quarta-feira, 15 de maio de 2013

ACTO REVOGATÓRIO DE ADJUDICAÇÃO DE EMPREITADA - RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL - INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 234º DO DECRETO – LEI Nº 59/99, DE 2 DE MARÇO.



Proc. Nº 02459/07                 18.10.2012         TCAS


I – Perante a prática de um acto administrativo revogatório de um anterior acto, do mesmo apenas resultaria o dever de indemnizar a Autora se esta tivesse alegado e demonstrado que se encontravam reunidos os pressupostos da responsabilidade extra-contratual da Administração.
II – A anulação de uma adjudicação de empreitada por razões de interesse e ordem pública impõe a obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade pré-contratual prevista no artigo 227º nº 1 do Código Civil, considerando-se neste domínio indemnizáveis os danos resultantes da não celebração do contrato, neles se incluindo eventuais lucros cessantes ( interesse contratual negativo).
III – O preceituado no artigo 234 do Decreto – Lei nº 59/99, de 2 de Março, é aplicável apenas no domínio estritamente contratual , ou seja, na hipótese excepcional da rescisão do contrato de empreitada celebrado, em que se sabe existirem prejuízos certos, embora se desconhecendo o seu montante, podendo aqui o empreiteiro requerer a indemnização correspondente a 10% da diferença entre o valor dos trabalhos realizados e o valor dos trabalhos adjudicados.
IV – A norma citada em III (artigo 234º do Decreto – Lei nº 59/99, de 2 de Março) foi criada especialmente para fazer face à situação de rescisão de contratos já em execução, sendo manifestamente abusiva a sua aplicação ao caso vertente ao fazer recair sobre o R. Município um encargo desproporcional face aos eventuais prejuízos sofridos pela A.

Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:


O Município de Cascais e A...– Empreiteiros S.A., com sinais nos autos, inconformados com a sentença do TAF de Sintra, de 30 de Outubro de 2006, que julgou parcialmente provada e procedente a acção administrativa comum intentada por A...– Empreiteiros S.A., e consequentemente condenou o R. Município a pagar-lhe a quantia de € 264.860,57, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, bem como a quantia de € 6.436,15 , acrescida de juros moratórios, sobre os encargos relativos à prestação da garantia bancária desde 3 de Agosto de 2001 até efectivo embolso, dela recorreram e, em sede de alegações, formularam as respectivas conclusões:

1 – Pelo Município de Cascais:

“ I – A douta sentença recorrida faz uma errada interpretação da matéria de facto dada como provada e aplica incorrectamente ao caso vertente o disposto no art. 234º, nº 2, do Decreto – Lei nº 59/99, de 2 de Março.
II – No caso vertente estamos perante a prática de um acto administrativo revogatório de um anterior acto, sendo que do mesmo apenas resultaria o dever de indemnizar a Autora, se a mesma tivesse alegado e demonstrado, encontrarem-se reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extra – contratual da administração.
III – O que no caso vertente não aconteceu.
IV – A deliberação que anulou a deliberação de adjudicação contém de forma expressa e clara as razões de interesse e ordem pública que a determinaram.

V – A adjudicação foi anulada porque o interesse público, impôs a substituição de um projecto, por um outro, menos oneroso, e mais adequado às necessidades das populações.
VI – Mas ainda, que o caso em apreço tenha que ser visto à luz da responsabilidade civil pré – contratual, ao mesmo seria aplicável o disposto no art. 227º do Código Civil.
VII – No âmbito da responsabilidade pré – contratual entende a maioria da doutrina e da jurisprudência e decorre do nº 1 do art. 227º do Código Civil, que apenas são indemnizáveis os danos resultantes da não celebração do contrato, ou seja, o interesse contratual negativa, estando excluída a reparação do interesse positivo, ou seja o beneficio que a conclusão do negócio traria à parte prejudicada nas suas expectativas.
VIII – Mas ainda que se admitisse o ressarcimento dos danos positivos, estes mesmos teriam que ser alegados e provados pela Autora.
IX – Variando causticamente o quantum do dano indemnizável, ponto seguro é que o valor da indemnização deve colocar o lesado na situação em que ele se encontraria se não fosse praticado o facto danoso.
X – Como não há no caso vertente, o dever de indemnizar o chamado interesse contratual positivo ou de incumprimento, ao mesmo não terá aplicação do disposto no art. 234º, nº 2, do DL 59/99, de 2 de Março.
XI – Inexiste qualquer analogia entre a situação em apreço e a situação excepcional que prevê o “quantum” indemnizatória para uma situação excepcional e que se desenrola no plano estritamente contratual.
XII – A norma supra referida tem como escopo, uma situação manifestamente excepcional e em que se sabe existirem pressupostos, prejuízos, embora se desconhecendo o seu montante.
XIII – Pelo que é manifestamente abusiva a sua aplicação a situação como a do caso vertente.”

2 – Pela A...– Empreiteiros S.A. (subordinado – artigo 682º do Código de Processo Civil):
“ 1) Para efeitos do cálculo do montante indemnizatório, o valor dos trabalhos adjudicados deve incluir o valor da revisão de preços correspondente. (art.º 234º nº 2 do DL nº 59/99 de 2/3)
2) O preço das empreitadas de obras públicas será obrigatoriamente revisto, nos termos das cláusulas insertas nos contratos. (art.º 199º nº 1 do DL nº 59/99 de 2/3)
3) Ao ser adjudicada uma empreitada, ela é adjudicada pelo preço da proposta, revista de acordo com a fórmula respectiva e de acordo com as regras insertas nos contratos ou com a legislação em vigor, considerando-se como meses de execução dos trabalhos os constantes do plano de trabalhos e considerando-se os indices ou indicadores económicos a publicar com relação aos meses previstos no plano de trabalhos.
4) À data da instauração da presente acção era possível o cálculo do valor da revisão de preços relativo à empreitada em causa nos autos.
5) Esse cálculo foi elaborado pela Recorrente e constitui parte integrante do requerimento apresentado pelo Recorrente ao recorrido em 13 de Outubro de 2003, constituindo, assim, parte integrante do pedido indemnizatório então formulado e constituindo elemento integrador do pedido indemnizatório formulado na presente acção.
6) Sobre esse cálculo prestou depoimento a testemunha da Recorrente, Engº. António Manuel Gonçalves Martins que referiu ter sido ele o autor do cálculo, de acordo com a legislação aplicável, e ser esse cálculo, por si elaborado, o constante de fls. dos autos, pelo que só pode ter resultado provado que o valor da revisão de preços do contrato em causa nos autos era de € 24.896,89.
7) O direito da Recorrente à revisão de preços do contrato resulta directamente da Lei - art.º 199º do DL nº 59/99 de 2 de Março e DL nº 348-A/86 de 16 de Outubro, resultando, também, da Lei que o valor dos trabalhos adjudicados para efeitos do cálculo do valor indemnizatório a que se refere o art 234º nº 1 do DL nº 59/99 de 2 de Março inclui a revisão de preços corrrespondente.
8) Não há, assim, que provar haver lugar ao pagamento do valor relativo a revisão de preços porque a inclusão desse valor no valor dos trabalhos adjudicados para efeitos do cálculo do valor indemnizatório decorre directamente da Lei.
9) O que é susceptível de prova é o montante dessa revisão de preços, prova essa efectuada pela Recorrente em audiência de julgamento gravada, através do depoimento atrás referido.
10) A não prova do quesito cinco da Base Instrutória, ou seja, de que o valor de 10% da revisão de preços correspondente aos trabalhos da empreitada é de € 24.896,89, só poderá dar lugar à determinação daquele valor em execução de sentença e não, como o fez a douta sentença recorrida, à absolvição do Recorrido, nessa parte.
11) Decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs 199º. E 234º. Do DL nº. 59/99 de 2 de Março e no DL nº 348-A de 16 de Outubro e fez uma errada apreciação da prova, no que se refere à resposta dada ao quesito cinco.
12) Pelo que deve ser anulada e substituída por outra que condene o Recorrido no pagamento do valor indemnizatório de € 24.896,89, correspondente a 10% do valor dos trabalhos adjudicados, incluindo a revisão de preços respectiva, acrescidos do IVA à taxa legal em vigor.”
*
A Recorrida A...– Empreiteiros S.A., contra alegaram pugnando pela manutenção parcial do decidido.
*

Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

*
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos que se passam a transcrever:

a) A autora exerce a actividade de empreitada de construção Civil e Obras Publicas. ( por Acordo)
b) A Autora concorreu ao concurso publico para adjudicação da empreitada “Via Circular e Nascente de S. João do Estoril – Troço entre o Bairro Social da Galiza e o Nó do Estoril promovido pelo Município de Cascais. (Por Acordo);
c) Pelo oficio nº 013406 de 6 de Março de 2001, o Município de Cascais comunicou à Autora que, em reunião de Câmara de 21 de Fevereiro de 2001, lhe tinha sido adjudicada a empreitada, pelo montante de 530.997.768$00 + 26.549.888 (IVA 5%) = 557.547.656$00. (Cfr. fls. 14 Procº físico);

d) Com o oficio referido no precedente facto, enviou o Município de Cascais à Autora, a minuta do contrato para, sobre ela, se pronunciar, nos termos do Artº 108º do DL nº 59/99 de 2 de Março ( Cfr. fls. 14 Procº físico);

e) A Autora não se pronunciou sobre a minuta referida no precedente facto. (Por Acordo);

f) Pelo oficio nº 015113, de 15 de Março de 2001, o Município de Cascais solicitou à Autora a entrega de documento comprovativo da prestação da caução, bem como das certidões necessárias à celebração do contrato de Empreitada. (Cfr. fls. 18 Proc.º físico);

g) A Autora fez entrega no Município de Cascais da garantia nº 279163 emitida pelo Banco Espírito Santo, SA e das certidões necessárias à celebração do contrato de Empreitada. (Por Acordo e fls. 22 e sg Procº físico);

h) Pelo oficio 42464, de 11 de Setembro de 2003, o Município de Cascais deu conhecimento à Autora de que, por deliberação da Câmara Municipal de Cascais, de 12 de Setembro de 2001, tinha sido deliberada a “nulidade da adjudicação” e que, por deliberação de 1 de Setembro de 2003, tinha sido anulado o concurso publico, em causa e, simultaneamente, declarados cessados todos os efeitos produzidos pelo referido concurso. (Cfr. fls. 23 Proc.º físico);

i) O Município de Cascais autorizou o cancelamento da Garantia Bancária nº 279163 emitida pelo Banco Espirito Santo, SA., em 25 de Setembro de 2003, através do oficio nº 44819. (Cfr. fls. 25 Proc.º físico);

j) Os encargos decorrentes da prestação da caução ascenderam a 6.436,15 € (Por Acordo e fls. 26 a 38 Procº físico).

k) A aqui Autora requereu ao Presidente da Câmara Municipal de Caçais em 13 de Outubro de 2003, designadamente, “o pagamento à requerente da quantia de 296.188,63 € acrescida da quantia que resultar de encargos com a garantia à data do respectivo cancelamento . (Cfr. fls. 39 a 41 Procº físico);

l) Em 5 de Maio de 2004, o Município de cascais enviou ao aqui Autor o oficio nº 22528, no qual se refere, desigandamente:
“ ao anular o concurso publico, o Município de Cascais impediu objectivamente a celebração do contrato por facto que lhe é exclusivamente imputável;
atento o disposto no nº 1 do Artº 227º, do Código Civil, é imputável ao Município de Cascais o facto causador dos danos alegados pela A...e a obrigação do dever de indemnizar fundada na culpa na formação dos contratos;
de acordo com a maioria da doutrina e da jurisprudência, da responsabilidade pré-contratual decorre o dever de indemnizar o interesse contratual negativo ou de confiança (que são só os custos directos que o lesado suportou com a preparação da obra);
pelo contrário, não há o dever de indemnizar o interesse contratual positivo ou de incumprimento, e ao caso não se aplica, directamente ou por analogia, o disposto no art.º 234 do DL nº 59/99, de 2 de Março.
Deve a A...ser indemnizada do valor dos danos negativos, cujo valor é de 6.431,17 € e são resultantes do custo da garantia bancária, já que outros não são aduzidos ou invocados”. (Cfr. fls. 43 e 44 Procº físico);

m) A aqui Autora requereu, em 21 de Setembro de 2004, ao Presidente do Conselho Superior de Obras Públicas e de Transportes, “tentativa de Conciliação, nos termos do Artº 266º e seguintes do DL nº 59/99, de 2 de Março”. (Cfrr. Fls. 54 Proc. físico)

n) Em 8 de Abril de 2005, foi elaborada, no âmbito do Conselho Superior de Obras Publicas e Transportes “ Acta da Primeira Reunião da
Comissão e Auto de não Conciliação” face ao processo aqui controvertido. (Cfr. fls. 56 a 58 Procº físico);

o) O Conselho Superior de Obras Publicas e Transportes envia à Sociedade aqui Autora, em 10 de Março de 2005, oficio através do qual “envia cópia autenticada da acta da primeira reunião e auto de não conciliação referente à tentativa de conciliação” a que se alude no precedente facto ( Cfr. fls. 55 Procº físico)

p) O Contrato de Empreitada não chegou a ser celebrado em virtude do Município ter adoptado novas orientações para a zona (facto resultante da base instrutória – resposta dada ao quesito 1º).

q) A Entidade Demandada procedeu a diligências tendentes à efectivação do pagamento à Autora dos encargos por esta suportados com a prestação de caução (facto resultante da base instrutória – resposta dada ao quesito 3º).

*

Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Sintra que julgou parcialmente provada e procedente a acção administrativa comum intentada por A...– Empreiteiros S.A., e consequentemente condenou o R. Município de Cascais a pagar-lhe a quantia de € 264.860,57, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, bem como a quantia de € 6.436,15 , acrescida de juros moratórios, sobre os encargos relativos à prestação da garantia bancária desde 3 de Agosto de 2001 até efectivo embolso.

1 – Do Recurso interposto pelo Município de Cascais

Como resulta da factualidade dada como assente, à ora Recorrente A...foi adjudicada a execução da empreitada “Via Circular e Nascente de S. João do Estoril – troço entre o bairro social da Galiza e o nó do Estoril” , no âmbito de um concurso publico promovido pela Câmara Municipal de Cascais.
O Município de Cascais remeteu à A...a minuta do contrato de empreitada a outorgar, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 108º do Decreto – Lei nº 59/99, de 2 de Março.
A A...prestou caução mediante garantia bancária e entregou as certidões necessárias à celebração do contrato de empreitada.
Pese isso, a Câmara Municipal de Cascais deliberou, em reunião de 1 de Setembro de 2003, anular o concurso publico em questão.
Na verdade, como se alcança do teor da deliberação assumida em 1 de Setembro de 2003, o executivo camarário justificou “ alterar o programa definido por essa obra, torná-la uma obra com um perfil transversal de menor dimensão, de modo a evitar a necessidade de grande numero de expropriações que estavam previstas e necessariamente onerosas, além de que se chegou à conclusão que não havia necessidade de um traçado de quatro faixas de rodagem como de separador central naquele troço. O projecto de alterações está neste momento em curso, de modo a que fique um perfil mais urbano com passeios mais largos e o necessário para que a faixa de rodagem seja adequada ao trânsito local. Daí que se proponha a anulação do concurso publico, de modo a que se possa, em breve, lançar uma nova empreitada com base num novo projecto.”

Ou seja, transcrevendo as razões do Município de Cascais, por este foi entendido que o projecto que serviu de base ao concurso publico em causa era excessivamente oneroso na medida em que impunha um elevado numero de expropriações. Além de que as características do local não impunham a execução de um traçado de quatro faixas de rodagem com um separador central. E, deste modo, substituiu tal projecto por um outro, que melhor se adequasse às características e ao trânsito local, seguramente menos oneroso.
No entanto, pese estas razões, o Mmo. Juiz a quo concluiu diversamente no sentido de que “ é notório que não são apresentados quaisquer fundamentos de ordem ou interesse público que justifiquem a anulação do concurso cuja adjudicação já havia sido deliberada e comunicada ao concorrente escolhido, e aqui A. , pois que se avançam razões de ordem de conveniência e alteração de orientações que nada têm a ver com o interesse público”.
Manifestamos a nossa discordância absoluta quanto às considerações ora tecidas porquanto se nos afigura que o Mmo. Juiz a quo não interiorizou os fundamentos expressos na referida deliberação de 1 de Setembro de 2003 que são de interesse publico e levaram à anulação do concurso em causa e à não celebração do contrato em causa.
Com efeito, diminuir os custos de uma obra publica constitui, sem margem para dúvidas, uma razão de interesse e ordem publica. Substituir um projecto, cuja execução em obra importaria para o erário municipal ( publico) custos elevados, e que não correspondia de forma adequada às necessidades das populações locais, impondo destarte a sua reavaliação em termos financeiros, não poderá deixar de ser entendida como uma medida tendente à prossecução do interesse publico.
E por isso mesmo é que o contrato em causa não veio a ser celebrado, tendo o Município de Cascais deliberado anular a deliberação

de adjudicação, ao abrigo de uma faculdade que assiste ao dono da obra, assumindo-se tal conduta como licita, a que corresponde uma obrigação de indemnizar prevista no instituto da responsabilidade civil extra-contratual por actos de gestão publica.
Importa deste modo aferir da verificação dos pressupostos de que a lei faz derivar a obrigação de indemnizar.
Assim, em primeiro lugar, quanto à matéria da ilicitude, no domínio da responsabilidade civil por actos de gestão pública, esta reporta-se à violação de normas legais, regulamentares, de ordem técnica ou de prudência comum, na sequência de actos administrativos traduzidos em ofensas materiais ou de omissões no comportamento da Administração.
No caso em apreço, a conduta da Câmara Municipal ao proferir um acto administrativo anulatório não corresponde à violação de qualquer norma legal, mas outrossim a uma faculdade que assiste ao dono da obra, sendo por conseguinte uma conduta licita.
Quanto à matéria da culpa cabe referir que este pressuposto se reporta essencialmente a um juízo de censura sobre o comportamento do titular do órgão ou agente, por tal conduta não corresponder ao que é exigível e é esperado de um funcionário típico normal, zeloso e cumpridor, nas circunstâncias do caso concreto.
E quanto a nós, o pressuposto da culpa não se encontra preenchido face ao circunstancialismo supra descrito na deliberação em causa, além de que a Autora nada alegou e menos provou quanto a tal pressuposto.
Por ultimo, quanto ao dano, do peticionado pela Autora não se alcança a consumação de um dano, tanto mais que a própria não consignação dos trabalhos a isso obriga.

Independentemente disso, deparasse-nos aqui uma situação de responsabilidade civil pré-contratual – culpa in contrahendo – que deriva tanto de situações em que ocorre uma ruptura das negociações, como nos casos em que os contratos sejam declarados nulos ou ineficazes.
Assim sendo, o dever de boa-fé gera necessariamente o dever de indemnizar.
Na verdade, segundo o disposto no artigo 227º nº 1 do Código Civil, aplicável subsidiariamente na falta de leis e regulamentos administrativos que prevejam casos análogos, bem como na falta de princípios gerais de direito administrativo, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
De modo impressivo, a propósito desta temática, pode ler-se em “ A PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS – TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL” de HEINRICH EWALD HORSTER , Almedina, 1992, pag. 474 e ss. que passamos a citar: “ A lei estipula (…) uma obrigação de indemnizar por culpa in contrahendo.
Os danos em questão são, aliás como decorre da formulação da lei, todos os danos resultantes do procedimento censurável que está na sua origem, sem que haja uma limitação especial do montante da indemnização.
(…)
Esta obrigação de indemnizar existe, independentemente da formação posterior do contrato ou não. O artigo 227º não tem nada a ver com o próprio contrato e o seu cumprimento, uma vez que visa proteger um bem jurídico diverso. Desta forma, a aplicação do artigo 227º não tem como pressuposto a imperfeição do contrato ( cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, anotação 1 ao artigo 227), visto o direito ao cumprimento, derivante do contrato, ser - quanto à sua essência –

diferente do direito à indemnização, decorrente da conduta ou do modo de negociação lesivos. O artigo 227º visa proteger o próprio processo de formação do contrato em todas as suas fases (“tanto nos preliminares como na formação”). Deste modo, também a celebração do contrato ou a sua posterior anulação ou declaração de nulidade não afastam a aplicação do preceito em causa.
Por outro lado, a aplicação do artigo 227º pressupõe culpa. Desta maneira também se compreende que a simples rotura das negociações não dê lugar a responsabilidade. Esta consequência decorre do principio da liberdade contratual (liberdade de conclusão). Se a simples rotura desse lugar a uma indemnização seria violado aquele principio e a vontade das partes ficaria coarctada. Contudo “não é licito a uma das partes romper arbitrariamente as negociações depois de estas terem alcançado um tal desenvolvimento que a outra parte poderia julgar-se autorizada a confiar na realização do contrato e, assim, a fazer despesas, a abster-se de outros negócios, etc.
Mas, por outro lado, pode observar-se que as negociações se destinam a dar às partes oportunidade de apreciarem se o contrato deve ser feito e em que termos e que, portanto, enquanto o contrato não é celebrado, devem estas ter liberdade de romper as negociações. Se deverem responder por rotura das negociações, terão que se comportar tão prudentemente que a sua liberdade de contratar será gravemente comprometida”.(cfr. A. Vaz Serra in Culpa do Devedor ou do Agente, BMJ 68, pag. 119,129).
Quanto à natureza da obrigação por “Culpa in contrahendo”dividem-se as opiniões se ela é de índole contratual, quase - contratual ou extra – contratual. Tendo em conta a origem histórica e a evolução do instituto ( a culpa in contrahendo abstrai completamente a existência do contrato !) bem como as opções sistemáticas da lei, deve ser adequado considerar a “ culpa in contrahendo” como obrigação extracontratual, legal , ou, quando muito, como obrigação quase contratual. Doutro modo, obter-se-ia


uma espécie de relação contratual de facto, resultante do comportamento durante as negociações, sendo certo que o Código não aceita semelhante figura”.

Do ensinamento transcrito resulta que à situação em apreço é aplicável o disposto no artigo 227º do Código Civil, pelo qual a violação do dever de boa-fé impõe o dever de indemnizar.
Transpondo para o nosso caso, como resulta da factualidade dada como assente, o Município de Cascais não celebrou o contrato de empreitada com a A...S.A. por razões que se prendem com novas orientações assumidas pelo Município e a que aludimos supra.
Com tal comportamento e ao anular o concurso público, o Município impediu objectivamente a celebração do contrato por facto que lhe é exclusivamente imputável.
Posto isto, e concluindo-se pela imputabilidade do facto gerador dos danos ao Município, há que aferir da obrigação de indemnizar e da respectiva medida.
Em matéria de indemnização pelos prejuízos causados, há que destrinçar entre o interesse contratual positivo ( que no caso vertente seria o ganho que a A...deixou de auferir pela não concretização da obra ) e o interesse contratual negativo ou de confiança (que são os custos directos que suportou com a preparação da obra, mas dos quais a A...apenas reclamou € 6.413,15 decorrentes da prestação de caução).
Ora, no âmbito da responsabilidade pré-contratual, entende a maioria da doutrina que decorre do nº 1 do artigo 227º do Código Civil que apenas são indemnizáveis os danos resultantes da não celebração do contrato, ou seja, do interesse contratual negativo.


A propósito PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA in CÒDIGO CIVIL ANOTADO, Vol. 1º, 4ª Ed. pag. 216 sustentam que “ a responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á, em regra, a indemnizar o interesse negativo (ou de confiança) da outra parte, por modo a colocar esta na situação em que ela se encontraria, se o negócio se não tivesse efectuado. Mas pode, excepcionalmente, se a conduta culposa da parte consistir na violação do dever de conclusão do negócio, a sua responsabilidade tender para a cobertura do interesse positivo ( ou de cumprimento)”.
Neste ultimo sentido pode ler-se VAZ SERRA em anotação ao Acórdão do STJ de 7 de Outubro de 1976, in RLJ Ano 110, quando afirma que o que se pretende proteger é a confiança, sendo que os danos a ter em consideração são aqueles que a parte lesada não teria sofrido se não tivesse confiado na realização do contrato.
Em reforço do entendimento que os danos resultantes da responsabilidade pré-contratual – como é notoriamente a situação em juízo – são unicamente os danos negativos pode ver-se o Acórdão do STA de 31 de Maio de 2001 in wwwdgsi.pt, de que passamos a citar o seguinte trecho: “ (…) A responsabilidade civil por lesão da confiança é restrita à reparação do interesse contratual negativo ou da confiança, isto é, do prejuízo resultante da frustração das expectativas, da conclusão do negócio, estando excluída a reparação do interesse positivo ou seja, pelo beneficio que a conclusão do negócio traria à parte prejudicada nas suas expectativas.”
Saliente-se contudo que a perda de uma ocasião de negócio ainda pode ser incluída no âmbito dos danos negativos, nestes cabendo os chamados lucros cessantes.
No caso vertente, porém, a Autora A...não alegou e consequentemente não provou que tenha perdido uma ocasião de negócio por não ter celebrado um outro contrato por estar a aguardar a celebração da empreitada em causa.

Aliás, variando casuisticamente o quantum do dano indemnizável, temos como certo que o valor da indemnização deve colocar o lesado na situação patrimonial em que ele se encontraria se não fosse praticado o facto danoso.

Todavia a sentença em crise acolheu diversamente a solução adiantada pela Autora A...fazendo a aplicação ao caso do disposto no artigo 234º nº 2 do Decreto – Lei nº 59/99, de 2 de Março, o qual viabiliza que em caso de rescisão, o empreiteiro possa requerer uma indemnização correspondente a 10% da diferença entre o valor dos trabalhos executados e o valor dos trabalhos adjudicados. Em conformidade ditou o pagamento à Autora da importância de € 264.860,57, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, a titulo de indemnização pela não celebração do contrato.
Discordamos em absoluto da aplicação da citada norma à situação em causa, ainda que analogicamente, pelas razões a expor de seguida.
Desde logo, porque a Autora fundou a sua pretensão, e o Mmo. Juiz acolheu, em disposição legal que não tem aplicação ao caso, porquanto o artigo 234º nº 2 citado é aplicável apenas no plano estritamente contratual, em caso de rescisão ( o Mmo. Juiz a quo labora mesmo em erro conceptual ao admitir que houve rescisão contratual ), e aqui encontramo-nos no âmbito da responsabilidade extra-contratual .
Só havendo rescisão contratual é que o empreiteiro pode requerer a indemnização correspondente a 10% da diferença entre o valor dos trabalhos realizados e o valor dos trabalhos adjudicados. Acresce que o empreiteiro apenas pode optar por receber o que resultar da percentagem supra indicada, antes de efectuada a liquidação da obra. Esta possibilidade permite, deste modo, ao empreiteiro ver-se de imediato ressarcido dos

danos sofridos, não necessitando de aguardar pela liquidação da empreitada.
Concluímos assim que tal norma foi especialmente criada para fazer face à situação de rescisão de contratos celebrados e em execução, sendo por conseguinte manifestamente abusiva a sua aplicação ao caso vertente fazendo recair sobre o R. Município o encargo desproporcional face aos eventuais prejuízos sofridos pela A.
Admitindo-se porém que assistia à A. o direito a ser indemnizada por todos os danos resultantes da não outorga do contrato, sempre a mesma teria que alegar e consequentemente provar esses mesmos danos, bem como a existência de um nexo de causalidade entre os danos e o facto gerador.
Assim sendo, os prejuízos sofridos pela A. , em sede de responsabilidade pré-contratual, devidamente comprovados, traduziram-se unicamente nas despesas efectuadas com a apresentação da proposta e com a prestação da caução.
Em face do que ficou exposto a sentença recorrida fez uma errada aplicação do disposto no nº 2 do artigo 234º do Decreto – Lei nº 59/99 de 2 de Março, bem como violou o disposto no artigo 227º do Código Civil ao fazer recair sobre o Município R. um encargo manifestamente desproporcional.
Em conformidade, procedem as conclusões da alegação do Recorrente Município de Cascais, sendo de conceder provimento ao recurso por este interposto e revogar a sentença recorrida, com a consequente condenação do Município de Cascais a pagar à A...S.A. a quantia de € 6.436,15 , acrescida de juros moratórios, sobre os encargos relativos à prestação da garantia bancária desde 3 de Agosto de 2001 até efectivo embolso, absolvendo-o da restante parte do pedido.

*

2 – Do Recurso (subordinado) interposto pela A...S.A.

Quanto ao recurso (subordinado) interposto pela A...S.A., atinente ao pagamento do valor relativo a revisão de preços, constante do nº 2 do artigo 234º do Decreto – Lei nº 59/99, de 2 de Março, cabe referir que, pelas razões que ficaram expendidas em 1., o seu conhecimento fica prejudicado e necessariamente terá de improceder.
*

Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em :

1 - Conceder provimento ao recurso interposto pelo R. Município de Cascais e revogar a sentença recorrida e consequentemente condenar aquele a pagar à A...S.A. a quantia de € 6.436,15 , acrescida de juros moratórios, sobre os encargos relativos à prestação da garantia bancária desde 3 de Agosto de 2001 até efectivo embolso, absolvendo o mesmo da restante parte do pedido.

2 - Negar provimento ao recurso jurisdicional (subordinado) interposto pela A...SA. com as legais consequências.
*

Custas por ambas as partes, nas duas instâncias, na proporção do respectivo decaimento.



Lisboa, 18 de Outubro de 2012

ANTÓNIO VASCONCELOS
PAULO CARVALHO
ANA CELESTE CARVALHO

Sem comentários:

Enviar um comentário