa restrição excessiva e eventualmente inconstitucional, em alguns casos, por violação da garantia constitucional do art.º 62º n.º 2 da Constituição - Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos, Contrato Públicos. Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, 2008, p.145.
O momento que marca o início da produção de efeitos da reposição do equilíbrio financeiro do contrato é, nos termos da primeira parte desde n.º 3 do art.º 282º do Código, o da data da ocorrência do facto que alterou os pressupostos através dos quais o co-contratante determinou o valor das prestações a que se obrigou contratualmente.
Nos casos em que o contrato disponha sobre a reposição do respectivo equilíbrio financeiro, é de acordo com essas regras que se procederá à compensação do co-contratante.
Se o contrato nada dispuser nessa matéria, seguir-se-ão os modos de efectivação da reposição do equilíbrio financeiro do contrato previstos neste n.º 3 do art.º 282º do Código.
Assim, a reposição do equilíbrio financeiro pode fazer-se através da prorrogação do prazo das prestações contratuais (que pode implicar ainda a cumulação com a compensação financeira), do mecanismo da revisão de preços (que não deve ser confundido com a revisão ordinária de preços prevista para as empreitadas de obras públicas no art.º 382º do Código) ou da assunção, por parte do contraente público do dever de prestar ao co-contratante o valor correspondente ao decréscimo das receitas esperadas ou ao agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato …".
O equilíbrio financeiro contratual pressupõe a ideia "de que a remuneração do contraente deve ser modelada pelos encargos que sobre ele pesam realmente, em vez de ser fixada pelo contrato, de modo que a álea inerente a qualquer empreendimento seja seriamente limitada" - Cfr. Jean Rivero, in Direito Administrativo, pág. 148 - e portanto deverão as deformações a esse equilíbrio ser remediadas ao longo da execução contratual.
Existindo uma base económica e financeira do contrato que deve ser respeitada, o princípio pacta sunt servanda para além de promover a estabilidade contratual, deve ter imanente a ideia do equilíbrio financeiro do contrato, desde que surjam circunstâncias que imponham o seu reajustamento.
O mecanismo da reposição do equilíbrio financeiro está originariamente pensado para os casos em que o co-contratante, mercê da sua situação de sujeição aos poderes conformadores do contraente público, vê a sua esfera contratual financeiramente afectada.
Mas mais importante que o mecanismo legal em si é a sua ratio,que tem que ver sobretudo com todas as variações no equilíbrio financeiro de que contrato pode padecer ao longo da sua existência, as quais devem ser debeladas, de molde a saná-las.
Cfr., ainda e a este propósito, Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol. II, págs. 617 e ss., Jorge Andrade da Silva, in "Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado", 2.ª ed., págs. 626 e ss. e ainda Mário Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, pág. 705.
*
Ora, da transcrita norma do CCP - art.º 282.º -, analisada na sua totalidade, resulta, no nosso entender, que assiste razão à A./Recorrente.
Na verdade, a interpretação da norma em causa não pode cingir-se ao seu n.º 1 - como o fez a sentença recorrida - mas também não pode deixar de levar em consideração os demais números, como, aliás, resulta da proposição que inicia o n.º 2 "Sem prejuízo do disposto no número anterior...".
Assim, um co-contratante tem direito à reposição do equilíbrio financeiro quando o facto invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos nos quais determinou o valor das prestações e desde que o contratante público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.
No caso dos autos, a recorrente, como adjudicatária, invoca, como pressuposto para a exigência do direito à reposição do equilíbrio financeiro, o custo acrescido com a manutenção do estaleiro da obra, no período de suspensão da mesma, por facto imputável apenas à contraparte, dono da obra, pois que altera o valor dos custos constantes da sua proposta, sendo certo que o dono da obra não poderia ignorar estes pressupostos.
Isto é, embora não dando execução aos trabalhos constantes da empreitada, nos termos e nas condições da adjudicação, a adjudicatária - além de ter direito a uma prorrogação do tempo para a execução do contrato pelo período de suspensão, vertente decisória que, além de se mostrar correcta, não foi impugnada - sempre não pode deixar de ter direito a que seja ressarcida dos custos inerentes à manutenção do estaleiro nesse período de suspensão da obra, valores que, por não impugnados, quer em termos quantitativos, quer em termos de razoabilidade prática (referimo-nos, por exemplo, ao facto de ser ou não necessária a permanência na obra, sem realização de quaisquer trabalhos, de um engenheiro de produção e um engenheiro técnico - cfr. ponto 19 dos factos provados, mas não sendo despiciendo que a entidade pública, como defensora do interesse público, nem sequer questionou) correspondem à necessidade de reposição do equilíbrio financeiro da empreitada.
Os custos reclamados - € 46.828,56 - dizem respeito a custos acrescidos e que não estiveram, de todo, subjacentes ao valor inicialmente apresentado e objecto de adjudicação, sendo que o dono da obra, no acto da adjudicação, certamente não poderia ignorar estes pressupostos, tal é, aliás, a sua evidência.
Aliás, por não processualmente impugnados quanto ao seu concreto fundamento e valor, esses custos correspondem ao necessário para repor a proporção financeira em que assentou o contrato e agravamento dos encargos previstos com a execução do contrato, não se podendo, de modo algum, considerar que se destinem a cobrir eventuais perdas que decorriam de um qualquer desequilíbrio financeiro da empreitada ou fossem inerentes ao risco do próprio contrato - ns. 3 a 6 do art.º 282.º do CCP.
Deste modo, mostra-se factual e juridicamente justificada a condenação da entidade demandada, dono da obra, nos termos peticionados, ou seja, no pagamento da quantia de € 46.828,56, quantia esta acrescida dos respectivos juros de mora, devidos desde a citação - como pede a A./Recorrente - até efectivo e integral pagamento.
Nesta consonância conclusiva, impõe-se, em provimento do recurso, a revogação da sentença recorrida, excepto na parte em que reconheceu o direito à prorrogação da execução do contrato de empreitada pelo período de 121 dias, mais se julgando, desde modo, totalmente procedente a acção.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
- conceder provimento ao recurso e assim revogar a sentença recorrida, excepto na parte em que
reconheceu o direito à prorrogação da execução do contrato de empreitada pelo período de 121 dias;
- julgar totalmente procedente a acção e assim condenar ainda o Município de Vagos ao pagamento de uma indemnização pelos custos da suspensão da execução da obra, no período de 17 de Janeiro de 2012 a 17 de Maio de 2012, no valor de € 46.828,56, valor este acrescido de juros de mora, devidos desde a citação até integral pagamento.
*
Custas, em ambas as instâncias, pelo R./Recorrido Município de Vagos.
*
Notifique-se.
DN.
*
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art.º 131.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, “ex vi” do art.º 1.º do CPTA).
Porto, 15 de Maio de 2014
Ass.: Antero Pires Salvador
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Isabel Soeiro

PROCEDIMENTO CAUTELAR. MULTAS CONTRATUAIS. PERICULUM IN MORA.



Proc. Nº 01311/12.8BESNT (Braga)     TCAN      11  Abril  2014

1. O requisito do “periculum in mora” encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objecto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
2. Sendo evidente que o atraso no pagamento de quantias devidas no âmbito de uma empreitada, aliado ao dever de pagamento de multas contratuais, por alegado e injustificado atraso na execução de uma qualquer empreitada, importa problemas financeiros, de tesouraria para as empresas empreiteiras, para os subempreiteiros, com a consequente falta de fornecimento de materiais necessários à boa e contínua execução da empreitada, no entanto, para se demonstrar minimamente o requisito do "periculum in mora", exigível para, com a verificação dos demais, da procedência de providências cautelares, importaria que se demonstrasse a concreta situação financeira de cada uma empresas que constitui o consórcio ou agrupamento, que dívidas existem, quais os fornecedores que deixaram de fornecer os materiais necessários, se mantém ou não os trabalhadores.
3. Verificando-se que na p.i. mais não se refere senão generalidades legais e alegações genéricas que sempre se podem aplicar a qualquer empresa de construção civil que se veja, não só compelida a pagamento de multas contratuais por alegados atrasos na execução de empreitadas, a si imputados, bem assim ainda com o acréscimo de, alegadamente, não ver pontualmente cumprido o pagamento dos trabalhos efectivamente praticados, não se mostra verificado o periculum in mora. 

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I
RELATÓRIO
1. "ABB, B, ACE... - Agrupamento Complementar de Empresas", inconformada, veio interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga, datada de 8 de Janeiro de 2014, que indeferiu a presente providência cautelar, intentada contra "PARQUE ESCOLAR - EPE", onde peticionava:
(i) - Suspensão de eficácia do procedimento de aplicação de multas contratuais e suspensão de eficácia da emissão de qualquer nota de débito referente a multas contratuais;
(ii) - Suspensão de eficácia do procedimento de imputação de custos com aluguer de monoblocos e contratação da fiscalização e suspensão da eficácia da emissão de qualquer nota de débito referente a esses custos;
(iii) - Regularização provisória da situação jurídica da aplicação das multas, emissão da nota de débito e imputação de custos com aluguer de monoblocos e contratação da fiscalização;
(iv) - Intimação para abstenção de comportamento de aplicação das multas, emissão de notas de débito e imputação de custos com aluguer de monoblocos e contratação da fiscalização.
***
No final das alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões (que, sem correcções, se transcrevem):
I. O Requerente/Recorrente nos autos do processo melhor identificado em epigrafe, em que figura como Requerida/Recorrida a PARQUE ESCOLAR, E.P.E., não se conformando com a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, requer a V/ Exa. que se digne admitir o presente Recurso para o TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE, o qual é de APELAÇÃO nos termos do disposto no artigo 140º, artigo 142º e artigo 143º, todos do CPTA (em conjugação com o artigo 644º, n.º 2, alínea h), artigo 638º, artigo 629º, artigo 627º, artigo 621º e artigo 620º todos do Código de Processo Civil).
II. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, notificada a 10 de Janeiro de 2014, onde não procedeu a qualquer e devida análise perfunctória a matéria de facto com interesse para o processo, nem tampouco foram ordenados ou admitidos os meios de prova requeridos pelas partes.
III. Bem como, o douto Despacho Saneador, julgou improcedente/indeferido o pedido cautelar, sem considerar e verificar os pressupostos e os requisitos previstos no artigo 120º do CPTA, decidindo apenas não ser evidente a procedência da pretensão a formular na acção principal (cfr. Artigo 120º, n.º 1, alínea a), do CPTA),
IV. E, ainda, considerando que a Requerente não justificou, de facto e de direito, que a execução das deliberações postas em crise se repercutem na esfera jurídica da Requerente, decidindo como não verificado o pressuposto de “periculum in mora” (cfr. Artigo 120º, n.º 1, alínea b), 1ª parte, do CPTA).
V. Assim, a douta sentença, indeferiu o pedido cautelar formulado pela Requerente, dado não se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender a adopção de providência cautelar requerida. Em que o Tribunal “a quo”, para além do mais e para o que aqui nos interessa, não decidiu o mérito da causa, considerando a análise e o enquadramento devido dos pressupostos e requisitos para o decretamento da providência cautelar, nem tampouco decidiu o mérito da questão, não considerando os factos e a prova produzida ou requerida.
VI. E, requer a V. Exa. seja atribuído efeito suspensivo, considerando que a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso pode causar danos graves e superiores aos danos (inexistentes) da atribuição de efeito suspensivo, devendo o Tribunal “a quo” determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar quaisquer danos, impondo a prestação, pela interessada, de garantia destinada a responder pelos mesmos com os efeitos previstos no disposto no artigo 143º, n.º 4 do CPTA – cfr. Documento n.º 1.
VII. Considerando o requisito “periculum in mora”, parece-nos por demais evidente que caso sejam aplicadas as multas, as notas de débito em conta corrente e a imputação de custos, ao Requerente, este terá forçosamente de suspender a empreitada, por insuficiência económica e mesmo poderá levar à insolvência da Recorrente, com os demais incómodos daí advindos (débitos a subempreiteiros, fornecedores e trabalhadores).
VIII. Na verdade, a falta atempada de pagamentos e as ordens de execução emitidas pela Requerida são factores externos ao Requerente é que ditam a execução dos trabalhos. Isto porque, caso venha a acontecer isso mesmo, originará a incapacidade económica do Requerente, e, consequentemente, o não fornecimento da empreitada, pelos fornecedores, e a não execução de trabalhos da empreitada pelos Subempreiteiros – cfr. Documento n.º 1.
IX. O que virá, ainda, agravar as circunstâncias já existentes, com a aplicação de multas, atrasos nos pagamentos por parte da Requerida, e ocorrem constantemente alterações aos trabalhos, ordenados pela Recorrida, que têm gerado enormes problemas de tesouraria ao Requerente – cfr. Documentos juntos à petição inicial.
X. Na verdade, a não suspensão da aplicação das multas e aplicação de novas multas, passando a Recorrida a compensar os atrasos nos pagamentos e alterações aos trabalhos, com a aplicação de multas, levará à imediata suspensão da empreitada, por parte da Recorrente, quer devido à aplicação de multas e custos em conta corrente de pagamentos, quer quanto aos existentes e elevados atrasos nos pagamentos, por parte da Recorrida. Porquanto a necessidade urgente de suspender, quer a aplicação de multas, quer a imputação de custos, em conta corrente, entre o Requerente e a Requerida – cfr. Documento n.º 1.
XI. Ao contrário, o prosseguimento da aplicação de multas e custos, cuja suspensão se requer terá como consequência a inutilidade dos prazos de execução da empreitada, face à óbvia suspensão da empreitada, pela insuficiência originada no Requerente, Bem como, terá, ainda, como consequência imediata a inutilidade da decisão a proferir na acção arbitral, porquanto levará inelutavelmente ao prejuízo do contrato de empreitada e do funcionamento das escolas secundárias em crise e ao “fim” do Recorrente – cfr. Documento n.º 1.
XII. O que vale por dizer que causará ao Requerente e à Requerida prejuízos graves e irreparáveis (nem sequer apenas de difícil reparação). Colocando-a numa posição de possível incumprimento das responsabilidades assumidas, designadamente, por exemplo, quanto ao pagamento a trabalhadores e demais despesas fixas, bem como em absoluta incapacidade financeira.
XIII. Bem como, terá, ainda, como consequência imediata a inutilidade da decisão a proferir na acção arbitral, porquanto levará inelutavelmente ao prejuízo do contrato de empreitada e do funcionamento das escolas secundárias em crise. É, assim, evidente, que (como exige a lei no artigo 120º a 131º do CPTA), a produção dos efeitos da premente aplicação de multas e imputação de custos, neste contrato de empreitada em execução, causará certamente prejuízo de impossível reparação para o Requerente – cfr. Documento n.º 1.
XIV. Isto porque estamos perante matéria de facto omitida e não relevada, conforme os artigos 140 a 306º do requerimento inicial da providência cautelar, nem tampouco foram considerados os 27 documentos juntos e as 10 testemunhas arroladas.
XV. No mesmo sentido, a douta sentença não considerou, por um lado, as alterações e suspensões dos trabalhos levados a cabo pela Recorrida, e, por outro lado, não considerou os atrasos nos pagamentos, por parte da Recorrida.
XVI. Isto a douta sentença omite ou não considera (análise perfunctória) de tais factos de enorme relevância, quer para a ilegalidade e mesmo inconstitucionalidade da aplicação das multas, por violação de procedimentos, violação da legislação e violação do princípio constitucional da proporcionalidade, inquinando todo o procedimento de aplicação de multas pela Recorrida, ab initio.
XVII. É precisamente neste “thema decidendum” que entronca a questão de mérito colocada neste recurso jurisdicional, e na qual se consubstancia o erro de julgamento imputado ao despacho saneador recorrido.
XVIII. É que, por um lado, a douta sentença parte do pressuposto de não há evidência da procedência da pretensão principal e que o Recorrente não demonstrou o grave prejuízo para o interesse privado se a Recorrida aplicasse os actos de multas contratuais. Proposição que não faz qualquer sentido, porque a Entidade Requerida já aplicou algumas multas e porque não é só isso que está aqui em causa, mas sim a quantia global de aplicação de todas as multas em que já houve comunicação de aplicação das multas, que ascende a quase seis milhões de euros.
XIX. Pois a aplicação das multas contratuais e a imputação de custos aqui em causa tem, para a Parque Escolar, um único objetivo: a dedução dos avultados valores das multas e dos valores resultantes da imputação de custos aos pagamentos das faturas vencidas do Requerente, livrando-se assim do pagamento dos trabalhos.
XX. É por via desta “dinâmica” que, a Requerida, consegue reduzir os atrasos nos seus pagamentos ao Requerente, rectius, consegue eliminar os seus inúmeros incumprimentos contratuais.
XXI. Assim, não é só, com todo o respeito, contra a lei. É também profundamente injusto e inconstitucional, em virtude da absoluta desproporcionalidade, pela aplicação das multas avultadas, nos termos preconizados.
XXII. Na verdade, a posição do Empreiteiro é que é e ficará mais débil, se a Recorrida avançar já com as compensações, com a aplicação de todas as multas em conta corrente, cerca de seis milhões de euros, porque isso inviabiliza que venha a ser pago pelos imensos custos que já teve na execução da empreitada, o que deve ser entendido como perfeitamente compreensível.
XXIII. E com consequências gravíssimas sobre empresas e trabalhadores – cfr. Documento n.º 25, junto com a Petição Inicial da Providência Cautelar. É que ao atraso nos pagamentos somar-se-ia agora a inexistência de qualquer obrigação de pagamento efectivo, o que é insustentável, o que traria inevitáveis problemas de liquidez financeira, ao Requerente, quase forçando-o à suspensão da empreitada por manifesta insuficiência económica, a que, claro, se somariam multas e mais multas, até ao “derrube” completo da empresa da Requerente.
XXIV. O que significa que até podia levar à suspensão das empreitadas, por incapacidade financeira do Recorrente e, mesmo, levar à insolvência pelo período que demorará a decidir o processo arbitral (cerca de um ano).
XXV. Sendo certo que esses, os Tribunais, devem partir do pressuposto de que a sentença final pode ser a favor do particular. Como diz Vieira de Andrade, “o juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento…”
(Vid A justiça administrativa, p. 353).
XXVI. Para esse efeito é que o Recorrente intentou providência cautelar no TAF, contra a Recorrida, requerendo, para o efeito, (i) A suspensão da eficácia dos actos de aplicação das multas aplicadas ou a aplicar e intimação para que se abstenha de prosseguir com a execução das mesmas, (ii) suspensão da eficácia do procedimento para aplicação de novas multas, (iii) regulação provisória de situação jurídica, e (iv) intimação para abstenção de comportamento.
XXVII. A sentença recorrida enferma de nulidades, por não ter considerado alguns dos factos alegados pelo Recorrente, não ter analisado a prova documental e ter impossibilitado a inquirição de testemunhas, aos factos provados não foi feita a aplicação do direito respectivo, existindo claramente omissão de pronúncia, existe erro de julgamento, por se ter considerado inverificada a evidência da pretensão, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, existe no caso “ sub judice”, com a aplicação das multas e custos, um prejuízo de difícil reparação (“ periculum in mora”) bem como se encontra preenchido o “fumus boni juris”, conforme artigo 120º do CPTA, e não existe qualquer prejuízo para o interesse público, com a suspensão da aplicação de quaisquer multas e custos, existe erro de julgamento na aplicação da al. b) do artigo 120º do CPTA (“periculum in mora”), omissão de pronúncia quanto a um dos pedidos (suspensão de eficácia do procedimento para aplicação das novas multas), erro de julgamento no tocante aos pedidos de regulação provisória da situação jurídica e de abstenção de qualquer acto de aplicação das multas.
XXVIII. Tendo, ainda, o Recorrente pedido ainda a suspensão de eficácia do procedimento para aplicação de novas multas, pedido este que não foi objecto de análise, gerando a nulidade prevista no n.º 1 do artigo 668º do Cód. Proc. Civil, e que poderá levar ao fim do Recorrente, caso se venha a concretizar a aplicação em conta corrente de multas, já com intenção, por parte da Recorrida.
XXIX. Nesse sentido, o Recorrente discorda do entendimento sufragado pela decisão recorrida, sustentando que no requerimento inicial foram alegados factos que são essenciais para a boa decisão da causa, porquanto através dos mesmos se consegue aferir da evidência da pretensão a decidir no processo principal (arbitral), e da verificação dos pressupostos de adopção da providência cautelar, em relação aos quais, porém, a Mº Juiz “a quo” fez tábua rasa, limitando-se apenas a decidir que os factos provados são os por ele elencados, sem sequer se pronunciar sobre a relevância dos factos alegados pelo recorrente, nomeadamente todos os factos que constam do artigo 140 ao artigo 306, todos do requerimento inicial da providência cautelar.
XXX. Estes factos, nomeadamente os alegados pelo recorrente nos artigos 140 a 306 do requerimento inicial, que deveriam ter sido incluídos nos factos provados, porquanto mesmo que se entenda que não demonstram com evidência a procedência da pretensão formulada, uma vez que se aceita que necessitam de uma análise factual e de direito de tal forma aprofundada que se admite que não caibam no critério da alínea a), relevam e são suficientes para a aferição da alínea b) do artigo 120º do CPTA, nomeadamente para demonstrar que não é manifesta a falta de fundamentação da pretensão a formular no processo principal.
XXXI. Sempre se dirá que é de considerar os factos supra, para a adopção da presente providência cautelar, que, no caso concreto, se mostra, claramente, necessária para assegurar a utilidade da acção arbitral a instaurar pelo Requerente.
XXXII. Até que a questão seja decidida no processo arbitral principal (cfr. Mário Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2007, nota 4 do artigo 112º; e o Acórdão do S.T.A. de 13.01.05).
XXXIII. Procurando, assim, neutralizar o risco de retardamento e de infrutuosidade da tutela principal e impedir que a justiça administrativa se traduza numa justiça platónica por chegar fora do tempo, e leve ao fim do Recorrente.
XXXIV. E, quanto à omissão de pronúncia por falta de inquirição de testemunhas (10) e análise de documentos (27), e consequente inconsideração de alguns dos factos alegados pelas requerentes (artigo 668º n.º 1 alínea d) do CPC é manifesto que a mesma se verifica.
XXXV. Existe défice na factualidade dada como assente pela decisão recorrida, a justificar que, ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPCivil, o processo baixe ao TAF de Braga, a fim de aí se proceder à inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente/recorrente à matéria de facto alegada nos artigos 140 a 306 do requerimento inicial da alegação do recorrente.
XXXVI. Deste modo, a prova desses factos, mostra-se imprescindível para que se possa proceder à análise, ainda que perfunctória, dos requisitos previstos na alínea a) e b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
XXXVII. E, se o ónus de tal prova recaía sobre o ora recorrente [cfr. artigo 342º, nº 1 do Cód. Civil], o certo é que tendo o mesmo indicado testemunhas e apresentado documentos no requerimento inicial, a prova pretendida sobre os factos tendentes a demonstrar os requisitos exigidos pela alínea a) e b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA podia – e devia, acrescente-se – ter sido feita através da inquirição das testemunhas arroladas e confrontação com os documentos apresentado pelo recorrente, o que foi inviabilizado pelo Tribunal “a quo”, que proferiu sentença sem que tivesse lugar uma fase de produção de prova, nomeadamente testemunhal e documental.
XXXVIII. Quanto aos requisitos da providência cautelar, por um lado, vejamos, que o Tribunal errou ao julgar inverificado o requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, por não ser evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal.
XXXIX. Tem-se entendido que a procedência da pretensão a formular no processo principal é evidente quando a mesma seja de tal forma clara ou notória que dispense qualquer indagação de facto ou de direito, bastando a verificação dessa evidência para que a providência seja concedida (cfr. M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2007, notas ao artigo 120º; Ac- TCA-Sul de 9.02.2006. P. 1349/06; Ac. TCA- Sul de 14.06.2007, P.02604/07).
XL. Ora, no caso dos autos, as recorrentes basearam a sua pretensão na (no seu entender) manifesta ilegalidade dos actos de aplicação das multas. A nosso ver, a sentença recorrida ajuizou incorrectamente, visto existir relação causal entre o acto de aplicação de uma multa e a hipotética mas real/possível consequência de suspensão das empreitadas, por incapacidade financeira do Recorrente, bem como a possível insolvência desta, em virtude dos actos de aplicação de multas, alterações aos trabalhos com maiores custos paras o Recorrente e, ainda, os atrasos constantes e habituais nos pagamentos, pela Recorrida.
XLI. Segundo José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), 4ª ed., Almedina, pp. 299, “o papel que é dado ao fumus boni iuris (ou “aparência do direito”) é decisivo, desde logo porque parece ser o único factor relevante para a decisão de adopção da providência cautelar, em caso de evidência da procedência da pretensão principal, designadamente por manifesta ilegalidade do ato.”.
XLII. Neste juízo, relativo à manifesta ilegalidade do ato em causa e da evidência da pretensão formulada no processo principal, nos termos previstos na al. a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, cabe analisar se a mesma se revela ou afirma como patente, notória, visível e com grande grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê, designadamente, da natureza ostensiva e grosseira da ilegalidade cometida.
XLIII. Está, também, em causa, para além das muitas alterações e suspensões dos trabalhos, levadas a cabo pela Recorrida, o eventual incumprimento contratual da recorrida, por desrespeito do prazo de pagamento das facturas apresentadas e que motivou às quantias em dívida e, consequentemente, e esse juízo exigirá um conhecimento integral dos factos relativos às facturas entregues, das datas da sua apresentação e das datas em que ocorreram os respectivos pagamentos, a fim de perceber de que lado está a razão, quanto a se encontrar ou não em dívida.
XLIV. Assim, procedendo-se a um juízo perfunctório sobre a legalidade da actuação da ora recorrida, atento o litígio em presença, cujo mérito se encontra a ser discutido em instância arbitral, poderá-se concluir pela verificação do critério de evidência, a que se refere a alínea a), do nº 1 do artº 120º do CPTA, sendo possível formular um juízo de evidência da pretensão formulada, à luz do disposto na alínea a), do nº 1 do artº 120º do CPTA, que permite sustentar o decretamento da providência cautelar requerida.
XLV. Além disso, ao juiz cautelar impõe-se que proceda à sumario cognitio, quer de facto, quer de direito, da pretensão das requerentes e do grau de probabilidade de procedência da ação principal e não que decida definitivamente sobre a (i)legalidade da decisão tomada, nomeadamente, se são ou não procedentes as causas de invalidade do ato suspendendo invocadas, caso em que seria antecipar o juízo cognitivo da decisão a proferir no processo principal, para o presente processo sumário e urgente, o que não cabe.
XLVI. Nestes termos, conhecendo em substituição, é de concluir no sentido de estarem reunidos os pressupostos de evidência, para que a providência possa ser decretada com base no critério previsto na alínea a), do nº 1 do artº 120º do CPTA, o qual permitiria, sem mais, o decretamento da providência requerida.
XLVII. Por outro lado, a alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA [e, de igual modo, também a alínea c) do mesmo preceito] fazem depender a atribuição de providências cautelares da formulação de um juízo sobre as perspectivas de êxito do requerente no processo principal.
XLVIII. Com efeito, a alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA satisfaz-se com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular” pelo requerente no processo principal, “ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”, para que uma providência conservatória possa ser concedida.
XLIX. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um “fumus non malus iuris”: não é necessário um juízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa – o que, tratando-se de factos negativos, não cabe ao requerente demonstrar e, na dúvida, parece ser, por regra, de admitir [cfr., neste sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição, 2010, a págs. 808].
L. Por último, também, factos tendentes a demonstrar que, não sendo concedida a tutela cautelar, se iriam produzir na sua esfera jurídica prejuízos de difícil, senão impossível reparação, ou seja, para o que aqui importa, alegou factos tendentes a demonstrar que não era manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal e que a execução do despacho suspendendo era adequada a originar prejuízos de difícil reparação.
LI. Daí que a crítica apontada neste particular à decisão recorrida se afigure procedente. Com efeito, não obstante não ter atendido aos factos alegados pelo recorrente relativamente ao preenchimento dos requisitos de que a lei faz depender o decretamento das providências cautelares.
LII. Aliás, as providências cautelares visam impedir, como tivemos já oportunidade de referir, que durante a pendência de qualquer ação principal a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela (obviar a que a decisão judicial não se torne numa decisão «puramente platónica»).
LIII. Ainda neste último caso, justifica-se a adoção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal: pense-se no risco de interrupção do pagamento de trabalhos nas empreitadas, que podem ser a principal ou mesmo única fonte de rendimento do interessado.
LIV. Nesta sede, em que se trata de aferir, nomeadamente, da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação” o critério a atender deixou, como refere J.C. Vieira de Andrade o “… juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica …” (in: ob. cit., pág. 305).
LV. Ressuma, pois, do atrás exposto que os prejuízos de difícil reparação serão os que advirão da não decretação da pretensão cautelar e que, pela sua irreversibilidade, tornam extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, pese embora suscetíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela contudo insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica do requerente, devolvendo-lhe a situação em que ele se encontraria não fora a execução havida daquele acto.
LVI. Já se estará em presença duma situação de facto consumado quando se revele de todo em todo impossível a reintegração específica da esfera jurídica daquele mesmo requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ele existente no momento da respetiva lesão.
LVII. E para concluir no sentido de que, dos factos apurados, se deve considerar também como verificado estes requisitos e, com efeito, a não ser decretada a providência requerida o requerente ver-se-á impossibilitado de exercer a atividade profissional a que se dedica no que se traduzirá na privação/redução dos seus rendimentos, no incumprimento das obrigações contratuais que havia assumido em decorrência da sua atividade/estatuto profissional, pondo em causa o seu bom nome, bem como o seu desempenho/carreira profissional a ponto de não mais ser possível a sua reconstituição no plano dos factos e do direito.
LVIII. E, por último, tanto num caso como no outro, as recorrentes visam antecipar, a título provisório, qualquer inovação na ordem jurídica, como sucede nas providências antecipatórias. Em suma, deve considerar-se que a decisão de indeferir a providência cautelar abrange, logicamente, o indeferimento da suspensão do procedimento de aplicação de novas multas.
LIX. As recorrentes pediram, ainda, a regulação provisória da situação jurídica (artigo 112º, n.º 2 alínea e) do CPTA), em termos de a ora Recorrente não ter de pagar-lhes o montante de €, até à decisão final do processo principal (arbitral), caso contrário, manifestamente, o caso, onde demonstrou que a Recorrente ficará numa situação de grave carência económica de uma pessoa colectiva.
LX. Afigura-se-nos que na conjugação do direito constitucional inserto no art. 47.º da CRP com o princípio do Estado de Direito Democrático importa garantir, seguramente, um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e, bem assim, nas suas expetativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica, o que não está a acontecer in casu, com quebra intolerável da segurança jurídica e da confiança que as pessoas e a comunidade têm obrigação (e também o direito) de depositar na ordem jurídica que as rege, com a aplicação de multas contratuais exorbitantes, com atrasos nos pagamentos e alterações de trabalhos, violando clara e objectivamente o princípio constitucional da proporcionalidade.
LXI. Daí que, e assim concluímos, à luz do acima referido, no caso presente os factos alegados e provados são suficientes para, a partir deles, ser extraída a conclusão de verificação da condição positiva do «periculum in mora» e do «fumus boni iuri».
LXII. Reunidos que se mostram os requisitos positivos alinhados no n.º 1 do art. 120.º do CPTA importa, daí que para a recusa da concessão duma providência à luz do juízo de ponderação previsto no n.º 2 do art. 120.º no contraste entre os prejuízos que a execução causará ao requerente e os danos que a concessão da providência provoca ao interesse prosseguido pelo ente requerido deve dar-se prevalência aos de mais elevada consideração ou de maior intensidade, sendo que nesta ponderação, que nem sempre é fácil de fazer, sobressai uma ideia de proporcionalidade, que não foi cumprida desde o início do procedimento das empreitadas, com as alterações aos trabalhos, atrasos nos pagamentos e aplicação de multas e custos contratuais.
LXIII. Presente todo o enquadramento destes requisitos desenvolvidos sob os pontos antecedentes e entrando, agora, na análise do caso vertente temos, para nós, que no juízo de ponderação a realizar à luz do n.º 2 do art. 120.º do CPTA não poderemos deixar de concluir pelo deferimento da providência requerida.
LXIV. Resulta, pois, preenchido o âmbito de previsão da alínea d), do nº 1 do artº 668º do CPC, quando a ocorrer fundamento de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, já que a sentença recorrida deixou de apreciar o pedido de decretamento da providência requerida à luz do disposto na alínea a), do nº 1 do artº 120º do CPTA.
LXV. Verifica-se a nulidade da sentença prevista na alínea d), do nº 1, do artº 668º do CPC, quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, o que ora ocorre em relação à pronúncia sobre o requisito da evidência da pretensão, nos termos da alínea a), do nº 1 do artº 120º do CPTA.
LXVI. O juiz deve conhecer todas as questões que lhe foram submetidas, isto é, todos os pedidos e todas as causas de pedir, pelo que, o não conhecimento de questão cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento anterior de outra questão, integra a nulidade por omissão de pronúncia.
LXVII. Pelo exposto, procede a censura dirigida contra a decisão recorrida, por omissão de pronúncia em relação à análise do pedido de decretamento da providência requerida com base no disposto na alínea a), do nº 1 do artº 120º do CPTA.
LXVIII. Em consequência, impõe-se o conhecimento e decisão, em substituição, nos termos do artº 149º do CPTA, o que se fará de imediato.
LXIX. Merece, face ao exposto, censura dirigida contra a decisão recorrida no respeitante ao pedido de decretamento da providência cautelar e tendo a sentença concluído pela falta de evidência do fumus boni iuri e pela falta do periculum in mora, previsto no artº 120º do CPTA, terá de se concluir pelo deferimento do pedido cautelar, não se adoptando a providência requerida, por falta dos seus legais pressupostos".
***
Notificadas as alegações, acabadas de transcrever nas respectivas conclusões, veio apenas a recorrida "Parque Escolar, EPE" apresentar contra alegações que concluiu do seguinte modo:
A. Por sentença proferida em 8 de janeiro de 2014, veio o Tribunal a quo indeferir o pedido cautelar formulado pela ora Recorrente julgando não se ter verificado o pressuposto de periculum in mora, previsto na parte inicial da alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
B. Tratando-se de um requisito cumulativo, considerou o Tribunal a quo estar prejudicado o conhecimento do fumus boni iuris.
C. Inconformada com a Douta sentença, veio a Requerente arguir um erro na decisão por preterição de diligências instrutórias que serviriam para demonstrar a verificação dos requisitos cumulativos de concessão de providências cautelares rejeitados.
D. Contudo, entende a Recorrida que o Tribunal a quo procedeu a uma boa aplicação do direito, avaliando a prova produzida, decidindo em conformidade com os documentos que constam do processo, mormente, pelos argumentos e discutidos pelas partes nos seus articulados.
E. Desde logo, porque a dispensa de ulteriores diligências probatórias não configura motivo atendível para a arguição da nulidade da sentença recorrida.
F. Neste sentido, determina o n.º 3 do artigo 118.º do CPTA que cabe ao juiz ordenar as diligências que considera necessárias, não afastando por isso que este venha a considerar que todas as inquirições são, a contrario, desnecessárias.
G. O Tribunal a quo ao considerar que a prova produzida era suficiente para a avaliação perfunctória que lhe estava destinada, formou a sua convicção indiciária na matéria alegada pelas partes e nos documentos juntos.
H. A alegação da Recorrente, não poderá colher a simpatia do Tribunal ad quem porquanto procura um juízo de mérito e não um juízo cautelar, transpondo para a sala de audiências a demonstração de factos que não logrou suscitar, nem sequer de forma indiciária.
I. Das alegações constantes do requerimento inicial, e bem assim, das alegações de recurso, não resulta evidente quais os factos concretos que suportam a pretensão cautelar da Recorrente.
J. Estando a correr termos um tribunal arbitral ad hoc para a discussão das questões de mérito que, alegadamente, suportam a pretensão da Recorrente não sobrevém nenhum motivo atendível para o decretamento da presente providência.
K. Sendo essa a sede própria para uma avaliação concreta e detalhada do caso sub judice que permitirá decidir pela procedência ou improcedência das penalidades aplicadas por incumprimento dos prazos parciais vinculativos.
L. Pelo que julgou bem o Tribunal a quo quando indeferiu a concessão da presente providência cautelar".
***
2. Cumprido o disposto no art.º 146.º do CPTA, o M.º P.º não se pronunciou.
***
3. Sem vistos, dado o disposto no art.º 36.º, ns. 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
***
4. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º-A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.
Porém, nos termos do art.º 149.º do CPTA, o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade:
1. Em 27 de Janeiro de 2011, a Requerente “ABB, B, ACE...” e a Requerida “Parque Escolar, EPE” celebraram o contrato de empreitada de obras públicas n.º 10/2285/CA/C para a “Execução das Obras de Modernização para a Fase 3 do Programa de Modernização das Escolas destinadas ao Ensino Secundário – Lote 3EL8, que integra a Escola Secundária SCP..., sita na Amadora, e a Escola Secundária D. J V..., na Damaia”. [Cfr. Doc. n.º1 junto com o Requerimento Inicial (RI), que aqui se dá por integralmente reproduzido].
2. A Cláusula Primeira do contrato de empreitada supra, estabelece:
“Objecto
1. Pelo presente Contrato, o EMPREITEIRO obriga-se, perante a PARQUE ESCOLAR a executar a Empreitada de Execução das Obras de Modernização para a Fase 3 do Programa de Modernização das Escolas destinadas ao Ensino Secundário – Lote 3EL8, de acordo com o estabelecido no presente Contrato, nos termos e condições previstos no Programa do Concurso, Caderno de Encargos, nos respectivos esclarecimentos e rectificações, nos suprimentos dos erros e omissões aceites pela PARQUE ESCOLAR e demais elementos patentes no Procedimento PE_10534 _CQE e com a sua Proposta de 01/12/2010, documentos que fazem parte integrante do presente contrato (cfr. Anexo I), podendo igualmente ser consultados na plataforma electrónica Construlink no site www.compraspúblicas.com.
2. Em caso de divergência entre os documentos referidos no número anterior, seguir-se ão as regras de prevalência definidas no Caderno de Encargos.
3. Integram o LOTE EL8 as seguintes escolas:
- Escola Secundária SCP..., na Amadora (Escola n.º1)
- Escola Secundária D. J V..., na Damaia (Escola n.º2)” (cfr. Doc.n.º1 junto com o RI).
3. A Cláusula Quarta do contrato de empreitada prescreve:
Consignação
A Consignação da obra será concluída em prazo não superior a 30 (trinta) dias após a data da celebração do presente contrato, nos termos do artigo 359.º, n.º 1 do Código dos Contratos Públicos”
4. Em 22 de Fevereiro de 2011, foram efectuados Auto de Consignação autónomos referentes as empreitadas de cada uma das Escola - Escola Secundária SCP..., na Amadora (Escola n.º1) Escola Secundária D. J V..., na Damaia (Escola n.º2) - (Cfr. Doc. 2 e 3. do RI).
5. A Requerida, em 16 de Março de 2011, comunicou à Requerente a aprovação do Plano de Segurança e Saúde da empreitada na Escola Secundária D. J V..., na Damaia (Escola n.º2).
6. A Requerida, em 22 de Março de 2011, comunicou à Requerente a aprovação do Plano de Segurança e Saúde da empreitada na Escola Secundária SCP..., na Amadora (Escola n.º1).
7. Na Cláusula Quinta do Contrato de empreitada em causa, prescreve-se:
Prazo de Execução
1. O prazo global para a execução da obra objecto do presente contrato é de 18 (dezoito) meses, a contar da data de consignação.
2. Para além do prazo referido no número anterior, o EMPREITEIRO respeitará ainda os seguintes prazos parciais vinculativos:
a) Prazos parciais vinculativos da Empreitada contados a partir da respectiva consignação:
Escola n.º1 - Escola Secundária SCP..., na Amadora: 18 meses;
Escola n.º2 - Escola Secundária D. J V..., na Damaia: 18 meses:
b) Prazos Parciais vinculativos de cada Escola: os respeitantes às durações indicadas nos Faseamentos Construtivos das Escolas, estabelecidos no Caderno de Encargos.”
8. Com datas de 16 de Janeiro de 2012, 30 de Janeiro de 2012 e 15 de Fevereiro de 2012, após ter sido efectuada vistoria, na presença de representante da Requerida, do Requerente e da Fiscalização, para efeitos de Recepção Provisória, respectivamente, do Bloco E (cota baixa), do Bloco E (cota intermédia) e Bloco E e Arranjos exteriores, da Fase 1 da empreitada para Execução das Obras de Modernização para a Fase 3 do Programa de Modernização das Escolas destinadas ao Ensino Secundário – Lote 3EL8 (Escola Secundária SCP..., sita na Amadora, e a Escola Secundária D. J V..., na Damaia), foram lavrados Autos de não recepção provisória – Fase I, ficando a constar dos mesmos que: “Da Vistoria efectuada, verifica-se que os trabalhos respeitantes à Fase 1, embora executados de acordo com o projecto, o Caderno de Encargos, o Contrato, alterações impostas ou acordadas posteriormente e regas técnicas e de artes aplicáveis, os mesmos não se encontram concluídos, pelo que à presente data, a Fase 1 não se encontra em condições de ser recebida.
Nestes termos, declara-se a não recepção provisória da Fase 1.” (Cfr. Fls. 3, 4 e 5 do PA.).
9. A Requerida, invocando o artigo 403.º do Código dos Contratos Públicos e as Cláusulas 52.1 e 52.2, do Caderno de Encargos patenteado a concurso, notificou a Requerente da intenção de aplicação de sanção contratual por incumprimento do prazo parcial da Fase 1 da obra - Escola SCP..., através do ofício NUI-2012-001916-S, com data de 22-02-2012 (Cfr. Fls. 16 a 19 do PA).
10. A Requerente, sobre a intenção de aplicação da referida sanção, respondeu pronunciando-se no sentido de não estarem preenchidos os pressupostos de que o artigo 403.º do CCP faz depender as multas contratuais em causa, imputando qualquer atraso na execução das obras, a existir, ao dono da obra (Cfr. Fls. 20 a 23 do PA).
11. Através do ofício NUI-2012-002762-S, de 20-03-2012, a Requerida notificou a Requerente da decisão da aplicação daquela sanção contratual, por factos que lhe são imputáveis (Cfr. Fls. 24 a 31 do PA).
12. Por Deliberação do Conselho de Administração da Requerida Parque Escolar, de 21 de Maio de 2012, foi decidido aplicar à Requerente a sanção contratual pelo incumprimento do prazo parcial da execução da obra da Escola Secundária SCP… (fase 1), no valor de 46.976, 58€, relativo ao período de seis dias – desde 15.02.12 a 21.02.2012 -, por factos imputáveis ao empreiteiro.
13. A Requerente foi notificada da decisão supra, através do ofício NUI-2012-004434-S, datado de 22.05.2012 (Cfr. Fls. 51 a 53 do PA).
14. Através do ofício NUI-2012-002762-S, de 20-03-2012, referido no ponto 11, foi a Requerente notificada pela Requerida da intenção de aplicação de uma nova sanção contratual, por reiterado incumprimento do prazo parcial da fase 1 da execução da obra da Escola Secundária SCP..., no valor de 407.130,36€, relativo ao período de 28 dias – 22.2.2012 a 20.03.2012 (Cfr. Fls. 24 a 31 do PA).
15. A Requerente respondeu, por ofício datado de 05.04.2012, pronunciando-se no sentido da revogação da intenção de aplicação da segunda sanção contratual mencionada no ponto 14, por inadmissibilidade legal para tal (Cfr. Fls. 120 a 139 do PA).
16. A Requerida decidiu pela aplicação da referida sanção contratual, por reiterado incumprimento do prazo parcial da fase 1 da execução da obra da Escola Secundária SCP..., no valor de 407.130,36€, relativo ao período de 28 dias – 22.2.2012 a 20.03.2012 (Cfr. Fls. 154 a 164 do PA).
17. A Requerida, invocando o artigo 403.º do Código dos Contratos Públicos e as Cláusulas 52.1 e 52.2, do Caderno de Encargos patenteado a concurso, notificou a Requerente da intenção de aplicação de sanção contratual por incumprimento do prazo parcial da Fase 1 da obra – Escola Secundária D. J V..., através do ofício NUI-2012-000719-S, com data de 18-01-2012 (Cfr. Fls. 60 a 82 do PA).
18. A Requerente, sobre a intenção de aplicação da referida sanção, respondeu argumentando que devido às alterações introduzidas pelo dono da obra, não havia decorrido o prazo para a conclusão da referida fase 1, imputando qualquer atraso na execução das obras, a existir, à Requerida (Cfr. Fls. 83 a 108 do PA).
19. Por Deliberação do Conselho de Administração da Requerida Parque Escolar, de 21 de Maio de 2012, foi decidido aplicar à Requerente a sanção contratual pelo incumprimento do prazo parcial da execução da obra da Escola Secundária D. J V... (fase 1), no valor de 257.068,00€, relativo ao período de 25 dias – desde 19.12.11 a 13.01.2012 -, por factos imputáveis ao empreiteiro.
20. A Requerente foi notificada da decisão supra, através do ofício com a referência NUI-2012-00443435 -S, datado de 22.05.2012 (Cfr. Fls. 140 e 141 do PA)
21. Através do ofício NUI-2012-002769-S, de 20-03-2012 referido no ponto 11, foi a Requerente notificada pela Requerida da intenção de aplicação de uma nova sanção contratual, por reiterado incumprimento do prazo parcial da fase 1 da execução da obra da Escola Secundária D. J V..., no valor de 861.177,80€, relativo ao período de 67 dias – 14.01.2012 a 20.03.2012 (Cfr. Fls. 112 a 119 do PA).
22. A Requerente respondeu, por ofício datado de 09.04.2012, pronunciando-se no sentido da revogação da intenção de aplicação da segunda sanção contratual mencionada no ponto supra, por inadmissibilidade legal para tal. (Cfr. Fls. 120 a 139 do PA).
23. A Requerida decidiu pela aplicação da referida sanção contratual com o argumento de reiterado incumprimento do prazo parcial da fase 1 da execução da obra da Escola Secundária D. J V..., no valor de 861.177,80€, relativo ao período de 67 dias – 14.01.2012 a 20.03.2012 (Cfr. Fls. 154 a 164 do PA).
24. Através da comunicação NUI-2012-002084-S, datada de 28 de Fevereiro de 2012 a Requerida notificou a Requerente da intenção de imputação de custos, argumentando estarem relacionados com a necessidade de prolongamento do aluguer de monoblocos na sequência do alegado incumprimento dos prazos parciais vinculativos das fases 1, pelo período de 12 dias para a Escola Secundária SCP..., no valor de 8.593,16€ e pelo período de 70 dias para a escola Secundária D. J V..., no valor de 14.851, 29€; bem como da imputação de custos associados à presença das equipas de fiscalização nas obras, por execução dos trabalhos fora do horário normal de trabalho por iniciativa da entidade executante, no valor de 587,38€ (Cfr. Fls. 201 a 205 do PA).
25. A Requerente respondeu, em 13 de Março de 2012, pronunciando-se no sentido de que a existir atrasos na execução da obra tal só poderá ser da responsabilidade da Requerida/ dono da obra (Cfr. Fls. 206 a 209 do PA).
26. Por Deliberação do Conselho de Administração da Requerida Parque Escolar, EPE, de 31 de Maio de 2012, foi decidido a imputação dos custos descriminados no ponto 24.
27. A Requerente foi notificada da decisão supra, através da comunicação com a referência NUI-2012-004723 -S, datada de 01.06.2012 (Cfr. Fls. 140 e 141 do PA).
28. Na comunicação NUI-2012-003134-S, datada de 03.04.2012 a Requerida notificou a Requerente da intenção de imputação de custos, argumentando estarem relacionados com a necessidade de prolongamento do aluguer de monoblocos na sequência do alegado incumprimento dos prazos parciais vinculativos das fases 1, pelo período de 31 dias para a Escola Secundária SCP..., no valor de 10.326,00€ e para a escola Secundária D. J V..., no valor de 6.587,00 (Cfr. Fls. 210 a 215 do PA).
29. A Requerente respondeu, em 18.04. 2012, pronunciando-se no sentido de que a existir atrasos na execução da obra tal só poderá ser da responsabilidade da Requerida/ dono da obra, acrescentando existir falta de fundamento legal para a referida imputação de custos (Cfr. Fls. 217 a 227 do PA).
30. A Requerida decidiu a imputação de custos no valor de 10.326,00€ para a Escola Secundária SCP..., e no valor de 6.587,00 para a escola Secundária D. J V.... Decisão notificada à requerente através da comunicação NUI-2012-0052-S, de 25.06.2012, (Cfr. Fls. 154 a 174 do PA).
31. O requerimento inicial relativo à presente providência cautelar deu entrada em Tribunal no dia 28 de Novembro de 2012.
2. MATÉRIA de DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da questão objecto do recurso jurisdicional “sub judice”, fazendo-se uma análise crítica da sentença do tribunal a quo, tendo por limite as violações que a recorrente lhe imputa, em sede de alegações de recurso, melius, nas conclusões das alegações, onde sintetiza as razões fáctico jurídicas que a levam a pedir a este Tribunal a sua revogação.
Assim, o objecto deste recurso pode sintetizar-se na análise/decisão dos seguintes itens:
2. 1 --- efeito do recurso interposto da decisão do TAF de Braga;
2. 2 --- nulidade da decisão, por alegada omissão de pronúncia - art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil;
2. 3 --- (in) suficiência da matéria de facto - arts. 140.º a 306 da p.i.
2. 4 --- erro de julgamento.
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2. 1 - Quanto ao efeito do recurso jurisdicional, interposto pela A./Recorrente.
Prolatada sentença de mérito pelo TAF de Braga - cfr. fls. 1357 a 1389 -, na sequência da sua notificação às partes, veio a A./Recorrente apresentar recurso jurisdicional - cfr. fls. 1391 e ss. -, onde, ab initio, pede, desde logo, que seja fixado efeito suspensivo ao recurso.
Porém, no despacho de fls. 1459/1460, a Sr.ª Juíza do TAF de Braga, apreciando os argumentos da recorrente, fixou ao recurso o efeito meramente devolutivo.
Inconformada com essa decisão, mediante o requerimento de fls. 1503 a 1508, veio a recorrente requerer apreciação, pela conferência, desta questão, no sentido de ser fixado efeito suspensivo ao recurso.
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Antes de mais, importa referir que da decisão da 1.ª instância acerca do efeito de recurso não cabe reclamação para a Conferência, seja na 1.ª instância, seja neste TCA-N, sendo que esse despacho pode ser sempre alterado pelo Juiz Desembargador Relator, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 685.º-C do Cód. Proc. Civil e, em última instância, pelo Colectivo deste TCA-N, conjuntamente com a apreciação do recurso propriamente dito, assim se evitando, aliás, percalços ou demoras desnecessárias.
Importa assim, apreciar, em sede de questão prévia, o requerimento da recorrente acerca do efeito que deve ser fixado ao recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Braga.
*
Porque o despacho da 1.ª instância que fixa o efeito do recurso jurisdicional não vincula o tribunal superior - n.º 5 do art.º 685.º-C do Cód. Proc. Civil -, podendo este TCA corrigir o efeito atribuído ao recurso, importa fixar o efeito que temos por correcto, no caso dos autos - art.º 700.º, ns. 1, al. a) e 3 do Cód. Proc. Civil, ex vi, art.º 140.º do CPTA.
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Pese embora a jurisprudência fixada em diversos arestos do TCA-Sul que se terão pronunciado no sentido agora defendido pelo recorrente (ainda que em sentido divergente, entre outros, o Ac. de 2/2/2012, Rec. 0831/11), entendemos que bem andou a decisão de 30/1/2014 - fls. 1459/1460 dos autos - que fixou o efeito do recurso, embora - como veremos - , sendo desnecessária a ponderação de interesses para se chegar a tal conclusão, sendo certo que - repete-se -, não vincula este TCA-N.
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Na verdade, todas as decisões tomadas, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do TCA-Norte acerca desta questão, têm merecido decisão unânime no sentido de, nas providências cautelares, sejam ou não decididas favoravelmente, o efeito do recurso ter sempre meramente devolutivo, que não suspensivo.
Releve-se ainda que o STA no Ac. de 24/5/2012, Rec, n.º 0225/12, também entendeu que "O art. 143º, n.º 2, do CPTA é muito claro quando afirma que “os recursos interpostos … de decisões respeitantes à adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo” e não deixa margem para quaisquer dúvidas".
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Por simplicidade, reproduzimos parte do Acórdão deste TCAN, de 15/6/09, no Proc. 1411/08.9 BEBRG-A e com o qual concordamos e cujo entendimento vimos reiterando em vários outros processos e donde se extrai:
“Por princípio, a suspensão da eficácia de um acto administrativo exige a interposição [artigo 128º do CPTA], e a procedência [artigo 120º do CPTA], de um processo cautelar visando esse efeito. Na verdade, apenas em casos pontuais, que são expressamente previstos na lei, é que a mera impugnação de um acto administrativo suspende a eficácia do mesmo. É isso que resulta do preceituado no artigo 50º nº2 do CPTA: sem prejuízo das demais situações previstas na lei, a impugnação de um acto administrativo suspende a eficácia desse acto quando esteja apenas em causa o pagamento de uma quantia certa, sem natureza sancionatória, e tenha sido prestada garantia por qualquer das formas previstas na lei tributária [Entre as demais situações previstas na lei contam-se as expressamente previstas nos artigos 69º nº2 e 115º nº1 do RJUE - onde é conferido efeito suspensivo às impugnações de actos de licenciamento ou de autorização de operações urbanísticas que se encontrem feridas de nulidade, e de actos de demolição e de reposição de terrenos nas mesmas condições – e no artigo 24º nº1 da Lei nº15/98 de 26 de Março – impugnação da decisão de recusa de pedido de asilo].
Os processos cautelares são, destarte, processos urgentes, com natureza instrumental, caracterizados por uma sumária cognitio, nos quais pode ser peticionada, além de outras, a medida conservatória da suspensão de eficácia de um acto administrativo, visando sempre assegurar a utilidade da decisão de mérito a proferir num processo principal [ver artigo 112º nº2 alínea a) do CPTA].
Formulado esse pedido cautelar, e levado ao conhecimento da respectiva autoridade administrativa, esta não pode iniciar ou prosseguir a execução do acto suspendendo, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público [artigo 128º nº1 do CPTA].
Por sua vez, o deferimento da medida cautelar da suspensão de eficácia irá depender da verificação, no caso concreto, da certeza ou mera aparência do bom direito [alíneas a) e b) do nº1 do artigo 120º do CPTA], e da ocorrência de uma situação de periculum in mora [alínea b) do nº1 do artigo 120º do CPTA], verificações estas que deverão ser coadas, ainda, através da ponderação de interesses e danos exigida pelo nº2 do artigo 120º do CPTA. Sublinhemos, porém, que no caso de o juiz cautelar deferir o pedido de suspensão de eficácia com base em manifesto fumus bonus [alínea a) do nº1 do artigo 120º CPTA], torna-se dispensável aferir da verificação de periculum in mora e proceder à ponderação de interesses e danos. Neste caso excepcional, o manifesto fumus bonus [120º nº1 a)] dispensa o periculum in mora [120º nº1 b)] e não carece da ponderação de interesses e danos para justificar a providência cautelar [artigo 120º nº2]. Neste caso, a manifesta ilegalidade do acto impugnado impõe-se por si própria, e exige a suspensão imediata dos seus respectivos efeitos.
Note-se que, em consonância com o seu referido artigo 50º nº2, o CPTA prevê no artigo 120º nº6 um caso especial de deferimento de providências cautelares independentemente da verificação dos requisitos exigidos pelo seu nº1, ou seja, quando no processo principal esteja apenas em causa o pagamento de quantia certa, sem natureza sancionatória, […] e tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária. Esta prestação de garantia, é sabido, visa prevenir a possibilidade de insolvência do respectivo devedor, acautelando uma futura e eventual obrigação de ele ter de indemnizar o credor, dado que um dos possíveis efeitos da declaração de ilegalidade do acto será o do eventual ressarcimento deste último pelos prejuízos resultantes da prestação da garantia.
Ora, temos para nós que tudo isto tem muito a ver com o efeito dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões sobre a adopção de providências cautelares [artigo 143º do CPTA].
No artigo 143º do CPTA, o legislador, à semelhança do que faz a respeito das providências cautelares, e visando assegurar o equilíbrio dos interesses em presença, fixa uma regulação complexa dos efeitos dos recursos: estabelece aí duas regras, a primeira, que salvo o disposto em lei especial, os recursos têm efeito suspensivo da decisão recorrida [nº1], e a segunda, que os recursos interpostos de intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias e de decisões sobre a adopção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo [nº2]; admite que, quando a suspensão dos efeitos da sentença provoque uma situação de periculum in mora, possa ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso [nº3]; admite que o tribunal proceda à ponderação dos interesses das partes, quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, visando impor providências destinadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos [nº4], sendo que a atribuição de efeito meramente devolutivo deverá ser recusada quando tal cause prejuízos superiores aos que resultam da suspensão, e aqueles não possam ser prevenidos ou minorados com providências adequadas [nº5].
Convém ter presente que o nº1 do artigo 143º do CPTA mantém a regra geral que já provinha do artigo 105º nº1 da LPTA, segundo a qual os recursos que subam imediatamente têm efeito suspensivo da decisão. E o seu nº2 actualiza o nº2 desse mesmo artigo 105º, segundo o qual os recursos de decisões que suspendam a eficácia de actos contenciosamente impugnados têm efeito meramente devolutivo.
Vem entendendo a doutrina que no texto do artigo 143º nº2 do CPTA cabem decisões que julguem procedente a intimação à adopção de conduta, positiva ou negativa, que se revele indispensável para assegurar o exercício [em tempo útil] de um direito, liberdade ou garantia [proferidas no âmbito de processo de intimação urgente a que se referem os artigos 109º a 111º do CPTA], e cabem todos os tipos de decisões que podem ser adoptadas em processos cautelares, quer concedem ou denegam as providências, quer as declarem caducas, as alterem ou revoguem [ver, a respeito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007; José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 7ª edição].
Ora bem. Tendo presente o teor literal da regulação fixada no artigo 143º do CPTA, sobre os efeitos dos recursos jurisdicionais, e a referida natureza, regime e finalidade das providências cautelares, pensamos que tanto a conjugação literal e sintáctica do respectivo texto, como a teleologia e sistemática que lhe subjazem, militam no sentido de uma interpretação que condiz com a adoptada na decisão judicial recorrida [ver artigo 9º do CC].
Na verdade, e quanto ao teor literal, facilmente se constata que no nº1 e no nº2 do artigo 143º é o próprio legislador a fixar o efeito regra, utilizando o verbo ter, com sentido impositivo, enquanto nos demais números é o tribunal que poderá atribuir um efeito diferente ao recurso. É fácil verificar que o nº3 só poderá dizer respeito à regra geral do nº1, e não à do nº2, em que não está em causa a suspensão dos efeitos da sentença, sendo certo que é o nº3 que vem permitir que o tribunal atribua ao recurso efeito meramente devolutivo. Assim, os números restantes [4 e 5], ao referirem-se, expressamente, à hipótese de atribuição de efeito meramente devolutivo, só poderão ter ligação sintáctica com o nº3 e não com os dois primeiros números do artigo. É o nº3 que serve de charneira entre os números 4 e 5 e o nº1, desta ligação sintáctica ficando afastada a regra do nº2. Pensamos ser este o sentido correcto que brota do texto do artigo 143º, lido no seu conjunto, e tendo presente que o legislador soube exprimir-se em termos adequados, e de forma correcta e lógica [artigo 9º nº3 do CC].
Cremos, portanto, que a letra do artigo 143º do CPTA aponta no sentido de que as alterações previstas nos seus três últimos números apenas se aplicam à regra geral do nº1, e não há regra do seu nº2.
Este mesmo sentido nos parece ser imposto por considerações de ordem sistemática e teleológica [artigo 9º nº1 do CC].
Há que ter em consideração, desde logo, que o nº3 [do artigo 143º] não se aplica, pura e simplesmente, às decisões respeitantes à adopção de providências cautelares, já que tem como seu pressuposto apenas a regra do efeito suspensivo consagrada no nº1. A letra da lei, aqui, não permite qualquer outra leitura [artigo 9º nº2 do CC].
Relativamente aos números 4 e 5 do artigo 143º do CPTA, importa ter presente, primo, que o julgador cautelar, para deferir ou indeferir a providência, já terá procedido à ponderação de interesses e danos que subjaz à adopção quer das medidas lenitivas [nº4] quer da recusa do efeito meramente devolutivo [nº5], e nada justifica a sua repetição. E no caso de o julgador cautelar não ter chegado a equacionar essa ponderação de interesses e danos, isso apenas significará que foi a própria lógica jurídica cautelar, consagrada pelo legislador, a arredar, naquele caso concreto, quer por inexistência do indispensável fumus bonus, quer por inverificação de periculum in mora, a necessidade de a ela proceder.
Se o julgador cautelar considerou ser de proteger a posição do requerente contra a morosidade do processo principal, concedendo a providência pretendida, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso jurisdicional dessa decisão judicial acabaria por inutilizar o objectivo da tutela cautelar, prolongando no tempo uma situação desvantajosa para o requerente.
Utilizando a expressiva síntese de Teresa Violante verificando-se periculum in mora, deve a providência ser deferida, pelo que a atribuição de efeito suspensivo ao recurso desta decisão poderia culminar na sua inutilidade; caso aquele perigo não se verifique então o recurso de decisões de indeferimento revestido de efeito suspensivo carece de justificação processual [Teresa Violante, Os recursos jurisdicionais no novo contencioso administrativo, O Direito, Ano 139º, 2007, IV, páginas 841 a 877; consultamos ainda, a respeito deste tema, Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2007; Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2006, página 595; José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 7ª edição, 432 e 433].
Saliente-se ainda, secundo, que o artigo 128º do CPTA, já por nós referido, determina que quando seja requerida suspensão de eficácia de acto administrativo, a autoridade administrativa, logo que receba o duplicado desse requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução do acto, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público. Basta, pois, a emissão de um novo acto administrativo, que justifique a ocorrência de um grave prejuízo para o interesse público resultante da suspensão provisória, para que a administração possa, desde logo, prosseguir na execução do acto [nº1].
Estipula o mesmo artigo, no seu nº2, que se considera indevida a execução quando falte a resolução fundamentada prevista no nº1, ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta, podendo ser deduzido pelo requerente incidente de declaração de ineficácia dos actos de execução indevida [nº4 a nº6].
Temos, assim, que deferindo a lei à autoridade administrativa, num primeiro momento, a ponderação dos interesses em presença, para efeito de evitar a suspensão automática do acto administrativo, fará todo o sentido que os motivos avançados pela administração apenas possam ser postos em causa, pelo incidente de declaração de ineficácia, quando transite em julgado a decisão judicial que declare improcedentes os mesmos, e não por um eventual efeito suspensivo do recurso.
Além disso, tertio, no caso de recusa da providência cautelar, o efeito suspensivo do recurso dessa decisão viria possibilitar, cremos que indevidamente, o prolongamento abusivo da proibição fixada no nº1 do artigo 128º do CPTA. No caso contrário, o efeito suspensivo do recurso da decisão de deferimento viria permitir, indevidamente, que a administração pudesse passar a executar o que lhe estava proibido por força daquela mesma norma, e tinha sido reforçado pela decisão cautelar. Tal efeito, permitiria ou prolongaria uma execução indevida.
Perante estas constatações, de natureza textual, sistemática e teleológica, pensamos que se nos impõe concluir que a regra do nº2 do artigo 143º do CPTA não se compadece com as alterações que são previstas no nº4 e no nº5 desse mesmo artigo, que não lhe poderão ser aplicadas.
Esta tem sido a jurisprudência unânime, tanto quanto sabemos, deste tribunal. Em sentido contrário apenas conhecemos um aresto do Tribunal Central Administrativo Sul [AC de 08.02.2007, Rº02215/06], no qual se entende que a regra do artigo 143º nº2 possa ser afastada no caso excepcional previsto no seu nº 5, mas sem aduzir quaisquer razões.”
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No mesmo sentido, cfr. o Ac. do STA, de 5/3/2013, Proc. 0553/12, onde se sumaria que "De acordo com o previsto no artigo 143.º n.º 2 do CPTA, os recursos interpostos das decisões que concedam ou recusem a adopção das providências cautelares requeridas têm efeito meramente devolutivo" - sublinhado meu.
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Assim, por nada mais haver a acrescentar, indeferindo-se o requerimento da recorrente, é de manter o efeito fixado ao recurso interposto da sentença - efeito meramente devolutivo.
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2. 2 - Quanto à nulidade da decisão, por alegada omissão de pronúncia - art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil.
Importa desde já clarificar que - diversamente do que parece deduzir-se da remissão efectivada pela recorrente para as normas do Cód. Proc. Civil decorrentes da Lei 41/2013, de 26 de Junho - aos presentes autos, porque instaurados 28 28/11/2012, não se aplica o Código de Processo Civil, aprovado pela referida Lei 41/2013, em virtude da exclusão expressa consignada no n.º 2 do art.º 7.º dessa Lei, mas apenas aos procedimentos cautelares instaurados após a sua entrada em vigor - 1 de Setembro de 2013 - cfr. art.º 8.º.
Efectivado este esclarecimento, apreciemos a argumentação da recorrente.
Defende o ACE recorrente que existe omissão de pronúncia, porquanto a decisão do TAF de Braga, por um lado, não levou em consideração alguns dos factos por si alegados, não analisou a prova documental e impossibilitou a inquirição de testemunhas - cfr. conclusões XXVII e XXXIV das suas alegações - e, por outro, não apreciou o pedido de suspensão do procedimento para aplicação de novas multas - cfr. conclusão XXVIII das suas alegações - mais ainda, pelo facto de não ter apreciado o pedido de decretamento da providência, à luz da al. a) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA - cfr. conclusões LXIV a LXVII das suas alegações.
A nulidade de sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões sobre as quais deveria ter-se pronunciado – art.º 668.º, n.º 1, al. d) do C.P.C., aplicável ex vi dos arts. 1.º e 140.º do CPTA.
Esta nulidade é inerente aos deveres de cognição do Tribunal, previstos no art.º 660.º n.º 1, do Cód. Proc. Civil, em que se estabelece que o juiz tem o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Sem necessidade de outras considerações dogmáticas acerca desta nulidade, por repetidamente reproduzidas nas mais variadas decisões judiciais (v.g., Ac do TCA Norte, de 3/4/2008, in Proc. 1189/04, onde se faz referência a outros acórdãos deste TCA) e porque a evidência da sua inverificação é patente, passemos à sua análise em concreto.
Carece de razão a argumentação da recorrente, em toda a linha.
Na verdade, quanto ao facto de indevidamente - como alegado - a sentença não ter levado em consideração alguns dos factos por si alegados, não ter analisado a prova documental e impossibilitado a inquirição de testemunhas - cfr. conclusões XXVII e XXXIV das suas alegações - temos que esta omissão, a verificar-se - o que infra veremos - apenas importa erro de julgamento que não omissão de pronúncia, indutora de nulidade da sentença.
Quanto ao facto da decisão do TAF de Braga não ter apreciado o pedido de suspensão do procedimento para aplicação de novas multas - cfr. conclusão XXVIII das suas alegações -, temos que, embora o TAF não tenha escalpelizado cada um dos pedidos cumulativamente efectivados pela recorrente em sede de p.i., o certo é que para o deferimento de qualquer deles, seja entendido como de natureza conservatória - al. b) do n.º1 do art.º 120.º do CPTA - seja como providência antecipatório - al. c) do n.º 1 do mesmo normativo - o certo é que para todos eles era necessária a verificação cumulativa do requisito do periculum in mora e que efectivamente a decisão recorrida ponderou, pelo que, depois de concluir pelo seu não preenchimento, não tinha que ponderar da (in) verificação dos demais requisitos, seja o fumus iuris das als. b) e c) nas suas diferentes intensidades (fumus non malus iuris em contrapartida com o fumus non boni iuris, respectivamente), seja a ponderação de interesses do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA, como aliás, a decisão recorrida não deixou de o referir expressamente na sua parte final (cfr. 3.º parágrafo de fls. 1385 dos autos, onde se refere "Ora, como supra se adiantou o Requerente não trouxe aos autos os factos que permitam ao Tribunal concluir pela existência do fundado receio da constituição da situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar na causa principal.
A Requerente não conseguiu justificar de que forma a execução das deliberações postas em crise se repercutirá na sua esfera jurídica.
Assim, atentos os motivos, supra explanados, não se mostra verificado o pressuposto de periculum in mora da 1.ª parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º CPTA.
A presente providência cautelar é pois insusceptível de ser concedida, ficando prejudicado o conhecimento, face à natureza manifestamente cumulativa, do critério plasmado na segunda parte da alínea b) do nº1 do artigo 120.º do C.P.T.A").
Ou seja, independentemente do tipo de providência requerida (conservatória ou antecipatória), porque o requisito do periculum in mora é o mesmo em ambas as situações e porque entendido como não verificado, não tinha a sentença de apreciar esse mesmo requisito em relação a cada uma das providências requeridas, nem os demais, ainda que diferenciados na sua análise, porque o deferimento pressupõe a sua verificação cumulativa.
Inexiste, assim, também esse alegada nulidade.
Quanto ao alegado facto de não ter apreciado o pedido de decretamento da providência, à luz da al. a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA - cfr. conclusões LXIV a LXVII das suas alegações - só por manifesto lapso poderia ser invocada esta omissão de pronúncia.
Efectivamente, a decisão do TAF de Braga, apreciou abstractamente os pressupostos para o seu preenchimento, como ainda justificou a sua inverificação no caso concreto dos autos, importando para clarificação a transcrição da sua concreta argumentação, quanto a esta última parte.
Refere a sentença:
"... Bastará atentar nos próprios factos alegados pelas partes e na matéria fática assente, para não se poder afirmar que é evidente a procedência da acção principal. Antes resulta evidente, atenta a singularidade da matéria em discussão, a necessidade de realização de diligências de prova, que não se compadecem com o carácter sumário dos presentes autos, a realizar em sede de acção principal, com vista ao apuramento da legalidade ou ilegalidade dos actos que se pretendem ver impugnados.
Ora, os vícios invocados pela requerente às deliberações em causa exigem um estudo ponderado, profundo e detalhado, que não se compadece com a análise e apreciação sumária e perfunctória da tutela cautelar. Igualmente se diga relativamente aos fundamentos em que o Requerente assenta a sua pretensão
Ponderados os argumentos apresentados pelo Requerente e face à matéria dada como assente, conclui-se, numa análise perfunctória, não ser evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal.
Razão pela qual, como já sublinhamos, não pode ser a presente providência cautelar decretada, por força do disposto no artigo 120.º, n.º1 al. a) do CPTA".
Se essa decisão se mostra incorrecta é questão que tem a ver com erro de julgamento, que não obviamente com omissão de pronúncia devida condutora à nulidade da sentença.
Concluímos, assim, pela inverificação de qualquer uma das nulidades imputadas à decisão recorrida.
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2. 3 - Quanto à (in) suficiência da matéria de facto - arts. 140.º a 306 da p.i.
Ainda que esta alegação mais tenha a ver com um eventual erro de julgamento quanto à julgada inverificação do periculum in mora, importa, mesmo assim, referir que, quer na tese fundamentadora e decisora da sentença recorrida, quer mesmo na nossa ponderação fáctica para preenchimento, em concreto, desse requisito cumulativo, entendemos que a factualidade constante dos artigos indicados da p.i., não importaria decisão diversa pelo que não tinham esses concretos factos de serem levados à materialidade dada como provada, desde já, ou mesmo, após quesitação e prova, se fosse o caso.
Desde modo, mostrando-se suficiente a factualidade dada como provada, improcede, também, este argumento da recorrente.
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2. 4 - Quanto ao erro de julgamento.
O erro de julgamento, atenta a alegação jurisdicional da recorrente pode ser dividido em dois aspectos, a saber:
2. 4 - 1- um, referente à decisão da al. a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA;
2. 4 - 2- outro, atinente às als. b) e c) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, concretamente, o requisito do periculum in mora.
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2. 4 - 1- Quanto à al. a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA
Dispõe o art.º 120.º do CPTA, sob a epígrafe “Critérios de decisão”:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente.
b) Quando estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito.
c) …
2 . Nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
...” .
Por via da alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, inexistindo a necessidade de invocar o periculum in mora, o juiz decretaria a providência solicitada se considerasse “evidente a procedência da pretensão” formulada no processo principal, sendo que só em relação a vícios graves, aqueles que se concretizam na lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso que implicam a nulidade do acto, seria possível ajuizar sobre a evidência da procedência da pretensão principal.
Aliás, como se escreveu no Acórdão de 13/8/2007, “ … de acordo com esta norma, o que há a fazer é apreciar se os vícios são flagrantes, ostensivos, evidentes, como a este respeito, escreve o Prof. de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha [referindo-se à alínea a) do nº1, do artigo 120º do CPTA], sendo que os próprios exemplos que o legislador indica sugerem que este preceito deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações – in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, página 60”.
Como se refere ainda no Ac. do TCA Norte, de 11/1/2007, in Proc. 00096/06, que, data vénia, aqui transcrevemos “ … a medida cautelar, seja conservatória ou antecipatória, está umbilicalmente ligada ao respectivo processo principal, proposto ou a propor, de cuja interposição e probabilidade de êxito dependem a sua vigência e procedência.
É nesse processo principal que a pretensão do interessado irá ser analisada e decidida com a necessária profundidade, tratando-se, em sede cautelar, de assegurar a utilidade da sentença que aí venha a ser proferida, mediante a adopção de medidas urgentes baseadas, necessariamente, numa apreciação sumária do caso.
Impõe-se, pois, ao julgador de um processo cautelar em que é pedida uma providência conservatória, que proceda a uma apreciação sucinta e sumária dos vícios apontados pela requerente cautelar ao acto impugnado ou a impugnar, com o objectivo de constatar se ocorre a sua manifesta ilegalidade, e que apure, sumariamente, se há fundado receio de constituição de situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses em causa, sob pena de o processo cautelar correr o risco de se transformar, na prática, no processo principal, com as previsíveis e nefastas consequências para o funcionamento do tribunal, para a aplicação da justiça, e para a própria tutela dos direitos e interesses dos particulares e da Administração Pública.
Não compete ao julgador cautelar, portanto, estar a apurar em profundidade se os vícios imputados ao acto recorrido ocorrem ou não. Tem é de apreciar se eles são ostensivos, evidentes - nas palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha [referindo-se à alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA] os próprios exemplos que o legislador indica sugerem que este preceito deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, página 603; ver, ainda Fernanda Maças, “As Medidas Cautelares”, Reforma do Procedimento Administrativo – O Debate universitário, volume I, página 462; ver AC STA de 16.03.2006, Rº0141/06 e AC TCAN de 11.05.2006, Rº910/05.9BEPRT”.
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Neste processo cautelar não há que esmiuçar a argumentação jurídica invocada em prol da ocorrência da (s) ilegalidade (s) do (s) despacho (s) suspendendo (s). Não é seu objectivo tornar evidente, mediante demonstração, ilegalidades que prima facie não o sejam.
Antes se trata de averiguar se há ilegalidades graves e evidentes, ou a ocorrência de fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, que justifique, e até imponha, a suspensão dos efeitos do acto administrativo em nome da preservação do efeito útil que a recorrente pretende obter com a acção principal.
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Ora, perante a matéria em causa nos autos, não vemos que seja evidente, manifesta, quer a procedência quer a improcedência de qualquer uma das invalidades suscitadas; não podemos cair na apreciação aprofundada das ilegalidades, pois que não é essa a função do processo cautelar, como deriva inequivocamente da lei, da interpretação doutrinária e da jurisprudência que se tem pronunciado repetida e uniformemente acerca desta questão.
A decisão sobre algumas das ilegalidades suscitadas é decisão que apenas pode ser tomada no processo principal, não sendo evidente a sua verificação.
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No caso concreto dos autos - como vimos (cfr. ponto 2 . 2) -, a sentença do TAF de Braga entendeu que esta manifesta ilegalidade não se verificava e justificou-a com o facto de não se poder, no caso concreto dos autos, afirmar que era evidente a procedência da acção principal; antes - continuava - resultava evidente, atenta a singularidade da matéria em discussão, a necessidade de realização de diligências de prova, que não se compadecem com o carácter sumário dos presentes autos, a realizar em sede de acção principal, com vista ao apuramento da legalidade ou ilegalidade dos actos que se pretendem ver impugnados, mais acrescentando que os vícios invocados exigiam um estudo ponderado, profundo e detalhado, que não se compadece com a análise e apreciação sumária e perfunctória da tutela cautelar.
Outra, aliás, não pode ser a solução.
Efectivamente, analisada cuidadosamente a p.i., verificamos que o que está em causa são diversos atrasos na execução das empreitadas referentes às duas escolas secundárias que levou à aplicação de multas contratuais e obrigação de pagamentos com custos de aluguer de monoblocos e permanência de fiscalização, além dos prazos inicialmente previstos e ainda a aplicação de outras multas.
Ora saber a razão concreta dos atrasos na execução das empreitadas, se se deve a trabalhos a mais, erros ou omissões, alterações ao projecto inicial, não prorrogações indevidas de prazos contratuais, cálculos das multas e redução de custos - cfr. v.g., arts. 79.º a 123.º, 187, 192 da p.i. -, são questões de muito difícil imputação a uma ou a outra das partes, mesmo em sede de processos principais --- não podemos ignorar a dificuldade de prova quanto à culpa na ocorrência objectiva de atrasos na execução de empreitadas, pela experiência com processos desta similitude ---, pelo que, de modo algum, até pela alegação ainda que vasta, mas repetitiva e generalista, podemos concluir sequer por qualquer ilegalidade, imputável a uma ou a outra das partes (empreiteiro versus dono da obra), quanto mais pela sua manifesta evidência.
Se situações existem em que a evidência de ilegalidades se mostra tão difícil e inverosímil de apurar, tais como as que são suscitadas nestes autos, são as inerentes aos processos de empreitadas, onde se tem de apurar a responsabilidade concreta das partes, não sendo despiciendo que, a maior parte das vezes, a culpa é concorrencial.
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Afastada assim, sem quaisquer dúvidas, a aplicação da alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, importa apreciar a verificação, in casu, dos requisitos previstos nas als. b) e c) do n.º 1 e ainda, se necessário, o do n.º 2 do mesmo normativo.
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Nos termos do disposto no art.º 120.º, n.° l, als. b) e c) do CPTA, além do juízo de probabilidade maior ou menor da existência do direito invocado - o fumus das als. b) e c) - como supra se referiu diferente na sua intensidade, numa e noutras das alíneas, uma das condições de procedência previstas em ambas, é o “periculum in mora” - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para a requerente.
Este pressuposto - periculum in mora - decompõe-se em dois parâmetros, a saber:
- verificação de prejuízos de difícil reparação para a associada do recorrido; e,
- receio da constituição de uma situação de facto;
sendo que basta a verificação de um deles para que se mostre preenchido este pressuposto.
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É na verificação deste periculum in mora que se encontra a verdadeira essência das providências cautelares, pois que, através delas se pretende assegurar a utilidade de uma sentença de eventual provimento da acção principal, para que a mesma não se transforme numa decisão inaplicável, na prática.
“Na aferição deste requisito [periculum in mora] o julgador tem de fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica” – Cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 8ª edição, páginas 348 e 349.
“É a factualidade concreta, alegada pelo recorrente, que deve inspirar o fundado receio de que se a providência for recusada, se tornará impossível proceder, no caso de provimento do processo principal, a uma reintegração da situação de facto conforme à legalidade [facto consumado] ou, esclarecer o fundado receio de que a demora do processo principal produza prejuízos de difícil reparação, seja porque a futura e eventual reintegração, no plano dos factos, se torna difícil, seja porque esta mesma reintegração não é susceptível de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente, os prejuízos que entretanto se foram produzindo para o requerente” – cfr. Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 607 e 608.
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As providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela (obviar a que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica).
Nessa medida, o requisito do “periculum in mora” encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objecto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Não é, todavia, um qualquer perigo de dano que justifica ou pode fundar a decretação duma providência cautelar porquanto se terá de exigir um perigo qualificado de dano, isto é, um perigo de dano que derive ou decorra da demora processual.
Nas palavras de M. Aroso de Almeida, se não falharem os demais pressupostos de que, nos termos do artigo 120.º, depende a concessão da providência, ela deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão ”facto consumado”.
Para ajuizar a situação concreta, o julgador deverá fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.
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No caso concreto dos autos, a recorrente, não alega, como lhe competia em qualquer um dos 306 artigos da p.i. factos concretos quer permitam concluir pela verificação deste requisito, entendido nas duas vertentes acima indicadas.
Na verdade - remetendo-nos agora mais para os arts. 140.º a 306.º da p.i., indicados pela recorrente como contendo tais elementos - verificamos que nos arts. 140.º a 149.º mais não se refere senão generalidades legais; depois, alegações genéricas que sempre se podem aplicar a qualquer empresa de construção civil que se veja, não só compelida a pagamento de multas contratuais por alegados atrasos na execução de empreitadas, a si imputados, bem assim ainda com o acréscimo de, alegadamente, não ver pontualmente cumprido o pagamento dos trabalhos efectivamente praticados.
É o caso, por exemplo, dos arts. 168.º, 170.º a 173.º, 190.º a 192.º da p.i..
É evidente que o atraso no pagamento das quantias devidas no âmbito de uma empreitada, aliado ao dever de pagamento de multas contratuais, por alegado e injustificado atraso na execução de uma qualquer empreitada, importa problemas financeiros, de tesouraria para as empresas empreiteiras, para os subempreiteiros, com a consequente falta de fornecimento de materiais necessários à boa e contínua execução da empreitada, mas para se demonstrar minimamente o requisito do "periculum in mora", exigível para, com a verificação dos demais, da procedência de providências cautelares, importaria que se demonstrasse a concreta situação financeira de cada uma empresas que constitui o consórcio ou agrupamento, que dívidas existem, quais os fornecedores que deixaram de fornecer os materiais necessários, se mantém ou não os trabalhadores, se teve de socorrer-se de empréstimos bancários, se executa outras empreitadas com os sem problemas, etc., etc.
Ora, nenhuma referência concreta a cada uma das empresas do agrupamento é sequer indicada, nomeadamente quanto à respectiva situação financeira e económica.
Poder-se-á perguntar: a situação de cada uma delas é a mesma? A situação difícil é aplicável apenas ao agrupamento, enquanto entidade diversa e diferente de cada uma das empresas que o constitui? Que outras empreitadas executa o agrupamento e cada uma das empresas e qual o grau de execução e solvabilidade?
Porém, a recorrente nada factualiza em termos concretos; antes até refere que, apesar de ter substrato fáctico (arts. 79.º a 102.º da p.i.) e legal (arts. 373.º, 374.º, 377.º e 403.º do CCP) não suspendeu, como poderia, a execução da empreitada, apesar do atraso nos pagamentos devidos - cfr. arts. 170.º a 173.º da p.i. .
Ou seja, se apesar de todos esses factos (com realce para os milhões de euros cujo pagamento não foi atempadamente efectivado, na sua óptica imputáveis ao dono da obra), ainda não suspendeu a execução das obras escolares, não se verifica uma situação de prejuízos de difícil ou impossível reparação com a não suspensão solicitada nestes autos, pois que, a existirem esses atrasos indevidos no pagamento, as multas contratuais aplicadas serão compensadas.
Em resumo, pese embora se possibilitar alguma debilidade financeira na recorrente, em termos abstractos, o certo é que nos autos não se mostra demonstrada factualidade provada (sendo por isso desnecessário o aditamento de quaisquer outros factos à factualidade já dada como provada) ou mesmo susceptível de prova (e daí a desnecessidade de se proceder a instrução e inquirição de testemunhas) que pudesse levar a concluir pela verificação deste requisito.
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Não se verificando este requisito, importa apenas em termos de prólepse, que se refira que se mostra prejudicado o conhecimento do fumus iuris, seja da al. b)-fumus non malus iuris -, seja da al. c)- fumus non boni iuri-, ambas do n.º 1 do
art.º 120.º do CPTA e bem assim o seu n.º 2, porque comum às duas alíneas.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes deste Tribunal, com a fundamentação antecedente, em:
- manter o efeito meramente devolutivo do recurso interposto da sentença do TAF de Braga;
- negar provimento ao recurso e assim manter a sentença recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Notifique-se.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art.º 138.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, “ex vi” do art.º 1.º do CPTA).
Porto, 11 de Abril de 2014
Ass.: Antero Pires Salvador
Ass.: Isabel Soeiro
Ass.: Fernanda Brandão