quinta-feira, 15 de março de 2012

MODIFICAÇÃO OBJECTIVA DA INSTÂNCIA - PEDIDO - CAUSA DE PEDIR - FACTOS SUPERVENIENTES.


Proc. Nº 8410/12    TCAS     1 de Março de 2012-03-15

- A modificação objectiva da instância prevista no art.º 63.º do CPTA pode ser feita em qualquer estado do processo, em primeira ou em segunda instância, sem necessidade de haver acordo de ambas as partes, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito (art.º 272.º do CPC).

-A imposição à Administração do dever de trazer ao processo a informação da existência dos eventuais actos conexos com o acto impugnado que venham a ser praticados na pendência do mesmo, tendo em vista a modificação objectiva da instância, é incompatível com a aplicação do disposto nos n.os 1 e 2 do art.º 273.º, do CPC, já que a necessidade de acordo de ambas as partes esvaziaria de sentido útil o disposto no art.º 63.º, n.º 3, do CPTA.

- A modificação objectiva da instância, determinada pela prática de eventuais actos conexos com o acto impugnado e posteriores a este, não se confunde com a alegação dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos supervenientes, prevista no art.º 86.º, n.º 1, do CPTA, norma que tem por fonte o art.º 506.º, n.º 1, do CPC, já que neste caso a superveniência respeita apenas a factos que não importam a modificação substancial da causa de pedir e, consequentemente, do pedido inicial.

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório
a) - As partes e o objecto do recurso
S………… - Serviços ……….., SA (S……….), inconformada com a sentença proferida pelo TAF de Sintra, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual que instaurou contra o Município de Sintra e a contra-interessada E……….- ………….., S.A. (E……….), em que impugna a deliberação de adjudicação da aquisição de serviços de vigilância, vigilância pontual, rondas, manutenção preventiva, ligação, intervenção em sistemas de segurança em edifícios municipais, para o período de 1 de Abril a 31 de Dezembro de 2011 e para o ano de 2012 à contra-interessada, adoptada em 30 de Março de 2011, pela Câmara Municipal de Sintra, na sequência do Relatório Final do Júri do Concurso, datado de 28 de Março de 2011 e pede a (i) a anulação do acto de adjudicação impugnado e caso o contrato de prestação de serviços tenha sido celebrado a anulação do mesmo, e a (ií) condenação da Entidade Demandada à prática do acto devido de elaboração de novo Relatório Final no qual a Autora seja classificada em primeiro lugar, no âmbito do Concurso Público Internacional para aquisição de serviços de vigilância, vigilância pontual, rondas, manutenção preventiva, ligação, intervenção em sistemas de segurança em edifícios municipais e, consequentemente, seja adjudicado à Autora o contrato objecto do mesmo, veio apresentar recurso de revista per saltum para o STA, em cujas alegações conclui como segue:
Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta Sentença proferida, em 24 de Agosto de 2011, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, através da qual o Tribunal a quo julgou improcedentes as alegações de (i) ilegalidade da admissão da proposta apresentada pela Contra-lnteressada, (ii) vinculação do júri à exclusão da proposta da Contra-lnteressada e (iii) ilegalidade da adjudicação por falta de habilitação legal para a prestação dos serviços objecto do contrato a celebrar.
B. O Tribunal a quo deu como provado que a Entidade Adjudicante exigia (daí empregar o termo "obrigatoriamente") que os concorrentes apresentassem uma lista de procedimentos que executariam aquando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa e que a ora Contra-lnteressada não apresentou a referida Declaração, nos termos exigidos, na medida em que não apresentou qualquer lista detalhada de procedimentos a executar aquando da recepção de alarme para efeitos de protecção activa. Ou seja, a Contra-interessada não apresentou uma das declarações especificamente exigidas pela Entidade Adjudicante, com vista a que os Concorrentes se vinculassem a determinados termos e condições.
C. O documento apresentado pela Contra-interessada não contém qualquer lista detalhada de procedimentos a executar aquando da recepção de alarme para efeitos de protecção activa na medida em que aquela se limita a declara o seguinte "Contenha, uma lista detalhada com os procedimentos que o concorrente executará aquando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa"
D. Assim, o busílis do presente recurso, no que a este ponto respeita, centra-se em saber se, perante a concreta declaração apresentada pela Contra-lnteressada é possível concluir, através de um exercício interpretativo, que a mesma apresentou a declaração exigida pelo ponto ix da alínea c) da cláusula 10.a do Programa do Procedimento, isto é, se da declaração supra transcrita é possível extrair uma lista detalhada de procedimentos a executar aquando da recepção de alarme para efeitos de protecção activa e, consequentemente, não se justificar a exclusão da sua proposta.
E. A Recorrente não se conforma com a interpretação expendida pelo Tribunal a quo, pelos seguintes fundamentos: (i) está em causa a interpretação de negócios formais, pelo que, face ao teor da declaração apresentada, não poderia o Tribunal a quo ter concluído nos termos em que o fez; (ii) a declaração apresentada é insusceptível de responder à concreta solicitação da Entidade Adjudicante e, consequentemente, nenhum sentido lhe pode ser atribuído; (iii) não está em causa um documento pré-elaborado por referência ao termo do prazo de apresentação de propostas, mas sim um documento integrante da própria proposta, insusceptível de ser apresentado em momento posterior ou em sede de execução de contrato; (iv) não tendo sido apresentada qualquer lista de procedimentos, verifica-se a falta de um documento, com as necessárias consequências legais.
F. A interpretação de uma declaração prestada no âmbito de um negócio formal tem, necessariamente, que ter um reflexo no documento apresentado, sob pena de serem ultrapassados os limites da interpretação.
G. A Contra-lnteressada, na declaração que apresentou, não indicou qualquer lista de procedimentos, razão pela qual não poderia o Tribunal a quo retirar do conteúdo da interpretação uma lista de procedimentos que inexiste de todo.
H. A Contra-interessada, tal como emitiu a sua declaração negocial, não se vinculou à execução de quaisquer procedimentos, pelo que não podia o Tribunal a quo interpretar a declaração apresentada no sentido de que a mesma, ainda assim, permitiria dar cumprimento à obrigação que impendia sobre todos os concorrentes de se vincularem a um determinado procedimento.
I. A interpretação expendida pelo Tribunal a quo conduziu, inexoravelmente, a um resultado que não tem o mínimo de correspondência com a declaração apresentada pela Contra-interessada, o qual ultrapassa os próprios limites da interpretação.
L. Por força do princípio da intangibilidade das propostas e, bem assim, da própria natureza de um procedimento concorrencial, não é aplicável ao caso concreto o disposto no n.° 2 do artigo 238.° do CC e inexiste in casu qualquer erro de cálculo ou de escrita subsumível na hipótese prevista no artigo 249.° do CC.
O. É irrelevante a vinculação dada a posteriori, pela Contra-interessada em sede de Audiência Preliminar, porquanto é evidente que qualquer concorrente, na iminência de ganhar um concurso desta dimensão, aceitará sempre tudo, dirá sempre que a sua "vontade real" era, precisamente, a querida pela Entidade Adjudicante.
P. A declaração apresentada pela Contra-interessada é insusceptível de responder à concreta solicitação da Entidade Adjudicante e, consequentemente, nenhum sentido lhe pode ser atribuído.
Q. Não tendo a Contra-interessada apresentado qualquer lista de procedimentos que executaria aquando da recepção de alarme, é evidente que a mesma não se vinculou à execução de quaisquer procedimentos, nem sequer aos procedimentos mínimos constantes do CE.
N. A declaração exigida pela Entidade Adjudicante é insusceptível de ser apresentada em momento posterior ou em sede de execução de contrato, porquanto não está em causa um documento pré-existente por referência à data de apresentação das propostas.
O. A declaração exigida pelo ponto ix da alínea c) do n.° 1 da Cláusula 10.a do Programa do Procedimento constitui um documento integrante da proposta, o qual ou existe e é apresentado ou não existe e não é apresentado, sendo certo que é na fase pré-contratual e não em sede de execução do contrato que o cumprimento das especificações técnicas é verificado, pelo que é naquela fase que os Concorrentes têm que definir os termos e condições em que contratarão.
P. Após a verificação do cumprimento das exigências determinadas pela Entidade Adjudicante é que uma determinada proposta está em condições de ser avaliada, pelo que o facto de a Contra-lnteressada não ter apresentado a declaração exigida constituía um impedimento à valoração da sua proposta.
Q. Os requisitos constantes do CE e do Anexo B àquele têm que ser observados antes da adjudicação, sob pena de violação dos princípios da transparência, igualdade, concorrência leal, imparcialidade e boa fé.
R. Não tendo a Contra-lnteressada apresentado a declaração em causa, nos termos exigidos, e não sendo a mesma susceptível de apresentação em momento posterior, por estar em causa um documento elaborado pelo concorrente, a Contra-interessada não poderia, sequer, ser notificada para suprir a sua não apresentação, pelo que se justifica por inteiro a exclusão da proposta apresentada.
S. A apresentação de declarações deficientes é, muitas vezes, equiparada à falta de apresentação, razão pela qual é absolutamente inócuo que o Tribunal refira que, no caso concreto, a Contra-lnteressada apresentou a declaração - por contraposição à não apresentação de documentos -, na medida em que a declaração apresentada não cumpria os requisitos exigidos pela Entidade Adjudicante.
T. Considerando que (i) O PP impunha que os concorrentes apresentassem uma lista detalhada dos procedimentos a adoptar em caso de recepção de alarme para efeitos de protecção activa; (ii) tanto a lei (alínea b) do n.° 2 do artigo 70.° e alínea o) do n.° 2 do artigo 146.°, ambos do CCP) como o PP (n.° 2 da sua Cláusula 18.a) estabeleciam que a cominação para a não apresentação da referida lista de procedimentos consistiria na exclusão da proposta e (iii) a Contra-interessada não apresentou qualquer lista com os procedimentos a adoptar, deveria a proposta da Contra-lnteressada ter sido excluída, pois que a apresentação do documento não era facultativa, nem alternativa, tal como nem está na disponibilidade do Júri dispensá-la, pois os documentos concursais o exigem.
O acto de adjudicação é manifestamente ilegal, por vício de violação de lei, porquanto a não apresentação de um documento exigido pelo PP conduz, inexoravelmente, à exclusão do concorrente, sendo este um acto vinculado do júri.
A Entidade Adjudicante procedeu à adjudicação do contrato de prestação de serviços a uma entidade que não dispõe de habilitação legal para a prestação dos serviços em causa.
Os Alvarás números 113 A, 113 B e 113 C de que a Autora era titular eram, nas palavras do próprio Tribunal a quo válidos até 2011/03/15, nos termos do n°3 do artigo 22° do Decreto-Lei n.° 35/2004, de 21 de Fevereiro, aditado pelo artigo 1° do Decreto-Lei 135/2010, de 27 de Dezembro."

O Tribunal a quo entendeu que cabia à Autora alegar e demonstrar que a Contra-Interessada não havia requerido a renovação dos Alvarás em causa ou que, tendo sido requerida a renovação dos alvarás, esta não tenha sido deferida, contudo não era sobre a Autora que impendia o ónus da prova do facto supra referido.
Além de a Autora não ter como provar o referido facto, na medida em que está em causa um facto negativo, pelo que a prova por parte da Autora seria praticamente impossível ou muito onerosa, não era a esta que incumbia sequer alegar e muito menos provar que não havia sido requerida a renovação dos alvarás ou de que esse pedido de renovação havia sido indeferido.
A Autora apenas tem conhecimento dos documentos constantes do processo administrativo, e são este que determinam a verdade processualmente relevante, pelo que apenas cabia à Autora alegar e demonstrar, de acordo com os documentos constantes do processo, os Alvarás de que a Contra-lnteressada é titular pela expiraram em 15 de Março de 2011.
Donde, resulta dos documentos constantes do processo administrativo (e dos próprios factos assentes) que, à data da adjudicação, a Contra-interessada não dispunha de habilitação legal para proceder à execução do contrato objecto do procedimento concursal em causa, pelo que não poderia ser beneficiária de um contrato cuja execução se encontra legalmente inibida de cumprir, por falta de habilitação legal.
BB. A alegação e a prova de foram emitidos novos Alvarás ou renovados os existentes competia ao Réu e à Contra-lnteressada (na medida em que está em causa um facto que lhes aproveita) sendo certo que ambos os sujeitos processuais nada disseram quanto a este aspecto nas respectivas contestações, o que não poderia deixar de ser adequadamente valorado.
CC. Pese embora, de acordo com o artigo 83.° do CPTA, não exista um verdadeiro ónus de impugnação especificada, o Tribunal deve apreciar livremente a atitude da parte, designadamente a não contestação de algum facto, defendendo a melhor Doutrina que a falta de contestação consubstancia uma confissão tácita dos factos alegados pela Autora.
DD. Não tendo o Réu nem a Contra-lnteressada contestado o alegado pela Autora, não havendo qualquer documento no processo administrativo em sentido contrário ao Alegado pela Autora e, tendo até o Tribunal dado como provado que os Alvarás que a Contra-interessada era titular expiraram em 15 de Março de 2011 (que é o mais relevante), é manifesto que, à data da adjudicação, a Contra-lnteressada não se encontrava legalmente habilitada a prestar os serviços de segurança privada objecto do concurso em causa, pelo que o acto de adjudicação deveria ter sido anulado por vício de violação de lei, pelo que deverá a sentença em crise ser revogada.
O recorrido Município de Sintra contra-alegou, pugnando pelo acerto da sentença. A contra-interessada não alegou.
Em momento posterior à apresentação das alegações, a recorrente veio peticionar a ampliação do objecto da instância à impugnação do contrato celebrado entre a entidade recorrida Município de Sintra e a recorrida contra-interessada.
Determinada, por despacho do relator, a baixa do processo a este TCA Sul, foi emitido parecer pelo EMMP no sentido de ser mantida a sentença recorrida.
Posteriormente foram as partes notificadas para informar se tinha ocorrido a celebração do contrato a que se reportam os autos, o que veio a ser confimado pela entidade recorrida, Município de Sintra.
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Sem vistos vem o processo à conferência.
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b) – Questões a decidir
A questão a decidir consiste em saber se é admissível nesta fase a ampliação do pedido e se, sendo-o, é possível o seu conhecimento, ou não, pelo tribunal de recurso.
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2 - Fundamentação
a) - De facto
Nos termos do art.º 713.º, n.º 6, do CPC, remete-se para a matéria de facto fixada na primeira instância, por não ter sido impugnada.
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b) – De Direito
A recorrente veio peticionar a ampliação do recurso à averiguação da legalidade do contrato celebrado entre o réu e a contra-interessada, relativo ao concurso sub judice. Essa ampliação consubstancia uma modificação objectiva da instância, prevista no art.º 63.º, n.º 1, do CPTA, e concretamente no que se refere às acções relativas à formação de contratos, no n.º 2 do mesmo normativo.
A modificação foi requerida depois de apresentadas as alegações e mesmo depois dos autos terem sido remetidos para o STA, de onde baixaram para este TCAS.
A questão que se coloca é a de saber se essa modificação é admissível nesta fase processual, e sendo se dela é possível conhecer.
A jurisprudência dos tribunais superiores, apoiando-se no art.º 684.º do CPC, é unânime no sentido de que os recursos jurisdicionais obedecem a duas regras precisas: a primeira, a de que o seu âmbito é delimitado pelas conclusões do recorrente, e a segunda, de que não é possível conhecer de questão nova que não tenha sido colocada previamente ao tribunal a quo, a menos que o seu conhecimento seja oficiosamente imposto.
Esta segunda regra tem por base a disponibilidade ou indisponibilidade das questões: se a questão incide sobre matéria na disponibilidade das partes, o recorrente pode, tácita ou expressamente, prescindir da sua arguição perante o tribunal a quo, o que, consequentemente, impede que seja apreciada em recurso pelo tribunal superior. Se se trata de matéria indisponível, o conhecimento oficioso da questão sobrepõe-se à regra de que os recursos visam o reexame ou reponderação da decisão recorrida, nos concretos pontos que sejam desfavoráveis ao recorrente, implicando a pronúncia do tribunal de recurso.
Note-se, porém, que o objecto do recurso pode ser ampliado, a requerimento do recorrido, ao fundamento em que a parte vencedora decaiu ou quando seja arguida, por aquele, na respectiva alegação e a título subsidiário, a nulidade da sentença ou seja impugnada a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente (art.º 684.º-A, n.º 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art.º 1.º, do CPTA).
A regra de que o tribunal de recurso só deve, em princípio, conhecer das questões colocadas perante o tribunal a quo (ainda que por este não tenham sido decididas), colhe-se também do disposto no art.º 149.º, n.os 5 e 6, do CPTA, diploma que, aliás, especifica outros casos em que é imposto o conhecimento oficioso, como sucede com a pronúncia sobre causas de invalidade dos actos impugnados, diversas das que tenham sido alegadas (art.º 95.º, n.º 2) (1).
Além disso, o CPTA permite a modificação objectiva da instância, regulada nos artigos 63.º e 70.º, aqui denominada alteração. No primeiro caso tem-se em vista os novos actos que venham a ser praticados no procedimento em que se insere o acto impugnado, e no segundo os actos de indeferimento expresso da pretensão, praticados na pendência da acção, que obviamente teria por escopo inicial a condenação à prática do acto devido.
Pondo de lado esta segunda situação, que para o caso presente não interessa, debrucemo-nos sobre a modificação objectiva da instância prevista no art.º 63.º
Este artigo estabelece os pressupostos dessa modificação, mas não refere quando a mesma pode ser requerida, o que obriga à aplicação subsidiária das normas do processo civil previstas para situação semelhante, por expressa imposição do art.º 1.º do CPTA.
Valem então, prima facie, os artigos 272.º e 273.º do CPC, que se referem à alteração do pedido e da causa de pedir e que consagram regras atinentes não só à fase processual em que a alteração pode ser requerida, mas também quanto à legitimidade para a deduzir, abrindo duas vias: se ambas as partes estiverem de acordo, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito (art.º 272.º). Se não estiverem de acordo, rege o disposto no art.º 273.º, que restringe a admissibilidade da alteração às fases processuais que especifica, consoante os casos.
Em qualquer caso o limite para a ampliação em caso de falta de acordo é o encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância.
Só que o art.º 273.º do CPC não é subsidiariamente aplicável porque nas acções administrativas especiais a concordância do réu é dispensada no que concerne à modificação prevista no art.º 63.º do CPTA. Com efeito, o n.º 3 do art.º 63.º impõe à entidade demandada que, para efeitos do disposto nos números anteriores, isto é, para efeitos da modificação objectiva da instância, deve trazer ao processo a informação da existência dos eventuais actos conexos com o acto impugnado que venham a ser praticados na pendência do mesmo.
Portanto, da interpretação conjugada do n.º 3 com os números anteriores do art.º 63.º, e tendo em conta a vincada consagração no CPTA do princípio da tutela jurisdicional efectiva, extrai-se a conclusão que impende sobre a entidade demandada um dever de informação processual relativo à prática de novos actos no procedimento, conexionados com o acto impugnado, para que o autor possa fazer uso do mecanismo processual contemplado nos números 1 e 2, e sem que para tal necessite da anuência do réu.
Assim, não sendo necessária a anuência ou concordância deste, a lacuna aparente do art.º 63.º é integrada apenas pela norma ínsita ao art.º 272.º do CPC, o que significa que a modificação objectiva da instância na acção administrativa especial pode ser requerida em qualquer fase do processo, seja em primeira, seja em segunda instância, a não ser que a modificação perturbe “inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito”, situação que nos parece muito residual e incerta e que não quadra ao caso vertente.
Esta possibilidade (a modificação da instância em fase de recurso), não é impedida pelo disposto no art.º 86.º, que permite que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos supervenientes podem ser deduzidos em novo articulado, pela parte a que aproveitem, até à fase das alegações (n.º 1) e dentro dos 10 dias posteriores à notificação, quando se trate de elementos desconhecidos até à junção ou em relação aos quais não tinha sido possível o acesso n.º 3.
É que os factos supervenientes a que este artigo se refere são aqueles que não importam a modificação substancial da causa de pedir, e não os factos supervenientes que determinam a modificação objectiva da instância, designadamente para ampliação impugnatória de novos actos. Com efeito, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC, “aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, enquanto que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos compete àquele contra quem a invocação é feita, como prevê o n.º 2.
Referem Pires de Lima e Antunes Varela a este propósito: “Aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram; a parte contrária terá de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos (a incapacidade, a falta ou vícios da vontade, a impossibilidade do objecto, a fraude à lei, etc .) .
O mesmo critério (de normalidade) deve nortear o intérprete, em seguida, quanto às próprias circunstâncias que servem de causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito invocado. Assim, se o réu invocar a prescrição (como facto extintivo do direito do autor), sobre o autor recairá, por sua vez, o ónus de provar a suspensão ou a interrupção da prescrição que haja obstado à consumação desta . E assim por diante
(2).
Deste modo, a atendibilidade dos factos supervenientes, prevista no art.º 86.º, n.º 1, normativo que tem a sua génese no art.º 506.º, n.º 1, do CPC, visa unicamente aproximar a decisão à realidade que se verifica no momento em que é proferida a sentença, tal como se prevê no art.º 663.º, n.º 1, do CPC (3). Daí que se toda a modificação objectiva da instância tem de ser fundada em factos objectivamente supervenientes, não é menos verdade que nem todos os factos supervenientes justificam essa modificação, designadamente se apenas se configuram como impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado.
Prova disso é o limite substantivo ínsito ao n.º 2 do art.º 663.º do CPC, que restringe os factos supervenientes àqueles que, segundo a lei (substantiva) aplicável “tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida”, enquanto a primeira parte do número anterior faz uma clara distinção entre factos supervenientes que importem ou não a modificação da causa de pedir, o que reforça o entendimento que aqui se deixa expresso.
Esta similitude entre o regime processual de contencioso administrativo e o regime processual civil, neste preciso aspecto, é também patenteada no art.º 91.º do CPTA, que no n.º 5 distingue nitidamente entre novos fundamentos do pedido (factos supervenientes constitutivos), e a modificação objectiva da instância (n.º 6).
Posto isto e considerando que a modificação objectiva da instância é requerida pela recorrente em fase de recurso jurisdicional, não obstante a mesma ser admissível não deve ser conhecida pelo tribunal ad quem, pelas razões que se alinham de seguida:
Em primeiro lugar e como se disse, porque em regra o recurso jurisdicional não visa criar soluções sobre questões novas, mas apenas reapreciar, reexaminar ou reponderar as soluções jurídicas tomadas no tribunal a quo, despistando ou corrigindo eventuais erros de julgamento que tenham sido cometidos. Sem prejuízo, obviamente daquelas questões cujo conhecimento oficioso seja obrigatório.
Em segundo lugar, ao conhecer de questão cujo conhecimento não lhe é imposto por lei o tribunal de recurso viola o direito ao duplo grau de jurisdição – que pode ser extraído do art.º 2.º da CRP -, vigente no ordenamento judicial português e no contencioso administrativo em particular.
Em terceiro lugar porque essa tem sido a orientação dos tribunais superiores judiciais, orientação que não só pelas razões acima aludidas se entende aqui acolher, mas também porque é de toda a conveniência que haja uma decisão conjunta sobre todo o objecto do processo.
Deve, pois, ordenar-se a baixa do processo ao tribunal a quo, para conhecimento da questão que a recorrente levanta neste recurso, se a tanto nada mais obstar, ficando consequentemente prejudicado, por ora, o conhecimento do recurso interposto.
*
3 - Dispositivo:
Pelo exposto, acordam em ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo, a fim de ser processualmente admitida e decidida a modificação objectiva da instância, requerida pela recorrente, se a tanto nada obstar.
Custas a fixar a final.
D.n.
Lisboa, 2012-03-01

_____________________________________ (Benjamim Barbosa, Relator)
_____________________________________ (Sofia David)
_____________________________________ (Carlos Araújo)


(1) Porém, o não conhecimento de causas de invalidade diversas das alegadas não configura, como frequentemente é reclamado, uma causa de nulidade por omissão de pronúncia. Esta categoria de nulidade diz respeito, apenas, às questões suscitadas pelas partes, em relação às quais a falta de pronúncia viola o disposto no art.º 668º, nº 1 d) do CPC, por força do estatuído no art.º 660º, nº2 (1ª parte) do mesmo diploma. E à pergunta do que, para efeitos processuais, significa exactamente o vocábulo questão, tem a jurisprudência e doutrina dado respostas coincidentes, considerando a primeira, na linha do pensamento de Alberto dos Reis, que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põe ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão" (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, p. 143). Ou seja, não ocorre omissão de pronúncia se o tribunal não se pronuncia sobre algum argumento, razão ou pressuposto esgrimido pela parte como suporte do sentido em que entende dever ser resolvida a controvérsia relativa a certa questão que colocou (no mesmo sentido veja-se Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, pp. 286 e s..).
Portanto, ao não detectar ou identificar, nem conhecer de causas de invalidade do acto impugnado diversas das que tenham sido alegadas o juiz está, apenas e implicitamente, a rejeitar a hipótese da sua existência e não a cometer qualquer nulidade processual, já que só faz sentido que o tribunal se pronuncie nesses termos se considerar fundada uma causa de invalidade que lhe permita decretar a nulidade/anulabilidade do acto impugnado (neste sentido, Ac. do STA de 13-07-2011, Proc. n.º 01111/09).
(2) Código Civil Anotado, I vol., 4.ª ed., p. 283
(3) Assim, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 81

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