quinta-feira, 15 de março de 2012

FALTA DE INTERESSE EM AGIR – ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA


Proc. 8364/11    TCAS     23.02.2012  

I – O meio processual previsto nos artigos 100º e segs. do CPTA é um processo especial, instituído em razão da urgência na obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa, a que se aplica o regime processual da acção administrativa especial [regulado nos artigos 46º e segs.], e tem por objecto a impugnação de actos administrativos praticados no âmbito dos procedimentos relativos à formação do elenco de tipos contratuais enunciados no nº 1 desse artigo.

II – O carácter impugnável dos actos relativos à formação dos contratos é determinado à luz dos princípios gerais consagrados no artigo 51º, aplicável por remissão do artigo 100º, nº 1.

III – Deste modo, não apenas o acto de exclusão de um candidato ou o acto final de adjudicação, mas também actos procedimentais susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos poderão ser abjecto de impugnação, dentro dos condicionalismos supra indicados, nas notas ao artigo 51º, e não apenas os actos primários, mas também os actos secundários, como é o caso de um acto de anulação do procedimento pré-contratual ou de revogação da adjudicação, são impugnáveis através da presente forma de processo.

IV – Não obstante ter reconhecido que [ainda] não havia acto lesivo, a decisão recorrida considerou que a petição não era ininteligível, mas sim que ocorria manifesta falta de interesse em agir e, como tal, julgou extinta a instância.

V – Ocorre manifesta falta de interesse em agir na medida em não foi praticado nenhum acto lesivo, susceptível de impugnação pelo meio processual previsto nos artigos 100º e segs. do CPTA, nem a recorrente logrou identificar um só acto que fosse que pudesse ser enquadrado nesse meio processual, pelo que não se vislumbra qual a utilidade que poderia derivar para a recorrente da procedência da acção [cfr. artigo 26º do CPCivil, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA].

VI – A consequência processual da falta de interesse em agir da recorrente não é a extinção da instância, mas sim a absolvição da mesma, nos termos do artigo 89º, nºs 1 e 2 do CPTA, por referência ao disposto nos artigos 493º, nº 2 e 494º do CPCivi

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
N………… – Reparação ………….., Ldª”, com sede em Setúbal, intentou no TAF de Almada, ao abrigo dos artigos 100º e segs. do CPTA, uma Acção de Contencioso Pré-Contratual contra a “T ……………. – T………………, SA”, pedindo a “confirmação da revogação dos actos nulos da ré, a tempestividade da reclamação da autora ao 2º relatório preliminar, cuja caducidade foi declarada pela ré na providência, revogando-se a mesma e a final dar a presente acção como procedente e provada, considerando a autora a ser o único concorrente que preenche integralmente os requisitos contratuais, excluindo-se a co-interessada N ……………., por apresentar um preço acima da base concursal ou, assim não sendo, superior ao da autora”.
Indicou como contra-interessada a sociedade “N ……………. – Reparação e ……………….., SA”.
Por sentença datada de 14-10-2011, o TAF de Almada julgou extinta a instância, absolvendo da mesma a ré e a contra-interessada [cfr. fls. 229/233 dos autos].
Inconformada, veio a “N …………. – Reparação …………………., Ldª” interpor recurso jurisdicional para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
I – QUANTO À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA
1ª – Quanto à matéria de facto, concluímos dever-se alterar para o seguinte a alínea e):
e) Em 16-6-2011, o Júri do concurso colocou em "esclarecimentos" para comunicação aos concorrentes, que revogou a decisão de adjudicação que havia tomado em 27-5-2011 e que tinha colocado na plataforma electrónica em 31-5-2011 e facultou aos concorrente o prazo de 5 dias para exercerem o direito de audiência prévia sobre o segundo relatório preliminar datado de 9-5-2011, em que se previa a referida decisão de adjudicação;
2ª – Eliminar-se a frase final desta alínea – doc. nº 1 junto com a contestação da ré e acordo;
3ª – Eliminar-se a alínea f) da MFA;
4ª – Caso não se entenda que o erro da colocação em "esclarecimentos" torna nulo o direito de audição, afectando as regras do procedimento concursal por indeterminação dos prazos, [deve] seguir-se para julgamento com fixação de base instrutória como segue:
1º – O facto da autora apresentar em 29-6-2011 a sua resposta em sede de audiência prévia, deve-se à colocação da notificação para o exercício do direito de audição, em "esclarecimentos"?
II – QUANTO À MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
5ª – A autora não foi notificada em 16-6-2011 para exercer o direito de audição;
6ª – A colocação em "esclarecimentos" não pode configurar uma notificação da autora para exercer o seu direito de audição, quando na plataforma há lugar exacto para essa notificação;
7ª – A plataforma não contêm um aviso específico deste desvio, não alertando as partes e não adivinhando a autora o facto;
8ª – Tal desvio foi fundamental para o não exercício atempado do direito de audição;
9ª – A autora só depois de avisada extra-oficialmente exerceu esse direito;
10ª – Apurar a data para o exercício do direito de audição é fundamental para a contagem dos prazos sob pena de indeterminação destes;
11ª – Ou este vício não é absoluto e constitui simples anulabilidade face às revogações dos actos, e pela errada colocação em "esclarecimentos" a autora, que estava à espera de 2º relatório preliminar no sítio devido, foi enganada e o seu direito de audição começa a partir do telefonema referido no artigo 64º da sua PI e é exercido a 29-6-2011 e, como tal, respondeu em tempo.
12ª – Ou tal vício ferindo o próprio concurso, porque não pode ser dado um prazo extra face às regras do CCP, sendo mais que um simples vício de forma, por comportar um desvio que fere o conteúdo de um direito essencial que é o direito de audição e como tal assim cominado [artigo 103º, nº 2, alínea d) do CPA] constitui nulidade sendo insuprível, devendo o concurso ser anulado.
13ª – Concurso aliás cheio de erros, quer por falhas humanas, quer por falhas sistémicas, mas que tiveram a ambiciosa virtualidade de permitir que tenham sido praticados actos de execução imediatos que permitiram entregar a obra antes da adjudicação, para depois se poder invocar o estado avançado da obra e o interesse público na anulação e até a negação de indemnização a quem de direito, pese embora um CCP com quase 500 artigos;
14ª – Actos que se nos configuram nulos e insusceptíveis de revogação, porque os seus efeitos não caducaram nem se encontram esgotados;
15ª – É que na primeira adjudicação revogada pela ré, não foi exercido o direito de audição da autora, tendo esta sido obrigada a intentar uma providência cautelar anexa ao principal, para suspender a nulidade concursal;
16ª – Em consequência, a douta sentença deveria ter considerado o acto nulo ao abrigo do artigo 133º, nº 2, alínea d) do CPA, norma que se considera violada;
17ª – E de acordo com o artigo 139º, nº 1 do CPA, alíneas a), b) e c), são insusceptíveis de revogação os actos nulos e como tal se pediu ao Tribunal [que] o confirmasse [decidisse sobre os actos revogatórios];
18ª – A douta sentença recorrida não conheceu de todas as causas invocadas, nos termos do artigo 95º, nº 2 do CPTA;
19ª – Existe interesse em agir da autora para saber da natureza dos actos revogatórios da ré e da efectiva notificação do direito de audição atenta a colocação em "esclarecimentos" do 2º relatório preliminar, por o Tribunal dever sindicar a data correcta e os prazos para o exercício do direito de audição, prévios à adjudicação, sob pena de indeterminação destes;
20ª – O seu não apuramento, atento a forma como entendemos discordar da alínea e) da matéria de facto, contêm omissão de pronúncia, por dizer respeito ao conteúdo essencial de um direito da autora: o direito de audição;
21ª – Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, a douta decisão falha quando remete para a adjudicação [poder da ré] a sanação de vícios essenciais do concurso geradores de nulidade relativamente ao direito de audição e faz impender as custas do processo para a autora;
22ª – E incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d) do CPCivil "ex vi" artigo 1º do CPTA.” [cfr. fls. 241/255 dos autos].
A contra-interessada “M ……………………., SA” – que entretanto sucedeu à “N………… – Reparação ………, SA” –, contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida [cfr. fls. 264/279 dos autos].
Neste TCA Sul o Digno Magistrado do Ministério Público, não obstante notificado para o efeito, não emitiu parecer.
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. O júri do concurso elaborou relatório preliminar em 15-4-2011, em que propunha a adjudicação da proposta apresentada pela autora – cfr. doc. nº 3 junto com a P.I.;
ii. Apresentadas resposta em sede de audiência prévia, o júri do concurso elaborou relatório final em que refere que o segundo relatório preliminar havia sido comunicado aos concorrentes, em sede de audiência prévia e que os mesmos não se haviam manifestado e delibera adjudicar a proposta apresentada pela contra-interessada “N………….., S.A.”, pelo preço de € 68.600,88 – cfr. doc. nº 6 junto com a P.I.;
iii. A decisão de adjudicação no concurso público foi publicada na plataforma electrónica, em 31 de Maio de 2011 – cfr. doc. 7 junto com a P.I.;
iv. A autora reclamou da decisão de 31 de Maio de 2011, alegando, entre o mais, que não foi notificada para o exercício do direito de audiência prévia – cfr. doc. nº 8 da P.I.;
v. Em 16-6-2011, o júri do concurso comunicou aos concorrentes que revogou a decisão de adjudicação que havia tomado em 27-5-2011 – e que tinha colocado na plataforma electrónica em 31-5-2011 – e facultou aos concorrente o prazo de 5 dias para exercerem o direito de audiência prévia sobre o segundo relatório preliminar datado de 9-5-2011, em que se previa a referida decisão de adjudicação – cfr. doc. nº 1 junto com a contestação da ré e acordo;
vi. A ré introduziu o segundo relatório preliminar datado de 9-5-2011, na secção da plataforma informática "esclarecimentos" – acordo;
vii. Em 26 de Julho de 2011, foi remetida a P.I. da presente acção para este Tribunal – cfr. doc. de fls. 2;
viii. Em 29-6-2011, a autora apresentou a sua resposta em sede de audiência prévia – cfr. doc. nº 15 junto com a P.I.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A recorrente começa por invocar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia – artigo 668º, nº 1, alínea d) do CPCivil – pelo facto da sentença recorrida não ter conhecido de todas as causas [de invalidade] invocadas, nos termos do artigo 95º, nº 2 do CPTA, além de não ter apurado a data correcta e os prazos para o exercício do direito de audição, prévios à adjudicação, sob pena de indeterminação destes.
Vejamos se lhe assiste razão.
A autora intentou a presente acção invocando o disposto nos artigos 100º e segs. do CPTA, pedindo a “revogação dos actos nulos da ré, a tempestividade da reclamação da autora ao 2º relatório preliminar, cuja caducidade foi declarada pela ré na providência, revogando-se a mesma e a final dar a presente acção como procedente e provada, considerando a autora a ser o único concorrente que preenche integralmente os requisitos contratuais, excluindo-se a co-interessada N…………., por apresentar um preço acima da base concursal ou, assim não sendo, superior ao da autora”.
Como resulta dos preceitos invocados, trata-se de um processo especial, instituído em razão da urgência na obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa, a que se aplica o regime processual da acção administrativa especial [regulado nos artigos 46º e segs.], e tem por objecto a impugnação de actos administrativos praticados no âmbito dos procedimentos relativos à formação do elenco de tipos contratuais enunciados no nº 1 do artigo 100º.
Como sustentam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha [no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, a págs. 667], “o carácter impugnável dos actos relativos à formação dos contratos é determinado à luz dos princípios gerais consagrados no artigo 51º [aplicável por remissão do artigo 100º, nº 1]. Deste modo, não apenas o acto de exclusão de um candidato ou o acto final de adjudicação, mas também actos procedimentais susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos poderão ser abjecto de impugnação, dentro dos condicionalismos supra indicados, nas notas ao artigo 51º. Não apenas os actos primários, mas também os actos secundários, como é o caso de um acto de anulação do procedimento pré-contratual ou de revogação da adjudicação, são impugnáveis através da presente forma de processo”.
Porém, como decorre dos autos, e mais concretamente do pedido formulado pela autora, esta não impugna nenhuma dessas categorias de actos, limitando-se a pedir a revogação dos actos nulos da ré [sem contudo os identificar], a tempestividade da reclamação da autora ao 2º relatório preliminar, cuja caducidade foi declarada pela ré na providência, revogando-se a mesma [questão cuja apreciação deveria ter requerido no âmbito da providência em causa e, se desatendida, no recurso interposto ou a interpor dessa decisão] e, a final, dar a presente acção como procedente e provada, considerando a autora a ser o único concorrente que preenche integralmente os requisitos contratuais, excluindo-se a co-interessada N……………., por apresentar um preço acima da base concursal ou, assim não sendo, superior ao da autora [questão que o tribunal não poderia conhecer, como reconheceu a decisão recorrida, por o júri do concurso ainda não ter proferido decisão e, consequentemente, inexistir acto de adjudicação].
Deste modo, a sentença não podia ter conhecido de causas de invalidade que não se reportavam a nenhum acto concreto, pois que nenhum foi impugnado pela recorrente, não incorrendo desse modo na nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPCivil.
Mas mais.
A situação dos autos é facilmente enquadrável na previsão do artigo 89º, nº 1, alínea a) do CPTA, por referência ao artigo 193º, nº 2, alínea a) do CPCivil, que comina com a nulidade de todo o processo quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, pois não existe – nem a recorrente o indicou – qualquer acto lesivo susceptível de impugnação.
Em tais casos, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância quando verifique a existência dessa excepção dilatória, posto que o conhecimento da mesma é oficioso, face ao que dispõe o artigo 495º do CPCivil.
Contudo, não obstante ter reconhecido que [ainda] não havia acto lesivo, a decisão recorrida considerou que a petição não era ininteligível, mas sim que ocorria manifesta falta de interesse em agir e, como tal, julgou extinta a instância.
Embora se discorde da decisão, na parte em que considerou que a petição não era ininteligível, não pode a mesma ser reapreciada pois que não foi atacada com esse fundamento. Porém, também se nos afigura ocorrer manifesta falta de interesse em agir já que, como se viu, não foi praticado nenhum acto lesivo, susceptível de impugnação pelo meio processual previsto nos artigos 100º e segs. do CPTA, nem a recorrente logrou identificar um só acto que fosse que pudesse ser enquadrado nesse meio processual, pelo que não se vislumbra qual a utilidade que poderia derivar para a recorrente da procedência da acção [cfr. artigo 26º do CPCivil, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA].
Porém, a consequência processual da falta de interesse em agir da recorrente não é a extinção da instância, mas sim a absolvição da mesma, nos termos do artigo 89º, nºs 1 e 2 do CPTA, por referência ao disposto nos artigos 493º, nº 2 e 494º do CPCivil.
Por conseguinte, ocorrendo manifesta falta de interesse em agir da recorrente, impunha-se a absolvição da ré e da contra-interessada da instância e não, como ajuizou a decisão recorrida, a extinção da instância.
Tal conclusão não obsta, contudo, à improcedência das conclusões da alegação da recorrente.

IV. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os juízes do TCA Sul em negar provimento ao recurso e, com fundamento na falta de interesse em agir da recorrente, absolver a ré e a contra-interessada da instância.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012
[Rui Belfo Pereira – Relator]
[Paulo Gouveia]
[António Coelho da Cunha]

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