sexta-feira, 1 de agosto de 2014

CONCURSO - ACORDO QUADRO – ADJUDICAÇÃO



Proc. Nº  01898/13               STA    20  Março  2014

Não há lugar a adjudicação quando alguma circunstância superveniente ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, relativa aos pressupostos da decisão de contratar, o justifique.

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
“A……., S. A”, já devidamente identificada nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, contra a “Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I.P.”, acção de contencioso pré-contratual na qual pediu:
(i) a anulação do acto praticado pelo Conselho Directivo da entidade demandada que determinou a não adjudicação da proposta apresentada pela Autora no âmbito do “concurso público para a celebração de acordo quadro de plataformas electrónicas de contratação pública e, consequentemente, a revogação da decisão de contratar proferida no referido procedimento;
(ii) a condenação da mesma entidade demanda “à adjudicação da proposta apresentada pela Autora” e a celebrar com esta um acordo quadro.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a acção totalmente improcedente.
Em recurso, o Tribunal Central Administrativo Sul manteve a decisão da 1ª instância.

1.1. Inconformada, a autora recorre para este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 150º do CPTA, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
A) O Acórdão recorrido determinou a improcedência do Recurso interposto pela ora Recorrente com os seguintes fundamentos:
a. A Entidade Demandada não estava impedida de não adjudicar, com base em, devidamente fundamentada, causa diversa daquelas que se encontram legalmente enunciadas (designadamente por motivos de interesse público);
b. A entidade adjudicante tem competência para valorar que a admissão de apenas uma proposta não permitira a obtenção das poupanças previstas com o lançamento do procedimento sendo essa valoração fundamento suficiente para determinar a não adjudicação da proposta nos termos e para os efeitos do artigo 79º do CCP;
c. A celebração de um acordo quadro com apenas um operador representa uma compressão inaceitável do princípio da concorrência podendo justificar uma decisão de não adjudicação nos termos e para os efeitos do artigo 79º do CCP;
d. A entidade adjudicante, ao não fixar um número mínimo de entidades com as quais celebrará um acordo quadro incorreu num erro que, ao ter verificado após a abertura do procedimento, pode justificar uma decisão de não adjudicação nos termos e para os efeitos do artigo 79º do CCP.
B) São sete as questões que a Recorrente entende que a sua apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo é essencial para uma melhor aplicação do direito e sobre as quais ainda não houve qualquer pronúncia por parte deste Tribunal:
a) O artigo 79º do CCP contém um elenco exemplificativo ou taxativo das causas que podem determinar a não adjudicação de uma proposta?
b) Admitindo que o artigo 79º do CCP contém um elenco exemplificativo das causas que podem determinar a não adjudicação de uma proposta, pode a Entidade Adjudicante, no âmbito de um concurso público determinar a não adjudicação de uma proposta com fundamento no juízo de que o resultado do procedimento não permite a obtenção das poupanças esperadas, não obstante, nas peças do procedimento (i) não ter sido manifestada a intenção de obtenção dessas poupanças, (ii) não ter sido elencada a obtenção das mesmas como causa de não adjudicação e (iii) não ter sido fixado qualquer preço base?.
c) Estando em causa um concurso público para a celebração de um acordo quadro no âmbito do qual não foi fixado um número mínimo de adjudicatários, a adjudicação de uma única proposta representa uma compressão do princípio da concorrência?
d) Admitindo que o artigo 79º do CCP contém um elenco exemplificativo das causas que podem determinar a não adjudicação de uma proposta, e que a resposta à pergunta anterior é positiva, pode a Entidade Adjudicante, no âmbito de um concurso público, determinar a não adjudicação da proposta com esse fundamento?
e) Estando em causa um concurso público para a celebração de um contrato quadro no âmbito do qual não foi fixado um número mínimo de adjudicatários, pode a Entidade Adjudicante determinar a não adjudicação de uma proposta com fundamento na qualificação da não fixação de um número mínimo de adjudicatários como um erro?
f) A possibilidade de a entidade pública contratante resolver o contrato a celebrar por imperativo de interesse público habilita a Entidade Adjudicante a determinar a não adjudicação de uma proposta com aquele fundamento?
g) Admitindo que a resposta à pergunta anterior é positiva, quais as consequências, nomeadamente ao nível indemnizatório, do exercício antecipado do poder de resolução unilateral do contrato por imperativo de interesse público?
C) Estas questões revelam-se, autonomamente, de importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica quer pela sua relevância social.
D) O CCP consagra um dever de adjudicação que vincula a Administração a essa espécie de “oferta ao público” que, em nome do princípio da boa fé e da protecção das legítimas expectativas criadas, não pode desrespeitar.
E) Assim, o acto de adjudicação é um acto devido (ver, por todos, o ac. do TCA Sul de 26/04/2012 proferido no processo nº 08634/12), sendo o elenco das causas de não adjudicação previstas no art. 79º do CCP taxativo.
F) Isso mesmo decorre do CCP (independentemente dos elementos interpretativos que se consideram prevalentes, literal, histórico ou sistemático), da jurisprudência e da doutrina que se debruçou sobre a matéria.
G) Ao entender de forma distinta, isto é, ao considerar que o elenco das causas de não adjudicação previstas no artigo 79º do CPP é exemplificativo, o douto Acórdão recorrido interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 76º e 79º, ambos do CCP, devendo os mesmos ser interpretados e aplicados no sentido de se considerar que o elenco das causas de não adjudicação previstas no art. 79º do CCP, é taxativo.
H) Ainda que se entenda que o elenco das causas de não adjudicação previstas no artigo 79º do CCP não é taxativo, aquela só pode ocorrer se estiverem em causa motivos de interesse público de carácter superveniente.
I) Ao entender de forma distinta, isto é, ao considerar que a não adjudicação pode ser decretada sem a existência de um facto SUPERVENIENTE e de interesse público, o douto Acórdão recorrido interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 76º e 79º do CCP, devendo os mesmos ser interpretados e aplicados no sentido de se considerar que a não adjudicação apenas pode ter lugar caso exista um motivo de interesse público e superveniente, que o justifique.
J) Ora, no presente caso, não existem motivos de interesse público de carácter superveniente que justifiquem uma decisão de não adjudicação e aqueles que são invocados como motivos de interesse público não são nem supervenientes, nem de interesse público.
K) Acresce que a decisão de não adjudicação não pode ser proferida apenas porque a administração não gostou do resultado final do procedimento, da entidade escolhida a final.
L) Ainda que se admita que a Entidade Demandada pode ter em conta, como fundamento para proferir uma decisão de não adjudicação, uma nova ponderação das razões de interesse público que estiveram na base da decisão de contratar, o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio, certo é que a ponderação feita no acto impugnado e sancionada pelo Acórdão recorrido não pode merecer acolhimento.
M) De facto, o júri do procedimento analisou a fundamentação do preço apresentado pela ora Recorrente tendo concluído que o mesmo era conforme com as normas legais, regulamentares e concursais em vigor.
N) Não tendo concluído que o preço era excessivamente alto (como agora a Entidade Demandada parece pretender sustentar) sendo que, se o fosse, o júri sempre poderia ter excluído a proposta.
O) Nunca tendo divulgado qualquer expectativa de obtenção de poupanças, a circunstância de as mesmas não terem sido conseguidas não pode determinar uma decisão de não adjudicação.
P) Não tendo sido fixado nas peças do procedimento qualquer número mínimo de adjudicatários, e estando em causa um concurso público, a adjudicação de apenas uma proposta não representa qualquer compressão do princípio da concorrência;
Q) Ainda que se considere que a adjudicação de apenas uma proposta representa alguma compressão do princípio da concorrência, a mesma não é suficiente para determinar a não adjudicação da proposta;
R) A não fixação nas peças do procedimento de um número mínimo de adjudicatários é uma opção, não podendo a entidade adjudicante invocar essa opção para, com recurso à ideia erro, não adjudicar a proposta que reúne todas as condições.
S) A decisão de não adjudicação e o poder de resolução do contrato por imperativo de interesse público são dois institutos completamente distintos, quer no seu âmbito de aplicação, quer nos pressupostos para o seu exercício quer nas consequências compensatórias.
T) Consequentemente não pode invocar-se o instituto da resolução do contrato por imperativo de interesse público para adoptar uma decisão de não adjudicação.
U) Caso assim se não entenda, então, nas situações em que a não adjudicação se consubstancie numa antecipação do exercício do poder de resolução do contrato por imperativo de interesse público, a mesma deve ter como consequência a atribuição de uma compensação ao potencial adjudicatário calculada nos termos do artigo 344º, nº 2, do CCP, abrangendo, por isso, os danos emergentes e os lucros cessantes.
NESTES TERMOS
Requer-se a Vs. Exas, Ilustres Conselheiros, se dignem admitir o presente recurso de revista e, em conferência, se dignem revogar o Acórdão recorrido e, consequentemente, julgar a acção provada e procedente:
a) declarando a nulidade, ou, caso assim se não entenda, anulando o acto praticado pelo Conselho Directivo da ESPAP e notificado à ora Recorrente em 06/02/2013 o qual determinou a não adjudicação da proposta apresentada pela Recorrente no âmbito do “concurso público para a celebração de acordo quadro de plataformas electrónicas de contratação pública” e, consequentemente, a revogação da decisão de contratar proferida no referido procedimento;
b) condenando a ESPAP a adjudicar a proposta apresentada pela Recorrente; e,
c) condenando a ESPAP a celebrar um acordo quadro com a Recorrente na sequência da adjudicação mencionada no ponto anterior.

1.2. A entidade demandada, ora recorrida, contra - alegou, concluindo:
a) Conforme se demonstrou no Capítulo II das presentes Contra Alegações, as questões submetidas à apreciação desse Venerando Supremo Tribunal pela Recorrente, bem como a interpretação do direito aplicável ao caso concreto, não revestem particular dificuldade ao nível de operações lógico - jurídicas necessárias à sua resolução, porquanto a aplicação das normas e princípios invocados não acarretam qualquer dificuldade interpretativa fora do comum.
b) Por outro lado, os interesses em jogo não ultrapassam os limites do caso concreto, em face das estritas e muito limitadas circunstâncias do caso sub judice e atenta a impossibilidade de as mesmas serem dissociadas da matéria dada como provada, a qual é absolutamente clara e nem sequer foi contestada pela Recorrente.
c) Ademais, não se vislumbra minimamente, nem tão pouco a Recorrente o demonstra, que na apreciação feita pelo Tribunal recorrido exista qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada que imponha a admissão da revista como “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
d) Em suma: não estamos perante uma situação que, atenta a sua “relevância social e jurídica”, assuma “importância fundamental” e que, por isso, exija a intervenção desse Venerando Tribunal.
e) Nesta conformidade, e atendendo a que não se verificam os pressupostos exigidos no artigo 150º, nº 1 do CPTA, não deve ser admitida a presente revista (conforme jurisprudência reiterada desse Venerando Supremo Tribunal, de que são exemplos entre muitos outros, os doutos acórdãos de 21.09.2006, Proc. 0728/06 e de 09.06.2011, Processo nº 0484/11.
f) No que respeita ao thema decidendo do acórdão recorrido, a Recorrida entende que, nas alegações de recurso de revista, a Recorrente não demonstra, ainda que indiciariamente, que o TCA Sul tenha apreciado erroneamente as questões que lhe cabia conhecer e analisar.
g) Com efeito, o artigo 79º, nº 1 do CCP, não contém um elenco exaustivo das causas que determinam a não adjudicação da proposta ou propostas, pelo que a decisão de adjudicação não representa “um dever jurídico” inelutável para o órgão competente para a decisão de contratar.
h) Por conseguinte, o acto de adjudicação é um “acto tendencialmente devido”, que pode mudar de sentido - “decisão de não adjudicação” - perante a verificação de determinadas circunstâncias excepcionais tipificadas na lei, ou em função de outros relevantes motivos de interesse público subjacentes à decisão de contratar.
i) Nesta conformidade, a Recorrida não estava impedida (antes tinha o dever) de tomar uma decisão de não adjudicação, baseada numa “diversa apreciação da situação pré - existente” e em função das ocorrências verificadas durante o procedimento pré - contratual, como única forma de tutelar os interesses em presença.
j) Acresce que se afigura indiscutível que a Administração não pode ficar obrigada à celebração de um contrato público quando a tal se oponham relevantes motivos de interesse público.
k) Por conseguinte, reconhecendo - se à Administração o poder de resolver um contrato por motivos de interesse público, esses mesmos motivos podem ser suficientes para sustentar uma decisão de não adjudicação.
l) No caso vertente, verificam-se ponderosos motivos de interesse público para a adopção de uma decisão de não adjudicação, sintetizados da seguinte forma:
- o preço proposto pela Recorrente constitui um preço “anormalmente” alto, quando comparado ao preço médio do mercado, e
- um acordo quadro celebrado unicamente com a Recorrente significa que esta será prestadora em regime de monopólio de toda a Administração Directa do Estado e a todos os institutos públicos!
m) Na verdade, a adjudicação da proposta da Recorrente compromete os objectivos de obtenção de economias de despesa pública, traçados pelo legislador à ANCP (agora à ESPAP, IP) no âmbito do SNCP - tal como vertidos no citado Decreto - Lei nº 37/2007, de 19 de Fevereiro.
n) Mais, ao adjudicar - em call - offs - dentro de um acordo quadro para elas vinculante - propostas de “valor consideravelmente elevado”, as entidades públicas contratantes estarão a não acolher também recomendações do Tribunal de Contas (dirigidas, embora à ANCP, agora ESPAP, IP), que visam a tutela do interesse público através de uma correcta racionalização dos dinheiros públicos, objectivo que a ora Recorrida não pode deixar de antecipar e de prosseguir.
o) No caso vertente, a indemnização devidas aos concorrentes pelo sacrifício imposto com a decisão de não adjudicação deve ser a prevista no nº 4 do art. 79º do CCP (para ressarcir “os encargos em que comprovadamente incorreram com a elaboração das respectivas propostas”), porquanto estamos perante uma decisão de não adjudicação e não de resolução contratual.
p) O acto impugnado é absolutamente válido, respeitando todas as normas legais e regulamentares aplicáveis a procedimentos concursais, maxime o disposto no CCP.
q) Face a tudo o que antecede, e atendendo a que o acto impugnado não padece dos vícios que lhe são assacados, não podem deixar de improceder os pedidos formulados pela Recorrente, como bem decidiu o Colectivo de Juízes Desembargadores do TCA Sul.
NESTES TERMOS:
Deve:
a) A presente revista ser rejeitada, por não estarem preenchidos os requisitos previstos no art. 150º, nº 1, do CPTA, ou, se assim não se entender;
b) A presente revista ser julgada improcedente, com base na matéria das Contra - alegações, mantendo-se, por conseguinte, o douto acórdão recorrido, nos seus precisos termos, com as legais consequências.

1.3. A formação prevista no art. 150º/5 do CPTA admitiu a revista, ponderando, no essencial, que:
“(…)
4. Está em causa no presente recurso a interpretação e aplicação do regime relativo às causas de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar constante do Código dos Contratos Públicos que, nas circunstâncias do caso, a recorrente divide nas seguintes questões ou subquestões:
a) O art.º 79.º do CCP contém um elenco exemplificativo ou taxativo das causas que podem determinar a não adjudicação a uma proposta?
b) Admitindo que o elenco é exemplificativo, pode a decisão de não adjudicação ter por fundamento o juízo de que o resultado do procedimento não permite a obtenção das poupanças esperadas, apesar de nas peças do procedimento não ter sido manifestada a intenção de obter essas poupanças, não ter sido elencado essa hipótese como causa de não adjudicação e não ter sido fixado qualquer preço base?
c) Estando em causa um concurso público para a celebração de um acordo quadro no âmbito do qual não foi fixado um número mínimo de adjudicatários, a adjudicação a um só concorrente representa uma compressão do princípio da concorrência?
d) Pode determinar-se a não adjudicação com esse fundamento?
e) Pode a entidade adjudicante determinar a não adjudicação de uma proposta com fundamento na qualificação da não fixação de um número mínimo de adjudicatários como um erro?
f) A possibilidade de a entidade pública contratante resolver o contrato por determinado imperativo de interesse público habilita a entidade adjudicante a determinar a não adjudicação com esse mesmo fundamento, como se de uma antecipação do exercício daquele poder se tratasse?
g) Quais as consequências dessa espécie de antecipação do poder de resolução unilateral do contrato por imperativo de interesse público?

E quanto a todas estas questões ou subquestões alega a recorrente revestirem-se de importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social.
Independentemente de saber se todas as (sub) questões assim enunciadas são realmente autonomizáveis nestes termos e se todas são cognoscíveis com este exacto alcance nas circunstâncias concretas do processo – designadamente, face à relação entre o sucessivamente decidido e impugnado e à base factual disponível -, está em debate uma essencial questão de determinação dos poderes da entidade adjudicante nos procedimentos pré-contratuais, em que relevam e em certa medida conflituam interesses públicos ( da economia em geral e da Administração Pública) e privados (dos sujeitos constituídos numa expectativa de vantagem concursal). Designadamente, de um lado o interesse público geral tutelado pelo princípio da concorrência de acesso aos mercados públicos e o interesse público específico de eficiência na utilização dos recursos públicos, incluindo o aspecto financeiro, e do outro os interesses próprios de quem acorreu ao concurso nas condições anunciadas e vê frustrada a situação de vantagem potencial.
Trata-se de uma questão controversa que suscita dificuldades superior ao comum pela necessidade de conciliar princípios conflituantes e de modulação das soluções, com potencialidade de expansão da controvérsia que claramente extravasa do caso sujeito. Deste modo, sem prejuízo da reserva inicialmente feita quanto à cognoscibilidade concreta das subquestões elencadas, justifica-se a admissão do recurso ao abrigo do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA.”

1.4. A Exmª Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido da manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. OS FACTOS
No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
1) No dia 04.01.2012 foi publicado no Diário da República o anúncio de abertura do procedimento de “concurso público para a celebração de acordo quadro de plataformas electrónicas de contratação pública” (“Concurso Público”), com o n.º 35/2012, (Cfr. Doc. 1 PI), no âmbito do qual a Entidade Pública Contratante é a Agência Nacional de Compras Públicas, E.P.E.
2) A data definida para apresentação das propostas foi o dia 21 de Fevereiro de 2012, sendo que em matéria de critérios de adjudicação, ficou definido que seriam “adjudicadas as 4 melhores propostas de acordo com o critério do mais baixo preço” (cfr. artigo 14.º, n.º 1, do Programa de Procedimento - artigo 12.º, n.º 1, do Programa de Procedimento Doc 2 PI),
3) A proposta do aqui Autor foi apresentada em 21/02/2012, tendo sido apresentadas outras 6 propostas (cfr. acta nº 3 do Júri do Concurso Público – Doc. 4 PI);
4) No dia 01/03/2013, o Júri do Concurso Público procedeu à análise das propostas, tendo concluído pela “existência de uma disparidade de preços propostos não negligenciável, a qual podia consubstanciar a prática de actos com intuito de impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência” (cfr. acta n.º 4 do Júri do Concurso Público – Doc. 5 PI);
5) O Júri do Concurso Público decidiu solicitar a todos os concorrentes esclarecimentos sobre os preços propostos, tendo alguns concorrentes, designadamente a Autora, requerido a classificação das respostas aos pedidos de esclarecimento nos termos e para os efeitos do artigo 66.º, do CCP, o que veio a ser aceite pelo júri do Concurso, em reunião realizada no dia 08/03/2012 (Cfr. acta n.º 5 – Doc. 6 PI);
6) Depois da referida classificação, e com excepção do concorrente B……, S.A., os concorrentes entregaram os esclarecimentos solicitados, tendo a Autora feito tal entrega em 12 de Março de 2012 (cfr. Doc. 7 PI);
7) Nos dias 20/03/2012, 22/05/2012, 04/06/2012 e 12/06/2012, o Júri do Concurso Público reuniu tendo em vista analisar as propostas apresentadas (incluindo os esclarecimentos prestados).
8) Da análise dos referidos elementos, o Júri do Concurso Público deliberou o seguinte (cfr. acta n.º 6 – Doc. 8 PI);
a) Propor a exclusão das propostas apresentadas pela C………, S.A. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), D………., Lda. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), B…….. S.A. (por não ter as qualificações necessárias para prestar o serviço objecto do Concurso Público), E………, Lda. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), F…….. S.A. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente) e G………, S.A. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente);
b) Propor a adjudicação da proposta apresentada pela aqui Autora;
c) Conceder prazo para exercício do direito de audiência prévia.
9) 5 dos 7 concorrentes apresentaram pronúncia de exercício do direito de audiência prévia (Cfr. acta n.º 7 - Doc. 9 PI) tendo o júri do Concurso Público mantido a decisão que constava do relatório preliminar constante da acta n.º 6, do Júri do Concurso, tendo ainda concedido novo prazo para os concorrentes exercerem o seu direito de audiência prévia.
10) Nos dias 19/07/2012, 02/08/2012 e 10/08/2012, o Júri do Concurso Público reuniu tendo em vista apreciar as pronúncias proferidas pelos concorrentes, tendo, a final (Cfr. acta n.º 8 - Doc. 10 PI) concluído o seguinte:
a) Proposta de exclusão das propostas apresentadas pela C…….., S.A. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), D………, Lda (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), B……… S.A. (por não ter as qualificações necessárias para prestar o serviço objecto do Concurso Público), E………., Lda. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), F…….., S.A (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente) e G………, S.A. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente);
b) Proposta de adjudicação à aqui Autora; e,
c) Proposta de enviar o relatório ao órgão competente para proferir a decisão de contratar.
11) O Conselho directivo da Entidade Demandada, em função da extinção da ANCP por fusão na Demandada, através do Decreto-Lei n.º 117-A/2012, de 14 de Junho), proferiu uma deliberação (Doc. 11 PI) de acordo com a qual:
a) Aderiu aos fundamentos e conclusões do parecer em anexo à deliberação;
b) Decidiu não adjudicar o Concurso Público em tutela do interesse público, revogando a decisão de contratar;
c) Concedeu prazo de audiência prévia aos concorrentes por cinco dias.
12) A aqui Autora apresentou requerimento de exercício do direito de audiência prévia (Cfr. Doc. 12 PI);
13) No dia 6 de Fevereiro de 2013 a aqui Autora foi notificada da decisão pela qual o conselho directivo da Demandada deliberou considerar improcedente a pronúncia apresentada pela Autora e, consequentemente, deliberou a não adjudicação do Concurso Público em tutela do interesse público (Cfr. Doc. 13 PI);
14) O presente Processo de Contencioso Pré-Contratual deu entrada nos Tribunais Administrativos, em 5 de Março de 2013 (Cfr. fls. 2 e sg SITAF)
15) O Acórdão de fls. 1027 a 1047 foi proferido por juiz singular.
16) O citado acórdão foi comunicado às partes por ofícios datados de 28.06.2013, de fls. 1049 e 1050.
17) Com data de registo no SITAF em 09.07.2013, foi apresentada pelo ora Recorrente a reclamação para a conferência de fls. 1053 a1091 (cf. também fls. 1052).
18) Em 11.07.2013 foi proferido o despacho de fls. 1102 e 1103, que aqui se dá por reproduzido, que convolou a indicada reclamação em recurso e convidou o Reclamante a apresentar alegações de recurso.
19) Com data de registo no SITAF em 30.07.2013, foram apresentadas pelo ora Recorrente as alegações de recurso de fls. 1111 a 1167 (cf. também fls. 1109).
20) A deliberação do CD da ESPAP referida em 11) é datada de 02.01.2013, teve o teor constante de fls. 807 e 808 e nomeadamente o seguinte teor: «Da análise das dúvidas levantadas pelo próprio júri e respetivas conclusões em sede de relatório final bem como da sua proposta de adjudicação, entendeu este Conselho Directivo existirem fundadas dúvidas acerca da prossecução do interesse público que fundamenta a decisão de celebrar o acordo quadro de plataformas electrónicas de contratação pública, nomeadamente acerca do cumprimento dos objectivos do Sistema Nacional de Compras Públicas,
Neste sentido, considerando imprescindível recorrer a uma análise e parecer especializado no âmbito do Sistema Nacional de Compras Públicas, a sociedade de advogados H…….. foi convidada a realizar tal tarefa tendo-a concluído com a entrega do parecer em anexo à presente deliberação».
21) Está anexo à indicada deliberação o documento de fls. 809 a 824, que aqui se dá por reproduzido.
22) Comunicada a deliberação do CA do ESPAP à A……., esta apresentou a pronúncia constante de fls. 826 a 842, que aqui se dá por reproduzida.
23) O CA do ESPAP na reunião de 31.01.2013 apreciou a supra indicada pronúncia e decidiu conforme documento de fls. 846 a 851, que aqui se dá por reproduzido.

2.2. O DIREITO
Na presente acção administrativa especial discute-se a (i) legalidade da decisão de não adjudicação que a entidade demandada tomou no âmbito do “concurso público para a celebração de acordo quadro de plataformas electrónicas de contratação público”, cujo anúncio de abertura foi publicado no Diário da República, 2ª Série, de 2012.01.04.
A autora, na petição inicial, alegou, além do mais, que: (i) as causas de não adjudicação são apenas as que estão taxativamente indicadas no artigo 79º do Código dos Contratos Públicos (CCP); (ii) a decisão impugnada não foi determinada por alguma dessas causas; (iii) logo, a decisão é anulável por violação do citado normativo.
O tribunal de primeira instância julgou improcedente a alegação, considerando que a “não adjudicação” pode ter lugar fora dos casos enunciados no artigo 79º CCP.

2.2.1
O tribunal a quo confirmou a sentença da primeira instância.
No seu caminho, começou por chamar à liça os fundamentos do acto impugnado, consignando, a respeito, seguinte:
“(…)
Ora, conforme deriva dos factos provados, ora acrescentados, a deliberação de não adjudicação fundamenta-se no seu próprio texto, mas também remetendo para a anterior proposta de deliberação e para o parecer anexo a esta. Ali não se remete a fundamentação para nenhum relatório do júri.
Tal como resulta provado, na deliberação de não adjudicação analisa-se e rebate-se os argumentos aduzidos pela A…….. em sede de audiência prévia e remete-se essencialmente para o já antes indicado no citado parecer jurídico.
Mas acrescenta-se relativamente ao que é aduzido no parecer, como fundamento para o interesse público que suporta a decisão de não adjudicação, o seguinte: «E, note-se, pretendia-se no Concurso em causa a selecção de quatro cocontratantes particulares (artigo 14.º, n.º 1, do Programa do Concurso), por se considerar um resultado concorrencialmente aceitável, num "mercado" em que se encontram certificadas oito plataformas electrónicas de contratação pública: http://www.base.gov.pt/base 2/html/plataformas/plataformascertificadas.html.
A eventual celebração de um acordo quadro com apenas um desses oito operadores representaria a compressão máxima - inaceitável sob a óptica do adquirente público - da concorrência de fornecedores nesta actividade económica. Representaria a instituição, por via contratual, de uma posição de monopólio perfeito para prestar serviços de plataforma electrónica de contratação a todas as entidades compradoras vinculadas do SNCP (n.º 4 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro). Mais, representaria a instituição de tal monopólio via presente quadro conjuntural do País, de ainda acrescida exigência no controlo da despesa pública, retirando, por essa via, à Administração Pública qualquer margem de controlo por via concorrencial dos preços a pagar, através do lançamento de procedimentos de call off competitivos, cujos destinatários seriam os múltiplos cocontratantes de um acordo quadro com uma pluralidade destes.
A hipotética conjugação da celebração de um acordo quadro com um único cocontratante com a imposição legal da aquisição, pelas entidades compradoras vinculadas do SNCP, da disponibilidade de uma plataforma eletrónica de contratação no seio desse mesmo acordo quadro deixaria integralmente na esfera de decisão da Concorrente, assim convertida em prestadora exclusiva às referidas entidades, a determinação do preço e portanto da onerosidade do serviço».
Quanto ao parecer que faz parte da fundamentação do acto por remissão (cf. artigos 124º e 125º do CPA), refere uma abordagem jurídica relativa às possibilidades de não adjudicação, mas no seu ponto «4. Decisão final a adoptar no Procedimento», acrescenta as razões concretas porque a entidade contratante pode aqui invocar um interesse público de relevo.
Ali é afirmado, designadamente que a proposta da A……. indicava um preço de 435.000 «valor mais elevado de entre todas as propostas» e que se apresentava «manifestamente superior à média dos preços indicados nas outras propostas, como também aos preços praticados de mercado», o qual foi “criado” com o CCP e legislação conexa, que passou a obrigar todas as entidades públicas, desde 30.07.2009, a efectuar compras por aqueles meios electrónicos.
Depois, indica-se as razões porque se considera a proposta da A……. superior à do «mercado», dizendo nomeadamente o seguinte: «Relativamente aos serviços objecto do Procedimento, e após análise das aquisições de plataformas electrónicas de contratação pública efectuadas ao abrigo do Acordo Quadro vigente (AQ-PEC), a Direcção de Compras Públicas da ANCP apurou que, nos dois anos 2010 e 2011, 7 a valor total facturado em cal-offs ao abrigo da AQPECP, agregando todos os co-contratantes, foi de € 536.245, o qual é apenas marginalmente superior ao valor unitário proposto pela A……., de € 435,000 por uma utilização anual da plataforma.».
(…)
De seguida, continua-se a justificar aquela diferença de preço, para mais, da proposta da A…….: «Os dados relativos ao primeiro semestre de 2012 - com um valor total facturado pelos co-contratantes de € 129.808 - mantêm a tendência de valores dos anos anteriores considerados. Ou seja, incluindo os dados deste primeiro semestre e anualizando (desconsiderando variações sazonais entre semestres, pouco relevantes), temos um valor médio de facturação total anual. agregando todos os co-contratantes. de € 266.421.
Acresce que, através de consulta ao Portal Base.gov, a mesma Direcção pode determinar que o valor máximo de contratação aí registado foi de € 205.000, relativo a uma plataforma electrónica por um período de 3 anos, logo com um custo anual de cerca de € 68.333, sendo que o preço contratual médio foi de € 18.748.

(…)
Ora, se for celebrado o presente Acordo Quadro com a A……. como única cocontratante, basta extrapolar para uma hipotética aquisição - em cal-off - por todas as (onze) Unidades Ministeriais de Compras actualmente existentes, desconsiderando as demais entidades compradoras vinculadas, designadamente os institutos públicos, para chegarmos a um valor total de facturação. por ano, que poderia atingir € 4.785.000. ».
Posteriormente, nesse parecer, com base naqueles elementos que se transcreveram diz-se: «Perante o preço proposto pela A……. e considerando os dados acima, demonstrativos de forte deseconomia para a Administração Pública, por comparação com os dados do "mercado", pode o órgão competente para a decisão de contratar deliberar não adjudicar a prestação deste serviço à única proposta não excluída?
Afigura-se-nos que pode (e que, enquanto única agente de tutela do interesse público nesta fase), por vários motivos:
- A criação da ANCP e do Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP) teve como desiderato último a redução da despesa pública, mediante uma organização centralizada das compras públicas, com vista a obter economias de escala e poupanças, racionalização das aquisições e melhoria da competitividade entre os fornecedores do Estado.
- A agregação das necessidades aquisitivas é uma das grandes ferramentas de criação de economias de escala na aquisição e de obtenção de poupanças, conforme dispõem os artigos 4.° e 5.° do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de Fevereiro.
- O SNCP tem por objectivo promover a aquisição, de forma centralizada, de bens móveis e de serviços pelas entidades compradoras, mediante a intervenção da ANCP - como entidade gestora do SNCP - e das Unidades Ministeriais de Compras (UMC), sendo a figura do acordo quadro aquela que é seguida para efeitos de seleccionar as entidades que, durante o período de tempo em que ele é vigente, ficam habilitadas a fornecer ao Estado determinadas categorias de bens e serviços de que este necessita.
- O SNCP, além da ANCP e das UMC, integra entidades compradoras vinculadas e entidades compradoras voluntárias (artigo 3.°, n.º 1, do Decreto-lei nº 37/2007).
- De acordo com o n.º 2 do referido artigo, integram o SNCP na qualidade de entidades compradoras vinculadas, os serviços da administração directa do Estado e os institutos públicos, num total de cerca de 1800 entidades. Dispõe ainda o n.º 3 do artigo 3.° do mesmo diploma que podem integrar o SNCP, na qualidade de entidades compradoras voluntárias, entidades da administração autónoma, local e regional, e do sector empresarial público, mediante a celebração de contrato de adesão com a ANCP.
- Perante a abrangência do SNCP e a obrigatoriedade que recai sobre as entidades compradoras vinculadas de contratar ao abrigo do Acordo Quadro, fácil é antever que a contratação dos serviços à A……. - com um preço consideravelmente superior ao do "mercado" - representaria um acréscimo exorbitante da despesa pública neste tipo de serviços, o que - sobretudo, no actual contexto de défice excessivo, e em face dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português - impõe uma ponderação, exigente e acrescida, quanto à necessidade de ser adoptada uma decisão de não adjudicação no caso vertente.
- Afigura-se-nos que a adjudicação proposta pelo Júri - vinculado, por lei, a esse resultado - compromete os objectivos de obtenção de economias na despesa pública, traçados pelo legislador à ANCP (agora à ESPAP) no âmbito do SNCP - tal como vertidos no Decreto-Lei n.º 37/2007.
Na verdade, a eventual adjudicação de uma proposta com um valor muito superior ao praticado no "mercado” pode, inclusive, afectar a legalidade da decisão de adjudicação se esta implicar a violação das atribuições, e da "fatia" de interesse público, que cabe prosseguir à entidade adjudicante na qual se insere o órgão competente para a decisão de contratar.
Por conseguinte, a celebração do acordo quadro com um só prestador de serviços, pelo preço anual proposto de €435.000, representa um custo desproporcionado, que não pode ser aceite pela ANCP (agora, ESPAP), custo esse que pode configurar um lucro abusivo por parte do cocontratante privado, a obter de entidades compradoras vinculadas, ex lege, a contratar no âmbito dos acordos quadro celebrados pela ANCP (agora, pela ESPAP).»

De seguida, dada a motivação do acto e raciocinando a partir da ideia de que os fundamentos nele invocados são exactos, o acórdão recorrido ponderou, no essencial, o seguinte:
- a entidade contratante, uma central de compras, abriu o presente concurso com vista a obter uma contratação economicamente favorável, mas acabou por ver manter-se no concurso uma única concorrente, cuja proposta, se adjudicada, não só não lhe permitiria esses ganhos face à escala de compras, mas significaria uma adjudicação por um preço substancialmente mais elevado do que aquele que nos anos de 2010 e 2011 tinha sido pago a outras empresas por serviços similares;
- a contratação através de uma única empresa em resultado do acordo - quadro, claramente não era a intenção querida pela Administração, que esperava adjudicar as 4 melhores propostas, tal como definira nos critérios de adjudicação (cf. artigo 14º do Programa de Concurso);
- considerando que o “mercado” aqui em causa é, tal como aduzido pela entidade contratante, um mercado “criado” por força de uma opção legislativa e que se restringe ao universo da própria Administração em sentido lato, operando pelo menos 8 empresas no mercado, tendo participado no concurso 7 delas, ficando todas excluídas, salvo a A……., sem dúvida que por acção de um contrato público, para o tempo de vigência do acordo-quadro, de 2 anos, automaticamente renovável (para contratos celebrados ao seu abrigo com uma duração mínima de 1 ano e máxima de 3), criar-se-ia, na prática, por um tempo economicamente relevante, uma situação de monopólio no fornecimento deste serviço a favor da A……. (cf. artigos 1º, 14º do Programa de Concurso, 3º, 19º e 20º do Caderno de Encargos);
- apresentaram-se a concurso 7 concorrentes, considerando o júri do concurso que os preços apresentados foram muito díspares. Pedidos esclarecimentos aos concorrentes, 6 das propostas acabaram por ser excluídas por apresentarem preços anormalmente baixos.
Restou a proposta da ora Recorrente, a A……., que como resulta do acima expendido, apresentou um preço muito superior ao do mercado, entendido como aquele que resultava da comparação das contratações feitas para os anos anteriores.
Consequentemente, há que concluir que a Entidade contratante falhou nos propósitos que tinha quando abriu o concurso: para obter uma proposta que trouxesse vantagens económicas face à economia de escala que se esperava, pois tratava-se de um concurso aberto por uma central de compras, para um acordo quadro, onde se seleccionassem as «4 melhores propostas de acordo com o critério do mais baixo preço».
- no caso em apreço não só existe uma situação de interesse público devidamente fundamentado que justifica aquela alteração da decisão de contratar, como a desistência de contratar se deveu a uma causa superveniente àquela decisão.
Isto porque, queria a entidade pública lançar um concurso para alcançar uma aquisição economicamente adequada ou vantajosa, seleccionando as 4 melhores propostas, e acabou por ver subsistir no concurso a proposta de uma única concorrente, que apresentava um preço muito superior àquele que seria o preço que a entidade contratante estimou como o de mercado;
- aqui não houve uma decisão arbitrária de revogar a decisão de contratar, não se adjudicando a proposta da A……..
Diversamente, a Administração invocou um interesse público relevante, superveniente e fundamentou com dados concretos a razão pela qual a adjudicação à A……. lesava o interesse público e conduzia a uma contratação por um preço desproporcional relativamente ao fim do contrato. Igualmente, foi invocada a violação de um princípio de concorrência sã, por num mercado com pelo menos 8 empresas a operar, querendo-se seleccionar um grupo de 4, acabar-se por criar uma situação de monopólio a favor da A…….
Depois, face à actual situação financeira de Portugal, que exigiu uma intervenção externa, facto que é público e notório, a boa gestão da coisa pública e o princípio da economia ganharam um relevo preponderante na aferição do interesse público.
Assim, os fundamentos aduzidos pela entidade contratante relativos aos custos desproporcionais e não queridos para o erário público e aos ganhos também desproporcionais para a empresa que manteve a proposta não excluída, têm de ser atendidos para efeitos de aceitar-se como lícita a não adjudicação numa situação como a dos autos;
- na verdade, “o concurso tornou-se imprestável para o seu fim, por algo que é superveniente à abertura do próprio concurso, à vontade de contratar”;
- num caso como o dos autos “é legal a entidade contratante decidir pela não adjudicação”, pois que “os pressupostos da decisão de contratar alteram-se supervenientemente ao termo do prazo fixado para a apreciação das propostas (cfr. art. 79º, nº 1, alínea d) do CCP)”;
- “haverá aqui uma situação paralela àquelas que estão previstas no artigo 79º, nomeadamente à da alínea d) do nº 1 deste artigo 79º do CCP”;
- “tal artigo não é taxativo, mas meramente exemplificativo”;
- “ Contudo, considerar exemplificativo o artigo 79º não significa que em regra a entidade contratante, uma vez aberto o procedimento de concurso e fazendo-o prosseguir, não fique obrigada a terminá-lo adjudicando a proposta vencedora (cfr. artigo 76º do CCP). Essa é a regra, tal adjudicação é um acto tendencialmente devido, corolário dos princípios da boa fé e da confiança”;
- “Admite-se, contudo, que em situações excepcionais, que serão as previstas no art. 79º do CCP, ou noutras similares, a entidade contratante possa revogar a decisão de contratar e não prosseguir o concurso com a correspondente adjudicação”

A autora, ora recorrente, discorda do acórdão recorrido, começando por dizer que o mesmo enferma de erro de julgamento por ter interpretado e aplicado incorrectamente os artigos 76º e 79º do CCP. Alega que estes normativos devem ser interpretados e aplicados no sentido de se considerar que o elenco das causas de não adjudicação previstas no artigo 79º/1 CCP é taxativo e, que por via disso, o tribunal a quo devia ter julgado procedente a sua pretensão, uma vez que a decisão impugnada não foi determinada por qualquer das causas de não adjudicação enunciadas naquele preceito.
Na hipótese, que não concede, de se entender que o elenco das causas de não adjudicação não é taxativo, a autora, alega que, de todo o modo, o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento, porque, no caso em apreço, a entidade demandada não tinha fundamento válido para proferir uma decisão de não adjudicação.
E isto, porque, contra o entendimento do tribunal a quo, no essencial e em resumo: não se verificou qualquer facto superveniente à abertura do procedimento, que seja imprevisível e excepcional que torne admissível a não adjudicação da proposta seleccionada pelo júri; as considerações do Parecer que a fundamentação do acto incorporou, tendentes a demonstrar que o preço da proposta é excessivamente elevado não podem ser tomadas como base de comparação, porque para que a comparação fosse verdadeira, era necessário verificar se, nesses contratos, foram cumpridos os requisitos técnicos, funcionais, de nível de serviço e outros que, de acordo com o presente procedimento, deveriam ter sido considerados nos preços; o acto impugnado e o acórdão recorrido partem do pressuposto de que, ao celebrar o acordo - quadro a ESPAP está a assumir uma qualquer obrigação de contratar pelo preço indicado, o que não é verdade, pois que a única entidade que assume alguma obrigação é a recorrente; por outro lado, a fixação do valor máximo que a recorrente se obriga a cobrar não significa que vá cobrar o mesmo valor independentemente do serviço que lhe seja contratado, sendo que o preço será formado em cada contrato que venha a ser celebrado e em função daquilo que for solicitado pela entidade adjudicante; a não obtenção de poupanças não é fundamento suficiente para determinar a não adjudicação, uma vez que ao não indicar um preço base, a entidade adjudicante indicou, com clareza, que não existia qualquer objectivo concreto de poupança e, a existir, o mesmo não era elemento essencial para contratar; não há qualquer ofensa ao princípio da concorrência, uma vez que o concurso não fixou o número mínimo de co-contratantes e, no âmbito de um concurso público, a adjudicação à única proposta que não foi excluída não representa qualquer compressão àquele princípio; deste modo, a situação não é paralela à que está prevista na alínea d) do nº 1 do art. 79º do CCP.

Apresentado o dissídio, passamos a apreciar.
Na economia da presente revista, cumpre, prioritariamente, saber se, no caso sujeito, a situação é, ou não, enquadrável na previsão de qualquer das alíneas do nº 1 do art. 79º do CCP, que enumera causas de não adjudicação. Sendo positiva a resposta, a solução dada a esta questão prejudicará o conhecimento de todas as demais que vêm suscitadas, mormente o problema de saber se a enumeração da norma do art. 79º/1 do CCP é, ou não é, taxativa.
O acordo-quadro “é o contrato celebrado entre uma ou várias entidades adjudicantes e uma ou mais entidades, com vista a disciplinar relações contratuais futuras a estabelecer ao longo de um determinado período de tempo, mediante a fixação antecipada dos respectivos termos” (art. 251º CPP) e pode ser concretizado, pelas entidades adjudicantes, através de uma de duas modalidades : (i) com uma única entidade (acordo - quadro individual), “quando nele estejam suficientemente especificados todos os termos da execução dos contratos a celebrar ao seu abrigo que sejam submetidos à concorrência pelo caderno de encargos” [art. 252º/1/a) CCP]; (ii) com várias entidades (acordo-quadro múltiplo), “quando nele não estejam totalmente contemplados ou não estejam suficientemente especificados os aspectos da execução dos contratos a celebrar ao seu abrigo que sejam submetidos à concorrência pelo caderno de encargos”.
No caso concreto, o concurso tinha, seguramente, por objecto, a celebração de um acordo - quadro múltiplo, isto é, na modalidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 252º CCP, no qual não estão fixados todos os termos dos contratos a celebrar. Não há espaço para dúvidas de que assim é, face aos artigos 14º/1 do Programa do Concurso e 18º/1, 19º e 21º/2 do Caderno de Encargos e 259º do CCP, que, para melhor compreensão, passamos a transcrever:
Programa do Concurso:
Art. 14º
Critério de adjudicação
1. Serão adjudicadas as 4 melhores propostas de acordo com o critério do mais baixo preço.

Caderno de Encargos:
Art. 18º
Aquisição ao abrigo do acordo - quadro
1. O procedimento lançado ao abrigo do acordo - quadro é efectuado através de convite a todos os co- contratantes do mesmo, nos termos do artigo 259º do CCP
(…)
Art. 19º
Critério de adjudicação dos procedimentos ao abrigo do acordo - quadro
1. A adjudicação deve ser efectuada de acordo com o seguinte:
a) através da adopção do critério do mais baixo preço;
b) através da adopção do critério da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta, pelo menos, os seguintes factores:
(i) Preço, com uma ponderação mínima de 85%;
(ii) Prazo para a disponibilização da plataforma devidamente parametrizada, podendo ser considerado o calendário seguinte:
(…)

Art. 21º
Condições e prazo de pagamento
(…)
2. O preço contratual é o que resultar da proposta adjudicada no procedimento celebrado ao abrigo do acordo - quadro, não podendo, em caso algum ser superior ao preço do co-contratante publicado no CNCP
(…)

Código dos Contratos Públicos:
Art. 259º
Celebração de contratos ao abrigo de acordos - quadro cujos termos não abranjam todos os seus aspectos submetidos à concorrência
1 - Para a formação de contratos a celebrar ao abrigo de acordos - quadro celebrados na modalidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 252º, a entidade adjudicante deve dirigir aos co-contratantes do acordo-quadro que reúnam as condições necessárias para a execução das prestações objecto desses contratos um convite à apresentação de propostas circunscritas:
a) Aos temos do acordo-quadro a concretizar, a desenvolver ou a complementar em virtude das particularidades da necessidade cuja satisfação se visa com a celebração do contrato; ou
b) Aos aspectos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos do acordo-quadro para os efeitos do procedimento de formação do contrato a celebrar ao seu abrigo.
(…)

Temos, assim, que a entidade adjudicante tomou a decisão de celebrar um acordo - quadro na modalidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 252º do CCP. E fê-lo, seguramente, porque, tendo avaliado o conjunto dos pressupostos de facto e de direito que então se verificavam, mormente a necessidade pública a satisfazer e os instrumentos jurídicos disponíveis para o efeito, concluiu que era um contrato deste género e espécie (acordo-quadro múltiplo onde não estão fixados todos os termos dos contratos futuros) e não qualquer outro, que melhor assegurava a prossecução do interesse público. Razão pela qual o tipo de contrato, tal como se encontra especificamente configurado nas peças que conformam o procedimento (programa do concurso e caderno de encargos) faz parte do conjunto dos pressupostos da decisão de contratar.
Ora, no caso sub judice, o concurso, por força da exclusão das outras seis, desembocou numa situação de proposta única que, como bem diz o acórdão recorrido, o tornou imprestável para o seu fim. Na verdade, repete-se, o procedimento tinha por objecto a celebração de um acordo - quadro para adjudicação às 4 melhores propostas, de acordo do critério do preço mais baixo , isto é um acordo - quadro com vários operadores (acordo - quadro múltiplo), na modalidade prevista na alínea b) do nº 1 do art. 252º do CCP, no qual não estão fixados todos os termos dos futuros contratos a celebrar ao seu abrigo. E, sendo assim, nesta modalidade de acordo-quadro, a adjudicação a um único concorrente sempre seria anómala, uma vez que, como resulta da leitura articulada das normas das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 252º do CCP o acordo-quadro com um único operador (acordo-quadro individual) só é admissível quando nele “estejam suficientemente especificados todos os aspectos da execução dos contratos a celebrar ao seu abrigo que estejam submetidos á concorrência pelo caderno de encargos”, não estando prevista a modalidade de acordo-quadro com um único operador económico sem fixação de todos os termos dos futuros contratos.
Anomalia que significaria, ainda, sem dúvida, como bem pondera o acórdão recorrido, a perda, por parte da entidade adjudicante, da pressão concorrencial que é determinante da formação dos preços sempre que o acordo-quadro não fixa todos os termos dos contratos futuros. Na verdade, no acordo-quadro, na modalidade prevista no procedimento (múltiplo) a concorrência opera em dois momentos sucessivos: primeiro, na elaboração das propostas dos concorrentes em que estes declaram qual é o preço máximo para os futuros contratos (vide art. 21º/2 do Caderno de Encargos); depois, nas ulteriores aquisições ao abrigo do acordo-quadro, em que os procedimentos são efectuados “através de convite a todos os co-contratantes” (art. 18º/1 do Caderno de Encargos) e em que a adjudicação deve ser efectuada “através da adopção do critério do mais baixo preço” ou “através da adopção do critério da proposta economicamente mais vantajosa” (art. 19º/1 do Caderno de Encargos). Ora, se houver apenas um co-contratante, só ele pode ser convidado e, ninguém duvidará que, estando sozinho, sem concorrência, ficará em posição privilegiada para, dentro do que lhe é permitido, no intervalo até ao máximo a que se comprometeu na proposta do acordo-quadro, manipular os preços em seu benefício e em prejuízo do interesse público.
Assim, não restam dúvidas que, para além de a entidade adjudicante carecer de habilitação legal para o efeito, a adjudicação a um único concorrente, sem fixação de todos os termos dos futuros contratos, seria contrária à finalidade do concurso e, com um muito elevado grau de probabilidade, redundaria numa situação danosa para o interesse público.
Deste modo, o procedimento, na sua dinâmica própria e particulares vicissitudes, supra indicadas, deu origem, por si mesmo, a uma situação que só poderia culminar com a adjudicação a um único operador económico e na celebração de um contrato diferente do que foi objecto do concurso, coisa que a entidade adjudicante nunca quis e para a qual não goza da imprescindível habilitação legal.
E esta é uma circunstância superveniente ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, que colide com os pressupostos da decisão de contratar e impede a entidade adjudicante de celebrar e executar o contrato nas condições previstas no programa e no caderno de encargos e que, por conseguinte, é enquadrável na previsão do art. 79º/1/d) CCP ( Artigo 79º
Causas de não adjudicação
1 - Não há lugar a adjudicação quando:
(…)
d) Circunstâncias supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem), constituindo-se como uma das causas de não adjudicação enunciadas nesse preceito legal.

Posto isto, concluímos que: (i) a revista improcede, ficando prejudicado o conhecimento de todas as demais questões; (ii) deve manter-se o acórdão recorrido, uma vez que o tribunal a quo ainda que com fundamentação com algumas diferenças, também julgou que, no caso concreto, se justifica a não adjudicação, por aplicação da norma do art. 79º/1/d) CCP.

3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em negar provimento à revista.

Custas pela autora, ora recorrente.
Lisboa, 20 de Março de 2014. – António Políbio Ferreira Henriques (relator) - Vítor Manuel Gonçalves Gomes - Alberto Augusto Andrade de Oliveira