sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Acórdão do Tribunal de Contas n.° 1/2010: Fixação de jurisprudência



Fixa jurisprudência no sentido de que, no domínio do disposto, conjugadamente, nos artigos 73.°, n.° 1, alínea b), 92.°, n.° 3, e 94.°, n.° 2, alínea b), do Decreto-Lei n.° 59/99, de 2 de Março, a falta de indicação, na lista de preços unitários, de um preço correspondente a um bem ou a uma actividade, deve ser ponderada caso a caso e só constitui a preterição de uma formalidade essencial, determinante da exclusão da respectiva proposta, quando, em função dos factores do critério de avaliação das propostas, for impeditiva da análise comparativa destas, ou seja, susceptível de se repercutir na boa execução do contrato


TRIBUNAL DE CONTAS
Acórdão do Tribunal de Contas n.° 1/2010
Recurso extraordinário n.° 2/09 Uniformização de jurisprudência
Acordam em Plenário Geral do Tribunal de Contas:
I — Relatório
1 — O Ex.mo Magistrado do Ministério Público interpôs recurso extraordinário, para fixação de jurisprudência, do Acórdão n.° 2 1/09, de 2 de Junho, proferido pela 1.ª Secção do Tribunal de Contas, em plenário, invocando, como fun­damento, os Acórdãos n.os 18/05, de 5 de Julho, e 21/05, de 27 de Setembro, ambos proferidos pela 1.ª Secção do Tribunal de Contas, também em plenário, nos Recursos Or­dinários n.os 9/2005 e 5/2005, respectivamente, e alegando ter aquele aresto perfilhado solução jurídica oposta à que foi consagrada por estes últimos, relativamente à mesma questão fundamental de direito.
2 — No seu requerimento de interposição de recurso, o magistrado do Ministério Público alegou que o Acór­dão n.° 21/09, de 2 de Junho, proferido pelo plenário da 1.ª Secção deste Tribunal — negando provimento ao re­curso que interpusera do Acórdão n.° 19/08, proferido em 8 de Fevereiro, pela mesma 1.ª Secção, em Subsecção —, manteve a decisão de concessão de visto, com recomen­dações, ao contrato de empreitada de «Reabilitação da Antiga Fábrica dos Leões — Complexo de Arquitectura e Artes Visuais da Universidade de Évora», celebrado entre a Universidade de Évora e a sociedade Arlindo, Correia & Filhos, S. A.
Para chegar a essa solução jurídica — sustenta o Ma­gistrado recorrente —, o acórdão recorrido perfilhou o en­tendimento de que a omissão de um item da lista de preços unitários do mapa de quantidades, prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 73.° do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março, não configura a falta de um elemento essencial e, por isso, não é geradora de nulidade, motivo por que não origina o fundamento de recusa de visto estabelecido no artigo 44.°, n.° 3, alínea a), da Lei n.° 98/97, de 26 de Agosto.
Ora, segundo o Ministério Público, a orientação juris­prudencial constante desse acórdão é oposta à que foi per­filhada pelos Acórdãos n.os 18/05 e 21/05, acima referidos, de 5 de Julho e de 27 de Setembro, respectivamente, arestos estes que assentaram no entendimento de que a omissão de um item na lista de preços unitários viola o disposto no artigo 73.°, n.° 1, alínea b), do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março, e, porque consubstancia algo de essencial, invalida a proposta, traduzindo -se a graduação desta, com tal omissão, numa situação de favor relativamente ao con­corrente faltoso, violadora dos princípios fundamentais da contratação pública. (1)
3 — Notificada a Universidade de Évora para se pro­nunciar, de acordo com o disposto no artigo 99.°, n.° 2, da Lei n.° 98/97, de 26 de Agosto (LOPTC), aplicável ex vi do artigo 101.°, n.° 3, do mesmo diploma legal, nada veio dizer.
4 — Notificado o Ex.mo Magistrado do Ministério Pú­blico, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 102.°, n.° 2, da LOPTC, veio o mesmo a emitir parecer no sentido de se verificar oposição de julgados, e, propendendo para aorientação constante dos acórdãos fundamento, a formular a seguinte proposta de fixação de jurisprudência:
«A omissão de um ‘item’ e, consequentemente, do respectivo preço unitário, que deva constar da respectiva lista de preços unitários, segundo o caderno de encar­gos, viola o disposto no artigo 73.° n.° 1, alínea b), do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março.
Tal ilegalidade, porque também violadora dos prin­cípios da legalidade, transparência, igualdade, concor­rência e imparcialidade, previstos nos artigos 7.° a 11.° do Decreto -Lei n.° 197/99, de 8 de Junho (aplicável às empreitadas por força do seu artigo 4.°), constitui a preterição de algo de essencial, que conduz à invalidade da respectiva proposta.
Aceitar a possibilidade de avaliação e graduação, de uma tal proposta, significaria a consagração de uma situação de favor, injusta e injustificada, em relação ao concorrente em tais circunstâncias e, consequentemente, violadora dos princípios fundamentais da contratação pública.
Assim sendo, deverá ser recusado o ‘visto’ a um contrato, celebrado com um concorrente, onde ocorreu a referida ilegalidade essencial, com fundamento em nulidade do procedimento, por força das disposições conjugadas da alínea a) do n.° 3 do artigo 44.° da Lei n.° 98/97, de 26 de Agosto, e dos artigos 133.°, n.° 1, e 134.°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo (CPA).»
5 — Colhidos os vistos, cumpre conhecer e decidir.
II — Sobre a oposição de julgados
1 — Nos termos do disposto no artigo 101.°, n.° 1, da Lei n.° 98/97, de 26 de Agosto (LOPTC), e no que respeita à 1.ª Secção do Tribunal de Contas, é pressuposto, para a admissibilidade de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que tenham sido proferidas no plenário da 1.ª Secção, em processos diferentes, duas decisões, em matéria de concessão ou recusa de visto, que, no domínio da mesma legislação, e relativamente à mesma questão fun­damental de direito, assentem sobre soluções opostas.
2 — O acórdão recorrido, equacionando a questão das consequências jurídicas da omissão de um item da lista de preços unitários do mapa de trabalhos e de quantidades, da proposta adjudicatária (2) — lista prevista nos artigos 22.° e 73.°, n.° 1, alínea b), do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março —, concluiu no sentido de que essa falta não cons­titui a omissão de um elemento essencial, que conduza à nulidade do acto de adjudicação e à recusa do visto ao contrato, nos termos do disposto na alínea a) do n.° 3 do artigo 44.° da LOPTC.
3 — Por seu lado, os acórdãos fundamento (Acórdãos n.os 18/05, de 5 de Julho, e 2 1/05, de 27 de Setembro) — ti­rados por maioria, o primeiro (com um voto de vencido e uma declaração de voto), e por unanimidade, o segun­do — consideraram que a omissão de um item e, con­sequentemente, de um preço unitário, na lista de preços unitários, do mapa de quantidades, viola, para além do mais, o disposto no citado artigo 73.°, n.° 1, alínea b), do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março, e, porque consubs­tancia algo de essencial, invalida a proposta — que deve ser excluída —, sendo que a graduação de uma proposta com tal omissão traduziria uma situação de favor em relação ao concorrente faltoso, violadora dos princípios fun­damentais da contratação pública.
4 — Resulta do que acaba de ser exposto, que as deci­sões atrás mencionadas, além de recaírem sobre a mesma questão fundamental de direito, foram proferidas no domí­nio da mesma legislação e são de sentido oposto.
Efectivamente, quer o acórdão recorrido, quer os acór­dãos fundamento, incidem na questão das consequências jurídicas da omissão de um item na lista de preços unitários do mapa de quantidades, sobre a proposta, e, ulteriormente, sobre a concessão ou recusa do visto ao contrato, em cujo procedimento prévio ocorreu aquela omissão.
Por outro lado, enquanto o acórdão recorrido pro­pendeu para considerar que a omissão do referido item, do mapa de quantidades, não tipifica a omissão de um elemento essencial, pelo que não conduz à nulidade da adjudicação e, consequentemente, do contrato, motivo por que não constitui fundamento de recusa de visto, já os acórdãos fundamento se orientaram no sentido oposto, ou seja, consideraram constituir tal omissão a falta de um elemento essencial, cuja consequência é a da invalidade da proposta, com repercussão no acto de adjudicação e no contrato, e, nessa sequência, constituiria fundamento de recusa de visto.
Verifica -se, pois, a existência de oposição de julgados, que constitui pressuposto para que o presente recurso possa prosseguir, com vista a solucionar tal conflito jurispru­dencial.
III — Da uniformização de jurisprudência
1 — Como resulta do que se disse acima, a questão fundamental a resolver, no caso sub judice, é a de saber qual a consequência jurídica que, sobre a proposta, deriva da omissão de um item da lista de preços unitários do mapa de quantidades de trabalho, que a instrui.
2 — Nos termos do artigo 22.° do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março (3), os concorrentes, nos casos de empreita­das de obras públicas, por preço global ou por série de pre­ços (4), devem apresentar, com as suas propostas, as listas de preços unitários que lhes hajam servido de base.
Por seu turno, e ao tratar dos documentos que instruem a proposta, estabelece o artigo 73.°, n.° 1, alínea a), do mesmo Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março, o seguinte:
«Artigo 73.°
Documentos que instruem a proposta
1 — Sem prejuízo de outros exigidos no programa de concurso, a proposta é instruída com os seguintes documentos:
a)     . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
b)  Lista dos preços unitários (5), com o ordenamento dos mapas -resumo de quantidades de trabalho; »
O preço de uma empreitada, não sendo, embora, o único elemento, ou factor, determinante da decisão de adjudica­ção, num concurso público, e, muito menos, o determinante automático dessa decisão — a qual obedece a um conjunto de factores pelos quais se afere o critério legal que é o da proposta economicamente mais vantajosa (artigo 105.°, n.° 1, do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março) —, é, to­davia, um elemento muito importante.
Representa, no fundo, o valor da empreitada que o em­preiteiro se propõe realizar e o montante que o dono da obra se propõe pagar -lhe.
A lista de preços unitários é, a vários títulos, um ins­trumento de rigor relativamente ao preço da empreitada, susceptível de proporcionar vantagens importantes quer na fase pré -contratual, quer na vigência e execução do contrato.
Ora, sendo o concurso público, sem dúvida, uma garantia de igualdade de quem — os concorrentes — se propõe con­tratar com a Administração da escolha da melhor proposta, da transparência do processo e da sua normalidade (6), facilmente se pode afirmar que as listas de preços unitários, nesta fase pré -contratual, podem contribuir decisivamente, para alcançar todas estas vantagens.
Na verdade, podem auxiliar os concorrentes a calcular rigorosamente o preço que irão propor e tornam -no transpa­rente, quer para os demais concorrentes, quer para o dono da obra, fornecendo um elemento valioso de apreciação comparatística.
Podem, ainda, ajudar o dono da obra não só a avaliar da exactidão matemática da formação do preço proposto, mas também da própria capacidade e idoneidade dos proponen­tes e da razoabilidade do preço, face aos diversos compo­nentes e ao mercado dos bens e serviços a que respeitam. Podem, igualmente, permitir uma comparação mais segura das diversas propostas que se apresentem. (7)
Os concorrentes, enquanto tais, beneficiam por poderem contar com um instrumento de seriedade e de rigor na for­mação das propostas e de elementos pormenorizados que lhes facultam ter um conhecimento mais seguro da valia relativa de cada uma das propostas a concurso. (8)
Na vigência do contrato é, também, ampla a função da lista de preços unitários. (9)
Efectivamente, tem um interesse especial no caso de cálculo dos trabalhos a mais, quer para o efeito de de­terminar se se verifica, ou não, o direito do empreiteiro à rescisão do contrato, nos termos dos artigos 31.° e 34.° do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março, quer para o efeito do seu pagamento ao empreiteiro, ainda que aquele direito não exista ou não seja exercido (artigos 26.°, 28.°, 31.° e 33.° do mesmo Decreto -Lei n.° 59/99).
3 — Do que acaba de se dizer, relativamente à função da lista de preços unitários, bem como à obrigatoriedade de a proposta ser acompanhada da apresentação de tal docu­mento — artigos 22.° e 73.°, n.° 1, alínea b), do Decreto -Lei n.° 59/99 — bem se compreende o disposto no artigo 94.°, deste diploma legal, e, sobretudo, o estabelecido nos seus n.os 1 e 2, alínea b).
Na verdade, no que se refere à admissão das propostas, dispõe o mencionado artigo 94.°, nos seus n.os 1 e 2:
«Artigo 94.°
Deliberação sobre a admissão das propostas
1 — Lidas as propostas, a comissão procede ao seu exame formal, em sessão reservada, e delibera sobre a sua admissão.
2 — Não são admitidas as propostas: (10)
a)    Que tiverem sido entregues depois do termo do prazo fixado para a sua apresentação;
b)         Que não estiverem instruídas com todos os do­cumentos exigidos pelo n.° 1 do artigo 73. °, bem como pelo programa de concurso; (11)
      c) Que não estejam redigidas em língua portuguesa;
d)  Cujos documentos não estejam redigidos em língua portuguesa ou acompanhados de tradução devidamente legalizada ou, não o sendo, com declaração por parte do concorrente de que aceita a sua prevalência nos termos do n.° 1 do artigo 71.°;
e)    Que careçam de algum dos seguintes elementos, constantes do modelo aplicável:
i)   Identificação do concorrente;
ii)   Identificação da empreitada;
iii)           Declaração em como o concorrente se obriga a executar a empreitada de harmonia com o caderno de encargos;
iv) Indicação do preço por extenso e por algarismos;
v) Menção de que ao preço proposto acresce o im­posto sobre o valor acrescentado;
vi) Declaração de renúncia a foro especial e submis­são à lei portuguesa..»
4 — Tendo em conta as disposições legais acabadas de transcrever, importa, então, solucionar a questão concer­nente à relevância da omissão de um item na lista de preços unitários, ou seja, a da consequência jurídica que decorre de ter sido omitido, na lista de preços unitários, o preço de um determinado bem, ou de determinada quantidade de trabalho.
Tratar -se -á da falta de um elemento essencial da lista de preços unitários, que acarreta ou determina a falta da própria lista, ou, ao invés, estar -se -á perante a falta de um elemento não essencial que constitui uma mera irregula­ridade, susceptível de ser sanada?
4.1 — Como vimos acima, e por força do disposto no artigo 94.°, n.° 2, alínea b), do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março, quando a proposta não seja instruída com a «lista de preços unitários» prevista nos artigos 22.° e 73.°, n.° 1, alínea b), do mesmo diploma legal, não pode a mesma ser admitida.
Daí que a falta de apresentação, com a proposta, da «lista de preços unitários», enquanto elemento que deve, obrigatoriamente, acompanhar a proposta, constitua a pre­terição de uma formalidade essencial, que é motivo de exclusão da proposta.
Não parece, pois, haver dúvidas quer quanto à qualifica­ção ou caracterização da «lista de preços unitários» — en­quanto «conjunto descriminado de preços» para os vários bens e trabalhos, constantes dos vários itens do mapa de quantidades, no contexto da proposta — , quer quanto à falta da sua apresentação, com a proposta:
Trata -se de um elemento essencial, concorrencialmente relevante, do procedimento concursal, cuja omissão de­termina a exclusão da proposta.
4.2 — No que concerne, porém, à mera omissão de um preço, ou de um item, na lista de preços unitários, e à sua repercussão na proposta, o texto da lei não nos fornece uma indicação segura e inequívoca da respectiva conse­quência jurídica.
Esta questão já tem sido tratada nos Tribunais da Ju­risdição Administrativa, sendo que, todavia, não tem tido tratamento jurisprudencial unívoco.
4.2.1 — Efectivamente, e por um lado, deve salientar -se, v. g., que o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferido pelo Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, em 23 de Janeiro de 2003, no Processo n.° 5 12/02 (12), decidiu que a omissão, na lista de preçosunitários que acompanhou uma proposta, do capítulo «Rede de rega», do mapa de trabalhos patenteado a concurso, capítulo esse que não foi considerado no preço global oferecido pelo concorrente, constitui a preterição de uma formalidade essencial, concorrencialmente relevante.
É que — decidiu o mesmo aresto — tal omissão não só impede uma correcta comparação da proposta em causa com as restantes propostas, como se reflecte, ainda, na fase de execução do contrato, podendo vir a criar obstáculos, no caso de realização de trabalhos a mais.
4.2.2 — Diversamente, porém, decidiram os Acórdãos do mesmo STA, de 16 de Agosto de 2001 e de 22 de Ja­neiro de 2004, proferidos, em Subsecção do Contencioso Administrativo, respectivamente, nos Processos n.os 47 982 e 03/04.
Segundo estes acórdãos, a falta de indicação, na lista de preços unitários, do preço correspondente a uma das espécies de actividades, se equivaler ao compromisso da realização dessa tarefa sem contrapartida directa, não de­termina, necessariamente, a desconsideração da respectiva proposta.
Só assim não será — acrescentam os mesmos ares-tos — se os factores, critérios ou parâmetros de avaliação das propostas obrigarem à análise comparativa dos preços parcelares atribuídos àquela espécie, ou se for claro que a omissão desse preço é susceptível de se repercutir na boa execução da empreitada.
4.2.3 — Na linha destas últimas decisões judiciais se orientou, também, o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria -Geral da República (PGR) n.° 32/88, de 18 de Agosto (13) , produzido, embora, no quadro do regime das empreitadas de obras públicas aprovado pelo Decreto -Lei n.° 23 5/86, de 18 de Agosto, que, todavia, e nesta matéria, não continha um regime substancialmente diverso daquele que consta do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março.
Na verdade, segundo este parecer da PGR, «a falta das listas de preços unitários é motivo de exclusão do propo­nente que as não juntou com a sua proposta.
Porém, sendo a questão em causa resultante não de uma falta completa de listas desse tipo, mas de uma falta parcial, tão -só de algumas, o problema prende -se com a questão do regime de irregularidades, e respectivo suprimento, no concurso de empreitada de obras públicas.
O critério diferenciador entre irregularidades sanáveis e não sanáveis passaria pela distinção entre a falta do docu­mento (determinante da imediata exclusão do concorrente) e a existência do documento com irregularidade que afecte a sua probidade formal (possibilidade de sanação).».
Estamos em crer — continua o parecer da PGR —, que «a falta parcial de listas de preços unitários, não podendo considerar -se como falta do documento, no sentido de que nenhum documento foi apresentado, caso que seria mo­tivo de exclusão, constituirá ou não irregularidade sanável consoante afecte ou não os fins e funções que no nosso direito as listas se destinam a realizar.
Assim, a omissão de reduzidos valores face ao valor global das espécies ou bens a discriminar, se tal omissão, na fase de concurso, não tornar inconferível o cálculo geral, nem arriscar a correcta avaliação relativa das propostas pelo dono da obra e a apreciação por cada concorrente dos valores propostos pelo autor da omissão, nem, na fase de execução, obstar ao funcionamento das regras que supõem o conhecimento dos preços unitários, tal omissão será sanável.».
Poderia dizer -se, então — continua o citado parecer —, «face às circunstâncias concretas de cada caso, que tal omissão não dá lugar a um tratamento essencialmente de­sigual entre os concorrentes que satisfaçam integralmente a exigência das listas e aqueles que, insignificadamente, a não cumprirem.
A situação já não será a mesma se o volume dos valores em jogo não puder entender -se como insignificante. Aqui, admitir -se a sanabilidade, mesmo sob forma condicionada e a prazo de apresentação ulterior das listas em falta, poderia afectar a igualdade entre os concorrentes, possibilitando, inclusivamente, que o prévio conhecimento, pelos omiten­tes dos preços unitários, dos demais que atempadamente tenham elaborado e oferecido as suas listas, lhes permitisse proceder a acomodações nas suas, influindo, indevida­mente, na base de apreciação comparatística a fazer pelo dono da obra, preparatória da adjudicação.».
Assim é que, segundo o referido parecer, «a falta de indicação de preços relativamente a parte dos bens que devem constar da lista de preços unitários, pode ser sanada em prazo igual ao estabelecido no n.° 4 do artigo 85.° do citado Decreto -Lei n.° 235/86 [dir -se -ia em prazo igual ao estabelecido no n.° 3 do artigo 92.° do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março], se, por se tratar de reduzidos valores face ao valor total da proposta, não tornar incom­preensível o cálculo deste valor, não arriscar a correcta avaliação comparatística das diversas propostas, pelo dono da obra e pelos concorrentes, não favorecer os concorrentes que não tenham apresentado as listas, em detrimento dos que tenham cumprido esse ónus, nem, na fase de execu­ção do contrato, obstar ao funcionamento das normas que assentam no conhecimento e fixação prévia dos preços unitários.»
4.2.4 — Estamos, genericamente, de acordo com esta posição.
Podemos, aliás, e em abono de tal entendimento, citar aqui o voto de vencido constante da declaração anexa ao Acórdão fundamento n.° 18/05, de 5 de Julho.
Diz -se nesse voto, em síntese, que:
«[...] De acordo com esta factualidade entendemos que a omissão do referido item não se assume como essencial para a análise e comparabilidade das propos­tas. Nestes casos entendemos como Jorge Andrade da Silva que, a propósito, escreveu a p. 251 da 8.ª edição do seu Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Pú­blicas: ‘Se bem que a admissão condicional só esteja expressamente prevista no normativo legal para os casos de preterição de formalidades não essenciais nos do­cumentos respeitantes à habilitação dos concorrentes, afigura -se -nos que igual tratamento devem merecer os documentos que acompanham as propostas, o que, obviamente, não inclui as faltas enumeradas na alínea e) do n.° 2 do artigo 94.°, por não se tratar de mera prete­rição de formalidades não essenciais, mas de falta de elementos essenciais.’»
Acrescenta -se, ainda, no mesmo voto de vencido, que:
«[...] Assim sendo, e porque não é essencial, deve­ria a comissão de análise mandar corrigir a proposta suprimindo -se a referida omissão.
E essa correcção não poria em causa os princípios da contratação pública, designadamente o da igualdade pois que este só sairia ofendido se não fossem dadas iguais oportunidades de suprimento de lapsos não essenciaisaos concorrentes cujas propostas se achassem nessas circunstâncias. E também não conseguimos vislum­brar como e em que medida a comissão de análise das propostas violaria os princípios da imparcialidade e da transparência mandando suprir uma omissão não essencial de uma proposta. E também o princípio da estabilidade não ficaria afectado pois que a omissão em causa não afecta a essência da proposta. Na verdade, um item com aquela expressão financeira e atenta a diferença de valores entre as propostas não permite, por parte do concorrente e mesmo conhecendo este o valor da proposta dos demais concorrentes, manipular o resultado do concurso. Mas se eventualmente o tentasse, caberia à comissão de análise, também zeladora no exer­cício das suas funções do cumprimento dos princípios da contratação pública, evitar, em decisão fundamentada, que tal sucedesse.
Com a exclusão ficam em causa, sim, princípios como os da concorrência e da defesa do interesse público [...]»
5 — Parece -nos ser este, pois, o entendimento mais correcto a dar, em abstracto, e em geral, à questão da repercussão da omissão de um preço ou de um item na lista de preços unitários, na proposta, e às respectivas consequências jurídicas: A falta referida não constitui, necessariamente, a omissão de um elemento essencial do procedimento que, só por si, possa afectar inexoravelmente a proposta e acarretar a sua exclusão.
Haverá, pois, que distinguir entre a falta da lista de preços unitários «in totum» — a qual determina a exclusão da respectiva proposta — e a falta de um item dessa mesma lista que, só por si, não possui, forçosamente, virtualidade suficiente para conduzir a tão drástica consequência.
O que acaba de se dizer impõe, aliás, que se pondere o seguinte:
De acordo com o disposto no artigo 266.°, n.os 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), a Ad­ministração Pública visa prosseguir o interesse público, devendo os seus órgãos e agentes actuar, no exercício das suas funções, com respeito, entre outros, pelo princípio da proporcionalidade. (14)
No desenvolvimento deste preceito constitucional, o artigo 5.°, n.° 2, do Código do Procedimento Adminis­trativo (CPA), estabelece que as decisões da Administra­ção, que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
Ora, é sem perder de vista este princípio que se deve apreciar a problemática das consequências jurídicas, de­correntes da omissão verificada.
Naturalmente, que tais consequências jurídicas depen­derão, para o caso que nos ocupa, da concreta situação em que ocorra tal omissão, bem como do concreto bem ou item omitido, e seu preço, no contexto do procedimento concursal e da execução da empreitada.
No fundo, haverá que ponderar se a omissão ocorrida inviabiliza a análise comparativa dos preços apresentados pelas propostas, ou se é susceptível de se repercutir na boa execução da empreitada.
Tal reflexão remete -nos para a necessidade de avaliar, caso a caso, a natureza, a «qualidade» e o preço do bem ou quantidade de trabalho omitidos.
Só as circunstâncias concretas em que se verificou a omissão, bem como a natureza, a «qualidade» ou o valor
do bem ou actividade omitidos, permitirão aferir da sua essencialidade, no contexto do procedimento e da em­preitada.
Efectivamente, se, por exemplo — e como se refere no acórdão do STA de 16 de Agosto de 2001, atrás citado — se tratar de uma proposta traduzida num preço global e inteli­gível, e a omissão verificada respeitar a um preço parcelar, relativo ao fornecimento e colocação de uma porta de certo tipo, e nenhum dos factores do critério de avaliação das propostas incidir sobre o preço ou a actividade em falta, estaremos perante a omissão de um elemento não essen­cial, que não pode conduzir à exclusão da proposta onde a mesma se verifica.
Já, ao invés, e v. g., se num procedimento relativo a uma empreitada para a construção de uma estrada, for apresentada uma proposta em que seja omitido, na lista de preços unitários, o preço, a quantidade e a qualidade do material betuminoso, necessário à execução da obra, estaremos perante a falta de um elemento essencial que impede o cotejo das propostas e tem repercussão na boa execução da empreitada, falta essa que não pode deixar de constituir fundamento de exclusão da proposta onde tal ocorreu.
Como se acentuou no acórdão recorrido, a consideração em concreto dos elementos em falta, na lista de preços unitários, tem sido objecto de várias decisões do Tribunal de Contas. (15)
Ora, na linha do que vem de ser dito, referiu -se nesse acórdão que «um caso é a ausência de um elemento que tenha uma importância física ou financeira decisiva, estru­tural ou indispensável para a boa execução dos trabalhos. Outro, é quando tal elemento não tem qualquer relevância, ou uma relevância diminuta, para a realização da emprei­tada. No primeiro caso, estaremos perante a falta de um elemento com elevado grau de essencialidade e tal falta gera nulidade. No segundo caso, estaremos perante a falta de um elemento com baixo grau de essencialidade e tal falta não pode gerar a nulidade.»
Daí que numa proposta em que se verifique que, na lista de preços unitários, falta um preço ou um item do mapa de quantidades, que não inviabiliza a análise comparativa das propostas apresentadas, nem interfere na boa execu­ção do contrato, tal omissão não pode ter a virtualidade de revestir a natureza de elemento essencial. Do mesmo modo, a correcção da proposta, para supressão dessa falta, constitui circunstância que não ofende os princípios a que deve subordinar -se a contratação pública.
Efectivamente:
a)             Fica salvaguardado o princípio da igualdade, se for dada, a todos os interessados em contratar, iguais condi­ções e oportunidades de acesso e participação, o que se consegue proporcionando a todos idênticas possibilidades de correcção de meras irregularidades, ou da falta de ele­mentos não essenciais das propostas; (16)
b)            Fica garantido o princípio da transparência, caso seja assegurado a todos os concorrentes o conhecimento da possibilidade de efectuar o suprimento da falta dos referidos elementos não essenciais e não seja sonegada informação sobre o andamento do procedimento em que sejam directamente interessados; (17)
c) Fica salvaguardado o princípio da imparcialidade, uma vez garantido que não haverá favorecimento, nem prejuízo, de uns interessados em contratar, relativamente a outros, e que seja mantida a equidistância pela entidade adjudicante; (18)
d)            Fica garantido o princípio da concorrência, sendo salvaguardado o mais amplo acesso, ao procedimento, pelos interessados em contratar e ainda por, em cada procedimento, dever ser considerado o maior número de interessados, no respeito pelo número mínimo que a lei imponha; (19)
e)             Fica garantido o princípio da estabilidade ou da imu­tabilidade das propostas, uma vez que não é alterada a substância e a essência destas; (20)
f) Igualmente, garantido fica o princípio da prossecução do interesse público, já que, com um maior número de propostas, está a entidade adjudicante mais habilitada a efectuar uma melhor escolha entre estas. (21)
É chegado o tempo de concluir.
IV — Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, e negando provimento ao recurso, acordam os juízes do Tribunal de Contas, em plenário geral, em uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:
«1 — No domínio do disposto, conjugadamente, nos artigos 73.°, n.° 1, alínea b), 92.°, n.° 3, e 94.°, n.° 2, alínea b), do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março, a falta de indicação, na lista de preços unitários, de um preço correspondente a um bem, ou a uma actividade, não constitui, necessariamente, a preterição de uma formalidade essencial do procedimento pré -contratual, determinante da exclusão da proposta onde ocorreu tal falta.
2 — A omissão referida no número anterior deve ser ponderada, caso a caso, e só constitui a preterição de uma formalidade essencial, determinante da exclusão da respectiva proposta, quando, em função dos factores do critério de avaliação das propostas, for impeditiva da análise comparativa destas, ou seja, susceptível de se repercutir na boa execução do contrato.»
Não são devidos emolumentos (artigo 20.° do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto -Lei n.° 66/96, de 31 de Maio).
Publique -se na 1.ª série do Diário da República, nos ter­mos do artigo 9.°, n.° 1, da Lei n.° 9 8/97, de 26 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.° 48/2006, de 29 de Agosto.
(1)   Todos os arestos citados foram proferidos no âmbito da fiscali­zação prévia de contratos de empreitada de obras públicas que tiveram, a precedê -los, a realização de concursos públicos.
(2)   Tratava -se do capítulo 2 -C, «Especificações técnicas — Áreas técnicas da estrutura, fase 1, do mapa de trabalhos e quantidades», constante dos elementos patenteados a concurso.
(3)   Embora revogado pelo artigo 14.°, n.° 1, alínea d), do Decreto -Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro, diploma este que aprovou o Código dos Contratos Públicos, é no âmbito do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março, que se coloca a questão que é objecto do presente recurso extraordinário, e cuja solução se intenta alcançar.
(4)   Diz -se «por preço global», e de acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 9.° do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março, na redacção dada pela Lei n.° 163/99, de 14 de Setembro, a empreitada cujo montante da remuneração, correspondente à realização de todos os trabalhos neces­sários para a execução da obra ou parte da obra objecto do contrato, é previamente fixado.
Por outro lado, de harmonia com o estabelecido no artigo 18.° do mesmo Decreto -Lei n.° 59/99, na redacção dada pela dita Lei n.° 163/99, de 14 de Setembro, diz -se que a empreitada é «por série de preços», quando a remuneração do empreiteiro resulta da aplicação dos preços unitários previstos no contrato, para cada espécie de trabalho a realizar, às quantidades desses trabalhos realmente executadas.
(5) Itálico nosso.
(6) Na contratação pública, o regime regra da escolha do co -contratante particular, na realização de despesas públicas, em geral, é o concurso público, de harmonia com o disposto no artigo 183.°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
E o concurso público é o regime regra da escolha do co -contratante particular, porque, como este Tribunal tem repetidamente assinalado, essa é a melhor forma de promover a concorrência e de observar os demais princípios que regem a contratação pública.
Para Freitas do Amaral (in Lições, 1983-1984, vol. III, p. 303), o concurso é «a melhor forma» para alcançar essas vantagens, enten­dendo mesmo que ele é a regra na celebração de qualquer contrato administrativo.
Já Sérvulo Correia (in Legalidade e Autonomia Contratual nos Con­tratos Administrativos, ed. Almedina, Coimbra, 1987, p. 703), concor­dando com tais vantagens, não crê que se possa sustentar que o concurso público seja objecto de um princípio geral dos contratos administrativos.
(7) Vide, neste sentido, o Parecer n.° 32/88, de 18 de Agosto, do Conselho Consultivo da Procuradoria -Geral da República.
(8) Apesar do que se diz no texto, J. Andrade e Silva (Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, Anotado e Comentado, nota 5 ao artigo 72.°, p. 208), dá conta de práticas menos verdadeiras a que a lista de preços unitários se pode prestar, como é o caso de se encarecerem, nessas listas, as espécies de trabalhos para que se prevejam obras a mais, baixando, simultaneamente, os outros preços, prática que assim permite apresentar uma proposta eventualmente mais baixa.
(9) Note -se que entre as especificações do contrato cuja falta o torna nulo e de nenhum efeito, se encontra, precisamente, «a identificação da lista contratual dos preços unitários», nos termos do artigo 11 8.°, n.os 1, alínea e), e 2, do Decreto -Lei n.° 59/99, de 2 de Março.
(10)Itálico nosso.
(11)Itálico nosso.
(12)Pesquisado na Internet no endereço www.dgsi.pt.
(13)Pesquisado também em www.dgsi.pt.
(14)Um dos sentidos do princípio da proporcionalidade é o da proi­bição do excesso.
Na óptica de Inaki Agirrerazkuenaga, in La coaccion Administra­tiva Directa, a proporcionalidade, em sentido amplo, compreende, em primeiro lugar, a congruência, adequação ou idoneidade do meio, ou da medida, para lograr o fim legalmente proposto; em segundo lugar, engloba a proporcionalidade em sentido estrito, a citada proibição do excesso.
(15)Citaram -se aí, a título de exemplo, os acórdãos n.os 16 1/2004, 9/2005, 35/05, 40/05 e 80/05.
(16)O princípio da igualdade impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual e de modo diferente o que é juridicamente diferente, na medida da diferença (vide Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, vol. II, p. 125, e, v. g., os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 43 3/87, de 4 de Novembro, in BMJ, n.° 367, p. 273,
e 3 13/89, de 9 de Março, in BMJ, n.° 385, p. 188, e do STA de 2 de Dezembro de 1987, in Rec. n.° 24 192, de 26 de Abril de 1989, in Rec. n.° 22 353, e de 26 de Novembro de 1992, in Rec. n.° 30 469).
Tal princípio — que tem assento no artigo 266.°, n.° 2, da Cons­tituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 2.° da Directiva n.° 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, no artigo 10.° da Directiva n.° 2004/17/CE, da mesma data, e também do Parlamento Europeu e do Conselho e, ainda, no artigo 1.°, n.° 4, do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto -Lei n.° 18/2008,de 29 de Janeiro — é, como diz Rodrigo Esteves de Oliveira, in Estudos de Contratação Pública, I, p. 92, absolutamente fundamental no direito comunitário da contratação pública, por ser, sobretudo nele e no da concorrência, que assenta a construção do mercado comum.
(17)Vide, a este respeito, Marcelo Rebelo de Sousa, in O Concurso Público na Formação do Contrato Administrativo, pp. 41 e 42.
(18)Como entendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Cons­tituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1.ª ed., p. 21, a imparcialidade respeita essencialmente às relações entre a Administração Pública e os particulares, podendo circunscrever -se a dois aspectos fundamentais:
a)   O primeiro consiste em que, no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, a Administração deve proceder com isenção
na determinação da prevalência do interesse público;
b)  O segundo refere -se à actuação da Administração Pública, em face dos vários cidadãos, exigindo -se igualdade de tratamento dos in­teresses dos cidadãos, através de um critério uniforme de prossecução do interesse público.
(19)A concorrência, em princípio, é essencial a um procedimento de adjudicação de um contrato público, proporcionando que o interesse público, que lhe está subjacente, venha a ser realizado e nas melhores condições técnicas e económicas. Como refere Michel Guibal, in Me­mento des Marchés Publiques, 3.ª ed., Le Moniteur, Paris, 2001, p. 92, estamos perante a decorrência de três princípios fundamentais no direito da contratação pública: o da liberdade económica, o do livre acesso a essa contratação e o da igualdade de tratamento, nessa mesma contratação.
(20)Este princípio proíbe a alteração do conteúdo essencial das propostas, numa manifestação da protecção dos interesses dos concor­rentes. Sem a observância deste princípio, careceriam as propostas de um substracto de confiança e da garantia dos pressupostos fundamentais que haviam presidido à elaboração dessas propostas. Tal princípio constitui, como refere Marcelo Rebelo de Sousa, in Contratos Públicos, Direito Administrativo Geral, tomo I, p. 74, uma projecção do princípio da boa--fé, em particular na sua dimensão de tutela da confiança.
(21)       Do princípio da prossecução do interesse público decorre, como também defende Marcelo Rebelo de Sousa, in ob. e loc. cits., p. 76, que, na formação dos contratos, a Administração deve procurar optimizar a satisfação das necessidades colectivas que lhe incumba prosseguir.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2009. — Os Juízes Conse­lheiros: António M. Santos Soares (relator) — António A. Santos Carvalho — Helena M. Abreu Lopes — José L. Pinto Almeida — António J. Mira Crespo — Alberto Fernandes Brás — Carlos M. Botelheiro Moreno — João A. Gonçal­ves Figueiredo — Manuel H. Freitas Pereira — Raul J. Correia Esteves — Carlos A. Morais Antunes — António M. Fonseca da Silva — Eurico M. Pereira Lopes — Nuno M. Lobo Ferreira — Manuel R. Mota Botelho — José M. Monteiro da Silva — João M. Ferreira Dias — Guilherme d ’Oliveira Martins (presidente).
Fui presente, Jorge Manuel Ferreira da Cruz Leal, procurador-geral-adjunto.