sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

CONCURSO PÚBLICO DE FORNECIMENTO - PROPOSTA - VALORAÇÃO - PONTUAÇÃO - MARGEM DE LIVRE APRECIAÇÃO - ERRO GROSSEIRO - ERRO MANIFESTO - PRINCÍPIO DA IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA

Proc. Nº 191/11 Supremo Tribunal Administrativo    30 de Junho de 2011
 
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do STA:
“A…” inconformada com o Acórdão do TAC de Lisboa que, no processo de contencioso pré-contratual contra ela intentada pela “B…, S.A. ”, decidiu, ao abrigo do n.º 5 do art. 102.° do C.P.T.A., notificar as partes para acordarem no valor da indemnização, dele recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul (doravante TCAS), mas sem êxito já que este, ainda que por razões diferentes das invocadas no Tribunal de 1.ª instância, manteve a decisão que neste havia sido proferida.
É contra este julgamento do TCAS que vem a presente revista - interposta pela A… ao abrigo do art.º 150.º do CPTA - onde foram formuladas as seguintes conclusões:
A - DA REFORMA DO ACÓRDÃO;
Do erro na Determinação da Norma Aplicável ou na Qualificação Jurídica dos Factos – art.º 669.º, n.º 2, al.ª a) do CPC
1. Nos termos dos artigos 669, número 2, alíneas a) e b), e número 3, aplicáveis ex vi do artigo 716º, número 1 do Código de Processo Civil (“CPC”), todos aplicáveis ex vi artigo 1º e 140º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (“CPTA”), há lugar à reforma do acórdão quando:
a) Tenha ocorrido lapso na determinação da norma aplicável, e
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que impliquem decisão diversa
2. É jurisprudência corrente do Supremo Tribunal de Justiça que “a reforma do mérito prevista no nº 2 do artigo 669º do CPC tem o perfil substancial do recurso, já que se traduz na reapreciação do julgado, ainda pelo tribunal que proferiu a decisão. Mas como faculdade excepcional que é deve conter-se nos apertados limites definidos pela expressão “manifesto lapso”: reportada à determinação da norma aplicável à qualificação jurídica dos factos ou à desconsideração de elementos de prova conducente a solução diversa. O lapso manifesto (que não se confunde com erro ou lapso material) tem a ver com uma flagrantemente errada interpretação de preceitos legais (não por opção por discutível corrente doutrinária ou jurisprudencial) podendo, no limite, ter na base o desconhecimento. O incidente de reforma não deve ser usado para manifestar discordância do julgado ou tentar demonstrar ‘error in judicando’ (que é fundamento de recurso) mas apenas perante erro grosseiro e patente, ou ‘aberratio legis’ causado por desconhecimento ou má compreensão do regime legal” (Ac. STJ de 24/10/2006, proc. n.9 06A2735).
3. Não ocorrendo erro material, mas lapso manifesto na determinação da norma aplicável ou da qualificação jurídica dos factos, entendidas como uma flagrantemente errada interpretação de preceitos legais (podendo a mesma ter na base o desconhecimento), há então lugar à reforma do Acórdão.
4. Nesta medida, a Recorrente entende verificados os fundamentos para a Reforma do Acórdão em apreço, conforme seguidamente melhor se explica.
5. Com Efeito, o Acórdão recorrido, ao decidir que foram violados os artigos 13º e 11º, números 1 e 4 do Caderno de Encargos (bem como, consequentemente, os artigos 17º, número 1 e 2 e 27º, número 3 do Programa de Concurso), deixa por aplicar (não considerando a sua existência) normas que directamente regem a matéria. Ao determinar a regra aplicável ao caso, e por preterição das regras que especificamente regulam a matéria, o douto Acórdão revela manifesto lapso ou erro na aplicação da norma e na qualificação jurídica dos factos, que pode ter sido causado por desconhecimento ou má compreensão dos termos concursais aplicáveis ao caso sub judice.
6. O Acórdão julga verificada a violação do artigo 13º do Caderno de Encargos através da fórmula “o acórdão recorrido entendeu que não se verificava a violação do artigo 13º do Caderno de Encargos por, em resposta a um esclarecimento pedido, se ter verificado que «sendo mencionada a decomposição dos preços por equipamentos, instalação e software, podem ser integradas outras rubricas, a livre critério dos concorrentes.
7. Porém, este esclarecimento, se permite a possibilidade de integrar rubricas além dos preços por equipamentos, instalação e software, nada refere quanto à realização de pagamentos antes das recepções provisórias, não podendo, por isso, ser interpretado como conferindo autorização a qualquer antecipação à realização de pagamentos - transcrição com itálico e negrito nossos, tendo ponderado para tal decisão, a redacção dos artigos 17º, números 1 e 2 e 27, número 3 do Programa de Concurso, o artigo 13º do Caderno de Encargos e a resposta ao Esclarecimento à pergunta 8 prestado pelo Júri a requerimento dos concorrentes.
8. No entanto, o Acórdão incorreu em manifesto lapso ao determinar as normas aplicáveis a esta questão. Na verdade, os diversos esclarecimentos prestados pelo Júri no âmbito do concurso em referência (a fls. 198 e seguintes do processo instrutor “A… - dossier 2, doravante “Esclarecimentos”), contêm, antes da norma do Esclarecimento à pergunta 8 aqui aplicada, o Esclarecimento à pergunta 2, que rege directamente o caso em apreço e que dita:
Pergunta 2- Pode-se facturar por cada recepção provisória parcelar, sendo a mesma paga no prazo de 60 dias?
Resposta - Pode-se facturar por cada recepção parcelar, sendo a mesma paga no prazo de 60 dias.”
9. Em seguida o douto Acórdão considera violado o artigo 11º, números 1 e 4 do Caderno de Encargos pois “(...) que, no aludido «Cronograma Financeiro e Plano de Pagamentos», estão previstas recepções provisórias parcelares ou por elementos, o que contraria o mencionado art. 11º “ - transcrição com itálico nosso, tendo ponderado, para o efeito, a redacção dos artigos 17º, números 1 e 2 e 27º, número 3 do Programa de Concurso, o artigo 11º, números 1 e 4 do Caderno de Encargos e a resposta ao Esclarecimento à pergunta 8 prestado pelo Júri a requerimento dos concorrentes. Ora, também aqui, o Acórdão incorreu em manifesto lapso ao determinar as normas aplicáveis, pois neste caso os Esclarecimentos prestados pelo Júri no âmbito do concurso em referência, contêm, antes da norma do Esclarecimento à pergunta 8 aqui aplicada, o Esclarecimento à pergunta 1, que rege directamente o caso em apreço e que dita:
Pergunta 1-Para entendimento do artigo 13 das condições Gerais do Caderno de Encargos:
Por recepções provisórias parcelares, entende-se recepção de subsistemas dentro de um operador, ou recepção de todos os subsistemas desse operador?
Resposta - Recepções provisórias parcelares são as recepções de subsistemas dentro de um operador.”
10. Sendo certo que o Júri, ao iniciar a análise da pronúncia da Recorrida em sede de audiência prévia, expressamente remete para todos os Esclarecimentos, precisamente prestados a este concorrente.
11. Tendo em conta a factualidade assente, a aplicação das normas contidas nos Esclarecimentos às perguntas 1 e 2, em conjugação com a contida no Esclarecimento à pergunta 8, implicaria, sem dúvida, uma qualificação jurídica distinta da que foi feita e, por conseguinte, uma decisão diversa da que foi proferida.
12. Assim, à questão de saber se estão previstos no cronograma financeiro e no plano de pagamentos do agrupamento adjudicatário, pagamentos anteriores às recepções provisórias, a resposta, de acordo com o Esclarecimento à pergunta 2, tem de ser NÃO pois, a facturação encontra-se prevista “por cada recepção parcelar, sendo a mesma paga no prazo de 60 dias”. E à questão de saber se seriam permitidas recepções parcelares por elementos a resposta, de acordo com o Esclarecimento à pergunta 1, seria necessariamente SIM porquanto as “Recepções provisórias parcelares são as recepções de subsistemas dentro de um operador.”
13. O Acórdão prossegue no mesmo vício de erro na determinação da norma aplicável, ao julgar verificada a falta de fundamentação na resposta a uma das questões colocadas pela Recorrida em sede de Audiência Prévia, já que também aqui, a conclusão de que a resposta exarada pelo Júri à referida questão, não cumpre os necessários requisitos de forma só é explicável pela não aplicação das regras contidas nos Esclarecimentos às perguntas 1 e 2. De outro modo, sempre seria manifesto que a questão estava resolvida, não pela resposta, mais ou menos fundamentada, mas pela directa aplicação da norma relevante.
14. Mas, o douto Acórdão vem ainda decidir que “É manifesto que não assiste razão à recorrente quando invoca a discricionariedade técnica pois esta não prejudica a sindicabilidade dos vícios respeitantes a aspectos legalmente vinculados, além de sempre permitir sindicar os juízos de mérito com fundamento na existência de erro grosseiro.” Contudo, o Acórdão, ao decidir que “Analisando o Cronograma Financeiro e Plano de Pagamentos constante do Capitulo 11º da proposta do agrupamento adjudicatário (cfr o referido Dossier que tem a designação «C…»), constata-se que ai se prevê que se realizem pagamentos antes das recepções provisórias por operador dos sistemas (nomeadamente que, em Setembro de 2008, se realizem pagamentos como contrapartida da entrega do «Plano Preliminar de Engenharia» do «Projecto de Pormenor») e que as recepções provisórias são feitas por sobressalentes, Software, equipamentos embarcados e equipamentos não embarcados, não estando, por isso, relacionadas com os sistemas a que alude o referido artigo 11º mas com componentes do sistema” parece ter ultrapassado as Regras do Concurso, extravasando o sentido razoável do disposto nos artigos 11º e 13º do Caderno de Encargos e nos Esclarecimentos às perguntas 1, 2 e 8,
15. Em termos que levam a supor que o Tribunal não considerou tais normas por lapso manifesto. De facto, para atingir tais conclusões, o Acórdão interpretou, por um lado que a cada Entrega não correspondia qualquer recepção provisória de um sistema ou subsistema. E por outro lado, que havia pagamentos previstos no “Cronograma Financeiro e no Plano de Pagamentos” do agrupamento adjudicatário anteriores às referidas recepções provisórias, para concluir que a proposta da C… violava os artigos 11º números 1 e 4 e 13º do Caderno de Encargos, o Acórdão desconsiderou os Esclarecimentos às perguntas 1 e 2. Ao interpretar o conceito de “entrega” como desacompanhada de qualquer acto de recepção provisória, necessariamente concluiu que o Plano Preliminar de Engenharia e o Projecto de Pormenor não eram entregues com qualquer subsistema,
16. Desta forma, o vício de violação de lei, que fundamenta a decisão de mérito do Acórdão, não é mais que uma interpretação de uma análise técnica (da correspondência entre «Entrega e Recepção”; «Elementos e Sistemas - Subsistemas), da exclusiva competência do Júri e não uma verificação factual extraída da prova presente nos autos, ou um juízo que caiba ao tribunal efectuar, sob pena de violação do princípio da separação de poderes (cfr. art.ºs 2º e 202º n.ºs 1 e 2 da CRP).
17. Notada a total ausência de base documental e fundamentação, não se compreende como se atinge no Acórdão a conclusão de que não existem recepções provisórias com as respectivas entregas (e, portanto, que os pagamentos são anteriores a tais recepções provisórias). Mormente com as entregas do Projecto de Pormenor e Plano Preliminar de Engenharia, tendo em conta que estes são entregues e facturados aquando da recepção dos diversos subsistemas compostos pelo software. Sendo certo que o Esclarecimento à pergunta 8 permitiu expressamente a integração de outras rubricas a livre critério dos concorrentes...
18. Deste modo, a aplicação das normas concursais devidas (v.g. 22 a 32 do Caderno de Encargos e Esclarecimentos 1 e 2), tornariam claro que, na proposta da adjudicatária, todas as entregas aí previstas implicam uma Recepção Provisória por Operador Beneficiário, correspondente a pelo menos um subsistema, pois é certo que o Caderno de Encargos foi dado como provado e reproduzido no Acórdão (cfr. facto b), página 16), sendo igualmente certo que os Esclarecimentos às perguntas 1 e 2 constam do documento junto ao processo, (dossier II do processo instrutor), sendo também considerados como factos provados.
19. Com efeito, o Acórdão, ao dar como provado o facto D) demonstra ter conhecimento dos Esclarecimentos às perguntas 1, 2 e 8, em termos que levam qualquer destinatário normal da decisão a compreender que tal documento integra a fundamentação do Acórdão, não se vislumbrando como possa depois o Acórdão, sem referir a existência de qualquer erro grosseiro ou sem aceitar qualquer facto que indique o contrário dos Esclarecimentos, atingir a conclusão de que existem, na proposta da adjudicatária, “recepções provisórias parcelares ou por elementos, o que contraria o mencionado no art. 11º”.
De igual forma, não se compreende como o Acórdão conclui que os pagamentos apresentados no Cronograma Financeiro da proposta adjudicada são anteriores às recepções provisórias, perante a evidência da resposta de que “Pode-se facturar por cada recepção parcelar, sendo a mesma paga no prazo de 60 dias.” (cfr. resposta ao Esclarecimento nº 2).
20. Sendo manifesto que, na fundamentação do Acórdão, nada resulta que permita compreender a motivação desta decisão, existindo nos autos normas que indicam com clareza o sentido dos artigos 13º e 11º do Caderno de Encargos, o douto Acórdão em análise deveria tê-las em consideração, o que resultaria necessariamente numa diversa qualificação jurídica dos factos em questão.
21. Os autos contêm os documentos que comprovam a existência da devida fundamentação, já que, a fls. 16, se dá como provada a junção dos Esclarecimentos [facto d)] e, a fls. 18, se considera provado que “em 2/6/2008, o júri do concurso elaborou o «Relatório de Análise das Propostas», do concurso referido em a), que consta do dossier 1 do processo instrutor e se considera integralmente reproduzido” [facto p)] e, no referido Relatório, o Júri inicia, precisamente, a resposta às questões colocadas pela Recorrida em sede de audiência prévia, pela remissão para todos os Esclarecimentos.
22. Esta remissão inicial, que é efectuada para todos os esclarecimentos e abrange todas as respostas, e aquela que é depois repetida na resposta à questão concreta em que o douto Acórdão decidiu pela falta de fundamentação, integram o corpo do Acórdão, quer como factos provados d) e p), quer pela directa remissão - “considera integralmente reproduzido”, pelo que não pode o Acórdão, considerando a resposta integralmente reproduzida no seu corpo, ignorar que a própria resposta anterior contém a expressa menção “o cronograma financeiro apresentado pela C… está de acordo com a natureza do esclarecimento prestado ao concorrente, não se verificando nenhum momento de facturação com a assinatura do contrato a título de adiantamento e que esta alocução responde à questão das recepções provisórias previstas no cronograma financeiro da adjudicatária, entendendo que não existem adiantamentos e que o Esclarecimento 8 permitia uma decomposição de preços em itens distintos, desde que os pagamentos correspondessem aos momentos das recepções provisórias.
23. Saliente-se que o artigo 93º do Decreto-Lei 197/99 de 8 de Junho, que regula o procedimento deste concurso publico, estabelece, no número 1, que o Júri, a solicitação “(..) dos interessados, desde que apresentada por escrito no primeiro terço do prazo fixado para a entrega das propostas, deve prestar os esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação dos elementos expostos” acrescentando, no número 2, que “Dos esclarecimentos prestados juntar-se-á cópia às peças patentes em concurso, devendo ser comunicados a todos os interessados que procederam ou venham a proceder ao levantamento dos documentos que servem de base ao concurso e publicitados pelos meios julgados convenientes.”, evidenciando-se assim que os Esclarecimentos do Júri integram as normas aplicáveis ao concurso.
24. O mesmo entendimento tem a Jurisprudência pacificamente espelhado, citando-se, por todos, o Ac. STA de 2003.10.14, no processo 01436/03, onde se decidiu que “Utilizada a faculdade de pedido de esclarecimento, e sendo ele prestado, haverá junção às peças patentes dos esclarecimentos prestados e também se publicará aviso, tudo porque esse esclarecimento passa a ser fonte de autovinculação da Administração que todos os interessados devem conhecer, para se encontrarem em condições de igualdade.”
25. Aliás, eliminando qualquer dúvida que pudesse subsistir acerca do valor dos esclarecimentos, o legislador acolheu a posição supra exposta no novo Código dos Contratos Públicos (CCP), estabelecendo no artigo 50.º, n.º 5, uma regra de prevalência segundo a qual “Os esclarecimentos e as rectificações referidos nos nºs 1 a 3 fazem parte integrante das peças do procedimento a que dizem respeito e prevalecem sobre estas em caso de divergência.”
26. Também dúvidas não podem existir no facto dos Esclarecimentos integrarem o conceito de norma para efeitos da alínea a) do n.º 2 do art. 669º do CPC. Pelo que, nos termos do disposto no artigo 669º, número 2 alínea a), do CPC, deve ser Reformado o Acórdão aqui em análise com a correcta determinação das normas aplicáveis e da qualificação jurídica dos factos (de acordo com os elementos presentes nos autos), conforme prescreve o artigo 150º do CPTA, conjugado com os artigos 721º e 731º, do CPC.
B - DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
27. O presente recurso vem interposto do Acórdão do TCA Sul, ao abrigo do disposto no artigo 150.º número 1 do CPTA, por entender a Recorrente que aquela decisão:
a) Viola a lei substantiva, nomeadamente quanto:
(i) ao Princípio da Insindicabilidade da discricionariedade administrativa
(ii) inimpugnabilidade do acto de admissão de proposta de adjudicação em violação de lei imperativamente aplicável e
(iii) ao disposto nos artigos 268º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA) e 10B do DL 197/99 de 24/06.
b) É nula:
(i) por omissão de pronúncia e
(ii) por contradição entre os seus fundamentos e a decisão.
28. Visa-se, assim, corrigir a aplicação do direito efectuada pelas instâncias relativamente ás concretas questões jurídicas sobre que se pronunciaram, evitando situações de resolução desigualitária de litígios, já que o Acórdão recorrido desconsiderou normas legais, imperativamente aplicáveis, olvidou uma peça processual, omitindo a devida pronúncia sobre as questões que ali se suscitaram, (e que podiam ter influenciado a decisão final), decidiu contrariamente aos fundamentos que espelhou no texto e em violação das leis da República, maxime da Constituição.
29. O Recurso de Revista Excepcional ora interposto mostra-se, portanto, essencial uma vez que “a revista excepcional expressa a preocupação em garantir que determinadas questões que, pela relevância que revestem, possam ser objecto de conhecimento pelo alto Tribunal Administrativo” (cfr. VIOLANTE, Teresa in “Os recursos jurisdicionais no contencioso administrativo”, O Direito, ano 139, tomo IV, págs. 868-869).
30. O Acórdão agora recorrido viola o preceituado no art. 205º da Lei Fundamental e o art. 659º do Código de Processo Civil (“CPC”) porquanto se exige dos Tribunais que as suas decisões possuam clara e inequívoca fundamentação, de forma a que os destinatários dessas decisões compreendam em que medida os comandos abstractos constantes da lei, quando aplicados aos casos concretos, determinam e motivam a decisão proferida a final.
31. A contradição insanável entre a matéria de facto considerada provada, mormente, a constante dos documentos que foram aceites como meios de prova, e foram dados como reproduzidos para todos os efeitos legais, assumindo por isso, força de prova plena, e a fundamentação jurídica da decisão, que ignora o conteúdo desses documentos, bem como o julgamento fora das competências do tribunal, acrescido da omissão de pronúncia resultante da falta de apreciação da resposta (e dos seus fundamentos) apresentada pela Recorrente à ampliação do âmbito do recurso da Recorrida, permite concluir pela existência nítida de erro na decisão recorrida.
32. O Tribunal não diligenciou no sentido de apurar a verdade dos factos tendo presente as normas jurídicas a aplicar ao caso concreto, violando assim os Princípios da Legalidade e Justiça. Ora, se “O art. 150°/1 do CPTA prevê ‘excepcionalmente’ recurso de revista para o S.T.A. “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. E, se, “interpretando esta norma, tem o S.T.A. sublinhado em jurisprudência constante que não estamos perante um recurso normal de revista, pois que das decisões dos tribunais administrativos proferidos na sequência de recurso de apelação não cabe, em princípio, revista para o S.T.A, mas antes perante um recurso que, nas palavras do legislador (Exposição dos Motivos da Proposta de Lei 92/VII) deverá funcionar apenas ‘como válvula de segurança do sistema” (Ac. STA, De 28/04/2010, proc. n.º 0309/10).
33. O presente recurso deverá ser admitido precisamente porque constitui a “válvula de segurança do sistema” que permitirá determinar a certeza jurídica decorrente da correcta apreciação da questão “sub judice”, pugnando pela aplicação acertada da lei em conformidade com o Princípio da Legalidade e em obediência ao Princípio da Justiça.
34. Na realidade, o presente recurso tem uma relevância jurídica de importância fundamental, já que é necessário para apreciação das questões de legalidade enunciadas, tendo em conta que a alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto suprimiu qualquer outra forma de tutela.
35. Compreendendo o alcance da alteração legislativa operada, o próprio legislador, naquele diploma, conferiu ao artigo 722º do CPC a actual redacção, nos termos da qual o Recurso de Revista tem também como fundamentos as nulidades que a Recorrente aporta à apreciação deste Supremo Tribunal.
36. Com o devido respeito, que é todo, a eventual não admissão deste Recurso constituiria assim uma negação do direito constitucional de acesso a justiça (artigo 20º e 268º número 4 da CRP).
37. Mas, o presente recurso apresenta também importância fundamental face à relevância social que reveste o objecto dos autos. A relevância social equivale ao relevo comunitário particularmente elevado dos interesses em jogo (cf. Ac. STA de 25/01/2007).
38. A Recorrente é um agrupamento complementar de empresas operadoras de serviços públicos de transportes na região de Lisboa, responsável pela implementação em Portugal do projecto comunitário de interesse público designado por ICARE - Integração das Tecnologias sem Contacto no Sistema Global de Exploração dos Transportes Públicos, que, no âmbito das suas atribuições para o desenvolvimento deste projecto, lançou o Concurso Público Internacional para o “Fornecimento, Instalação, Colocação em Serviço, Manutenção de Sistemas de Bilhética e de Localização Automática de Veículo” (“Concurso”).
39. O interesse público subjacente ao Concurso determinou o compromisso de financiamento de 50% pelo Estado Português, por verba a transferir do Orçamento de Estado, materializado no Protocolo celebrado com o Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres (IMTT), que integra o Processo Administrativo junto aos autos.
Bem como a emissão da Declaração Fundamentada pelo IMTT onde se reconhece o interesse público subjacente à célere e eficaz operacionalização do projecto (cf. declaração junta em 06/08/08, aos autos de procedimento cautelar apensos ao processo principal).
40. O concurso público afecta, portanto, os prestadores de serviço público de transportes da área metropolitana de Lisboa, envolve o próprio Estado através do IMTT, e beneficia do seu financiamento público. Este concurso permite também dotar as transportadoras da região de Lisboa, de um sistema único de bilhética o que possibilitará, no futuro, um controlo efectivo dos custos e das eventuais indemnizações compensatórias a serem dadas pelo Estado. Logo, e sem margem para dúvidas, o interesse social exigido pela lei adjectiva decorre da importância dos interesses em jogo na presente situação em apreço, pelo que se exige a intervenção do Tribunal Superior na sua salvaguarda.
41. Nestes termos e para os efeitos dos artigos 20º e 205º da CRP, do artigo 24º, n.º 2, do ETAF aprovado pela Lei número 13/2002, de 19/02, dos art.ºs 140º, 150º do CPTA e dos art.ºs 715º, 668º, n.º 1, al.ª b), 669º, n.º 2, al.ªs a) e b), 722º n.º 1, 726º e 731º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1º e 140º do “CPTA”, o Recurso de Revista Excepcional é interposto.
C - ÂMBITO DO RECURSO
42. Este recurso vem interposto do douto Acórdão proferido em 14 de Julho de 2010 pelo Tribunal Central Administrativo Sul (“Acórdão”), na parte em que decidiu o “mérito dos autos” desfavoravelmente à Recorrente na medida em que julgou verificada a violação dos artigos 13º e 11º do Caderno de Encargos, tendo ainda acrescentado verificar-se o vício de falta de fundamentação quanto a uma resposta conferida pelo Júri em sede de audiência prévia.
43. Relativamente a esta decisão a Recorrente considera que o douto Acórdão ora recorrido:
a) Violou a lei substantiva, nomeadamente quanto:
(i) ao princípio da insindicabilidade da discricionariedade administrativa
(ii) à inimpugnabilidade do acto de admissão de proposta de adjudicação em violação de lei imperativamente aplicável e
(iii) ao disposto nos art.º 268º, n.º 3 da CRP, 124º e 125º do CPA e 108º do DL 197/99 de 24/06.
b) É nulo:
(i) por omissão e pronúncia e
(ii) por contradição entre os seus fundamentos e a decisão.
C.1. Da violação de lei pelo Acórdão em recurso
C.1.1. - Da discricionariedade administrativa e sua insindicabilidade

44. A ora Recorrente, demonstrou, quer na sua contestação, quer nas alegações do recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para economia processual), que o modo como o júri exerceu a competência de avaliação, expresso no Relatório Final de Análise das Propostas constitui matéria que não é jurisdicionalmente sindicável já que não se antolha nenhum erro grosseiro, nem é assacada a manifesta desadequação com o fim legal, o que constitui excepção impeditiva da produção dos efeitos jurídicos pretendidos com os factos articulados pela Autora nos termos do disposto nos artigos 487º, número 2, 2ª parte, do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.
45. O douto Acórdão recorrido decidiu, porém, que não assistia razão à Recorrente
46. A Recorrente não se conforma com o decidido, porque a fundamentação da decisão de mérito não alude a qualquer erro grosseiro, nem refere a preterição da audiência prévia, e a suposta falta de fundamentação (como se demonstrará) não passa de uma falácia.
47. O Acórdão, ao decidir como decidiu ao considerar que a cada Entrega não correspondia uma recepção, e que os elementos entregues não correspondiam a sistemas ou subsistemas, concluindo que a proposta da adjudicatária C… violava os art.ºs 11 e 13 do Caderno de Encargos o Acórdão, desconsiderou os Esclarecimentos 1º e 2º e, por sua livre iniciativa, interpretou o conceito de “entrega”, presente na proposta da adjudicatária (cronograma financeiro e plano de trabalhos) como desacompanhada de qualquer acto de recepção.
48. Sendo certo que a violação de lei, em que se fundamentou a decisão de mérito (por suposta violação dos artigos 11º e 13º do Caderno de Encargos), não é mais que uma interpretação de uma análise técnica (da correspondência entre as designações “Entrega e Recepção”; “Elemento e Subsistema”), da exclusiva competência do Júri, e não uma verificação factual extraída da prova presente nos autos. A verdade é que a interpretação das propostas, de forma a verificar a sua conformidade com o disposto no Programa de Concurso, carece de extensos conhecimentos técnicos, implicando o domínio de conceitos e realidades técnicas variados atinentes aos sistemas e sub-sistemas de bilhética, aos sistemas de localização automática e correspondentes serviços de manutenção necessários, tudo no contexto do funcionamento integrado da complexa rede de transportes públicos em Lisboa, e vinculado à observação das normas técnicas ISO 14443 b, ISO 7816 1-4 E, e CEN 1545, estabelecidas no Protocolo CALYPSO.
49. O que releva, uma vez mais, a importância de um Júri constituído por especialistas experientes na matéria, que, com tempo, aprofundam o conteúdo das propostas, analisam os seus elementos, comparando-os entre si, elaborando a final um metódico relatório como aquele em presença nos autos, e releva, com o extremo respeito devido, a dificuldade que o Tribunal, sem se rodear de um corpo de especialistas habilitados e experientes nesta matéria, e com o tempo limitado para a apreciação e análise de toda a documentação, encontra no conhecimento de matérias técnicas. Sublinhe-se que não é ao acaso que as definições de sistemas, subsistemas e seus componentes, se encontram sumariamente definidos em extensas 60 páginas do Caderno de Encargos (cf. artigos 22º a 32º, páginas 52 a 112).
50. Ora, tendo o Júri adoptado uma definição de subsistema que abarca todo o conjunto de elementos que constitua uma unidade funcional para cada operador (conforme resulta de 60 páginas do Caderno de Encargos - artigos 22º a 32º), é evidente que a entrega do software, dos equipamentos embarcados, dos equipamentos não embarcados e dos sobressalentes ao respectivo operador beneficiário (integrando um conjunto de itens) corresponde à entrega de diversos subsistemas e, consequentemente, recepções provisórias parcelares para este operador (cfr. Esclarecimento à pergunta 1).
51. É por isso rotundo o erro em que incorre o Tribunal a quo ao afirmar que tais recepções não estão relacionadas com sistemas, mas com componentes do sistema. Estamos, portanto, no domínio da margem de discricionariedade administrativa somente sindicável em caso de erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, o que não foi (nem poderia ser) demonstrado, nem se antolha.
52. A discricionariedade administrativa consiste na “(…) liberdade de escolha da Administração Pública quanto a partes do conteúdo (envolvendo a própria necessidade e o momento da conduta), do objecto, das formalidades e da forma de actos seus de gestão pública unilaterais, [e, pese embora se saiba que] alguma doutrina e jurisprudência recente questiona a definição da discricionariedade administrativa como liberdade de escolha, dizendo que há sempre uma e uma só solução administrativa condizente com o interesse público concreto prosseguido, ou seja, condizente com o fim do acto, [todavia] Não tem razão. Pode haver mais do que uma solução administrativa para prosseguir um certo interesse público concreto - quer quanto ao conteúdo, quer quanto ao objecto, quer quanto à forma. Ponto é que o legislador tenha querido atribuir a liberdade de escolha à Administração Pública e que o exercício dessa liberdade não colida com qualquer outro princípio norteador da actividade administrativa. Não se nos afigura, por isso, legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a legalidade de um acto de administração ir ao ponto de definir - nos casos em que a lei quis atribuir discricionariedade - um conteúdo, um objecto ou uma forma únicos compatíveis com o fim a prosseguir, e, em função deles, apreciar o acto em questão. Isso representaria admitir que o Tribunal se pudesse substituir sempre à Administração Pública no traçado de todos os elementos do acto por ela praticado. O que põe em causa a lei - que quis dar à Administração Pública uma liberdade de escolha - assim negada. (…) (M. Rebelo de Sousa in Lições de Direito Administrativo.). - cfr. também artigo 62.
53. A via de compromisso entre os princípios da separação de poderes (cfr. art. 111º da CRP) e da garantia de controlo judicial da actividade administrativa (art. 268º, nº 4 da CRP), traduz-se em que “(…) O exercício ilegal de poderes administrativos (ou seja, o comportamento da Administração contrário à lei em toda a medida em que houver vinculação) é susceptível de controlo da legalidade, e este pode ser levado a cabo quer pelos Tribunais quer pela própria Administração (…) O mau uso de poderes administrativos (Isto é, o seu uso inconveniente em toda a medida em que houver livre decisão) é susceptível de controlo de mérito, e este só pode ser feito pela própria Administração nunca pelos Tribunais. A autonomia pública administrativa qua tale apenas admite, pois, controlo gracioso, não contencioso (…) (B. Dinis Ayala, in O (Défice de) Controlo Judicial da Margem de Livre Apreciação Administrativa.)
54. No tocante ao mérito, o que os Tribunais verificam concentra-se no conhecimento dos “(…) limites positivos de competência, de finalidade, de imparcialidade e de proporcionalidade (...) porque só existem a discricionariedade e a margem de livre apreciação de conceitos jurídicos indeterminados que a lei especificadamente conceder (...). Apesar da abertura da norma - abertura da norma que traduz a discricionariedade - os efeitos de direito produzidos pelo acto hão-de corresponder a um tipo a que se reporta a norma de competência. Não há competência sem individualização do tipo de poder concedido e, portanto, a norma deverá fornecer um quadro ou descrição fundamental suficiente para demarcar o âmbito de actuação autoritária do órgão sobre as esferas jurídicas suficiente para demarcar o âmbito de actuação autoritária do órgão sobre as esferas jurídicas dos administrados e para repartir o âmbito de actuação entre os diversos órgãos das pessoas colectivas que integram a Administração. A indeterminação dos efeitos que resulta da abertura do tipo é pois sempre parcial (…) [também] a abertura da previsão nunca pode ser total: da norma ou do concurso de normas que regem o acto administrativo tem de poder extrair-se o núcleo essencial do tipo de situação sobre a qual poderá incidir o exercício do poder. Sem tal tipificação faltariam ao executor da norma critérios objectivos da subsistência da necessidade pública a que corresponde o poder (…). (Sérvulo Correia in Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos.)
55. Em suma, nesta matéria da sindicabilidade jurisdicional, em que se insere tradicionalmente o conceito de discricionariedade técnica, está reservado aos tribunais apenas o controle da legalidade sendo excluído, dos seus poderes de conhecimento, o controle de mérito. Na realidade, tal como o próprio Acórdão em recurso espelha, não se encontra no Relatório do Júri nenhum erro grosseiro ou qualquer desadequação com o fim legal, pelo que a única decisão possível, acerca da admissão da proposta da Adjudicatária feita pelo Júri, é que esta não poderá ser sindicada pelo Tribunal.
56. Ao verificar conceitos técnicos, especializados, o Tribunal errou rotundamente na sua apreciação, pois tal não é (nem deverá ser) uma matéria sobre a qual tenha competência para decidir.
57. Ao decidir pelo indeferimento da questão suscitada o Acórdão em apreço violou o princípio da separação de poderes, constitucionalmente consagrado, estando portanto a interpretação normativa dos artigos 13º e 11º do Caderno de Encargos em contradição com o disposto no artigo 111º, número 1, da Constituição da República Portuguesa.
58. Pelo que, nos termos do disposto no artigo 721º, n.º 1 al.ª a), deve o Acórdão em apreço ser revisto, reconhecendo este Supremo Tribunal tratar-se de excepção peremptória que impede a produção dos efeitos jurídicos pretendidos com os factos articulados pela Recorrida (artigo 487º, número 2, 2ª parte, do CPC, aplicável ex vi artigo 1º, do CPTA).
C.1.2 - Da Inimpugnabilidade do Acto de Admissão da Proposta da Adjudicatária
59. O Acórdão recorrido entendeu que quanto à questão de saber se ao acto de adjudicação podem ser imputados vícios respeitantes à admissão da proposta que não foi impugnada no acto de público de concurso, cremos que a resposta não pode deixar de ser afirmativa “pelo que o acórdão recorrido, ao julgar improcedentes as excepções que haviam sido suscitadas não merece a censura que lhe é dirigida pela recorrente” .
60. O entendimento expendido na douta decisão merece censura, por ser contrário às normas legais aplicáveis in casu. Na verdade, estamos perante uma questão de extemporaneidade - por selecção errónea do meio processual - uma vez que as eventuais infracções aos princípios concursais à admissão da Adjudicatária tinham que ser alegadas até ao encerramento do acto de abertura e de admissão das propostas, o que não aconteceu no caso vertente, pelo que não podem agora ser sindicados contenciosamente em momento posterior ao acto final de adjudicação.
61. Nem se diga que o artigo 51.º n.º 3, do CPTA permite “a qualquer interessado impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento”, porque o certo é que tal preceito ressalva o disposto em lei especial. Neste sentido v. AROSO DE ALMEIDA, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2003, ao afirmar, a fls. 122, que “o artigo 51, número 3, introduz, no entanto, logo à partida, duas importantes restrições... a segunda restrição tem em vista as disposições que, por lei especial imponham a tempestiva impugnação de actos procedimentais, sob pena de preclusão: sempre que lei a avulsa imponha o ónus da impugnação de actos procedimentais, em termos tais que dela claramente resulte que a questão não pode voltar a ser colocada em processo impugnatório dirigido contra o acto final do procedimento, tal determinação, por ser clara para os eventuais interessados, prevalece sobre o regime regra do artigo 51º, nº 3.”
62. A tramitação do procedimento de concurso trazido aos autos está regulada nos artigos 98º e ss. do Decreto-Lei número 197/99, que reveste precisamente a natureza de lei especial. Com efeito, “A inimpugnabilidade de actos processuais reveste assim carácter facultativo, visto que o interessado não está impedido de impugnar o acto final com base nos vícios que afectem o acto intermédio. Só assim não será em (…) todos os casos em que a lei imponha especialmente o ónus de impugnação tempestiva de actos procedimentais (v.g., no âmbito do âmbito do processo disciplinar, a impugnação de irregularidades processuais que se considerem supridas em caso de falta de reclamação até à decisão final - art. 42º, número 2 do ED; no âmbito do concurso de adjudicação de empreitada de obra pública, em relação às reclamações que devam ser apresentadas contra irregularidades cometidas no acto publico de abertura de concurso )’, in Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, AROSO DE ALMEIDA e FERNANDES CADILHA, Almedina 2005, fls. 266, transcrição com itálico nosso. Excepção que, atento o paralelismo dos diplomas (Decreto-Lei 59/99 citado e Decreto-Lei 197/99, aplicável ao caso) encontra aplicação também no âmbito dos concursos, como o dos autos.
63. Com efeito, “a formulação do número 7, do artigo 101º, não deixa margem a grandes dúvidas, quando refere expressamente que o júri delibera sobre reclamações relativas a esta fase do acto público. E que essa fase do concurso fica assim encerrada, mostra-se demonstrado nas epígrafes dos artigos seguintes (101º e 102º) iniciadas com a expressão prosseguimento do acto público”, conforme decidiu o venerando Tribunal Central Administrativo Sul, em Acórdão de 10 de Maio de 2007.
64. Nos termos do referido DL 197/99, após a admissão dos concorrentes e seus representantes ao acto público é elaborada a lista dos concorrentes e procede-se à sua admissão definitiva ou condicional (artigos 100º e 101º, ambos do DL 197/99). Refere o artigo 101.º, n.º 5, que “retomado o acto público, o presidente do júri procede à leitura da lista dos concorrentes admitidos e dos admitidos condicionalmente e dos excluídos, indicando nestes últimos casos as respectivas razões”. Acrescentando o seu número 7 que “o júri delibera sobre eventuais reclamações apresentadas pelos concorrentes relativamente a esta fase do acto público”. Por sua vez, estabelece o artigo 104º, que o Júri, no acto público procede à abertura dos invólucros que contêm as propostas dos concorrentes admitidos (n.º 1), podendo proceder em sessão privada ao exame formal das propostas e aí deliberar sobre a admissão das mesmas (n.º 2), dispondo, no n.º 4, que o Júri procede no acto público à leitura das propostas admitidas, dando a conhecer o preço total de cada uma das propostas admitidas, bem como os aspectos essenciais das mesmas, e, o n.º 5, estabelece que o Júri decide as eventuais reclamações apresentadas pelos concorrentes relativamente a esta fase do acto público.
65. No caso sub judice, foram cumpridos todos os preceitos impostos pela referida lei especial, nem a Autora o controverte, pelo que é imperativo associar-se os devidos efeitos jurídicos, pelo que, a entender-se que o Júri infringira os princípios concursais no que respeita à admissão da Adjudicatária, a interessada tinha o ónus de o alegar tempestivamente, ergo, até ao encerramento do acto de abertura e de admissão das propostas, o que não aconteceu.
66. Encerrado o acto público (número 6, do artigo 104º, do Decreto-Lei número 197/99), não pode agora o Tribunal admitir a sindicância do acto final de adjudicação, com base num acto preparatório (de admissão de concorrentes) que foi tido como encerrado sem impugnação administrativa quanto à ilegalidade do mesmo.
67. Na verdade a Recorrida apenas suscitou a questão em fase de audiência prévia, e não aquando da análise das propostas que levou a cabo no acto público, e, notificada do Relatório Final conformou-se com a decisão dele constante, já que o não impugnou.
68. Consequentemente, e uma vez que o número 6, do artigo 104º, do Decreto-Lei número 197/99 prescreve claramente que o presidente do júri encerra este acto, é manifesto que o acórdão sub judice ao apreciar o acto final de adjudicação não pode indagar sobre eventuais ilegalidades que teriam sido cometidas no acto de admissão de propostas e que não foram objecto de qualquer reclamação nessa fase. Deste modo, a confirmação do indeferimento da excepção invocada emerge em si mesmo como uma violação da força de caso resolvido, que o acto de admissão ficou a possuir, em consequência da sua não impugnação atempada e uma afronta ao disposto em lei especial no tocante à impossibilidade de no acto final se suscitarem as ilegalidades dos actos preparatórios.
69. Decidindo nos termos expostos o Acórdão em apreço viola o disposto no artigo 51º, n.º 3 do CPTA e nos artigos 98º, 100º, 101º, n.º 5 e 7, 104º e 128º, todos do Decreto-Lei número 197/99.
70. Acresce ainda que a interpretação normativa no Acórdão em apreço ao artigo 51º número 3 do CPTA, em conjugação com os artigos 98º, 100º, 101º, n.º 5 e 7, 104º e 128º, todos do Decreto-Lei número 197/99, permitindo a apreciação judicial de decisões da administração num momento em que estes produzem já efeitos sobre os interessados, e após todos os prazos legalmente estipulados, traduz ainda grave violação dos princípios da segurança jurídica e do caso julgado, princípios consagrados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
71. Por decidir contrariamente ao disposto em lei expressamente aplicável - artigo 51º, n.º 3 do CPTA e nos artigos 98º, 100º, 101º, n.º 5 e 7, 104º e 128º, todos do Decreto-Lei número 197/99 e ainda interpretar as normas em violação do preceito ínsito no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, deve, ao abrigo do disposto no artigo 721º, numero 1 alínea a), ser revogado o Acórdão recorrido, reapreciando-se a aplicação dos preceitos legais levada a cabo, e no seu cumprimento decidir verificada a excepção suscitada.
C. 1.3 Da Nulidade por Omissão de Pronúncia
72. A Recorrente apresentou, a sua resposta à ampliação do âmbito do recurso apresentada pela Recorrida. Nela expôs a sua motivação relativamente ao pedido de ampliação, tendo efectivamente apresentado ao Tribunal Central Administrativo Sul argumentos, em seu entender, importantes na apreciação das questões suscitadas pela Recorrida; suscitou a excepção do incumprimento do artigo 685-B, n.º 5, do CPC, quer quanto ao alegado vício de forma por falta de fundamentação, quer quanto à apreciação da questão relativa à violação do artigo 11º do Caderno de Encargos, por não se encontrarem indicados nas alegações da Recorrida os concretos pontos de facto incorrectamente julgados e concretos meios probatórios que imponham decisão diversa; demonstrou ainda o sentido das normas a aplicar evidenciou a jurisprudência mais relevante; demonstrou a completude das respostas conferidas pelo Júri em sede de Audiência Prévia e o cumprimento dos artigos 11º e 13º do Caderno de Encargos.
73. Tal articulado foi acolhido nos autos, não tendo a recorrente sido notificada de qualquer vício ou incidente que hipoteticamente pudesse ter-se verificado. No entanto, surpreendentemente, não foi considerado uma única vez no texto do Acórdão em recurso. Na verdade não consta sequer qualquer menção relativamente à Resposta, nem no sumário da decisão, nem na fundamentação, nem na decisão do Acórdão.
74. Estabelece o artigo 660º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras partes.” Ora é manifesto que o Acórdão recorrido não conheceu (não reconheceu!) qualquer das questões submetidas pela Recorrente à sua apreciação em sede de Resposta à ampliação do objecto do recurso efectuada pela Recorrida. Sendo também evidente que a Resposta poderia influir no sentido da decisão.
75. Também não resulta do Acórdão qualquer alusão a que as questões tenham sido sequer ponderadas (ou lidas) e depois o Tribunal optado por uma solução diversa.
76. Resultando do exposto que o Acórdão labora em violação do artigo 660º, número 2 do CPC. No mesmo sentido, em questão em tudo semelhante decidiu já este STA em diversos Acórdãos, citando-se, pela sua especial clareza (única questão invocada), o acórdão de 2009.09.16, no processo 0835/09, onde consta que “No caso em apreço sucedeu que a contestação apresentada pela FP, apesar de ter sido enviada ao TAF de Beja, não foi considerada na sentença recorrida (...) daí que, neste caso, tendo-se verificado a alegada nulidade, se devam, por isso anular todos os actos processuais subsequentes ao despacho que ordenou a notificação do RFP para responder (…)” - transcrição com itálico nosso.
77. E, quanto aos efeitos da nulidade, o Acórdão de 2007.11.28 onde se decidiu que “A lei fulmina com nulidade a sentença em que o Juiz «deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» - al d) do nº 1 do art. 668.º do CPC - o que significa que a nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia está relacionada com o incumprimento de um dos deveres do Julgador, qual seja o de conhecer e resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. - arts. 668.º, nº 1, al. d,), e 660., n.º2, do CPC. Deste modo, dir-se-á que uma sentença é nula quando o Juiz proferiu a sua decisão sem que, previamente, se tivesse pronunciado sobre todas as questões que as partes suscitaram e que ele tinha obrigação de conhecer.”
78.Tal vício de omissão de pronúncia tem como consequência legal a nulidade insanável prevista no artigo 668º número 1 alínea d), pelo que, nos termos do disposto no artigo 722º, numero 1 alínea c), deve o Acórdão ser revisto por este Supremo Tribunal, (determinando a sua descida ao TCA, nos termos do disposto no artigo 731º, número 2).
C. 1.4 Do Vício de Forma por falta de fundamentação
C.1.4.1. Da Nulidade por Contradição entre a Fundamentação e a Decisão
79. Quanto ao assacado vício de falta de fundamentação, analisando o Acórdão não pode deixar de impressionar a indisfarçável contradição que ostenta entre os seus fundamentos e a decisão.
80. O Acórdão acolhe a definição de fundamentação como directamente incidente sobre os critérios de avaliação das propostas e em seguida decide que a fundamentação pelo Júri seria devida acerca de uma questão que estava expressamente regulada pelas regras do concurso (v.g. nos Esclarecimentos 1, 2 e 8 prestados pela entidade adjudicante - documento de 29 páginas junto ao dossier II do processo instrutor - doravante “Esclarecimentos” e nos artigos 11º, 13º e 27º a 32º do Caderno de Encargos), sendo certo que tais Esclarecimentos constituem um facto dado como provado (facto provado d), a fls. 16 do Acórdão).
81. Os Esclarecimentos às questões 1, 2 e 8 têm o seguinte conteúdo:
Pergunta 1 - Para entendimento do artigo 13º das condições Gerais do Caderno de Encargos:
Por recepções provisórias parcelares, entende-se recepção de subsistemas dentro de um operador, ou recepção de todos os subsistemas desse operador?
Resposta - Recepções provisórias parcelares são as recepções de subsistemas dentro de um operador.”
“Pergunta 2 - Pode-se facturar por cada recepção provisória parcelar, sendo a mesma paga no prazo de 60 dias?
Resposta - Pode-se facturar por cada recepção parcelar, sendo a mesma paga no prazo de 60 dias.”
“Pergunta 8 - Sendo mencionada a decomposição de preços por equipamentos, instalação e software, podem ser integradas outras rubricas, a livre critério dos concorrentes? (p. ex. desenvolvimento, serviços técnicos, colocação em serviço, documentação, formação, gestão de projecto, etc.)
Resposta - Sendo mencionada a decomposição dos preços por equipamentos, instalação e software, podem ser integradas outras rubricas, a livre critério dos concorrentes.”
82. Bastando portanto confrontar os Esclarecimentos às perguntas 1, 2 e 8, para obter uma resposta à alegada violação do artigo 11º do Caderno de Encargos em sede de audiência prévia. Ao mesmo tempo, a alegada falta de fundamentação não incidia sobre qualquer critério de avaliação (já que estes se concentravam nos critérios C.2., cuja aplicação, conforme o próprio Acórdão reconhece, se encontra devidamente fundamentada).
83. Ora, o próprio STA decidiu, em diversos Acórdãos - entre outros aqueles de 3/04/2003 in Rec. n.º 1126/02 e de 6/10/99 (rec. n.º 42394) - que o dever de fundamentação se circunscreve aos critérios de avaliação e sua aplicação, nos seguintes termos “No âmbito de tais procedimentos, como é o caso do procedimento concursal, considera-se satisfeito o dever de fundamentação da classificação operada desde que se mostrem vertidas na grelha classificativa previamente elaborada pelo Júri as valorações atribuídas a cada “item”, e que, posteriormente, seja consignada em acta a pontuação atribuída, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação - Ora, a decomposição de vários factores, os limites de pontuação para cada um deles e a mais ou menos ponderação para os mesmos constam dos “Critérios de Apreciação de Propostas para Adjudicação” conforme documento junto a fls. 22, o que significa que perfeitamente cognoscível para um candidato perceber como se chegou ao resultado final. Ou seja, é perfeitamente apreensível para um destinatário normal o itinerário valorativo utilizado pelo júri, sendo a pontuação final dos concorrentes, entre eles a ora Recorrente, o resultado lógico das operações efectuadas, tendo em consideração, naturalmente, os critérios e sub-critérios utilizados e o coeficiente de ponderação dos mesmos, no âmbito da margem de livre apreciação detida pelo júri do concurso. Por conseguinte, em nosso entender, a mais detalhe fundamentador não estava obrigado o Júri do concurso, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação. Forçosa é, pois, reconhecer que não se verifica o invocado vício de forma por falta de fundamentação pelo que improcedem as restantes conclusões da alegação da Recorrente.”
84. Toma-se assim evidente a contradição, pois é manifesto que a Recorrida e o Tribunal a quo compreenderam perfeitamente quais as regras de avaliação que competia ao Júri aplicar e fundamentar devidamente e quais as questões que não apresentavam qualquer relevância para o labor de avaliação, como era o caso da referida questão colocada em Audiência Prévia.
85. A contradição resultante do texto da decisão implica a nulidade do Acórdão, nos termos do disposto no artigo 668º, número 1 alínea e), do CPC.

86. O Acórdão decide também contra a sua própria fundamentação, ao considerar que “Efectivamente, consistindo essa ilegalidade no facto de a resposta prever recepções provisórias parcelares ou por elementos não se vê como a mesma pode ter sido esclarecida na questão anterior, que apenas se pronuncia sobre a possibilidade de as propostas integrarem novas rubricas para além da decomposição dos preços por equipamentos, instalação e software” já que considerou provado que “em 2/6/2008 a júri do concurso elaborou o «Relatório de Análise das Propostas», do concurso referido em a), que consta do dossier I do processo instrutor, cujo teor se considera Integralmente reproduzido (…) “
87. A resposta, dada pelo Júri a que o Acórdão imputa a falta de fundamentação “Já esclarecido na questão anterior” remete para a questão antecedente cujo teor confere cabal esclarecimento às dúvidas atinentes à interpretação do artigo 11º do Caderno de Encargos e aos pagamentos antecipados. Em primeiro lugar, não pode deixar de se considerar que o Júri iniciou a sua Resposta remetendo para os Esclarecimentos, dos quais fazem parte os Esclarecimentos às perguntas 1 e 2, que, enquanto normas aplicáveis, solucionam a questão colocada. Depois, e na verdade, essa resposta, remetendo num primeiro momento para os Esclarecimentos, consigna expressamente que “o cronograma financeiro apresentado pela C… está de acanto com a natureza do esclarecimento prestado ao concorrente, não se verificando nenhum momento de facturação com a assinatura do contrato a título de adiantamento.” Sendo evidente que na referida resposta o Júri pondera, rejeitando a sua ocorrência, clara e inequivocamente, a alegada violação do artigo 11º do Caderno de Encargos.
88. Verifica-se, portanto, que na fundamentação o douto Acórdão conhece a questão em concreto e aponta para uma solução evidente face às normas aplicáveis, vindo, a final, a retirar dos factos decisão totalmente diversa, pelo que, também neste ponto, a contradição manifesta entre a fundamentação e a decisão implica a nulidade do Acórdão, nos termos do disposto no artigo 668º, número 1 alínea c), do CPC, implicando a sua reapreciação por este Supremo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 721º, n.º 1, alínea c).
C.1.4.2 - Da Violação de Lei – art.ºs 268º, nº 3, da CRP; art.ºs 124º e 125º ambos do CPA e art.º 108º do DL 197/99.
89. Ainda acerca da suposta falta de fundamentação, é necessário sublinhar que, ao optar por responder «Já esclarecido na questão anterior» o Júri expressou claramente, embora por remissão, que a questão era irrelevante para a apreciação do mérito das propostas, e estava resolvida pelas regras do concurso. Ora, uma interpretação diversa deste sentido sempre carece de apoio nos elementos probatórios dos autos, que no caso não se encontram dispostos no texto da decisão, deixando dúvidas e adensando a contradição que se aponta.
90. No entanto, apesar de decidir pela falta de fundamentação, o Acórdão não retira daí nenhuma invalidade que impedisse a adjudicação, nem poderia fazê-lo, já que, na eventualidade de se detectar a referida ilegalidade no presente procedimento concursal, tal não implica, todavia, a simples conclusão, sem mais, de anulação do acto impugnando, pois importaria, ainda, ponderar se ela se repercutiu, de forma lesiva, na esfera jurídica dos candidatos preteridos, porque, em caso negativo, o acto impugnado terá ser aproveitado.
91. Constata-se que a Recorrida, na sequência do exercício do seu direito de audiência prévia, levou à consideração do Júri vários aspectos, que, depois de ponderados, se reflectiram na sua classificação final (de 12,46 para 12,56). Ou seja, a proposta foi beneficiada pelo cumprimento da formalidade, cuja falta, não obstante, foi assacada ao acto de adjudicação, motivo pelo qual poder-se-á concluir não ter sido a alegada ilegalidade que determinou a classificação da Recorrida, sendo que, caso fosse ordenada a repetição desse acto, sempre se imporia in casu outro de conteúdo idêntico.
92. Neste contexto, a anulação da deliberação operada pelo Acórdão em recurso, com fundamento na procedência da ilegalidade detectada, resultaria simplesmente inócua porque impor-se-ia, sempre, o aproveitamento do acto porquanto “a prolação de novo acto necessariamente dotado de conteúdo idêntico não só se apresentada como inócuo para os legítimos interesses do particular, já que não lhe proporcionaria ganho algum, como constituiria um obstáculo espúrio à eficiência da actuação administrativa” (cf. Ac. STA de 01/03/95, proc. nº 32.759).
93. Resumindo a questão, pode afirmar-se que a obrigação de fundamentar a decisão administrativa em causa, que se impunha ao Júri do Concurso, é uma concretização do dever geral de fundamentação dos actos administrativos, que, de forma expressa e acessível, devem dar a conhecer aos respectivos destinatários as razões por que se decide de determinado modo e não de outro (artigo 268º, nº 3, da CRP e 124º e 125º, ambos do CPA) visando permitir ao administrado seguir o percurso cognitivo que conduziu à decisão, a fim de com ela se conformar ou contra ela reagir.
94. A fundamentação de facto não tem de ser prolixa, bastando ser clara e sucinta, e a fundamentação de direito não poderá ser de tal forma genérica que não permita entender as concretas razões de direito que motivaram o acto.
95. De acordo com o disposto no nº 1, do art.º 125º, do CPA, “a fundamentação deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto”.
96. Um acto estará, assim, devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo da mesma, optando conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação (Neste sentido, Acórdão do STA de 16/03/2001, processo nº 040618, “a fundamentação é um conceito relativo, variável em função do tipo de acto e das circunstâncias concretas da decisão).
97. E sendo a fundamentação “a narrativa exteriorizante das bases de sustentação da decisão”, e atendendo a que, de acordo com a generalidade da doutrina, o critério da suficiência e adequação da fundamentação deve ser aferido pela “compreensibilidade da ponderação exteriorizada formalmente, aferida por padrões de razoabilidade e de normalidade”, tendo em consideração um “destinatário normal ou razoável, ainda que colocado na situação concreta” 63, é possível afirmar-se que no caso dos autos são perfeitamente compreensíveis para um destinatário normal, ou razoável, todas as razões que determinaram as respostas conferidas pelo Júri em Audiência Prévia.
98. A este respeito importa notar que “a fundamentação do acto consiste na enunciação explícita das razões quer de facto, quer de direito, que levaram o seu autor a decidir no sentido em que decidiu. Tal não significa no entanto que essa fundamentação tenha de conter uma exaustiva descrição de todas as razões que determinaram a sua prática, mas implica apenas uma devida transmissão ou esclarecimento do seu destinatário, das razões que estão na origem do acto e que sustentam o seu sentido” (Conforme entendeu o STA no Acórdão de 18/02/2004, Proc. nº 046659).

99. E ainda que, como se decidiu nos Acórdãos de 13/03/2003 e de 31/03/1998, respectivamente processos n.º 034396/02 e 305000, «as decisões administrativas de classificação ou valoração do mérito devem considerar-se suficientemente fundamentadas desde que das respectivas actas constem, directamente ou por remissão para outras peças do procedimento, os elementos, factores, parâmetros ou critérios com base nos quais o órgão decisor procedeu à ponderação determinante do resultado concreto a que chegou”.
100. O Relatório do Júri, na fundamentação das resposta em sede de audiência prévia, remete para os Esclarecimentos e para as peças concursais, que contêm todos os elementos, factores, parâmetros e critérios com base nos quais o órgão decisor procedeu à ponderação determinante do resultado concreto a que chegou, e onde constam as respostas às questões levantadas em sede de audiência prévia.
101. E, contrariamente ao entendimento perfilhado pelo Acórdão ora recorrido, a motivação da decisão classificativa é suficiente para que um destinatário normal a compreenda, tal como, aliás, compreendeu o Acórdão recorrido e também a Recorrida, que prolixamente o demonstrou nos seus articulados (petição inicial e contra-alegações). Na realidade, do conteúdo do Relatório não resultam quaisquer dúvidas quanto às concretas razões que determinaram a classificação atribuída à Adjudicatária, sendo clara a motivação do acto - como a próprio Acórdão consigna a fls. 25.
102. Tratando-se de actos concursais homologatórios ou apropriativos de Júri, a fundamentação é considerada suficiente desde que do respectivo relatório conste directamente, ou por remissão, os elementos, factores, parâmetros ou critérios com base nos quais se fez a ponderação determinante do resultado final a que se chegou, de modo a permitir aos interessados uma tomada de posição na defesa dos seus direitos e interesses.
103. É, ainda, unanimemente admitido, doutrinária e jurisprudencialmente (Cf., Ac. STA de 24/09/2009, processo n.º 428/09; Ac. STA de 041/2/2002), que a fundamentação (administrativa) pode operar por mera remissão, aderindo-se aos argumentos constantes de anterior pronúncia (artigo 125º, nº 1, in fine, do CPA). Ora ao afirmar “Já esclarecido na questão anterior” o Relatório remete, no que à fundamentação concerne, para a resposta dada no ponto anterior, o que, considerado o teor da resposta, não consubstancia nenhuma invalidade nem que o acto não esteja devidamente fundamentado (dado que esta opera por adesão a fundamentação anterior).
104. No caso sub judice, o Relatório, contém uma análise detalhada das propostas apresentadas pelos diversos concorrentes, na qual foi efectuada uma apreciação exaustiva das mesmas em função de cada factor de apreciação, contendo também uma apresentação dos valores das propostas dos concorrentes e as respectivas pontuações, precedida de uma explicação detalhada das fórmulas pelas quais foram obtidos quer o preço global de cada proposta, quer a respectiva pontuação.
105. Assim entendeu o próprio Acórdão recorrido ao decidir que “No caso em [a]preço, quanto ao critério C.2 (“Características Técnicas dos Sistemas”), avaliado com base nos subcritérios C.2.l. (“Características do Produto e Ergonomia”) e C.2.2. (“Funcionalidade e Operacionalidade”), o relatório de análise das propostas atribuiu pontuações a cada uma das propostas após destacar diversos aspectos destas que as diferenciam e que as valorizam ou depreciam (cfr. ponto 42. desse relatório)”- transcrição com itálico nosso.
106. Contudo, contrariamente ao entendimento do Acórdão recorrido, a resposta “Já respondido na questão anterior”, concedida à questão colocada em Audiência Prévia, não padece de falta de fundamentação, estando o acto justificado de forma clara e permitindo aos seus destinatários, conhecer (como aconteceu) as razões da admissão da proposta da C… (artigos 124º e 125º do CPA). Ela foi admitida pois não continha, face aos Esclarecimentos, qualquer violação ao Caderno de Encargos.
107. A fundamentação constante no Relatório, é assim expressa e acessível, externalizando as razões de facto e de direito que motivaram a prática do acto.
108. Perante tal circunstancialismo, é manifesta a violação do disposto nos artigos 268º, nº 3, da CRP e 124º e 125º, ambos do CPA e 108º do DL 197/99, pelo douto acórdão, ao considerar inaplicável a fundamentação por remissão e insuficiente a fundamentação conferida numa resposta que claramente aborda a questão colocada.
C.2. Do Vício de Violação da Lei
Da Nulidade do Acórdão por Decisão Contraditória com os seus Fundamentos
109. O Acórdão julga verificada a violação do artigo 13º do Caderno de Encargos e relativamente à apreciação do cumprimento do artigo 11º do Caderno de Encargos, decidiu que “Analisando o Cronograma Financeiro e Plano de Pagamentos constante do Capítulo 11º da proposta do agrupamento adjudicatário (cfr. o referido Dossier que tem a designação «C…»), constata-se que aí se prevê que se realizem pagamentos antes das recepções provisórias por operador dos sistemas (nomeadamente que, em Setembro de 2008, se realizem pagamentos como contrapartida da entrega do «Plano Preliminar de Engenharia» do «Projecto de Pormenor») e que as recepções provisórias são feitas por sobressalentes, software, equipamentos embarcados e equipamentos não embarcados, não estando, por isso, relacionadas com os sistemas a que alude o referido artigo 11º mas com componentes do sistema.
110. Numa interpretação que ultrapassa as Regras do Concurso (v.g. do Caderno de Encargos e dos Esclarecimentos, mormente às perguntas 1, 2 e 8), extravasando o sentido razoável do disposto nos artigos 11.º e 13.º do Caderno de Encargos, em termos que levam a supor que o Juiz não considerou todas aquelas normas por lapso manifesto.
111. De facto, o Acórdão, deu como provados os factos b) e d), em termos que levam qualquer destinatário normal da decisão a compreender que o Caderno de Encargos e os Esclarecimentos integram a fundamentação do Acórdão.
112. Para atingir a conclusão de violação do artigo 13º do Caderno de Encargos, o Acórdão refere que “Porém, este esclarecimento [refere-se ao Esclarecimento 8], se permite a possibilidade de integrar rubricas além dos preços por equipamentos, instalação e software, nada refere quanto à realização de pagamentos antes das recepções provisórias, não podendo, por isso, ser interpretado como conferindo autorização a qualquer antecipação à realização de pagamentos
113. Parece que desta forma o Tribunal a quo ponderou a redacção dos art.ºs 17º, n.ºs 1 e 2 e 27°, número 3 do Programa de Concurso, o art.º 13° do Caderno de Encargos e a resposta ao Esclarecimento à pergunta 8 prestado pelo Júri a requerimento dos concorrentes, no entanto, esta decisão contradiz expressamente a sua própria fundamentação uma vez que dá como provado e reproduzido o Esclarecimento 2. e, de seguida, decide contra o mesmo.
114. E prossegue o Acórdão na mesma contradição entre os seus fundamentos e a decisão ao julgar verificada a falta de fundamentação na resposta a uma das questões colocadas pela Recorrida em sede de Audiência Prévia, já que também aqui, a conclusão de que a resposta exarada pelo Júri à referida questão, não cumpre os necessários requisitos de forma só é explicável pela não aplicação das regras contidas nos Esclarecimentos às perguntas 1 e 2, que integram a fundamentação do mesmo, de outro modo, sempre seria manifesto que a questão estava resolvida, não pela resposta, mais ou menos fundamentada, mas pela directa aplicação da norma relevante.
115. Mas, o douto Acórdão vem ainda decidir que “É manifesto que não assiste razão à recorrente quando invoca a discricionariedade técnica pois esta não prejudica a sindicabilidade dos vícios respeitantes a aspectos legalmente vinculados, além de sempre permitir sindicar os juízos de mérito com fundamento na existência de erro grosseiro”. Contudo, o Acórdão, ao decidir que “Analisando o Cronograma Financeiro e Plano de Pagamentos constante do Capítulo 11º da proposta do agrupamento adjudicatário (cfr. o referido Dossier que tem a designação “C…”, constata-se que aí se prevê que se realizem pagamentos antes das recepções provisórias por operador dos sistemas (nomeadamente que, em Setembro de 2008, se realizem pagamentos como contrapartida da entrega do «Plano Preliminar de Engenharia» do «Projecto de Pormenor») e que as recepções provisórias são feitas por sobressalentes, Software, equipamentos embarcados e equipamentos não embarcados, não estando, por isso, relacionadas com os sistemas a que alude o referido artigo 11º mas com componentes do sistema” contraria frontalmente a sua própria fundamentação.
116. De facto, para atingir tais conclusões, o Acórdão interpretou, por um lado que a cada Entrega não correspondia qualquer recepção provisória de um sistema ou subsistema, e por outro lado, que havia pagamentos previstos no “Cronograma Financeiro e no Plano de Pagamentos” do agrupamento adjudicatário anteriores às referidas recepções provisórias, para concluir que a proposta da C… violava os artigos 11º, n.ºs 1 e 4, e 13º do Caderno de Encargos, o Acórdão desconsiderou os Esclarecimentos às perguntas 1 e 2, e, ao interpretar o conceito de entrega” como desacompanhada de qualquer acto de recepção provisória, necessariamente concluiu que o Plano Preliminar de Engenharia e o Projecto de Pormenor não eram entregues com qualquer subsistema, pois que as recepções provisórias do software, dos equipamentos embarcados, dos equipamentos não embarcados e dos sobressalentes eram recepções de componentes do sistema e não de sistemas (ou subsistemas).
117. Ora, tendo as normas em causa adoptado uma definição de subsistema que abarca todo o conjunto de elementos que constitua uma unidade funcional para cada operador (conforme resulta das 60 páginas do Caderno de Encargos - artigos 22º a 32º), é evidente que a entrega do software, dos equipamentos embarcados, dos equipamentos não embarcados e dos sobressalentes ao respectivo operador beneficiário (integrando um conjunto de itens) corresponde à entrega de diversos subsistemas e, consequentemente, a recepções provisórias parcelares para este operador (cfr. Esclarecimento à pergunta 1).
118. Não se compreende assim como se atinge no Acórdão a conclusão de que não existem recepções provisórias com as respectivas entregas (e, portanto, que os pagamentos são anteriores a tais recepções provisórias), mormente com as entregas do Projecto de Pormenor e Plano Preliminar de Engenharia, tendo em conta que estes são entregues e facturados aquando da recepção dos diversos subsistemas compostos pelo software, sendo certo que o Esclarecimento à pergunta 8 permitiu expressamente a integração de outras rubricas a livre critério dos concorrente.
119. Resumindo:
1) Podiam existir recepções provisórias parcelares (cfr. Esclarecimento à pergunta número 1)
2) Podia facturar-se cada recepção provisória parcelar (cfr. artigo 13º e Esclarecimento 2)
3) As Recepções Provisórias de Software, Equipamentos Embarcados, Equipamentos não Embarcados e Sobressalentes correspondem a diversos subsistemas previstos nos artigos 22.º a 32.º do Caderno de Encargos
4) Era possível integrar novas rubricas de decomposição de preços (cfr. Esclarecimento 8)
120. Conclui-se, assim, facilmente que o Cronograma Financeiro e o Plano de Pagamentos da adjudicatária está de acordo com as normas concursais, que, como vimos, fundamentam o Acórdão, resultando portanto da fundamentação do Acórdão que no momento das recepções provisórias parcelares poderiam tais rubricas ser facturadas.
121. Torna-se claro que, na proposta da adjudicatária, todos os pagamentos previstos se dão aquando de uma Recepção Provisória por Operador Beneficiário, correspondente a pelo menos um subsistema. Não se entende assim como possa o Acórdão atingir a conclusão de que existem, na proposta da adjudicatária, “recepções provisórias parcelares ou por elementos, o que contraria o mencionado no art. 11º.
122. De igual forma, não se compreende como o Acórdão conclui que os pagamentos apresentadas no Cronograma Financeiro da proposta adjudicada são anteriores às recepções provisórias, perante a evidência da resposta de que “Pode-se facturar por cada recepção parcelar, sendo a mesma paga no prazo de 60 dias.” (cfr. resposta ao Esclarecimento nº 2), sendo manifesto que são parte integrante da fundamentação do Acórdão, todas as normas referidas.
123. Da redacção do artigo 13º, no seu parágrafo único, resulta que o efeito da apresentação pelos concorrentes de pagamentos antecipados nas suas propostas será o da sua desconsideração, ou seja, na execução do concurso não serão efectuados pagamentos naquelas condições. Nunca se prevê, com base nesta questão, a exclusão de qualquer proposta, por se entender que não se trata de um vício que requeira tal sanção.
124. Termos em que o Acórdão em apreço, ao analisar e aplicar apenas a primeira parte do artigo, contraria igualmente a sua própria fundamentação, pelo que, por violação do disposto no artigo 668º, n.º 1, al.ª c), do CPC, deve, nos termos do disposto no artigo 722º, n.º 1, al.ª c), ser o Acórdão aqui em análise revogado na parte em que decidiu desfavoravelmente em desfavor da Recorrente.
Porque tinha sido requerida a Reforma do Acórdão (vd. primeiras 26 conclusões) acima o TCAS conheceu de imediato desse pedido tendo-o deferido parcialmente por ter entendido que, ao contrário do decidido, não ocorria “a ilegalidade que o acórdão considerou verificada quando entendeu que a proposta do agrupamento adjudicatário violava o art. 11.º do Caderno de Encargos, por as recepções provisórias nela previstas (dos sobressalentes, do Software, equipamentos embarcados e equipamentos não embarcados) não estarem relacionadas com os sistemas mas com seus componentes.”
Notificada, a A… entendeu que aquela Reforma alterou a fundamentação do Acórdão recorrido pelo que formulou as seguintes novas conclusões:
1. A presente ampliação, efectuada ao abrigo da faculdade expressa no artigo 670.º/3 do Código CPC alicerça-se no facto de se verificar que a Reforma não mantém na íntegra os fundamentos do Acórdão para sustentar a sua decisão desfavorável, agora limitada à violação do artigo 13º do Caderno de Encargos e à suposta falta de fundamentação de uma resposta do Júri em sede de audiência prévia. (cfr. artigos 1º a 8º do texto).
2. Quanto ao suposto vício de forma por falta de fundamentação, relativa à resposta a fls. 22 do Relatório de Análise das Propostas (“Relatório”), verifica-se que o tribunal a quo labora em contradição com a sua própria decisão ao afirmar que o Júri, através do seu esclarecimento à pergunta 1, definiu validamente o artigo 11º (afastando por isso a ilegalidade anteriormente imputada no Acórdão), e depois manteve que o conteúdo daquele esclarecimento não era suficientemente esclarecedor, apesar da resposta concedida em sede de audiência prévia remeter para o esclarecimento valorado. (cfr. artigos 9º a 17º do texto).
3. Implicando, nos termos do disposto no artigo 668º, número 1 alínea c), do CPC, a contradição manifesta entre a fundamentação e a decisão, a nulidade da Reforma, e a necessidade da sua reapreciação por este Supremo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 721º, número 1 alínea c). (cfr. artigos 18º e 19º do texto).
4. Quanto à violação do artigo 13º do Caderno de Encargos, o TCA inova agora relativamente ao decidido no Acórdão, considerando que a referida violação se dá por “os pagamentos do «Plano Preliminar de Engenharia» e «Projecto de Pormenor» não estarem dependentes da sua recepção provisória (...)” (cfr. artigo 20º do texto).
5. Da redacção do artigo 13º, resulta claramente que o efeito da apresentação pelos concorrentes de pagamentos antecipados nas suas propostas, será o da sua desconsideração, ou seja, na execução do concurso não serão efectuados pagamentos naquelas condições, nunca se prevendo a exclusão de qualquer proposta, por se entender que não se trata de um vício que requeira tal sanção, desta forma, ao analisar e aplicar apenas a primeira parte do artigo, a Reforma contraria frontalmente a norma aplicável, quer na ratio, quer na solução ali expressamente prevista. (cfr. artigos 21º a 24 do texto).
6. Merecendo, por violação da norma directamente aplicável (constante no próprio artigo 13º do Caderno de Encargos), e nos termos do disposto no artigo 722º, número 1, alínea c) do CPC, ser revogada na parte em que decidiu em desfavor da Recorrente. (cfr. artigo 25º do texto).
7. A Reforma, por intermédio do Acórdão, deu como provado que “foram prestados, pela entidade adjudicante, os esclarecimentos solicitados no âmbito do concurso em referência (conforme documento de 29 páginas junto ao dossier II do processo instrutor, posteriormente enviados), constando do anúncio de rectificação referido na alínea anterior que os mesmos tinham sido prestados e estavam juntos ao respectivo processo de concurso (…)” - facto provado d), fls. 16 do Acórdão - acolhendo na sua fundamentação o Esclarecimento 2, como LEI APLICÁVEL e, de seguida, decide contra o mesmo. (cfr. artigos 26º a 42º do texto).
8. Pelo que, por violação do disposto no artigo 668º, número 1, alínea c), do CPC, deve, nos termos do disposto no artigo 722º, número 1, alínea c), ser o Acórdão aqui em análise revogado na parte em que decidiu em desfavor da Recorrente. (cfr. artigos 43º e 44º do texto).
9. Por ressumarem do Acórdão outros vícios incorridos pelo TCA, (violação de lei constitucional e ordinária, contradição entre a decisão e dos seus fundamentos), que se espelham na presente decisão, a Recorrente reafirma e dá aqui por integralmente reproduzido tudo o alegado em sede de Recurso do Acórdão.
A C…, SA contra alegou para concluir como se segue:
I. Não obstante a reforma do douto acórdão, subsistiram os vícios de violação do art. 13° do Caderno de Encargos e a alegada falta de fundamentação de uma resposta do júri em sede de Audiência prévia.
II. Resulta de forma clara inequívoca que a proposta adjudicatária cumpriu todos os requisitas exigidos pelos documentos concursais.
III.Quanto ao vício de falta de fundamentação o tribunal decidiu em contradição com a sua própria decisão, porquanto considerou que não havia nenhuma invalidade no que se refere ao cumprimento do previsto no art. 11.º mas considerou que o esclarecimento não era suficiente, apesar de remeter para uma resposta que o tribunal aceitou como válida.
IV.Verifica-se também a existência de um erro de julgamento em matéria de direito ao considerar como o fez o tribunal a quo que era em sede de acção administrativa que assistia ao impugnante o direito de invocar todos os vícios - que não os de que padeçam actos cuja invocação a lei exige seja de imediato realizada sob pena de preclusão ou caducidade da sua apreciação - o que não é o caso do acto e dos vícios em questão - direito que a Autora exerceu.
V. O Decreto-Lei 197/99, de 7/06, estabelece um momento processual em que os concorrentes podem (e devem) invocar a existência de possíveis vícios sejam eles procedimentais ou de violação da lei.
VI. O que não se verificou no caso em apreço, a Autora apenas na Acção Judicial de impugnação do acto de adjudicação e como fundamento daquela impugnação alegou a existência de vícios num acto anterior acto de admissão das propostas.
VII. Verifica-se assim que existiu uma aceitação tácita do acto de admissão das propostas.
VIII. A Autora não alegou tempestivamente nenhum daqueles vícios - não fez porque sabia que os mesmos não existiam - como tal não pode impugnar um acto administrativo (o acto de admissão da proposta adjudicatária) quem o tenha aceitado depois de praticado (art. 56° do CPTA).
IX. No que se refere ao art.° 13° do Caderno de Encargos, o TCA fez uma interpretação em sentido diferente do sentido literal da norma e dos respectivos esclarecimentos,
X. Mais atribuir uma consequência - exclusão da proposta - que vai para além do previsto nas regras do concurso.
XI. Recordamos que a apresentação pelos concorrentes de pagamentos antecipados nas suas propostas tinha apenas como consequência a sua não consideração e nada mais.
XII. Em tudo o mais perfilhamos o entendimento da Recorrente, devendo V. Ex.cias admitir o recurso nos termos em que foi apresentado pela requerida A… e ordenar a revogação do Acórdão na parte desfavorável à Recorrente.
Por sua vez a B…, S.A. formulou as seguintes conclusões:
A) O recurso de revista constitui um meio processual excepcional, com pressupostos delimitados e de acesso restrito, não sendo, como pretende a recorrente, a institucionalização de um terceiro grau de Jurisdição;
B) No caso sub iudicio a recorrente faz uma breve, vaga e não substanciada alegação do preenchimento dos requisitos de admissibilidade, tentando, inclusivamente, induzir o Tribunal em erro, no que respeita à questão do relevo social da questão, Porém, é evidente que não estão preenchidos os pressupostos necessários à admissão da revista;
C) Quanto ao critério da importância fundamental, pela relevância jurídica, é evidente que o mesmo não se encontra preenchido, considerando o teor das questões submetidas a juízo;
D) Com efeito, não existe a necessária complexidade das operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à solução do litígio, bem como inexiste a requerida capacidade de expansão da controvérsia (indo além dos limites do caso em apreço e podendo repetir-se num número não determinado de situações futuras), conforme se alegou e demonstrou.
E) Este facto é confirmado no só pela inexistência das características necessárias, mas, também, pela coincidência da situação em apreço com as decisões de recusa de revista a este propósito proferidas pelo STA.
F) Nomeadamente porque: a relevância jurídica é afastada pelo faço da questão já ter sido apreciada por duas instâncias (como foi o caso nos presentes autos); a existência de jurisprudência do TCA e do STA sobre a questão, impede a sua qualificação como de Importância fundamental (como acontece com a questão da insindicabilidade da discricionariedade, nos termos apresentados pela recorrente, bem como com a questão da pretensa inimpugnabilidade do acto final com base em vícios de actos do procedimento);
G) E ainda porque: a invocação de uma omissão de pronúncia das instâncias não logra uma hipótese de Importância fundamental, contrariamente ao que pretende a ora recorrente; a nulidade da sentença impugnada não configura uma situação de importância fundamental; a natureza intrínseca do caso (textura do interesse) e a singularidade, da situação concreta, dificilmente receptível (excludente de Importância doutrinária), afastam a relevância jurídica da questão, o que acorre no caso em apreço, pelos motivos invocados, quer os relativos ao diploma legal em apreço - entretanto revogado -, quer os atinentes ao facto de se tratar da interpretação de factos e normas do um procedimento concursal específico;
H) E, por último, porque: a circunstância da controvérsia exegética se situar ao nível de normas regulamentares e não de normas legais singulariza as questões, retirando-lhes a projecção necessária à qualificação como de Importância fundamental, que é precisamente o que sucede no caso em apreço, visto estarem causa a interpretação de normas materialmente regulamentares;
I) No que respeita ao critério da importância fundamental, pela relevância social, surge como evidente que o mesmo no pode ser encontrado no caso sub iudicio, pese embora o ardil de que se socorre a recorrente;
J) Assim, é evidente que não existe, no caso em apreço qualquer “impacto (positivo ou negativo) gerado no comunidade social”, sendo incontestável que - em adição ao preenchimento de vários motivos que a jurisprudência do STA tem utilizado para recusar o preenchimento do pressuposto em análise - os efeitos jurídicos do caso em apreço não se projectam para além da esfera jurídica do recorrente, o que afasta a relevância social, Isto porque, é só ao recorrente que caberá pagar a indemnização que vier a ser fixada, nada mais está em causa;
K) No que respeita ao último critério do qual depende a admissão do recurso de revista - ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito -, é imperioso concluir pela sua não verificação no caso em apreço, aliás, o recorrente não deixa antever, nas suas alegações, o mínimo indício dessa necessidade, a qual se deveria apresentar como clara e ostensiva;
L) Com efeito, no caso em apreço não se demonstra, como exige a jurisprudência, do STA, uma errada ou má interpretação do direito em termos extremos, que justifiquem a intervenção deste Tribunal. Mais concretamente, não se demonstra, ainda que levemente, a existência de erro judiciário ostensivo, incontroverso ou clamoroso ou de erro manifesto ou grosseiro;
M) Sendo incontroverso que as circunstâncias do caso concreto depõem a favor da inexistência de uma clara necessidade de melhor aplicação do direito, porquanto, a questão não reveste complexidade assinalável, houve coerência no Julgamento nas duas Instâncias - tendo existido ainda uma reforma do Acórdão do TCA Sul. Adicionalmente, sempre se dirá que a mera discordância ou não deferimento das pretensões do recorrente não implica a necessidade de melhor aprcaç5o do direito;
N) Caso assim não se entenda e o recurso seja admitido, o que apenas se pondera por mera hipótese académica, sempre sem conceder, cumpre concluir, desde já, pela manifesta improcedência do recurso apresentado pelo recorrente;
O) Assim, no que respeita à questão da discricionariedade administrativa e a sua insindicabilidade, é notório que o Acórdão recorrido não é violador de qualquer lei substantiva, sendo sem mácula a decisão contida quer no Acórdão do TCA Sul, quer no Acórdão do TAC de Lisboa;
P) Com efeito, o julgamento dos vícios de forma e de violação de lei invocados pela ora recorrida, nomeadamente a falta de fundamentação, bem como a violação de vários artigos do programa de concurso, não corresponde a uma interferência judicial na esfera de discricionariedade técnica da administração; a análise inerente ao julgamento desses vícios pressupunha, tão-somente, a verificação da suficiência da documentação que instrui a proposta adjudicada face aos requisitos regulamentares do programa de concurso;
Q) O teor das alegações da recorrente confirma que os conteúdos não requerem especiais conhecimentos ou qualificações técnicas, sendo antes de índole jurídica os juízos a produzir sobre as diversas questões;
R) Portanto deve este fundamento do recurso ser julgado totalmente improcedente, não existindo no caso qualquer violação de norma substantiva;
S) Quanto à pretensa inimpugnabilidade do Acto de Admissão da proposta da Adjudicatória, assume-se como evidente que a questão é totalmente improcedente, como aliás foi decidido pelo TAC de Lisboa e pelo TCA Sul, não existindo qualquer violação de lei substantiva;
T) De facto, a admissão da proposta adjudicada poderia ser impugnada após o encerramento do acto público e poderia o Júri do procedimento tê-la excluído por a considerar inaceitável, designadamente por motivos de desconformidade legal, como prevê o nº 3 do artigo 106º do Decreto Lei nº 197/99, de 8 de Junho;
U) Sendo certo que, a omissão de pronúncia sobre a admissão da proposta adjudicada no acto público, ou durante a fase de análise, não se traduz numa aceitação do acto, podendo a ora recorrida requerer a exclusão da proposta adjudicada na fase de audiência prévia e podendo fazê-lo, igualmente, na impugnação contenciosa do acto de adjudicação;
V) Quanto à suposta nulidade por omissão de pronúncia, também esta deve improceder, porquanto é manifesto que a recorrida podia, em sede de contra-alegações de recurso para o TCA Sul, ampliar o objecto do recurso ao abrigo do disposto no artigo 684-A, do CPC, tendo o Acórdão recorrido ponderado e analisado todas as questões pertinentes, inexistindo, como tal, qualquer violação de lei processual;
W) Quanto às questões suscitadas na sequência da ampliação do objecto posterior à reforma do Acórdão do TCA Sul, é imperioso concluir, na sequência do supra alegado e demonstrado, que o STA não pode das mesmas tomar conhecimento, pois que estas são fundamentadas na apreciação de factos novos, não fixados em nenhuma das instâncias e que foram ilegalmente trazidos ao processo em sede de reforma, o que dita, simultaneamente, a ilegalidade da reforma, dos factos e da argumentação Jurídica em torno destes elaborada pela recorrente;
X) Assim, fica prejudicada a possibilidade deste Supremo Tribunal conhecer dos vícios sobrantes e que constam do requerimento de ampliação de recurso da recorrente, bem como dos artigos 216º e a 261º, das alegações originais;
Y) Porém, caso seja diverso o entendimento deste Colendo Tribunal - o que apenas se pondera por mera hipótese académica, sempre sem conceder - desde já se adiante que o restante arrazoado da recorrente é manifestamente improcedente;
Z) No que respeita à questão da falta de fundamentação de uma resposta do júri em sede de audiência prévia, é imperioso aderir ao doutamente decidido pelo Acórdão recorrido, não padecendo o mesmo de qualquer contradição, inexistindo, portanto, qualquer violação lei processual;
AA) O Acórdão não é passível de censura porquanto soube reconhecer fundamentação que consiste, singelamente, em dizer “Já respondido na questão anterior”, quando a questão anterior não tinha sido correctamente respondida e tinha um objecto diferente, acarreta inevitavelmente um vício de forma, por falta de fundamentação, particularmente, quando existia a obrigação constante do artigo 109.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho;
BB) Quanto à questão da violação do artigo 13.º do Caderno de Encargos, apreciada pelo Acórdão em crise, que julgou, a este propósito, procedente o vício de violação de lei, afigura-se evidente que tal juízo não merece a censura que lhe imputa a recorrente, sendo insusceptível de extrair do mesmo qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, não se verificando, consequentemente, a nulidade da sentença;
CC) Assim, bem andou, neste particular, o Acórdão em crise porquanto não se deixou confundir pela argumentação da ora recorrente, sabendo reconhecer a existência de pagamentos antecipados em contradição com as normas regulamentares aplicáveis e extraindo daí o necessário vício de violação de lei;
Subsidiariamente, ampliando o âmbito do recurso.
DD) A reforma do Acórdão do TCA Sul foi ilegal, porquanto o fundamento legal para a sua interposição e admissão - o artigo 669º, nº 2, do CPC - é inaplicável ao caso em apreço, na medida em que cabia recurso do Acórdão, portanto, foi violada a norma processual referida, bem como a competência do Tribunal de recurso, ou seja, o STA;
EE) Em qualquer caso, ainda que seja diverso o entendimento, o que apenas se pondera por mera hipótese académica, sempre sem conceder, a reforma operada sempre teria de ser revogada por violação do disposto no artigo 669.º, n.º 2, na medida em que não se enquadra no âmbito da reforma, mesmo com o recorte normativo que lhe é atribuído pelo artigo 669.º, nº 2, do CPC, a fixação e valoração de matéria de facto que nunca tinha sido apreciada ou, sequer, alegada;
FF) Adicionalmente, o Acórdão recorrido merece censura na medida em que viola lei substantiva, na medida em que julgou improcedente o grosso da argumentação da recorrida acerca do vício de forma, por falta de fundamentação;
GG) Com acórdão recorrido julgou incorrectamente a improcedência do vício de forma por falta de fundamentação apesar das flagrantes insuficiências evidenciadas nos relatórios produzidos pelo júri, nomeadamente quando se evidenciam umas partes das propostas, e se omitem outras, quando se atribuem valores sem justificar os juízos de avaliação, quando não se procede à avaliação do mérito absoluto das propostas, quando se sustentam contradições entre a apreciação qualitativa e a pontuação e quando se extravasam os conteúdos da proposta adjudicada (manutenção) para habilitar a atribuição de uma determinada pontuação;
HH) Pelos motivos expostos, o Acórdão recorrido incorreu em violação de lei substantiva, nomeadamente, do disposto no artigo 125º, do CPA e no artigo 268º, nº 3, da CRP;
II) O acórdão recorrido julgou incorrectamente a omissão da densificação dos critérios de avaliação (C2 e C3), apesar de ser evidente a atribuição de pontuações com valores intercalares que não se enquadram na grelha de pontuação definida, sendo impossível perceber quando e como foram fixados os critérios de avaliação que permitiram chegar a esses valores intercalares;
JJ) Assim, ao julgar improcedente o vício de violação de lei apontado, o Acórdão recorrido compactuou com tal violação, quer isto significar, que o Acórdão recorrido violou, na questão em apreço, lei substantiva - nomeadamente o art.º 94.º do DL 197/99, de 8/06, bem como os demais princípios da actividade avaliativa mencionados, todos eles consagrados no diploma identificado e, bem assim, no CPA e no artigo 266.º, n.º 2, da CRP - sendo, como tal, necessário submete-lo à revista deste Supremo Tribunal;
KK) O TCA Sul não podia em sede de reforma do acórdão julgar improcedente o vício de violação de lei, por violação do artigo 11º do caderno de encargos, que anteriormente tinha julgado procedente, sustentando-se para tal na consideração de factos novos insusceptível de averiguação em sede de revista;
LL) Neste sentido a decisão de julgar improcedente o vício de violação de lei, por violação do 11º n.º 1 e 4 do Caderno de Encargos, é fruto de uma violação de lei processual, nomeadamente, o disposto no artigo 669.º, n.º 2, do CPC, o que dita a necessidade da sua submissão a revista deste Supremo Tribunal;
MM) Em qualquer caso, sempre o Acórdão seria violador de lei substantiva, por violação do princípio da legalidade;
NN) Isto porque, a possibilidade de valoração do esclarecimento mencionado pela recorrente não altera os dados da questão, ou seja, o esclarecimento é uma figura legalmente delimitada, que se assume como insusceptível de operar alterações radicais na filosofia e nas disposições das peças patenteadas pela entidade adjudicante. Esta limitação decorre não só da natureza do esclarecimento, como também da natureza do sujeito que o emite, a saber, o júri.
OO) Portanto, verifica-se uma dupla violação das normas procedimentais por parte do júri (a primeira ao emitir esclarecimentos que extravasam a sua competência, a segunda ao admitir uma proposta que viola inequivocamente o caderno de encargos), a qual foi sancionada pelo Acórdão recorrido na versão que resultou da reforma, o que determina que este aresto viole lei substantiva.
PP) NESTES TERMOS,
E nos mais de direito que os Colendos Conselheiros, doutamente, suprirão, deve:
a) o recurso de revista ser julgado inadmissível, por não preenchimento dos pressupostos previstos na artigo 150.º, n.º 1, do CPTA; ou, caso assim não se entenda,
b) O presente recurso de revista ser julgado improcedente, por não provado; mantendo-se a decisão contida no Acórdão recorrido; ou, subsidiariamente,
c) Ser julgado procedente, por provado, a matéria constante da ampliação do objecto realizada pela recorrida, designadamente as diversas violações de lei substantiva e lei processual;
d) Confirmando-se, em qualquer caso, e de forma definitiva, a ilegalidade da adjudicação, com os efeitos legais daí emergentes, designadamente com o pagamento de uma indemnização à ora recorrida
A Ex.ma Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento do recurso por ter considerado que não se verificava nenhum dos vícios imputados ao acto impugnado e que, por isso, o Acórdão incorrera em erro de julgamento quando entendeu que aquele violara o art.º 13.º do Caderno de Encargos e que não estava fundamentado.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
I. MATÉRIA DE FACTO
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
a) Por anúncio publicado a 3/10/2007, a A… lançou o Concurso Público para o “Fornecimento, Instalação, Colocação em serviço, Manutenção de Sistemas de Bilhética e de Localização Automática de Veículos” (al. A) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido).
b) O Programa de Concurso e o Caderno de Encargos constam do processo instrutor, dando-se aqui por integralmente reproduzidos os seus teores (al. B) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
c) O anúncio do concurso foi objecto de rectificação relativamente aos “sectores especiais”, cujo anúncio foi enviado para publicação em 31/10/2007 e consta do dossier II do processo instrutor (al. C) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
d) Foram prestados, pela entidade adjudicante, esclarecimentos solicitados no âmbito do concurso em referência (conforme documento de 29 páginas junto ao dossier II do processo instrutor, posteriormente enviados), constando do anúncio de rectificação referido na alínea anterior que os mesmos haviam sido prestados e estavam juntos ao respectivo processo de concurso, de que foram notificados os concorrentes (al. D) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
e) Os esclarecimentos referidos foram, ainda, objecto de rectificação no que respeita às respostas dadas às questões 62 e 72 e, posteriormente, às questões 47 e 63, que constituíram o seu objecto (al. E) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
f) Ao Concurso referido apresentaram propostas os seguintes concorrentes:
Concorrente n° 1 – B…, S.A;
Concorrente n° 2 – D…, S.A;
Concorrente n° 3 – E…, S.A;
Concorrente n°4 – C’…, S.A;
Concorrente n° 5 – F…,
Concorrente n° 6 – G…, SA (al. F) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
g) As propostas dos concorrentes mencionados na alínea antecedente, encontram-se juntas ao processo instrutor apenso, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu conteúdo e todos os documentos às mesmas anexos (al. G) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
h) No acto público do concurso, iniciado a 6/12/2007, foram admitidos todos os concorrentes, com excepção do Concorrente n.° 6, que foi admitido condicionalmente, em virtude de não ter apresentado o documento exigido no ponto 1.22 do n.° 1 do art. 19.º do Programa de Concurso (al. H) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
i) O acto público foi reaberto no dia 11/12/2007, tendo o júri comunicado a admissão do Concorrente n° 6, uma vez que este havia apresentado tempestivamente o documento em falta (al. I) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
j) Após a abertura dos invólucros contendo a “Proposta”, foi, pelo júri, decidido admitir todos os concorrentes, com excepção do concorrente n° 6, uma vez que este não tinha apresentado a sua Proposta (al. J) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
k) O concorrente n° 6 apresentou recurso hierárquico dessa deliberação de exclusão, o qual foi indeferido, conforme foi comunicado aos restantes concorrentes na reabertura do acto público, entretanto interrompido, no dia 20 de Dezembro de 2007 (al. L) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
l) Concedido pelo júri, na reabertura do acto público, prazo para a consulta das várias propostas, foi pelo concorrente n.° 4 apresentada reclamação contra a admissão de várias propostas, entre elas a da A., por, designadamente, as declarações abonatórias por esta apresentadas não deveriam ser consideradas válidas (al. M) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
m) A reclamação foi indeferida, por entender o júri do concurso não ser o acto público o momento certo para averiguação daquela validade, tendo a final sido admitidas as propostas de todos os concorrentes, com excepção da proposta do concorrente n° 6 (al. N) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
n) Em 14/3/2008, o júri procedeu à análise das propostas e elaborou o “Projecto de Relatório de Análise de Propostas” que consta do dossier I do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, designadamente, a ordenação dos concorrentes para efeitos de adjudicação, na qual a A. surge classificada em 2º lugar (al. O) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
o) Notificados para audiência prévia, a A. apresentou a sua pronúncia, nos termos do documento composto por 41 páginas, juntos no dossier I do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (al.ª P) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
p) Em 2/6/2008, o júri do concurso elaborou o “Relatório de Análise de Propostas”, do concurso referido em a), que consta do dossier I do processo instrutor e que aqui se considera integralmente reproduzido, no qual o júri conclui com a proposta de adjudicação do “Fornecimento, Instalação, Colocação em Serviço e Manutenção de Sistemas de Bilhética e de Localização Automática de Veículos” ao concorrente “C’…, S.A.” e “C…, S.A.”, pelo valor de 13.966.029,30 Euros (al. Q) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
q) A proposta mencionada em p) veio a ser aprovada pelo Conselho de Administração da A…, por deliberação de 16/6/2008 (al. R) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
r) Em 16/7/2008, foi celebrado o “Contrato de Fornecimento, Instalação, Colocação em Serviço e Manutenção dos Sistemas de Bilhética e de Localização Automática de Veículos” a que se reporta o concurso dos autos, conforme documento constante do dossier III do processo instrutor e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
s) O presente processo foi instaurado no TAC em 18/8/2008 (al. T) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido);
t) À data do acórdão recorrido, o contrato mencionado em r) estava já em fase final de execução, tendo sido apresentado em Dezembro de 2008 o protótipo, as especificações foram realizadas em Abril de 2009, realizada a demonstração em Junho, estando prevista a instalação em todos os autocarros em Agosto para estarem em pleno funcionamento os equipamentos em Dezembro de 2009 (al.ª U) dos factos considerados provados pelo acórdão recorrido).
II. O DIREITO.
“B…, S.A.” propôs, no TAC de Lisboa, contra a “A…”, acção de contencioso pré contratual pedindo a anulação do acto de adjudicação praticado pelo Conselho de Administração daquela e do respectivo contrato de fornecimento se este já tiver sido celebrado, bem como a exclusão da proposta apresentada pelo Agrupamento composto pela “C’…, S.A.” e “C…, S.A.” e a condenação da Ré a proceder à adjudicação do serviço concursado à Autora.
O referido Tribunal julgou improcedentes não só as questões prévias e excepções suscitadas como também a esmagadora maioria dos vícios assacados àquele acto - afirmando, designadamente, que o mesmo não violava o disposto nos art.ºs 11.º e 13.º do Caderno de Encargos nem que carecia de fundamentação – mas entendeu, no entanto, que o mesmo infringia o disposto no art. 19.º, n.ºs 1.11, 1.12 e 1.13 do Programa do Concurso - visto a proposta do agrupamento adjudicatário não conter a discriminação dos preços por operador como aquele normativo exigia – o que deveria conduzir não só “à anulação do procedimento concursal com as inevitáveis consequências ao nível da invalidade do acto subsequente de adjudicação e de celebração do contrato” mas também à prolação de um novo acto que adjudicasse à Autora, posicionada em 2.º lugar, o serviço concursado.
Todavia, e porque o contrato celebrado na sequência da adjudicação do serviço posto a concurso já estava em fase final de execução (al.ª t) da matéria de facto), o que impossibilitava o deferimento de parte do pedido formulado nesta acção, ordenou - a coberto no disposto no art. 102.º/5 do CPTA - a notificação das partes para, no prazo de 20 dias, acordarem no valor da indemnização.
A A… recorreu para o TCAS pedindo a revogação daquela decisão por considerar que o procedimento concursal não estava ferido de qualquer vício susceptível de determinar a sua anulação – designadamente o da violação do disposto no art.º 19.º do Programa do Concurso – o que levou a Autora, em contra alegações, a requerer a ampliação do âmbito do recurso para se procedesse à reapreciação dos vícios invocados na petição inicial que foram considerados improcedentes.
O Acórdão recorrido considerou inexistente o vício que o Tribunal de 1.ª instância julgou verificado - já que os preços apresentados pelo concorrente vencedor tinham sido discriminados por Operador e, por isso, o disposto no art.º 19.º do Programa do Concurso não fora infringido – mas, em contrapartida, considerou ter havido violação do disposto nos art.ºs 11.º e 13.º do Caderno de Encargos e no art.º 125.º do CPA o que o levou a confirmar a decisão recorrida, ainda que com fundamentação diversa.
De novo inconformada a A…, no mesmo requerimento, interpôs esta revista e solicitou (ao abrigo do disposto no art.º 669.º/2/a) do CPC) a reforma do Acórdão.
O TCAS proferiu novo Acórdão considerando que a Recorrente tinha razão pois, ao contrário do decidido, a proposta da Adjudicatária não violava o art.º 11.º do Caderno de Encargos pelo que reformou o Acórdão recorridona parte em que julgou procedente o referido vício de violação do art.º 11.º do Caderno de Encargos, mantendo-se na parte restantes, inclusive quanto à sua parte dispositiva.”
Notificada desta decisão a A… entendeu que a reforma do Acórdão tinha alterado parcialmente a fundamentação do Acórdão recorrido pelo que formulou novas conclusões.
Contra alegando o recurso e a sua ampliação, a Autora reputou de ilegal a Reforma do Acórdão por duas ordens de razões; a primeira, por considerar que aquela Reforma só teria cabimento se do primeiro julgamento não coubesse recurso – o que não era o caso visto o Acórdão poder ser atacado através do recurso de revista - depois, porque, a inexistir a possibilidade de recurso, a Reforma só era possível nas hipóteses previstas no n.º 2 do art.º 669.º do CPC e estas não ocorriam.
E, no tocante ao seu mérito, considerou que o recurso, pelas razões expostas nas conclusões da contra alegação, devia ser improvido.
A revista foi admitida por ter sido entendido que a matéria nela controvertida tinha a relevância jurídica e social suficiente para justificar a intervenção deste Tribunal.
Vejamos, pois, começando-se, por uma questão de precedência lógica, pela questão de saber se a Reforma do Acórdão pode ser tomada em consideração.
1. Nos termos do art.º 666.º do CPC proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa (n.º 1) sendo-lhe, porém, lícito rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la nos termos dos artigos seguintes (n.º 2).
Todavia, a reforma da sentença só pode ter lugar quando da sentença não caiba recurso (art.º 669.º/2 daquele Código) o que bem se compreende na medida em que a mesma se destina à substituição de uma decisão ferida por erro de julgamento por uma outra consoante à lei e existindo a certeza de que dela cabe recurso e de que este será admitido será nele que aquela alteração deve ser requerida e decidida. O que quer dizer que a proibição da reforma da sentença tem como pressuposto a possibilidade da sua alteração pelo Tribunal ad quem e, portanto, a certeza de que o recurso será admitido.
Do Acórdão recorrido apenas cabia revista e, porque assim é, a primeira questão que se nos coloca é a de saber se o Tribunal a quo podia proceder à sua reforma.
Todavia, independentemente da resposta a dar a essa interrogação, certo é que o Tribunal Recorrido não podia reformar a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, uma vez que se não verificavam os pressupostos que pudessem conduzir ao seu deferimento.
E isto porque esse deferimento só podia ter lugar se ocorresse uma de duas concretas circunstâncias: por um lado, ter havido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos [art.º 669.º/2/a)] e, por outro, constar do processo qualquer meio de prova que, só por si, implicasse necessariamente decisão diversa da proferida [art.º 669.º/2/b)].
Ora, no caso, nenhuma dessas circunstâncias ocorria.
Em primeiro lugar, porque o erro de julgamento que o Tribunal a quo quis reformar não decorreu de erro na determinação da norma aplicável e, depois, porque não se vê nem está alegado que tivesse havido inconsideração de qualquer meio de prova que determinasse decisão diferente da proferida. De resto, e neste particular, o Tribunal a quo julgou apenas com os factos que o Tribunal de 1.ª instância havia fixado, não tendo procedido a qualquer alteração nessa matéria por a ela não haver lugar.
1. 1. A Reforma do Acórdão recorrido foi, assim, ilegal o que tem como consequência a não consideração da decisão nele proferida relativa à violação do disposto no art.º 11.º do Caderno de Encargos e a necessidade de reanalisarmos essa questão por forma a ficar-se a saber se foi acertada a decisão que julgou ilegal o acto impugnado por ele ter violado a identificada disposição.
E, por outro lado, tem como consequência a inadmissibilidade da ampliação do objecto do recurso requerida pela A… nas alegações e conclusões formuladas na sequência da notificação da mencionada Reforma.
O Acórdão de 18/11/2010, que procedeu à Reforma, será, assim, entendido como uma decisão que presta, apenas e tão só, esclarecimentos sobre o Acórdão recorrido.
2. A A… inicia o seu recurso sustentando, de uma forma prolixa, complexa e confusa, que o Acórdão era nulo, por um lado, por omissão de pronúncia e, por outro, por a sua decisão estar em oposição com a respectiva fundamentação.
Era nulo por omissão de pronúncia uma vez que “não tinha apreciado argumentos, em seu entender, importantes na apreciação das questões suscitadas pela Recorrida” aquando da sua resposta à ampliação do âmbito do recurso interposto da decisão do Tribunal de 1.ª instância, designadamente as relativas à “excepção do incumprimento do artigo 685-B, n.º 5, do CPC, quer quanto ao alegado vício de forma por falta de fundamentação, quer quanto à apreciação da questão relativa à violação do artigo 11.º do Caderno de Encargos, por não se encontrarem indicados nas alegações da Recorrida os concretos pontos de facto incorrectamente julgados e concretos meios probatórios que imponham decisão diversa; demonstrou ainda o sentido das normas a aplicar evidenciou a jurisprudência mais relevante; demonstrou a completude das respostas conferidas pelo Júri em sede de Audiência Prévia e o cumprimento dos artigos 11º e 13º do Caderno de Encargos.” (conclusão 72.ª).
O que significa que esta imputação de nulidade se concentra no facto do Acórdão, ao admitir a ampliação do recurso interposto pela B… e ao apreciar as questões nela suscitadas, ter ignorado parte dos argumentos que a Recorrente suscitou a tal propósito.
Mas não tem razão.
E isto porque o disposto no art.º 668.º/1/d) do CPC só obriga o Juiz a pronunciar-se sobre as questões que as partes suscitaram o que significa que este vício decorre do facto do Tribunal ignorar alguma das questões suscitadas e não de ignorar parte dos argumentos que de as partes se serviram na defesa das suas teses, sabendo-se, como se sabe, que uma coisa são as questões submetidas à apreciação do Tribunal e outra são os argumentos usados em sua defesa e só aquelas terem de ser conhecidas (Vd. J. A. Reis, CPC Anotado, vol. V, pg. 143.).
Deste modo, estando em causa não o conhecimento das questões suscitadas no âmbito da ampliação do referido recurso mas, como a própria Recorrente reconhece, apenas e tão só, o não conhecimento de todos os argumentos que ela usou na discussão dessas questões, é manifestamente improcedente esta arguição de nulidade.
2. 1. A Recorrente sustenta, também, que o Acórdão era nulo por a sua decisão contradizer a respectiva fundamentação.
Mas também aqui sem razão.
É sabido que a sentença deve ser uma peça processual clara, lógica e coerente visto que, sendo a sua finalidade a prolação de uma decisão que defina o direito e estabeleça a paz jurídica numa relação conflituosa, esse desiderato só pode ser alcançado se a mesma tiver aquelas qualidades, visto só assim se conseguir que as partes se convençam da sua bondade e se conformem com o decidido. E, porque assim é, a mesma tem de assentar num raciocínio estruturado e lógico onde a factualidade e o discurso jurídico sejam concordantes com a decisão. Se tal não suceder e se, portanto, a fundamentação, de facto ou de direito, apontar num sentido e a decisão expressar um resultado oposto ao que dela decorre a lei sanciona esse vício com a nulidade da sentença (art. 668.º/1/c) do CPC).
O que quer dizer que esta nulidade só tem lugar quando a decisão ferir a lógica dos seus fundamentos, que os contradiga, que os afronte, pois de contrário poderá haver erro de julgamento mas não haverá oposição entre fundamentos e decisão e, por conseguinte, não haverá nulidade de sentença. – Vd. J.A. Reis, CPC Anotado, vol. V, pg. 141.
No caso, é evidente que essa oposição, essa contradição, não existe uma vez que em parte alguma a fundamentação do Acórdão aponta numa direcção que a sua decisão veio contrariar.
De resto, se bem observarmos, o que a Recorrente verdadeiramente questiona quando evoca a nulidade do Acórdão é a bondade da fundamentação da sua decisão e, portanto, o erro do seu julgamento e não a omissão de pronúncia ou a contradição entre fundamentação e decisão.
Improcede, nesta parte, o recurso.
3. A Recorrente defende também que o Acórdão errou ao debruçar-se sobre a avaliação das propostas visto tal matéria estar inserida nos poderes discricionários do Júri e de, nessa matéria, ao Tribunal estar reservado “apenas o controle da legalidade, sendo excluído dos seus poderes de conhecimento o controle de mérito.” E, porque assim era, e porque, no caso, não se encontrava no Relatório do Júri nenhum erro grosseiro ou qualquer desadequação com o fim legal o juízo que o Tribunal fez relativamente àquela avaliação é inaceitável visto esta não poder ser objecto de sindicância judicial. Tanto mais quanto era certo que o Acórdão não aludia à prática de qualquer erro grosseiro na actividade do Júri, nem que a audiência prévia tivesse sido postergada sendo certo, por outro lado, que, invés do decidido, a decisão impugnada estava devidamente fundamentada.
Vejamos se litiga com razão.
É verdade que o Tribunal a quo entendeu que a discricionariedade de que a Administração gozava na apreciação e valoração das propostas não podia ser objecto de sindicância plena mas que isso não prejudicava a sindicabilidade dos vícios respeitantes a aspectos legalmente vinculados do concurso, “além de sempre ser permitido sindicar os juízos de mérito com fundamento na existência de erro grosseiro”, e, por ser assim, apreciou os vícios alegados respeitantes a aspectos vinculados do concurso – designadamente, a falta de fundamentação do acto, o incumprimento da formalidade da audiência prévia do interessado e o desrespeito dos requisitos exigidos para a apresentação de proposta em concurso público.
E ao assim proceder o Acórdão não cometeu qualquer ilegalidade.
Com efeito, - como a jurisprudência deste STA tem repetido - a valoração e pontuação das propostas em procedimento concursal insere-se na “margem de livre apreciação” ou das “prerrogativas de avaliação” atribuída à entidade que a elas procede a qual, para uns, “decorre do exercício da chamada discricionariedade técnica, ou do puro exercício de um poder discricionário” e, para outros, da aplicação “de conceitos vagos, elásticos ou indeterminados, para cujo preenchimento, a administração emite juízos de valor de carácter eminentemente técnico-especializado, juízos de prognose de experiência, com intervenção de necessários elementos subjectivos.” E, porque assim era, quando nessa actividade estivesse apenas em causa “a apreciação de conceitos naturalísticos, de pura dedução lógico-formal, compreende-se que o tribunal não faça um controlo jurisdicional pleno, não indo além da dimensão garantística ou formal da decisão administrativa, não podendo, (.......), substituir pelos seus os juízos e as valorizações empreendidas pela administração.” – Acórdão deste STA 20.3.03 (rec. n.º 1561/02).
Todavia, nunca essa jurisprudência pretendeu que os actos praticados pela Administração ao longo do procedimento concursal fossem insindicáveis ou que o controle judicial dessa actividade fosse residual, limitado aos seus aspectos meramente formais – como, por ex., será o caso da falta fundamentação do acto ou do incumprimento da audiência prévia.
E isto porque a Administração tem de observar os princípios gerais que enformam o procedimento concursal - designadamente os da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade – os quais não estão isentos de sindicância contenciosa e, por isso, e logo aí, o Tribunal tem o dever de verificar o seu cumprimento.
Para além disso estão também sujeitos a controle judicial os erros grosseiros ou manifestos sendo que, para estes efeitos, “erro grosseiro ou manifesto é um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de reflectir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de actuação não vinculadas” [Acórdão de 11/05/2005 (rec. 330/05)].
O que quer dizer que se, como regra, podemos afirmar a insindicabilidade contenciosa da decisão de avaliação e valoração das propostas por parte das Comissões de Avaliação quando ela decorre da “livre apreciação” ou de “prerrogativa de avaliação” sobretudo em domínios de especialização técnica, também podemos ter como certo que aqueles actos valorativos, bem como a actividade administrativa que lhe está a montante, são judicialmente impugnáveis desde que estejam feridos por vícios decorrentes da violação dos princípios gerais que enforma a actividade administrativa ou por erro grosseiro ou manifesto.
No caso, foram alegados vícios respeitantes a aspectos legalmente vinculados do procedimento - a falta de fundamentação, o incumprimento da formalidade da audiência prévia do interessado e o desrespeito por normas vinculantes do Programa do Concurso e do Caderno de Encargos – isto é, vícios judicialmente impugnáveis por serem respeitantes à violação do princípio da legalidade, nada existindo, por outro lado, que nos permita pensar que a Autora aceitou, expressa ou tacitamente, o acto de adjudicação depois de este ter sido praticado e de que, por isso, não será lícito fazer uso do disposto no art.º 56.º do CPTA.
Daí que nesta matéria o recurso improceda.
4. A Recorrente sustenta também que o Acórdão errou quando afirmou que o acto de adjudicação podia ser atacado com a alegação de vícios que deviam conduzir à rejeição da proposta – isto é, respeitantes à sua fase da admissão - já que, tendo a proposta sido admitida e não tendo essa admissão sido atempadamente impugnada, a mesma consolidara-se na ordem jurídica como caso resolvido.
Mas também aqui não tem razão.
Com efeito, como este Supremo tem dito uniformemente as “as reclamações e recursos administrativos dos actos do júri, no âmbito dos concursos de aquisição de bens e serviços regulados pelo DL 197/99 são sempre facultativos, como decorre quanto às reclamações dos artigos 101.º n.° 7; 103.° n.° 5 e 104.° n.° 6 e quanto aos recursos do disposto nos artigos 180.° n.° 1 e 184.° n.° 1. Efectivamente as normas aplicáveis nunca referem que haverá reclamação de certo acto, mas apenas que o júri delibera «sobre as eventuais reclamações» e quanto ao recurso as normas apontadas dizem de forma directa que é sempre meramente facultativo.” – Acórdão de 1/02/2005 (rec. 48/05) (No mesmo sentido vd. Acórdão de 25/04/2002 (rec. 651/03).).
Daí que nenhuma censura mereça o Acórdão quando afirmou que “no regime do D.L. n.º 197/99, de 8/6, as impugnações que podem ser deduzidas no acto público do concurso contra a admissão de qualquer concorrente ou proposta têm carácter facultativo e não necessário [cfr. art. 99°., n.º 2, al.ª. c) e d)], pelo que não se pode entender que a admissão de uma proposta não impugnada se tornou firme na ordem jurídica como caso resolvido, impossibilitando o ataque contencioso do acto de adjudicação com fundamento na ilegalidade do acto de admissão. Este entendimento é, aliás, o que está de acordo com o facto de o regime especial consagrado na legislação sobre concursos para a impugnação graciosa dos actos preparatórios ter por base não a intenção de criar um sistema que dificulte a impugnação contenciosa final, mas antes o de criar um sistema mais expedito do que o consagrado no CPA que permita à entidade adjudicante rever as decisões tomadas em tempo útil e, assim, evitar adjudicações ilegais, tratando-se, pois, «de defender os direitos dos concorrentes e o interesse público, prevenindo actos finais irregulares, e não de restringir o âmbito das ilegalidades a discutir no recurso contencioso, pela imposição aos particulares de um ónus de impugnação prévia graciosa» (cfr. Margarida Cabral in “O Concurso Público nos Contratos Administrativos”, 1997, pág. 174).”
Não exigindo, assim, a lei que o acesso à via contenciosa dos eventuais lesados em concursos públicos seja precedido de reclamação ou recurso administrativo da admissão das propostas e, portanto, não podendo valer o silêncio sobre essa admissão como a sua aceitação, a impugnação judicial desta admissão poderá ser feita na impugnação do acto final de adjudicação, atento o princípio da impugnação unitária.
5. A Recorrente censura, ainda, o Acórdão por ele ter anulado acto impugnado com fundamento em violação do art.º 13.º do Caderno de Encargos.
Para decidir desse modo o Acórdão considerou que, ao invés do estatuído naquele normativo, o “Cronograma Financeiro e Plano de Pagamentos” da Proposta vencedora previa a realização de “pagamentos antes das recepções provisórias por operador dos sistemas (nomeadamente que, em Setembro de 2008, se realizem pagamentos como contrapartida da entrega do “Plano Preliminar de Engenharia” e do “Projecto de Pormenor”) e que as recepções provisórias são feitas por sobressalentes, Software, equipamentos embarcados e equipamentos não embarcados, não estando, por isso, relacionadas com os sistemas a que alude o referido art. 11.º mas com os componentes do sistema.” Ou seja, a Proposta vencedora violava o citado preceito por propor que os pagamentos do “Plano Preliminar de Engenharia” e “Projecto de Pormenor” e dos elementos que compunham os sistemas pudessem ser feitos antecipadamente relativamente às recepções provisórias por operador dos sistema, isto é, que contrariamente ao estabelecido, se pudesse proceder a pagamentos independentemente da recepção provisória dos sistemas.
Tal importava a ilegalidade daquela Proposta e a consequente impossibilidade da mesma poder ser posicionada em 1.º lugar no concurso.
Será que ao assim decidir o Acórdão fez correcto julgamento?
Vejamos.
6. O concurso ora em causa, aberto pela A…, destinou-se a seleccionar um concorrente a quem seria entregue o “fornecimento, instalação, colocação em serviço e manutenção de Sistemas de Bilhética e de Localização Automática de Veículos” tendo nele sido estabelecido que os concorrentes deveriam “ter em consideração que a concepção e o planeamento do projecto deverá prever a entrada de subsistemas de Vendas e Validação de forma autónoma, antes do arranque do Sistema de Bilhética em termos globais...” (art.º 1.º do Caderno de Encargos).
E o art.º 17.º do Programa do Concurso fixou:
“1. A Proposta deverá cingir-se às condições estipuladas pela A… no presente documento, bem como nas restantes peças do concurso.
2. Ter-se-ão por não escritas quaisquer condições divergentes das estipuladas no Programa de Concurso e Caderno de Encargos que constem da proposta ou de qualquer outro documento apresentado pelo concorrente que, designadamente, alterem, excluam ou limitem a responsabilidade dos concorrentes perante terceiros ou retirem do âmbito da proposta elementos do fornecimento incluídos no objecto do concurso.
3. Se da não consideração de tais condições resultar uma proposta que não dê integral cumprimento ao exigido no Programa de Concurso e Caderno de Encargos, será a mesma obrigatoriamente excluída.”
No tocante aos preços, o mesmo Programa exigia - art.º 19.º, n.º 1 - que a proposta fosse acompanhada dos seguintes documentos:
“1.11 — Preço do Sistema de bilhética, com discriminação por operador dos preços unitários e total dos equipamentos integrantes de cada subsistema, e decomposto no valor dos equipamentos, instalação e software.
1.12 — Preço do sistema de localização automática de veículos, com discriminação por operador beneficiário dos preços unitários e total dos equipamentos.
1.13 — Preço global da prestação de serviços de manutenção por operador beneficiário dos sistemas de bilhética e de localização automática de veículos como um todo, pelo período de 3 (três) anos”.
No que tangia a pagamentos, o art.º 13.º do Caderno de Encargos estatuía:
“1. Os preços indicados nas Propostas serão entendidos para pagamento a sessenta (60) dias da data da factura, sendo esta emitida a partir da data de Recepção Provisória por Operador dos sistemas.
As facturas só poderão ser emitidas após a conclusão e as recepções provisórias parcelares dos trabalhos a que correspondem.
§ Único - Não serão considerados pagamentos antecipados em relação às respectivas Recepções Provisórias por Operador dos sistemas.” (O que, de resto, estava de acordo com o art.º 11.º do Programa do Concurso onde se estabelecia que “Nas condições de pagamento a apresentar pelos Concorrentes não podem ser propostos adiantamentos por conta dos bens a fornecer.”)
6. 1. Resulta das normas acabadas de transcrever que as Propostas deviam conter não só um Sistema de Bilhética global (especificado no art.º 23.º do Caderno de Encargos) e de um Sistema de Localização Automática de Veículos (especificado no art.º 25.º do mesmo Caderno) como também prever a existência de subsistemas de Vendas e Validação cuja entrada em funcionamento se faria antes ainda do arranque do Sistema de Bilhética global (A indicação dos subsistemas encontrava-se no art.º 27.º onde estavam previstos os subsistemas de Venda a Bordo, de Validação, de Registo e Transmissão de Dados, de Localização Embarcado, de Fiscalização, de Colecta de Dados, de Prestação de Contas, de Venda e Carregamento, de Venda e Carregamento Automático, Subsistema Central e Subsistema de Localização Central.) (art.º 1.º do Caderno de Encargos).
E que tais Propostas deviam cingir-se às condições fixadas nas diversas peças do Concurso pois o incumprimento desse dever e a apresentação condições divergentes das estipuladas conduzia a que se tivessem por não escritas essas condições - e, portanto, à admissão e apreciação dessas Propostas expurgadas desses pontos - salvo se as condições estranhas àquelas peças se traduzisse na apresentação de uma proposta que não dava integral cumprimento ao que tinha sido estabelecido, situação que determinava a exclusão da Proposta (art.º 17.º do Programa do Concurso).
Por outro lado, porque o art.º 19.º do Programa do Concurso exigia que o preço do Sistema de Bilhética discriminasse, relativamente a cada Operador, os preços unitários e o preço total dos equipamentos integrantes de cada subsistema, com decomposição do valor dos equipamentos, instalação e software, e porque a redacção de tal preceito causava dificuldades de entendimento foram solicitados esclarecimentos acerca do seu significado tendo o Júri respondido que “Sendo mencionada a decomposição dos preços por equipamentos, instalação e software podem ser integradas outras rubricas a livre critério dos concorrentes.” (Vd. pergunta 8 no Dossier II.) O que quer dizer que, no preço do Sistema de Bilhética, as Propostas deviam discriminar, por Operador, não só os preços unitários mas também os preços dos equipamentos integrantes de cada subsistema, devendo ser decompostos os valores de tais equipamentos, da instalação e do software e podendo, além disso, ser integradas outras rubricas - isto é, outros componentes determinantes do preço - que contribuíssem para a formação deste. Ponto era que a Proposta indicasse um preço global pois que este, nos termos do transcrito art.º 26.º, C1, do Programa do Concurso, era um dos critérios fundamentais na sua avaliação
E o art.º 13.º do Caderno de Encargos prescrevia que o pagamento dos preços referentes aos Sistemas ocorreria nos sessenta dias posteriores à data da factura e que a emissão desta só poderia ter lugar a partir da sua recepção provisória pelo Operador após a conclusão dos trabalhos que lhes correspondiam (isto é, após a sua completa instalação), não sendo considerada a possibilidade de pagamentos antecipados em relação às respectivas Recepções Provisórias por Operador dos sistemas.
Todavia, como o art.º 1.º daquele Caderno previa a possibilidade da entrada em funcionamento do subsistemas de Vendas e Validação de forma autónoma, antes ainda do arranque do Sistema de Bilhética global, e como aquele art.º 13.º nada previa acerca do pagamento destes subsistemas, foram pedidos esclarecimentos acerca do que se devia entender por recepções parcelares provisórias e sobre o modo de facturação tendo o Júri respondido que “recepções provisórias parcelares são as recepções de subsistemas dentro de um operador” e que “pode-se facturar por cada recepção parcelar, sendo a mesma paga no prazo de 60 dias” (Vd. pergunta 1 no Dossier II.). O que quer dizer que, nos termos dos sobreditos preceitos - com os esclarecimentos prestados pelo Júri - o que se proibia era o pagamento antecipado em relação às recepções provisórias dos sistemas e subsistemas e que nada impedia que os subsistemas instalados pudessem ser facturados antes do arranque do Sistema de Bilhética global, desde que eles fossem provisoriamente recepcionados pelo Operador onde foram instalados.
7. A Adjudicatária incluiu na sua Proposta um «Cronograma Financeiro e Plano de Pagamentos», onde englobou o seu Plano de Facturação, nele se prevendo, para o mês de Setembro de 2008, a facturação do «Plano Preliminar de Engenharia», do «Projecto de Pormenor» e da «Recepção Provisória do Software» o que o Acórdão considerou ilegal por constituir violação do art.º 13.º do Caderno de Encargos – neste não se admitia a possibilidade de pagamentos antes das recepções provisórias dos sistemas e os pagamentos do «Plano Preliminar de Engenharia» e do «Projecto de Pormenor» não estavam dependentes de recepções provisórias e, além disso, as recepções provisórias mencionadas naquele Cronograma referiam-se ao software, aos sobressalentes, aos equipamentos embarcados e aos equipamentos não embarcados e estes não podiam ser qualificados como subsistemas visto serem componentes dos sistemas.
Mas este entendimento não tem fundamento legal.
Com efeito, e desde logo, muito embora fosse certo que, nos termos do art.º 17.º do Programa do Concurso, as Propostas tivessem de se cingir às condições estipuladas nas diversas peças concursais também o era que só se poderia considerar ter havido ilegalidade determinante da exclusão do Concurso quando elas contivessem condições estranhas às fixadas naquelas peças e estas adulterassem e desfigurassem de tal forma a Proposta que esta deixava de cumprir o exigido no Programa de Concurso e Caderno de Encargos. A não haver esse desvirtuamento regia o n.º 2 do citado normativo onde se lia que ter-se-iam por não escritas quaisquer condições divergentes das estipuladas no Programa de Concurso e Caderno de Encargos, o que quer dizer que a ilegalidade excludente consistia não na formulação de condições não inteiramente condizentes com o prescrito naquelas peças – uma vez que elas seriam consideradas não escritas - mas na formulação de condições cujo afastamento do que era exigido era tão pronunciado que a Proposta apresentada se traduziria numa Proposta que não respondia às pretensões da entidade adjudicante.
O que, de resto, se harmonizava com o estipulado no § único do art.º 13.º do Caderno de Encargos onde se lia que não seriam considerados pagamentos antecipados em relação às respectivas Recepções Provisórias por Operador dos sistemas, isto é, que se teriam por não escritas quaisquer cláusulas onde se previsse o pagamento de preços de forma diferente da ali prevista (vd. o esclarecimento prestado na pergunta 1).
Poder-se-á contrapor que a aceitação da Proposta tinha implícita a aceitação do conteúdo de todas as suas cláusulas e que, por isso, havendo desfasamento entre a Proposta e o estabelecido nas peças concursais – por pequeno que fosse – determinava a exclusão daquela. Mas essa objecção só seria operante se o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos previsse essa sanção para as Propostas com condições divergentes das estabelecidas, o que não acontecia uma vez que essas peças concursais afirmavam que se tivessem por não escritas as condições da Proposta que se afastassem do estabelecido desde que, como já se disse, esse afastamento não se traduzisse numa adulteração das condições previamente fixadas. O que, de resto, tem lógica uma vez que permitia a aceitação de uma Proposta que, no seu conjunto, fosse a melhor e a mais favorável aos interesses da A… apesar dela conter pormenores que se desviavam do estabelecido naquelas peças processuais. Mas nestas circunstâncias regia o disposto no art.º 17.º/2 do Programa do Concurso o que conduzia a que se tivessem por não escritas essas condições.
7. 1. Deste modo, se a Proposta da Adjudicatária previsse que os pagamentos dos «Plano Preliminar de Engenharia» e do «Projecto de Pormenor» se fizessem antes da recepção dos sistemas ou subsistemas o Júri poderia ter por não escrita essa condição, tanto mais quanto era certo que a Proponente sabia que não podiam ser considerados pagamentos antecipados e que, portanto, o pagamento daqueles encargos só poderia ser feito após a recepção daqueles sistemas ou subsistemas (art.º 13.º do Caderno de Encargos).
Daí que, se nenhuma outra razão houvesse, esta bastava para que, neste ponto, se não pudesse acompanhar o decidido no Acórdão recorrido.
Mas essa razão existe.
Com efeito, como bem se salienta no Parecer da Ex.ma Procuradora Geral Adjunta, o «Plano Preliminar de Engenharia» e o «Projecto de Pormenor» fazem parte da concepção dos sistemas e subsistemas a que se faz referência nos art.º 7.º e 8.º do Caderno de Encargos precedendo, por isso, a sua construção e a instalação, não fazendo parte deles. E, se assim é, a concepção daqueles Plano de Engenharia e do Projecto de Pormenor constituem actividades que não são de recepção provisória por operador, mas sim actividades sujeitas apenas a aprovação pela entidade adjudicante, pelo que o modo como o seu pagamento foi previsto na Proposta da Adjudicatária não constitui violação do estabelecido no art.º 13.º do Caderno de Encargos.
Acresce que o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos eram omissos no tocante ao modo de pagamento desses Plano e Projecto e, se assim era, não se pode afirmar que a Proposta da Adjudicatária previa um pagamento diferente do estabelecido naquelas peças concursais e de que, por isso, tinha sido violado aquele art.º 13.º. Na verdade, havendo omissão nas peças concursais omissas no tocante a determinados itens caberia ao Júri apreciar se eles se harmonizam com o estabelecido naquelas peças e dar-lhes o tratamento adequado.
7. 2. O Acórdão recorrido também considerou ilegal a Proposta da Adjudicatária por nela se preverem pagamentos relativos à recepção provisória de Software, dos Sobresselentes, dos Equipamentos Embarcados e dos Equipamentos não Embarcados e de tal violar o mesmo art.º 13.º do Caderno de Encargos e fê-lo por entender que este só permitia pagamentos após a recepção provisória dos sistemas e subsistemas e aqueles pagamentos corresponderem a pagamentos de componentes de sistemas ou subsistemas e não ao pagamentos destes.
Mas também aqui não tem razão.
Desde logo, porque o que consta do «Cronograma Financeiro e Plano de Pagamentos» é um Plano de Facturação e não um Plano de Pagamentos o que, de resto, se compreende na medida em que o citado art.º 13.º prescrevia que os pagamentos se fariam nos 60 dias posteriores à emissão da factura e, se assim era, o que a proposta tinha de indicar era a data prevista para a facturação pois que se sabia que os pagamentos iriam ser feitos dentro daquele prazo. Deste modo, não se pode retirar do Plano apresentado pela Adjudicatária a existência de pagamentos antecipados em relação à recepção provisória dos sistemas e subsistemas.
Acresce que o Júri considerou que as referidas recepções correspondiam a recepções provisórias de subsistemas visto que - tal como se alega no art.º 243.º do recurso com aparente aceitação da Recorrida - a recepção de Software correspondia à recepção provisória dos subsistemas central, de colecta de dados, de validação e de vendas, a recepção provisória de Equipamentos Embarcados correspondia à recepção dos subsistemas de validação e de venda a bordo, localização embarcado e fiscalização, a recepção provisória de Equipamentos Não Embarcados correspondia à recepção dos subsistemas de vendas e carregamentos automáticos e subsistema central e a recepção provisória dos Sobressalentes correspondia à recepção dos subsistemas de vendas e carregamentos, de registo e de transmissão de dados.
Ora qualificar as referidas entregas e saber se a elas correspondem à recepção de sistemas ou subsistemas ou à recepção de componentes destes é um juízo de natureza eminentemente técnica o qual, como se disse, não está sujeito a controlo jurisdicional pleno salvo se ele se traduzisse na prática de erro grosseiro. Com efeito, não podendo o Tribunal substituir os juízos e valorizações de carácter eminentemente técnico-especializado empreendidas pelo Júri pelos seus juízos, a decisão do Acórdão só se podia manter se nele se explicasse que o Júri ao fazer a sua avaliação tinha cometido um erro grosseiro. Ora, a verdade é que tal não foi feito pois que ele se limitou a afirmar que a entrega de tais elementos correspondia a entrega de componentes do sistema e não a entregas dos subsistemas sem justificar minimamente essa afirmação.
De resto, não parece que a qualificação do conjunto desses elementos como subsistemas possa ser tida erro grosseiro. Ao contrário, o que ressalta do n.º 4 do art.º 11.º do Caderno de Encargos (Onde se prescreve que no processo de recepção provisória “o Adjudicatário procederá à entrega dos equipamentos por operador inerentes a cada um dos sistemas e subsistemas ....”) é que a entrega dos equipamentos referentes a cada um dos sistemas e subsistemas ao Operador correspondia à entrega destes o que está conforme a qualificação empreendida pelo Júri.
Em conclusão: não sendo o «Plano Preliminar de Engenharia» e o «Projecto de Pormenor» de recepção provisória por Operador e sendo eles facturados e pagos após a respectiva conclusão e aprovação e sendo de aceitar que as referidas recepções provisórias correspondem a recepções provisórias de subsistemas a serem facturados aquando dessa recepção não se verifica qualquer violação do disposto no art.º 13.º do Caderno de Encargos.
8. O Acórdão também considerou violado o art.º 11.º do Caderno de Encargos, decisão que a sua Reforma alterou considerando que essa violação não ocorria.
E há que reconhecer que, efectivamente, a citada norma não foi violada uma vez que, tal como se exigia naquela norma, as recepções provisórias previstas no dito «Cronograma Financeiro e Plano de Pagamentos» correspondiam a recepções de subsistemas e de sistemas e não a recepções dos os seus componentes e, se assim era, a Proposta da Adjudicatária não estava ferida pelo vício que o que o Acórdão, inicialmente, nela vislumbrou.
9. O Aresto considerou, ainda, violado o disposto no art.º 125.º do CPA pois, muito embora fosse certo que nada de irregular havia a apontar à forma como o critério C.2 (“Características Técnicas dos Sistemas”) foi avaliado - com base nos subcritérios C.2.1. (“Características do Produto e Ergonomia”) e C.2.2. (“Funcionalidade e Operacionalidade”) - já que “a pontuação aritmética atribuída a cada subcritério mostra-se acompanhada de juízos qualitativos das propostas em termos de mérito relativo e de mérito absoluto que, embora sucintos, são suficientes para considerar fundamentada essa pontuação”, também o era que o Júri não explicara porque entendia que a ilegalidade imputada à Proposta da Adjudicatária - violação do art. 11.º, 1 e 4, do Caderno de Encargos - «já esclarecido na questão anterior». E a Autora, nesta matéria, tinha razão porque, “Efectivamente, consistindo essa ilegalidade no facto de a proposta prever recepções provisórias parcelares ou por elementos não se vê como a mesma pode ter sido esclarecida na questão anterior que apenas se pronuncia sobre a possibilidade de as propostas integrarem outras rubricas além da decomposição dos preços por equipamentos, instalação e software.” Dito de outra forma, impondo o citado art.º 11.º que a recepção provisória só se pudesse fazer em relação aos sistemas e subsistemas e prevendo-se na Proposta da Adjudicatária recepções provisórias de componentes do sistema, impunha-se que se explicasse porque se entendeu estar aquela Proposta em conformidade com o estatuído naquela norma, explicação essa que não decorria da resposta «já esclarecido na questão anterior» pois esta apenas respeitava à decomposição dos preços equipamentos, instalação e software.
Mas este julgamento não pode ser sufragado.
Vejamos o que se passou e se daí poderá resultar qualquer incompreensão para os concorrentes.
Foram pedidos os esclarecimentos ao Júri que ele prestou da forma seguinte:
“Pergunta 8 - (Artigo 19 – nr. 1.11)
Sendo mencionada a decomposição dos preços por equipamentos, instalação e software, podem ser integradas outras rubricas, a livre critério dos concorrentes? (p. Ex. desenvolvimento, serviços técnicos, colocação em serviço, documentação, formação, gestão de projecto, etc.)
Resposta - Sendo mencionada a decomposição dos preços por equipamentos, instalação e software, podem ser integradas outras rubricas, a livre critério dos concorrentes.”
Pergunta 9
Caso tal não seja permitido, como enquadrar os preços do tipo dos exemplificados
Resposta:
Prejudicada pela resposta anterior.”
Verifica-se que o que estava em causa era saber se a decomposição dos preços por equipamentos, instalação e software permitia integrar outras rubricas de acordo com o critério dos concorrentes, tendo o Júri esclarecido que nada impedia que tal fosse feito.
E a seguir perguntou-se: mas se tal não for possível como enquadrar os preços desses outros elementos que não era possível integrar, tendo o Júri dito que face ao esclarecimento prestado anteriormente a nova pergunta já não fazia sentido, isto é, estava prejudicada pela resposta anterior. E ao responder assim respondeu bem porque se no esclarecimento anterior tinha dito que podia haver decomposição de preços e que, havendo-a, era possível integrar outras rubricas de acordo com a vontade dos concorrentes nada havia a acrescentar quando se lhe perguntava: e se tal não fosse possível?
Se assim foi, e se a partir do momento em que esse esclarecimento foi prestado deixou de haver dúvidas de que as Propostas podiam prever a entrega, e a correspondente recepção provisória, de subsistemas e que, no tocante aos preços, estes podiam ser decompostos por equipamentos, instalação e software, e por outras rubricas ao critério dos concorrentes estes ficaram a saber que poderiam ocorrer recepções provisórias de subsistemas e de que forma podiam mencionas os respectivos preços.
Deste modo, afirmar-se que o esclarecimento solicitado já estava já esclarecido na questão anterior só poderia traduzir falta de fundamentação se a resposta dada à questão anterior nada esclarecesse. O que, no caso, como é manifestamente evidente, não aconteceu.
De resto, atenta a complexidade do concurso ora em causa e a necessidade que os concorrentes tiveram de serem assessorados técnica e juridicamente para elaborarem as suas propostas o vício ora em causa só poderia proceder se a forma como o Júri justificou as suas decisões fosse, de todo, incompreensível mesmo para pessoas dotadas de conhecimentos técnicos e jurídicos manifestamente superiores ao comum das pessoas. O que não era o caso.
Razão pela qual se conclui não estar o acto impugnado ferido do vício de falta de fundamentação.
10. Finalmente a Recorrida, B… SA, abrigo do disposto no art.º 684.º-A do CPC, requer a reapreciação do julgamento no que tange aos critérios de avaliação identificados sob as siglas C2 e C3 visto, por um lado, os mesmos terem sido subdivididos em subcritérios não previstos no Programa do Concurso e, por outro, a forma como foram aplicados impossibilita perceber as razões que determinaram as pontuações.
Todavia, não tem razão em nenhuma dessas críticas.
Com efeito, e no que toca à alegada «subdivisão» dos critérios fixados no Programa do Concurso, a mesma consistiu na indicação do modo como as Propostas iriam ser pontuadas naqueles critérios, com vista a tornar mais transparente e mais perceptível a classificação, esclarecendo-se que nessa apreciação iria ser usada uma escala de 0 a 20 [0 - não contempla/não satisfaz; 5 - satisfaz mas não completamente explícita; 10 - adequado (cumprimento do processo de concurso); 15 (satisfaz plenamente) e 20 (excepcional)], pelo que essa indicação foi uma forma de tornar mais clara e mais esclarecedora a classificação atribuída fazendo parte do discurso fundamentador do acto. A indicação daquela escala nada acrescenta, nem nada retira, aos critérios fixados no art.º 26.º do Programa do Concurso e, se assim é, não só não pode ser rotulada como a criação de subcritérios não previstos no Programa do Concurso como também só pode ser vista como uma louvável preocupação do Júri em tornar mais clara e transparente a decisão classificativa.
E a Recorrida também não tem razão quando sustenta que a fundamentação das pontuações dadas naqueles critérios é escassa, o que impossibilita que se fique a conhecer com suficiência as razões do Júri ao classificar as propostas.
E isto porque como, de resto, a Recorrida refere a fundamentação não tem de ser uma exaustiva descrição de todas as razões que estiveram na base da decisão, visto bastar que ela se traduza numa “sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito”, ou até numa “mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto” (art.º 125º do CPA). Sendo certo, por outro lado, que a mesma varia em função do seu tipo legal e das circunstâncias concretas de cada caso, cabendo ao Tribunal averiguar se as razões que o justificaram são suficientemente claras e esclarecedoras e se a sua exposição permite que o seu destinatário fique a conhecer as reais motivações que determinaram a sua prática (Vd. art.º 268º/3 da CRP, art. 1º do DL 256-A/77, de 17/6, art. 124º do CPA e art. 21.º, n.º 1 do CPT e M. Caetano “Manual”, pg. 477 e E. Oliveira “Direito Administrativo”, pg. 470. Neste sentido podem ver-se, entre muitos outros, os Acórdãos deste STA de 30/1/02, (rec. 44.288), de 7/3/02 (rec. 48.369), de 6/12/2005 (P) (rec.1126/02), de 14/02/2008 (rec. 440/07), de 27/02/2008 (rec. 269/02), de 4/12/2008 (rec. 310/08) e de 5/02/2009 (rec. 651/08)..
Ora, no caso, o Júri justificou com suficiência e clareza as razões da sua decisão.
Com efeito, ao longo de 15 páginas o Júri comparou exaustivamente cada uma das Propostas e explicou porque razão considerava certos itens de umas melhores que os correspondentes itens das outras e porque razão considerou que os seus interesses seriam melhor satisfeitos por uma ou por outra dessas Propostas.
Deste modo, só uma leitura menos atenta do Relatório do Júri ou a pretensão que a fundamentação tivesse uma densidade não exigida por lei torna compreensíveis as críticas dirigidas nesta matéria ao Acórdão recorrido.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em conceder provimento ao recurso da A… e em negar provimento em matéria de ampliação do recurso às pretensões da B… e, em consequência, revogar o Acórdão recorrido e em julgar improcedente esta acção.
Custas neste STA e nas as instâncias pela Recorrida/Autora.
Lisboa 30 de Junho de 2011. - Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – José Manuel da Silva Santos Botelho – Adérito da Conceição Salvador dos Santos

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