Processo nº: 1042/2010 STA - Data:
2011-03-22
CONTENCIOSO
PRÉ-CONTRATUAL
ANÁLISE DE PROPOSTAS
INTERPRETAÇÃO
CRITÉRIOS
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DAS PROPOSTAS
ERRO MATERIAL
CORRECÇÃO
ESCLARECIMENTO
FORNECIMENTO DE BENS E SERVIÇOS
ANÁLISE DE PROPOSTAS
INTERPRETAÇÃO
CRITÉRIOS
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DAS PROPOSTAS
ERRO MATERIAL
CORRECÇÃO
ESCLARECIMENTO
FORNECIMENTO DE BENS E SERVIÇOS
Sumário:
I - As propostas
apresentadas pelos candidatos/concorrentes no âmbito de um concurso público,
constituindo declarações negociais, estão sujeitas a interpretação como
qualquer declaração de vontade, sendo aplicáveis, na falta de disposição
especial nesta matéria, os critérios interpretativos previstos no Código Civil
para os negócios formais (artº238º deste diploma).
II - O
princípio da intangibilidade ou estabilidade das propostas, corolário do
princípio da concorrência que vigora, em especial, no direito de contratação
pública, impede a sua alteração até à adjudicação (cf. artº14, nº2 do DL
197/99, de 08.06, aqui ainda aplicável), mas tal não obsta à correcção de
lapsos e erros materiais que as propostas apresentem, quando manifestos, sendo
até de correcção oficiosa e a todo o tempo, como impõem os artº249º do CC e
148º do CPA, que consagram um princípio geral de direito.
III - Como também não obsta a que sejam prestados
esclarecimentos sobre qualquer dúvida ou ambiguidade que as propostas
contenham, como decorre do artº92º, nº3 do citado DL 197/99.
IV - Porém, o referido em I e II, deve apenas
limitar-se a tornar clara qualquer ambiguidade ou obscuridade de que a proposta
padeça, não podendo introduzir qualquer elemento novo que possa influir na sua
apreciação e avaliação, sob pena de violação dos referidos princípios
concursais.
V - O equipamento objecto do contrato a celebrar
deve conter as funcionalidades exigidas nos diplomas concursais no momento da
execução do contrato, a não ser que outra coisa resulte, inequivocamente,
desses diplomas.
Acordam, em conferência, os juízes da Secção
de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I- RELATÓRIO
A…, C… e D…, com os sinais dos autos, vieram
interpor recurso de revista excepcional para este STA, ao abrigo do artº150º do
CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido a fls. 810
e segs. dos autos que, concedendo provimento ao recurso interposto da sentença
proferida nos autos pelo Mmo. Juiz do TAF do ..., a revogou na parte em que na
mesma se julgou procedente a presente acção de contencioso pré-contratual, por
violação das regras de concurso relativas ao prazo de execução, mantendo-a na
parte que julgou improcedentes os demais vícios e, em consequência, julgou
improcedente a presente acção de contencioso pré-contratual e absolveu os
demandados do pedido.
Terminou as suas alegações, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1ª. A matéria da interpretação dos negócios
jurídicos constitui relevante matéria de direito, ainda para mais quando está
em causa a aplicação do artº236º do Código Civil e respectivos critérios
interpretativos a Propostas no seio de contratação pública.
2ª. Tendo o TCA Norte aplicado, sem mais, o
disposto no artº236º do Código Civil, a primeira questão que deverá ser objecto
de clarificação, por parte deste douto STA é saber se se
admite a aplicação (ainda que supletiva) dos critérios interpretativos
definidos no Código Civil para as declarações negociais.
3ª. Parece ser legalmente inadmissível a aplicação
tout court do artº236º do Código Civil, pois a Proposta num concurso público é
uma declaração negocial sui generis, com um “carácter especial”, pois, desde
logo, está regulada pelo Direito Administrativo que, naturalmente, lhe
conferirá um regime próprio dificilmente subsumível nos esquemas e liberdades
do Direito Civil.
4ª. Por outro lado, os critérios interpretativos do
Código Civil estão ainda estabelecidos no artº238º, que o TCA Norte olvidou,
pelo que a admitir-se a aplicação daquele Código, obrigatoriamente a interpretação
da Proposta terá de obedecer ao disposto naquele normativo.
5ª. Na interpretação da Proposta dos autos, não
podia o TCA Norte dizer que “é evidente que uma pessoa razoável, normalmente
atenta, não pode concluir que a proposta ultrapassa objectivamente o prazo de 4
meses. Basta ler o que o proponente diz a respeito do cronograma geral (…). «É
um processo que necessita ainda de definições de datas de calendário e
acompanhamento por parte da equipa de planeamento»”, pois o que está em questão
não é uma interpretação de uma declaração negocial privada, segundo o
entendimento de um declaratário normal, mas antes de uma Proposta num concurso
público, que conhece uma delimitação estreita dos seus termos, definidos
designadamente nos Cadernos de Encargos (CE) e no Programa de Concurso (PC) de
forma imperativa.
6ª. Em concurso público, jamais uma “Proposta”
poderá ficar em “aberto”, à espera de “definições de datas de calendário e
acompanhamento por parte da equipa de planeamento” (como apresenta a concorrente,
ao que parece com o acordo do TCA Norte!!).
7ª. Por conseguinte, ao contrário do decidido no
aresto em revista, não se trata de concluir que a Proposta ultrapassa
objectivamente os prazos impostos, mas antes constatar, face a todas as
informações e condições estipuladas na Proposta (nomeadamente nos vários pontos
da explanação que o concorrente nela faz das condições que se propõe contratar
em concreto, principalmente nos cronogramas de execução apresentados e
sobretudo no resumo que faz da proposta no “sumário executivo”), que esta pode
ultrapassar o prazo máximo de execução dada a incerteza da data de início de
execução e a conversão do prazo imposto (em meses) para dias úteis.
8ª. Ora, se pode ultrapassar o prazo, então forçoso
é concluir que a Proposta viola dessa forma uma condição imperativa dos
documentos concursais, não podendo ser admitida.
9ª. De igual forma, uma Proposta que indica uma
execução dividida em 2 lotes viola regra imperativa que estabelece a divisão da
execução em 3 lotes, não podendo ser alterada em sede de interpretação.
10ª. A interpretação da Proposta não pode ser
“correctiva” das deficiências e/ou contradições que apresenta.
11ª. Da mesma forma, a interpretação de uma
Proposta concursal pública, pelos limites que nela se impõem, não pode
contradizer o que nela se diz, mesmo que consentânea com outro conteúdo que a
mesma apresenta.
12ª. Também não pode a interpretação de uma
Proposta fazer-se valer de declarações genéricas e abstractas de cumprimento,
se estas contrariam as condições especificadas, designadamente no ponto
referente a “prazos de execução” e no “cronograma geral” e no resumo (“sumário
executivo”) que dela faz.
13ª. No caso sub judice, o TCA Norte apresenta
admiravelmente uma interpretação diferente da apresentada pelo próprio
concorrente, que resume a sua Proposta e nesse resumo (“Sumário Executivo”)
expressamente estipula as condições que se pode contratar em dias úteis e
“espalha” a sua execução total por 88 dias úteis, que ultrapassam ou podem
ultrapassar prazo limite fixado imperativamente (4 meses) e por apenas 2 lotes
(em vez dos 3 lotes impostos), violando portanto o CE e PC.
14ª. A interpretação que deve fazer-se de uma
declaração do tipo aqui em causa – Proposta concursal pública – não pode ter a
liberdade prevista no artigo aplicado pelo TCANorte (236º do Código Civil) e
muito menos pode corresponder ao sentido de um declaratário normal, pois neste
mundo formal, de regras muito próprias e especiais, essa declaração não é
“normal”, é a Administração Pública e a Proposta é uma declaração sui generis,
sujeita a regras especiais de contratação pública, marcadas por um forte
formalismo e vinculação…
15ª. Por conseguinte, o TCA não pode esquivar-se no
artigo 236º do Código Civil para admitir uma Proposta que, na concretização dos
trabalhos que explana (em vários locais da Proposta), pode ultrapassar o prazo
limite imposto imperativamente no CE e PC e viola a divisão da execução do
contrato em 3 lotes…
16ª. E não pode, por maioria de razão, no caso sub
judice, onde o próprio concorrente, no resumo da sua Proposta (a que chamou
“sumário executivo”) apresenta um prazo que contradiz a interpretação do TCA
Norte…
17ª. Assim, em concreto, o TCA Norte não devia ter
dito que “não se pode concluir que a proposta ultrapassa o prazo imperativo de
4 meses de execução” (pág.24 do Acórdão), mas antes que “tem de se concluir que
a proposta pode ultrapassar o prazo imperativo de 4 meses de execução”, pois
esta é uma consequência lógica da conversão em dias úteis que o concorrente arriscou
(como se tem pronunciado o Tribunal de Contas).
18ª. Desta forma, se dúvidas houvesse, bastava uma
singela pergunta no que tange o prazo máximo: como é que a Proposta cumpre as
regras impostas e os 4 meses máximos de execução (como genérica e abstractamente
declara), se os trabalhos estão divididos em apenas 2 lotes e explicados e
concretizados em 88 dias úteis que, objectivamente, PODEM ser superiores
aqueles 4 meses? A resposta é uma só, não cumpre…
19ª. Ao declaratário especial (e não “normal”)
deste tipo de Propostas, sujeito ao formalismo e às regras imperativas próprias
da contratação pública, não é permitida uma interpretação que altere o que a
Proposta especifica (ao ponto de no próprio resumo da Proposta, o concorrente
ter insistido nos 88 úteis após a assinatura do contrato e na divisão da
execução em 2 lotes) ou corrija o que a Proposta confunde….
20ª. Este o erro de Direito do TCA Norte, que
esquecendo o carácter sui generis de uma proposta contratual pública,
colocou-se na posição de um declaratário normal, com liberdade de
interpretação…
21ª. Estamos dentro de um procedimento
administrativo especial de formação do contrato público, regulado pelo Direito
Público, maxime pelo Direito Administrativo, conhecendo ainda, dentro deste,
regras especiais, de Contratação Pública, pelo que, com estes condicionalismos,
forçoso é concluir que não pode haver uma interpretação com um sentido de um
declaratário normal (como sugere o artº 236º do Código Civil e sufraga o
Acórdão aqui em causa), pois a entidade adjudicante está sujeita às regras
especiais da contratação pública e às regras estritas do CE e do PC…
22ª. Muito menos tal interpretação pode resultar de
uma dedução do comportamento do declarante como admite o artº236º do Código
Civil, pois a Proposta negocial de contratos públicos está sujeita a
formalismos, limites e imposições que não se compadecem com esta “liberdade”
existente no Direito Civil e nos contratos privados em particular.
23ª. Concluindo, o artº236º do Código Civil não é
aplicável tout court à interpretação desta declaração sui generis (“ Proposta”,
pois a sua interpretação não pode ser “livre”, de “Direito Civil”, que
efectuaria um “declaratário normal”, antes se deve conter dentro dos limites
impostos pelas regras imperativas de Direito Administrativo e, em especial, de
Direito de Contratação Pública, que não admite uma interpretação correctiva de
lapsos, como faz o Acórdão do TCA Norte em causa.
24ª. E, não se diga, para explicar o sentido do
declaratário normal, que o Júri não teve dúvidas sobre a interpretação, dado
que não solicitou esclarecimentos, pois não podia o concorrente, em sede de
eventuais esclarecimentos, vir estabelecer uma calendarização de execução do
contrato, diferente da que estabeleceu nos cronogramas e explicou no “sumário
executivo” (em 2 lotes e em dias úteis, com um prazo máximo de 88 dias úteis).
25ª. Nenhuma interpretação da Proposta pode ter o
efeito de “alteração” das condições concretas estipuladas pelo concorrente,
face à intangibilidade da Proposta, pelo que, mesmo admitindo-se a aplicação do
Código Civil, jamais a interpretação podia ser a efectuada pelo TCA Norte, que
consubstanciaria uma ilegal alteração da Proposta (que deixava de estar
“dividida” em apenas 2 lotes e pelos 88 dias úteis apresentados).
26ª. Daí que seja essencial a intervenção deste
STA, não só para a melhor aplicação do Direito (determinando se são aplicáveis
à interpretação das Propostas concursais públicas os critérios interpretativos
definidos no Código Civil, mas também, a admitir-se aquela aplicação das normas
civis, para a melhor interpretação do Direito) definindo os termos e limites em
que se faz aquela aplicação, necessariamente supletiva).
27ª. Mesmo que se admita a aplicabilidade das
normas do Código Civil, então o TCA Norte deveria ter aplicado (também) os
critérios interpretativos do artº238º, pois estamos face a negócios formais,
pelo que interpretação deve ter correspondência no texto da Proposta,
designadamente na sua concretização e nos espaços em que o concorrente explanou
a execução dos trabalhos, especialmente no “sumário executivo”, nas
“metodologias do projecto”, no “cronograma geral do projecto”, no “ fluxograma
geral do projecto” e no “cronograma total das instalações”…
28ª. É nesses locais da Proposta que o concorrente
explicou e concretizou as condições em que se propõe contratar, e nestas
consta, inegavelmente (embora noutros locais não), a divisão da execução em 2
lotes e o limite mínimo de execução de 88 dias úteis, pelo que não pode o douto
TCA agarrar-se a declarações genéricas e abstractas, que não têm, depois, forma
de compatibilização prática, a não ser alterando as condições propostas (o que
violaria o princípio da intangibilidade deste tipo de Propostas).
29ª. Se o concorrente divide a execução em 2 lotes
e por dias úteis, propondo-a e espalhando-a por 88 dias úteis, tal execução não
cumpre a divisão em 3 lotes e pode ultrapassar os 4 meses impostos nos
documentos concursais (como tem sido entendimento do Tribunal de Contas), pelo
que a interpretação possível face ao critério do artigo 238º do Código Civil
não pode passar pela alteração dessas condições da Proposta, mesmo que o
declaratário normal assim o admitisse face a outras “informações” da Proposta
(que contradizem aquelas).
30ª. As declarações genéricas (de cumprimento) não
podem alterar as concretizações da Proposta, tal como é jurisprudência unânime.
31ª. Desta forma, o TCA Norte não só aplica
erradamente o artigo 236º do Código Civil, como esquece o vertido no artigo
238º, pois a admitir-se a aplicação supletiva das normas de Direito Civil,
então forçosamente se aplicará o artigo 238º, que obriga a uma correspondência
da interpretação com o expressamente vertido na declaração, pelo que
32ª. No Acórdão em revista há, pois, um erro de
Direito grave, consubstanciado na errada aplicação dos critérios
interpretativos e no esquecimento da norma eventualmente aplicável, vertida no
artº238º do Código Civil, que obriga a que, estando em causa negócios formais,
a interpretação tenha de corresponder ao conteúdo da Proposta que, como vimos,
em inúmeros locais que explicam as condições de execução, explana os trabalhos
em 2 lotes (em vez de 3) e em dias úteis (em vez de meses), consubstanciando
condições e prazos que violam, ou podem violar os impostos no CE e PC..
33ª. Face a todo o exposto, é fundamental que este
STA, a admitir a aplicação das normas do Código Civil, delimite os termos em
que tal pode e deve acontecer, designadamente em cumprimento do disposto no
artº 238º do Código Civil, visto estarmos perante negócios formais….
34ª. Ao Júri não compete apenas apreciar e comparar
as propostas tal qual são apresentadas pelos concorrentes, pois em situações em
que haja suspeitas fundadas de que alguma foge à verdade, designadamente no que
tange uma funcionalidade valorativa, compete-lhe desenvolver as diligências no
sentido da descoberta da verdade, designadamente procedendo a uma sessão de
demonstração requerida por um dos concorrentes.
35ª. Como refere o TCANorte, “a questão fulcral de
todo o processo é saber se o produto proposto pelos adjudicatários contém ou
não a funcionalidade de escrita simultânea” (página 30 do Acórdão), porque a
Proposta dos adjudicatários releva que os quadros interactivos a fornecer e a
instalar dispõem dessa funcionalidade e os demais concorrentes admitidos põem
em causa a existência dessa característica aquando da apresentação das
Propostas.
36ª. Ora, quando num concurso público de cariz
essencialmente técnico, como o dos autos, em que os concorrentes conhecem como
ninguém os materiais dos demais opositores, algum ou alguns alegam e demonstram
(com indícios fortes) que determinada Proposta não contém “presentemente” a
funcionalidade que alega ter, sendo que tal funcionalidade é valorativa, ao
Júri exige-se o apuramento da verdade (maxime, quando essa Proposta corresponde
à que o Júri identifica como vencedora no Relatório Preliminar, apesar da
questão de “falsidade” já ter sido anteriormente levantada).
37ª. O Júri podia (devia) proceder a uma sessão de
experimentação requerida por outros concorrentes em sede de audiência prévia,
não havendo necessidade que tal diligência esteja expressamente prevista nos
documentos concursais, ao invés do decidido pelo TCA Norte.
38ª. Cumpre, pois, precisar que nestes casos de
“fundada suspeição” não é necessário estar prevista qualquer fase de testes ou
ensaios, ao invés do que decide o TCANorte, pois a prossecução do interesse
público e o exercício das funções do Júri permitem (diríamos, obrigam) à
“descoberta da verdade”, pelo que esta é uma vertente das competências do Júri
previstas no artigo 69º do Código dos Contratos Públicos.
39ª. Fazendo uma delimitação substantiva da função
do Júri, teremos forçosamente de concluir que este não se deve ater apenas às
questões formais e, sobretudo, bastar-se, nestes casos, com uma comparabilidade
meramente formal das Propostas, pois o exercício das suas competências
definidas no artigo 69º do CCP exige-lhe que vá mais longe…
40ª. Ao Júri não basta, nestas situações de
“suspeitas fundadas”, “avaliar as propostas nos termos em que elas são
apresentadas”, pois a sua tarefa é de interesse público, sendo certo que a
Administração Pública (adjudicante) está (ou deve estar) numa outra era, não
podendo, como se decidiu no Acórdão de 29.04.2010 do TCASul, ser vista “no
sentido clássico de uma entidade administrativa que executa actos
administrativos que se esgotam na sua própria execução, que se auto-justificam,
mas no sentido da percepção de uma administração-resultado, em que o que releva
é que o resultado final atingido seja o melhor possível, para o interesse
público visado.»
41ª. Para além do mais, a falsidade ou verdade de
uma Proposta reporta-se ao momento da sua apresentação e não ao momento da sua
execução, pelo que a tese vertida no Acórdão do TCA Norte é inadmissível, pois
a funcionalidade em causa terá de exigir no equipamento proposto na data da
apresentação da Proposta e não apenas futuramente, aquando da execução do
contrato…
42ª. Ora, dos documentos juntos, e que o TCA Norte
resume na pág. 31 e 32 do Acórdão, é certo que não resulta evidente que a
funcionalidade não exista, mas temos forçosamente de ir mais longe, pois é
inegável que desses documentos também não resulta evidente que a funcionalidade
exista…
43ª. Por isso a suspeita levantada pelos demais
concorrentes é, necessariamente, fundada, pois, conforme o TCANorte refere,
tais elementos de prova são documentos particulares (obviamente que nestes
casos a prova autêntica é- quase- impossível…), pelo que, mesmo sujeitos à
livre apreciação pelo tribunal, não deixam objectivamente de ser elementos
probatórios e de, pelo menos, evidenciarem uma “suspeita fundada”.
44ª. Perante tal, no mínimo ficaria a dúvida sobre
a veracidade da Proposta da concorrente no que tange a funcionalidade em causa
(e esta, recorde-se, à valorativa, de tal forma que uma alteração da pontuação
atribuída, alteraria o “resultado final”), o que obriga a rejeitar a tese do
TCANorte.
45ª. O que releva é o momento de apresentação da
Proposta, pelo que era necessário desfazer as dúvidas e para isso deveria o
Júri ter acedido à sessão de ensaio ou experimental (demonstrativa) e, por sua
vez, o Tribunal ter procedido à competente audiência de julgamento, ouvindo as
testemunhas arroladas para o efeito.
46ª. Não cremos corresponder à melhor interpretação
do Direito a tese defendida no Acórdão em revista de que “se a funcionalidade
não existe no momento de entrega dos quadros interactivos o adjudicatário é
responsável contratualmente por esse facto e a Administração pode recusar
recebê-los”, pois este entendimento põe em causa (pelo menos potencialmente) a
prossecução do interesse público, especificamente o que está em causa no
concurso público sub judice, pois o início do ano lectivo e as condições das
escolas não se compadecem com esta “leviandade”…
47ª. Desta forma, urge determinar as competências
do Júri, nomeadamente os poderes-deveres inerentes e compreendidos no artigo
69º do CPP, bem como estabelecer se a falsidade ou verdade de uma Proposta se
reporta ao momento da sua apresentação ou ao momento da sua execução.
*
Contra-alegou o recorrido Ministério da Educação,
concluindo assim:
I- O recurso de revista é um recurso excepcional, o
qual só pode ser admitido desde que verificados os pressupostos constantes do
artigo 150º do CPTA, o que não sucede no caso vertente.
II- No que toca à admissão da revista, as
Recorrentes alegam como fundamento a necessidade de uma melhor aplicação do
direito, no que tange à aplicação e interpretação dos critérios interpretativos
definidos no Código Civil no âmbito da contratação pública, bem como no que se
refere à definição do âmbito das competências do Júri previstas no artigo 69º
do Código de Contratos Públicos e a relevância jurídica e social que tal
matéria reveste.
III- Quanto aos critérios interpretativos do Código
Civil e concretamente artigos 236º e 238º, o STA já se pronunciou diversas
vezes sobre esta matéria tendo vertido o entendimento de que em sede de
interpretação de negócios jurídicos
atende-se prioritariamente à intenção das partes
nos termos do disposto no artº236º do Código Civil, embora nos negócios formais
não se admita, em princípio, sentidos repugnantes ao seu texto.
IV- O douto acórdão recorrido, com base no texto
dos documentos que compõem a proposta concluiu que o prazo de execução de 4
meses não foi ultrapassado – prazo este bem expresso na proposta apresentada –
aplicando, pois, a doutrina da impressão do destinatário constante do artigo
236º do CC na vertente objectivista prevista no artigo 238º, o que está
conforme o entendimento que tem, vindo a ser preconizado pelo STA.
V- Não se vislumbrando, assim, qual a clara
necessidade do STA se voltar a pronunciar sobre a questão da aplicabilidade dos
critérios interpretativos constantes do Código Civil no âmbito da contratação
pública, que justifique a admissão de um recurso nos termos do nº1 in fine do
artigo 150º do CPTA.
VI- Tão pouco as questões suscitadas têm a
relevância jurídica e social que as Recorrentes alegam e que apenas fundamentam
com a invocação genérica de que o mundo da Contratação Pública é hoje de enorme
relevância económica e social e com o facto de que o Concurso em questão era
fulcral na contabilidade e no equilíbrio económico dos Recorrentes. Sem que se
logre entender, qual o interesse fundamental da comunidade na apreciação de uma
questão – interpretação de um prazo contido numa proposta – que só tem
relevância no procedimento concretamente impugnado.
VII- Quanto à definição das competências do Júri as
mesmas estão fixadas no Código dos contratos Públicos (CCP), e mais
concretamente nos artº69º, 70º e 72º daquele Diploma, não estando na
disponibilidade dos Tribunais a fixação ou definição dessas competências. Aos
Tribunais nesta matéria apenas competirá sindicar se essas competências foram
ou não exercidas em conformidade com a lei e com o Direito.
VIII- O que foi feito pelo douto acórdão recorrido,
o qual está clara e congruentemente fundamentado, sem que no mesmo se tenha
incorrido em qualquer ofensa ou incorrecção na definição e aplicação do
Direito.
IX- As questões colocadas não revestem grau de
dificuldade ou complexidade susceptível de fundamentar a admissão de um recurso
por natureza, excepcional. O qual não deve, por isso, ser usado, como um normal
terceiro grau de jurisdição, o que pela forma como impugnam o procedimento concursal
e o acórdão recorrido, parece ser a pretensão dos Recorrentes.
*
O presente recurso de revista excepcional veio a
ser admitido por acórdão deste STA proferido a fls. 966 e segs., com a formação
prevista no artº150º, nº5 do CPTA, que concluiu:
« (…)
Ora, efectivamente, é de admitir a presente
revista, tendo em vista a apreciação das questões que as Recorrentes
referenciam na sua alegação, concretamente no ponto 3, a fls. 906-913, tratando-se
aqui de questões cuja resolução envolve a realização de operações
lógico-jurídicas algo complexas, que passam, designadamente por apurar se os
critérios interpretativos de uma declaração negocial privada, previstos no
Código Civil, se aplicam, e em que termos, com referência a uma proposta
apresentada em concurso público e, isto, para além das questões relacionadas
com a função do júri do concurso e com o momento em que uma determinada
característica de um equipamento apresentado em concurso deve existir, o que
tudo demanda a intervenção clarificadora deste STA, atenta a especial
relevância jurídica das ditas questões, destarte se mostrando verificados os
pressupostos de admissão da revista.»
Os autos vêm, agora, à conferência para decisão.
*
II- OS FACTOS
As instâncias consideraram provados os seguintes
factos:
1) Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º
132/2007, de 13/09, foi determinada a abertura de procedimento de concurso
público internacional para a aquisição dos bens e serviços necessários ao
fornecimento, instalação, manutenção e help-desk de apoio de quadros
interactivos para as escolas públicas com 2º e 3º ciclos do ensino básico e com
ensino secundário, ao qual veio a ser atribuído o n.º 4/ME-PTE/2008 (cfr. doc.
do processo administrativo apenso – Pasta 1 de 2).
2) O respectivo aviso de abertura foi publicado no
Jornal Oficial da União Europeia n.º 2008/S 84-113765, de 28/04/2008 e no
Diário da República, 2ª Série, n.º 86, de 5/05/2008 (cfr. doc. do processo
administrativo apenso – Pasta 1 de 2).
3) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o
Programa de Concurso referente ao Concurso Público n.º 4/ME-PTE/2008, do qual
consta o seguinte (cfr. doc. do processo administrativo apenso – Pasta 1 de 2):
“Artigo 13º
Propostas e documentos
9. Sem prejuízo da participação à entidade
competente para efeitos de procedimento penal, a falsificação de documentos ou
a prestação culposa de falsas declarações em propostas e documentos determina,
consoante o caso, a exclusão do respectivo concorrente, qualquer que seja a
fase em que o procedimento se encontre, ou a invalidade e consequente anulação
do acto de adjudicação e dos actos subsequentes.
Artigo 14º
Propostas condicionadas ou com variantes~
Não são admitidas propostas condicionadas nem com
variantes.
Artigo 22º
Abertura das propostas
3. São excluídas as propostas que:
a) Não contenham os elementos exigidos no n.º 7 do
artigo 13º do Programa de Concurso;
b) Não sejam acompanhadas do reconhecimento a que
se refere o n.º 3 ou, se for o caso, do n.º 4 do artigo 13º do Programa de
Concurso ou a que se referem os modelos de documentos a apresentar pelos
concorrentes;
c) Não observem o disposto no artigo 12º e nas
demais disposições aplicáveis do artigo 13º do Programa de Concurso, desde que
o júri considere, em qualquer dos casos, a inobservância essencial;
d) Sejam apresentadas como propostas condicionadas
ou como propostas variantes.”
Artigo 24º
Avaliação das propostas
. O júri deve propor a exclusão das propostas que
considere inaceitáveis, nomeadamente por:
a) Não respeitarem as regras imperativas do Caderno
de Encargos.”
4) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o
Caderno de Encargos referente ao Concurso Público n.º 4/ME-PTE/2008, do qual
consta o seguinte (cfr. doc. do processo administrativo apenso – Pasta 1 de 2):
“Artigo 6º
Prazos de execução e de vigência contratual
1. O prazo máximo para o fornecimento, instalação
dos quadros interactivos e videoprojectores é de 4 (quatro) meses, contados a
partir da entrada em vigor do contrato, nos termos do artigo 33º, ou o prazo
que conste da proposta, se inferior.
2. Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o
adjudicatário deve observar os seguintes prazos intercalares, a contar da
entrada em vigor do contrato, nos termos do artigo 33º do Caderno de Encargos:
a) Até ao final do primeiro mês de execução
contratual, o adjudicatário deve concluir o fornecimento e instalação de, pelo
menos, 20% dos quadros interactivos e videoprojectores abrangidos pelo
contrato;
b) Até ao final do segundo mês de execução
contratual, o adjudicatário deve concluir o fornecimento e a instalação de,
pelo menos, 50% dos quadros interactivos e videoprojectores abrangidos pelo
contrato;
c) Até ao final do quarto mês de execução
contratual, o adjudicatário deve concluir o fornecimento e a instalação da
totalidade dos quadros interactivos e videoprojectores abrangidos pelo
contrato.”
Artigo 33º
Produção de efeitos
O contrato produz efeitos a partir da comunicação
pela entidade adjudicante ao adjudicatário da emissão de visto pelo Tribunal de
Contas, o que deve ter lugar no prazo de 15 (quinze) dias a contar do
conhecimento, por parte da entidade adjudicante, de uma tal decisão.”
5) Ao abrigo do disposto no artigo 4º do Programa
de Concurso, o júri prestou a todos os interessados diversos esclarecimentos,
que foram juntos ao processo de concurso (cfr. doc. do processo administrativo
apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – Pasta 1 de 2).
6) Em 26/06/2008 realizou-se o acto público do
concurso, tendo sido elaboradas as actas n.ºs 1 e 2, juntas a fls. do processo
administrativo apenso – Pasta 1 de 2, cujo teor se dá aqui por integralmente
reproduzido, tendo sido deliberado:
- Admitir os seguintes concorrentes:
• Concorrente n.º 1 – Agrupamento constituído … e …
• Concorrente n.º 2 – …
Concorrente n.º 3 – Agrupamento constituído por …,
…, … e …. • Concorrente n.º 4 – Agrupamento constituído por A…, C… e D….
• Concorrente n.º 5 – Agrupamento constituído por …
e ….
• Concorrente n.º 6 – ….
- Excluir o concorrente n.º 7 – Agrupamento
constituído por …, … e ….
7) A concorrente n.º 3 apresentou a proposta junta
a fls. do processo administrativo apenso – Pasta n.º 2/3, cujo teor se dá aqui
por integralmente reproduzido.
8) As autoras apresentaram a proposta junta a fls.
do processo administrativo apenso – Pasta n.º 1/3, cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido.
9) Em 5/08/2008 o júri do concurso elaborou o
Relatório Preliminar de Avaliação das Propostas, tendo proposto à Sr.ª Ministra
da Educação a adjudicação da proposta apresentada pelo Concorrente n.º 3 (cfr.
doc. de fls. de fls. do processo administrativo apenso – Pasta 2 de 2, cujo
teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
10) A autora pronunciou-se sobre o Relatório
Preliminar de Avaliação das Propostas nos termos constantes do doc. de fls. 23
dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11) A contra-interessada B…, SA pronunciou-se sobre
o Relatório Preliminar de Avaliação das Propostas nos termos constantes do doc.
de fls. do processo administrativo apenso – Pasta 2 de 2, cujo teor se dá aqui
por integralmente reproduzido.
12) Em 6/10/2008 a Sr.ª Ministra da Educação
proferiu o seguinte despacho (cfr. doc. de fls. do processo administrativo
apenso – Pasta 2 de 2):
“Nos termos conjugados dos artigos 54º e 109º, n.º
2 do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho e do artigo 27º do Programa de
Concurso, (…) e com os fundamentos constantes do relatório final de avaliação
das propostas elaborado pelo júri do procedimento em 3 de Setembro de 2008,
anexo ao presente despacho e constituído por 96 páginas, determino o seguinte:
a) A exclusão do Concorrente n.º 2, a sociedade D…, SA, por não
ter demonstrado possuir a capacidade financeira exigida pelo artigo 5º, n.ºs 2 a 4 do Programa de Concurso;
b) A exclusão da proposta apresentada pelo
Concorrente n.º 1, o AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO PELAS SOCIEDADES … – … e …, nos
termos e ao abrigo do disposto nos artigos 14º e 24º, n.º 4 do Programa de
Concurso e no artigo 106º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho, por
consubstanciar uma proposta condicionada ou variante, violando elementos
imperativos do Caderno de Encargos;
c) A exclusão da proposta apresentada pelo
Concorrente n.º 5, o AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO PELAS SOCIEDADES … E …, nos termos
e ao abrigo do disposto nos artigos 14º e 24º, n.º 4 do Programa de Concurso e
no artigo 106º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho, por
consubstanciar uma proposta condicionada ou variante, violando elementos
imperativos do Caderno de Encargos;
d) A adjudicação da aquisição dos bens e serviços
necessários ao fornecimento, instalação, manutenção e help-desk de apoio de
quadros interactivos para as escolas públicas com 2º e 3º ciclos do ensino
básico e com ensino secundário, à proposta apresentada pelo Concorrente n.º 3,
o AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO PELAS SOCIEDADES …, …, …. E …”.
13) Em 20/10/2008 foi elaborado novo Relatório
Final de Avaliação das Propostas, nos termos constantes do doc. de fls. do
processo administrativo apenso – Pasta 2 de 2, cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido.
14) Em 22/10/2008 a Sr.ª Ministra da Educação
proferiu o seguinte despacho (cfr. doc. de fls. do processo administrativo
apenso – Pasta 2 de 2):
“Considerando que, findo o prazo concedido pelo
júri do concurso público acima identificado para audiência prévia dos
interessados, que precedeu o acto de adjudicação constante do meu Despacho de 6
de Outubro de 2008, o júri apurou que, por lapso dos serviços, a pronúncia do
concorrente n.º 6 ao referido procedimento não havia sido considerada no
Relatório Final de Avaliação das Propostas submetido a consideração superior.
Considerando que o júri, detectado o lapso e em
cumprimento do seu dever legal de apreciação e pronúncia sobre todas as
observações expendidas pelos concorrentes em sede de audiência prévia (cfr.
artigo 109º do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho), entendeu:
a) Reformular o Relatório Final de Avaliação das
Propostas de modo a incluir a ponderação das observações formuladas pelo
concorrente n.º 6 em sede de audiência prévia e
b) Tendo em conta que, efectuada a referida ponderação,
concluiu que os argumentos expendidos e entretanto apreciados não alteram a
ordenação classificativa das propostas constante da primeira versão do
relatório final, submeter a nova versão do Relatório Final de Avaliação das
Propostas à apreciação da Ministra da Educação, propondo que, em caso de
concordância com as respectivas fundamentação e conclusões, nele se baseie para
proferir despacho de ratificação do acto de adjudicação proferido ao abrigo do
Despacho de 6 de Outubro, nos termos dos n.ºs 2 e 4 do artigo 137º do Código do
Procedimento Administrativo.
Assim, nos termos conjugados do artigo 109º, n.º 2
do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de Junho e do artigo 27º do Programa de
Concurso (…) e com os fundamentos constantes da versão sanada do Relatório
Final de Avaliação das Propostas, constituído por 118 págs., elaborado pelo
júri do procedimento em 3 de Outubro de 2008, determino o seguinte:
a) A exclusão do Concorrente n.º 2, por não ter
demonstrado possuir a capacidade financeira exigida pelo artigo 5º, n.ºs 2 a 4 do Programa de Concurso;
b) A exclusão da proposta apresentada pelo
Concorrente n.º 1, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 14º e 24º,
n.º 4 do Programa de Concurso e no artigo 106º, n.º 3 do Decreto-lei n.º
197/99, de 8 de Junho, por consubstanciar uma proposta condicionada ou
variante, violando elementos imperativos do Caderno de Encargos;
c) A exclusão da proposta apresentada pelo
Concorrente n.º 5, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 14º e 24º,
n.º 4 do Programa de Concurso e no artigo 106º, n.º 3 do Decreto-lei n.º
197/99, de 8 de Junho, por consubstanciar uma proposta condicionada ou
variante, violando elementos imperativos do Caderno de Encargos;
d) A adjudicação da aquisição dos bens e serviços
necessários ao fornecimento, instalação, manutenção e help-desk de apoio de
quadros interactivos para as escolas públicas com 2º e 3º ciclos do ensino
básico e com ensino secundário, à proposta apresentada pelo Concorrente n.º 3,
o AGRUPAMENTO constituído pelas SOCIEDADES …, …, … E ….
e) A ratificação do meu despacho de 6 de Outubro de
2008, com os fundamentos expostos supra e os constantes da versão sanada do
Relatório Final de Apreciação das Propostas submetido à minha apreciação pelo
júri, ao abrigo do disposto no artigo 137º do Código do Procedimento
Administrativo.
(…).”
15) Em 5/12/2008 foi celebrado entre o Estado
Português e …, …, …, …, o “Contrato de Aquisição dos Bens e Serviços
Necessários ao Fornecimento, Instalação, Manutenção e Help-desk de Apoio de
Quadros Interactivos e Videoprojectores para as Escolas Públicas com 2 e 3º
Ciclos do Ensino Básico e com Ensino Secundário, junto a fls. 390 dos autos,
cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor
dos documentos a fls. 330 a
356 dos autos.
17) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor
do documento junto a fls. 375 dos autos.
18) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor
do documento junto a fls. 582 dos autos.
*
III- O DIREITO
Como decorre das conclusões das alegações de
recurso apresentadas pelas AA e do acórdão deste STA que admitiu esta revista
excepcional são duas as questões consideradas de relevância jurídica e
económica fundamental objecto da mesma, a saber:
1ª. Se é de admitir a aplicação (ainda que
supletiva), na interpretação das declarações constantes de propostas
apresentadas a concurso público, dos critérios interpretativos definidos no
Código Civil para as declarações negociais, como entendeu o acórdão recorrido
e, em caso afirmativo, em que termos.
2ª. Se as competências do júri do concurso,
nomeadamente, os poderes-deveres inerentes e compreendidos no artigo 69º do
CCP, incluem o poder-dever de o júri fazer diligências com vista à “descoberta
da verdade”, no que respeita às funcionalidades valorativas referidas nas
propostas, face às suspeitas de falsas declarações levantadas por outros
concorrentes em sede de audiência prévia e ainda se essas funcionalidades devem
já existir no equipamento a fornecer no momento da apresentação da proposta,
como defendem as recorrentes, ou no momento da sua execução, como considerou o
tribunal a quo.
As referidas questões serão apreciadas na medida em
que importem à solução do caso concreto objecto dos presentes autos.
1. Quanto à primeira questão:
1.1. O acórdão recorrido, apreciando o alegado
incumprimento, pela proposta ganhadora, dos «prazos de execução e de vigência
contratual» impostos no artº6º do Caderno de Encargos, considerou,
contrariamente ao que havia decidido a sentença do TAF do ..., ali sob recurso,
que não se verificava violação dessa regra do concurso, pelas seguintes razões
que passamos a transcrever:
«(…)
3.2. A decisão recorrida faz um confronto entre as
normas procedimentais relativas ao prazo de execução, nomeadamente o artigo 6º
do caderno de encargos que prescreve um prazo de 4 meses e as indicações
constantes da proposta do concorrente nº 3, a do agrupamento adjudicatário, para
concluir, em concordância com a apreciação que o Tribunal de Contas fez no
Acórdão de 4/2/2009 junto aos autos, que nem sempre o prazo de 83 dias úteis
constantes da proposta está em consonância com o prazo máximo de 4 meses.
Diz-se que, «há situações em que coincide e outras em que fica até aquém, mas
há também casos que o ultrapassa».
Todavia, analisando e interpretando a proposta nº
3, em termos que não se ponha em causa o princípio da comparabilidade das
propostas e o princípio da igualdade de concorrentes, não se pode concluir que
a proposta ultrapassa o prazo imperativo de 4 meses de execução.
No capítulo 1º intitulado “sumário executivo da
proposta” indica-se no ponto 1.4 o seguinte:
“Prazos de execução
A execução do objecto proposto está dividida em 3
lotes de entrega, a saber:
Lote 01 – Correspondente a 20% dos equipamentos a
serem fornecidos e instalados nos 1.ºs 30 dias;
Prazo de entrega (inclui a instalação dos
equipamentos) 30 dias após a assinatura do contrato.
Lote 02 – Correspondente à totalidade dos
equipamentos a serem fornecidos;
Prazo de entrega (inclui a instalação dos equipamentos)
– 88 dias úteis após a assinatura do contrato” (cfr. doc. de fls. 3 da
proposta).
No capítulo 3º intitulado “Metodologias de
projecto”, no ponto 4.1. relativo ao “prazo de execução do projecto” escreve-se
o seguinte:
“O Consórcio, aplicando as metodologias de
projecto, analisou e planeou de forma coerente e está devidamente preparado
para a realização de todo o processo de entrega, instalação e formação bem como
o arranque da Manutenção e Apoio e Helpdesk, sem nunca exceder o prazo máximo
de 4 meses, de acordo com o estipulado no ponto 1 do art. 6 do Caderno de
Encargos, bem como os mínimos mensais, bem como o planeamento da formação está
feito para cumprir escrupulosamente o prazo para esta actividade nos dois
primeiros meses das actividades.
O Programa de Concurso e Caderno de Encargos
referem-se aos prazos por datas de calendário, dado que não é conhecida a data
de início do período de instalação, não nos é possível determinar quais são os
dias não úteis (feriados nacionais e locais).
Cientes da responsabilidade na apresentação de
Cronogramas de instalação, optámos por definir dias de trabalho de semanas de 5
dias, conjuntos de 4 semanas de 5 dias e conjunto de 4 meses com 20 dias úteis.
Dado que aparentemente é visível que o nosso prazo
é menor ao prazo total, esta simplificação não induz em nenhum incumprimento de
prazos.
O Consórcio apresenta um cronograma detalhado, por
dia, escola, para a marcação total das instalações em 78 dias úteis, prazo este
que deixa uma folga para eventuais arranjos que seja necessários ser
efectuados. A organização e formação das equipas de instalação está previamente
definida e preparada, para arrancar com o dia 1. As equipas de instalação estão
em total sintonia com as entregas, aliás com um atraso de sensivelmente uma semana
(5 dias) em relação à entrega, por medida de segurança.
Consideramos ter os recursos adequados ao serviço
proposto, dando até uma folga, devido ao nível de recursos que disponibilizamos
e em qualquer caso existem equipas de contingência preparadas para serem
adicionadas como reforço ou de substituição.
Temos ciente, que ao prazo de 4 meses, existe um 4º
mês reservado aos pontos 6, 7 e 8 do art° 13º do Caderno de Encargos. Dado a
folga que poderemos ter de cerca de 10 dias, iremos redistribuindo qualquer
deslocação adicional a começarem nesses dias.
Contudo o nosso prazo total de fornecimento,
instalação e formação mantêm-se os 4 meses que são estipulados no Caderno de
Encargos como tempo máximo disponibilizado” (cfr. doc. de fls. 188 da
proposta).
De seguida apresentou o “cronograma geral do
projecto”, o “fluxograma geral do projecto” e o “cronograma total das
instalações”. O cronograma do projecto estabelece 40 dias para a entrega da
totalidade dos bens adjudicados, 41 para a instalação do lote 1 e 88 dias para
instalação do lote 2, correspondendo à totalidade do material adjudicado (cfr.
doc. de fls. 192); o cronograma das instalações, indica quantas, quais e em que
dias, as escolas serão equipadas com os quadros interactivos (cfr. doc. de fls.
198 a 216).
No ponto 4.2 do mesmo capítulo, sobre a epígrafe
“fases do projecto” refere-se “o plano apresentado prevê a realização de
aproximadamente 72 instalações por dia, divididas em 2 Zonas de instalação,
Coordenação Norte e Coordenação Sul. Existe intervenção de instalações semanal
de 360 soluções por semana, para um total de 16 semanas. Há intervenção semanal
em cerca de 72 escolas” (cfr. doc. de fls. 226 da proposta).
Por fim, no capítulo 7, relativo às “condições
financeiras e administrativas” o agrupamento proponente refere o seguinte:
“Prazo de entrega: conforme estipulado para cumprimento do caderno de encargos;
Prazo total de serviços: de entrega, instalação e formação: 4 meses” (doc. de
fls. 337).
Dos extractos acabados de transcrever de modo algum
se pode inferir que o proponente oferece um prazo maior do que referido no
caderno de encargos. Ele é bem explícito no sentido de que o prazo total de
fornecimento, instalação e formação são os 4 meses estipulados no Caderno de
Encargos como tempo máximo disponibilizado. A conversão em dias úteis, que está
na base da controvérsia, apenas surgiu pela necessidade de elaborar o
cronograma detalhado das datas e das escolas em que o material iria ser
entregue e instalado, uma vez aos sábados, domingos e dias feriados estão
fechadas. O proponente não deixa de alertar para a dificuldade de se
estabelecer um cronograma com desconhecimento do dia em que o contrato começa a
produzir efeitos: «cientes da responsabilidade na apresentação de Cronogramas
de instalação, optámos por definir dias de trabalho de semanas de 5 dias,
conjuntos de 4 semanas de 5 dias e conjunto de 4 meses com 20 dias úteis. Dado
que aparentemente é visível que o nosso prazo é menor ao prazo total, esta
simplificação não induz em nenhum incumprimento de prazos».
É verdade que, não pretendendo ultrapassar os
quatro meses, nem os mínimos mensais, não deixa de cometer um lapso na
formulação da proposta ao referir que está dividida em três lotes e logo de
seguida indicar apenas dois. A dúvida que este lapso levanta é saber no final
do segundo mês 50% dos quadros interactivos estão fornecidos e instalados. Mas,
pelos cronogramas juntos deduz-se que a totalidade do material está entregue em
40 dias e mais 50% das instalações estão realizadas ao fim do segundo mês. No
cronograma de instalações estão indicados o número de quadros interactivos
instalados em cada dia e em cada escola, de onde se infere que ao fim de dois
meses, mais de metade, ou seja, mais de 2087, estão instalados nessa data.
Embora haja dias que são instalados mais de 72 quadros, proponente indica esse
número médio diário, o que em dois meses ultrapassa os 50% previstos no caderno
de encargos.
Ora bem: a proposta é uma manifestação de vontade
que, como qualquer outra manifestação do espírito humano, postula uma
interpretação. Trata-se de declaração pela qual o concorrente manifesta à
entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a
fazê-lo. Pese embora o seu estatuto sui generis, subordinada a determinados
requisitos essenciais, como a seriedade, firmeza e certeza, não deixa de
encerrar uma declaração negocial do concorrente privado em relação à
Administração Pública. Como verdadeira declaração de vontade negocial que é,
também se lhe deve aplicar as regras da interpretação da declaração negocial
constantes dos artigos 236º e ss. do Código Civil, assim como a teoria dos
vícios da vontade.
Segundo o critério interpretativo do artigo 236º,
que segue a doutrina da impressão do destinatário, a proposta vale com o
sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real
declaratário, lhe atribuiria. Ora, atendendo ao conjunto dos elementos que
fazem parte da proposta, assim como às deduções lógicas que se podem fazer dos
números apresentados nos cronogramas, é evidente que uma pessoa razoável,
normalmente atenta, não pode concluir que a proposta ultrapassa objectivamente
o prazo de 4 meses. Basta ler o que o proponente diz a respeito do cronograma
geral onde figuram os 88 dias: «o Cronograma Geral apresentado, pretende
somente neste momento apresentar o encadeamento das acções. É um processo que
necessita ainda de definições de datas de calendário e acompanhamento por parte
da equipa de planeamento». Neste contexto, não faz qualquer sentido tentar
encontrar no calendário um dia de início do prazo de 88 dias úteis de execução
do contrato cujo termo final ocorra para além dos 4 meses, pois, esse prazo é
meramente indicativo de um programa de acção que se supõe e se pretende que
nunca ultrapasse o prazo de 4 meses e que para que tal não aconteça pode ser
passível de “definições de data de calendário”. O proponente é bem explícito no
sentido de que não pretende ultrapassar o prazo de 4 meses. Apenas, para efeito
de elaborar os cronogramas, converteu tal prazo em dias úteis, o que originou
as dúvidas de dois concorrentes, mas que, numa leitura atenta da proposta, não
têm razão de ser.
Por outro lado, se perante os cronogramas, fica
menos claro qual o prazo certo de entrega e instalação dos quadros
interactivos, tal ambiguidade pode resultar de um erro na formulação da
proposta, o qual que deve ser objecto de esclarecimentos por parte da
Administração antes de se praticar um acto de exclusão. É o que resulta do nº 2
do artigo 92º do DL 197/99: «no estrito respeito pelos princípios da igualdade,
da imparcialidade e da estabilidade, o júri pode solicitar aos concorrentes,
por escrito, esclarecimentos sobre aspectos das propostas que suscitem fundadas
dúvidas, devendo fixar prazo para a obtenção, por escrito, da respectiva
resposta». Como refere Paulo Otero, «recai sobre a Administração a obrigação de
atender aos eventuais vícios da vontade de que possa enfermar a declaração
negocial do recorrente, nomeadamente os erros materiais ostensivos apreensíveis
da mera leitura da proposta apresentada, ou seja, os erros que incidem sobre os
elementos não variáveis que os concorrentes tiverem que tomar em consideração
na elaboração das respectivas propostas. Sendo certo que só através de pedidos
de esclarecimentos aos concorrentes é que a Administração pode concluir pela
existência ou não de qualquer erro e bem assim da sua dimensão» (cfr. revista
“O Direito”, Ano 131, 1990, pág. 92 e 93).
Portanto, sendo o prazo máximo de execução um prazo
invariável, em face das dúvidas originadas pelos cronogramas, o que se impunha
era um pedido de esclarecimentos e não a exclusão da proposta, como defendem os
recorrentes. Mas, tendo interpretado, e bem, que a proposta não pretendeu
ultrapassar o prazo de 4 meses, fez reflectir na avaliação do factor “qualidade
técnica da proposta” as deficiências encontradas na metodologia de execução do
projecto. Não havia, pois, qualquer motivo para excluir a proposta, pelo que,
nesta parte, a sentença incorre em erro de julgamento e, como tal, deve ser
revogada.»
1.2. Segundo as AA, ora recorrentes, o acórdão
recorrido não podia ter-se, socorrido, ainda que supletivamente, dos critérios
previstos no Código Civil, para interpretar a proposta ganhadora no que
respeita ao «prazo de execução» do contrato a celebrar, pois estamos perante um
concurso público, com regras muito próprias e especiais de contratação pública
como são as constantes do caderno de encargos (CE) e do programa de concurso,
marcadas por um forte formalismo e vinculação, pelo que não pode a proposta de
um concorrente ser interpretada segundo as regras da livre apreciação e muito
menos pode corresponder ao sentido de um declaratário normal, como previsto no
artº236º do CC, aplicado pelo acórdão recorrido.
Refere, ainda, que a considerar-se aplicável o
Código Civil nesta matéria, então os critérios seriam os previstos no seu
artº238º.
Vejamos:
No que respeita à pretendida inaplicabilidade na
interpretação das propostas apresentadas pelos concorrentes no âmbito de um
concurso público, das normas de direito civil de interpretação das declarações
negociais, entendemos não assistir razão às recorrentes.
É verdade que as propostas apresentadas no âmbito
de um concurso público, que é um procedimento formal, regulado pelo direito
público administrativo, estão sujeitas a formalidades, limites e imposições
que, em regra, se não verificam no direito privado (No entanto, no direito
privado, nem sempre existe absoluta liberdade de estabelecer as condições
contratuais, como acontece, por exemplo, nos contratos de adesão.).
Mas a forma, as formalidades e as vinculações a que
a proposta concursal está sujeita nos termos da lei e dos regulamentos
aplicáveis ao concurso em causa não impedem que a declaração de vontade de
contratar nela expressa, como qualquer outra declaração de vontade, possa ser
objecto de interpretação com vista a apurar o seu verdadeiro sentido, como
correctamente se refere no acórdão recorrido.
É que não há dúvida que as propostas apresentadas
no âmbito de um concurso público constituem verdadeiras declarações negociais,
como, de resto, decorre da sua definição legal hoje expressamente prevista na
lei (artº56, nº1 do CCP), ao dispor que «A proposta é a declaração pela qual o
concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o
modo pelo qual se dispõe a fazê-lo» e já decorria anteriormente do revogado
artº44º, nº1 do DL 197/99, aplicável ao concurso aqui em causa, que estabelecia
que «nas propostas e candidaturas os concorrentes manifestam a sua vontade de
contratar, indicando nas propostas as condições em que se dispõem a fazê-lo».
O facto de se tratar de um procedimento formal,
regulado na lei, e das propostas dos concorrentes deverem respeitar as regras
imperativas do concurso previamente estabelecidas no respectivo programa de
concurso e no caderno de encargos (cf. artº 87º a 89º do referido diploma), não
podendo, portanto, os concorrentes estabelecer livremente as condições em que
desejam contratar com a Administração, mas apenas preencher as cláusulas do
contrato a celebrar deixadas em aberto por aquela, isso não obsta a que para
determinar o sentido da proposta, na falta de critérios de interpretação
especialmente previstos na lei para o efeito, se faça uso dos critérios
previstos nos artº236 e segs. do Código Civil para a interpretação das
declarações negociais, uma vez que ali se consagram princípios gerais de
direito, por isso, aplicáveis em qualquer ramo de direito e designadamente no
direito administrativo especial de contratação pública (artº 295 do Código
Civil).
Aliás, o CPA, subsidiariamente aplicável ao
concurso em causa ex vi artº206º do DL 197/99, de 08.06, expressamente, manda
aplicar à falta e vícios de vontade, bem como à nulidade e anulabilidade dos
contratos administrativos, as correspondentes disposições do Código Civil para
os negócios jurídicos (artº185º, nº1 do CPA).
E, como já dizia o Prof. Manuel de Andrade, «… os
negócios jurídicos de direito público têm o seu tratamento jurídico próprio,
embora, em certa medida, lhes seja aplicável, por extensão analógica, o regime
do direito privado»(Cf. Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1974, p.26. O
referido autor define «negócio jurídico como um facto voluntário lícito, cujo
núcleo essencial é constituído por uma ou várias declarações de vontade, tendo
em vista a produção de certos efeitos práticos ou empíricos, predominantemente
de natureza patrimonial (económica), com ânimo de que tais efeitos sejam
tutelados pelo direito - isto é, obtenham a sanção da ordem jurídica - e a que
a lei atribui efeitos jurídicos correspondentes determinados, grosso modo, em
conformidade com a intenção dos declarantes (autores ou sujeitos do negócio
jurídico» - cf. Prof. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II,
p. 26. ).
Portanto e, contrariamente ao que defendem as
recorrentes, na interpretação da declaração negocial em causa e na falta de
disposição que regule, em especial, esta matéria, deve recorrer-se aos
critérios interpretativos das declarações negociais estabelecidos no Código
Civil.
1.3. Mas, estando como estamos perante um
procedimento formal, os critérios de interpretação da declaração negocial são,
naturalmente, os aplicáveis aos negócios formais, ou seja, os previstos no
artº238º do CC.
Dispõe este preceito legal:
Artº238º
Negócios formais
1. Nos negócios formais não pode a declaração valer
com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do
respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode todavia valer se corresponder
à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não
opuserem a essa validade.
Este preceito introduz uma restrição à teoria geral
da impressão do destinatário, de cariz objectivista, consagrada no artº236º,
nº1 do mesmo diploma legal e invocada no acórdão recorrido, segundo a qual «A
declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na
posição do real destinatário, possa deduzir do comportamento do declarante,
salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.»
Nos negócios formais, embora continue a valer a
teoria da impressão do destinatário, exige-se que o sentido objectivo da
declaração correspondente à impressão do destinatário, esteja expresso, ainda
que imperfeitamente, nos próprios termos da declaração formalizada, sendo
inoperante se lá não estiver minimamente reflectido.
Tal tem, naturalmente, a ver com o carácter solene
dos negócios formais, impondo-se, nesses casos, uma maior exigência de
objectividade na interpretação da declaração negocial, à semelhança do que se
dispõe quanto à interpretação da lei no nº2 do artº9º do CC.
Ora, contrariamente ao que alegam as recorrentes, o
acórdão recorrido, embora tenha referido os artº236º e ss. do CC, mas em
especial o artº236º, acabou por fazer aplicação do critério interpretativo
previsto no artº238º para os negócios formais.
Com efeito, como se verifica da parte supra
transcrita do referido acórdão em 1.1., o mesmo interpretou o sentido da
declaração contida na proposta ganhadora, no que respeita ao elemento do
contrato aqui em discussão - «prazos de execução e de vigência contratual»,
apoiando-se exclusivamente no texto da referida proposta e nos documentos que a
integravam (“cronograma geral do projecto” e “sumário executivo da proposta”),
de que transcreveu as passagens relevantes e que demonstram que a mesma
respeita o prazo máximo de fornecimento e instalação e os prazos intercalares
pré-estabelecidos no artº6º do caderno de encargos e no artº 24º, nº4 a) do
programa do concurso para a execução do contrato a celebrar, tendo salientado ainda
que o proponente declarou expressamente e mais do que uma vez nesses
documentos, que o prazo de execução não seria superior a 4 meses.
Portanto, embora o acórdão recorrido tenha feito
especial referência ao artº236º do CC, o certo é que acabou por fazer aplicação
do critério interpretativo previsto no nº1 do artº238º desse diploma para os
negócios formais, como, de resto, o tribunal a quo veio esclarecer no acórdão
que aclarou o aqui sob recurso e dele faz parte integrante, quando refere «(…)
O acórdão não aludiu ao artigo 238º, mas até podia fazê-lo, porque o desvio da
doutrina da impressão do destinatário no sentido de um maior objectivismo, como
faz aquela norma, está bem vertido no texto do acórdão. Foi com base nos textos
dos documentos que compõem a proposta que se concluiu que o prazo de execução
de 4 meses não foi «objectivamente» ultrapassado. Só não seria de admitir o
prazo de 4 meses se ele não tivesse o mínimo de correspondência, embora
imperfeita, no texto dos respectivos documentos. Mas o que no acórdão se
demonstrou foi que esse prazo está expresso na proposta apresentada. Ou seja, a
doutrina da impressão do destinatário constante do artº236º do CC foi aplicada
na variante objectivista prevista no artº238º.».
1.4. Segundo as recorrentes a interpretação de uma
proposta apresentada a concurso público deve conter-se dentro dos limites
impostos pelas regras imperativas de direito administrativo e, em especial, de
contratação pública, que não admite uma interpretação correctiva de lapsos,
como faz o acórdão recorrido, pois isso consubstanciaria uma ilegal alteração
da proposta e violaria o princípio da intangibilidade das propostas.
Vejamos:
O princípio da intangibilidade ou da estabilidade
das propostas é, efectivamente, um princípio fundamental do direito de
contratação pública, corolário do princípio da concorrência e que significa que
uma vez apresentada a proposta não pode já ser alterada até à fase de
adjudicação, salvo se o procedimento for por negociação.
Era, de resto, o que dispunha o revogado artº14º,
nº2 do DL 197/99, de 08.06, aqui ainda aplicável, ao determinar que "Nos
procedimentos em que não esteja prevista qualquer negociação, as propostas dos
concorrentes são inalteráveis até à adjudicação".
Contudo, tal não significa que não se possam
corrigir lapsos e erros materiais que as propostas apresentem, se manifestos,
sendo até de correcção oficiosa e a todo o tempo, como impõe o artº249º do CC e
o artº148º do CPA.
Tais preceitos consagram, aliás, um princípio geral
de direito.
Como também nada obsta ao pedido de esclarecimentos
sobre qualquer dúvida ou ambiguidade que as proposta contenham, como bem
observa o acórdão recorrido e decorre do artº 92º, nº3 do DL 197/99, aqui
aplicável, que dispunha que: "…no estrito respeito pelos princípios da
igualdade, da imparcialidade e da estabilidade, o júri pode solicitar aos
concorrentes por escrito, esclarecimentos sobre aspectos das propostas que
suscitem fundadas dúvidas, devendo fixar prazo, por escrito, da respectiva
resposta".
Evidentemente que quer a correcção de lapsos, quer
os esclarecimentos prestados devem apenas limitar-se a tornar clara qualquer
ambiguidade ou obscuridade de que a proposta padeça, não podendo introduzir
nenhum elemento novo que possa influir na sua apreciação e avaliação, sob pena
de violação dos citados princípios concursais.
Trata-se, afinal, de uma tarefa hermenêutica da
fixação do sentido de algo que já se encontrava estabelecido.
Ora, contrariamente ao que pretendem as recorrentes
a interpretação que o acórdão recorrido fez da proposta ganhadora, no que
respeita ao elemento «prazos de execução e vigência contratual» em nada altera
a proposta interpretada, antes se limita a fixar o seu sentido, nos termos
permitidos pela lei, atrás referidos.
Com efeito, como se salienta no acórdão recorrido,
na parte já supra transcrita e as recorrentes até reconhecem, na proposta
ganhadora e documentos que a integram consta a obrigação, ali expressamente
assumida pelo proponente, até mais de uma vez, de respeitar o prazo máximo de 4
meses para execução do contrato, surgindo a conversão desse prazo em dias
úteis, como uma tentativa de calendarizar a execução, dentro do referido prazo
máximo, embora sem se conhecer ainda a data de início do contrato. Aliás, o
próprio proponente admite a provisoriedade dessa calendarização, ao referir que
«o cronograma geral apresentado pretende somente neste momento apresentar o
encadeamento das acções. É um processo que necessita ainda de definições de
datas de calendário e acompanhamento por parte da equipa de planeamento», sendo
que no capítulo 7 do mesmo documento é bem explícito quanto ao «prazo total de
serviços: de entrega, instalação e formação de 4 meses».
Quanto ao número de lotes em que se divide a
execução, que o CE previa serem três e na proposta em causa, embora se comece
também por referir três lotes, acaba depois por se indicar apenas dois,
trata-se também de um lapso irrelevante, já que como decorre dos cronogramas
juntos com a proposta e claramente se demonstra na parte do acórdão recorrido
supra transcrita em 1.1., dele não resulta qualquer violação dos prazos de
execução impostos pelos documentos concursais.
Não se verifica, pois, errada aplicação dos
critérios interpretativos e, consequentemente, não ocorre a pretendida
violação, pelo acórdão recorrido, do princípio da intangibilidade das
propostas.
2. Quanto à segunda questão:
Esta questão prende-se com as competências do júri,
nomeadamente os poderes-deveres inerentes e compreendidos no artº69º do CPP e
supõe a resolução de outra questão que é a de saber se as funcionalidades do
equipamento a fornecer pelo proponente devem reportar-se à data da apresentação
da proposta, como defendem os recorrentes, ou à data da execução do contrato,
como entendeu o acórdão recorrido.
Ora, nas suas alegações de recurso as recorrentes
reconhecem que dos documentos juntos aos autos e que o tribunal a quo resume no
acórdão recorrido, não resulta evidente que a funcionalidade não exista.
Mas, dizem, também não resulta evidente que exista
e, por isso, consideram que face à dúvida que foi suscitada pelos concorrentes
sobre a veracidade da proposta ganhadora no que tange a esta funcionalidade, o
júri deveria ter averiguado da sua existência, através de um teste de
experimentação, ou o próprio tribunal, através da inquirição das testemunhas
arroladas, pois a funcionalidade em causa deve existir no equipamento proposto
na data da apresentação da proposta e não, futuramente, aquando da execução do
contrato, como entendeu o acórdão recorrido.
Vejamos então o que disse o acórdão recorrido a
este respeito e passamos a citar:
«(…)Em primeiro lugar, nenhuma dúvida existe que a
proposta do concorrente nº 3 refere que os quadros interactivos a fornecer e
instalar em caso de adjudicação dispõem da funcionalidade de escrita
simultânea. Ao referir as características do software ACTIVstudio a fornecer
com o quadro interactivo indica que também possui o “sistema multi-utilizador
ACTIVarena” (fls. 15 da proposta); no ponto 1.6 do capítulo 1, à “escrita
simultânea” descreve-se o modo de funcionamento do ACTIVarena; no anexo III da
proposta faz referência a documentos do fabricante dos quadros interactivos – a
P…– onde se menciona o ACTIVarena, como um novo produto “disponível para a sala
de aula no final de 2007 (doc. de fls. 526); na tabela de conformidade exigida
no programa de concurso volta a indicar que o material proposto cumpre a
funcionalidade de escrita simultânea. Portanto, não há dúvida que através desta
proposta os proponentes ficam vinculados a fornecer e instalar quadros
interactivos com a funcionalidade de escrita simultânea.
Os recorridos alegam, porém, que essa
funcionalidade não existe no momento em que a proposta é feita, pois há
documentos da próprio fabricante a dizer que só em 2008 o software ACTIVarena será
comercializado.
Os documentos a que os recorridos se reportam são
os constantes de fls. 304 a
329 traduzidos de fls. 330 a
357 do Vol. II dos autos: três cartas da H…, um dos fabricantes dos quadros
interactivos propostos pelos recorridos, a dizer que a funcionalidade da P…
ainda não estar disponível no mercado em Agosto de 2008; um e-mail de algum que
se diz ser gestor de conta interna da P… a dizer que activarena só será lançado
em 2009; um documento, extraído do site da P…, USA, a dizer que o activarena só
está disponível em meados de 2008; e vários extractos de conversas no Fórum P…,
uma comunidade virtual, concebida pela P… para os professores que trabalham com
quadros interactivos.
Como documentos particulares que são, fazem prova
plena quanto às declarações atribuídas aos seus autores. Todavia, isto só quer
dizer que se torna indiscutível que a pessoa a quem o documento é atribuído fez
as declarações que dele constam; mas saber se as declarações feitas vinculam o
seu autor, em que medida, é já problema que não respeita à força probatória do
documento, mas sim à eficácia da declaração. Ora, esta matéria está regulada no
nº 2 do artigo 370º, que lhe aplica os princípios do instituto da confissão: os
factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que
forem contrários aos interesses do declarante e a declaração é indivisível.
Quer isto dizer que, enquanto os documentos autênticos fazem prova plena,
qualquer que seja o facto representado, os documentos particulares, cuja
veracidade esteja reconhecida, só têm essa força probatória quanto aos factos
neles referidos que sejam contrários ao interesses do declarante, o que se
exprime pela enunciação da regra de que o documento autêntico prova plenamente
erga omnes e o documento particular apenas prova inter partes. Deste modo,
apenas o declarante pode invocar o documento, como prova plena, contra o
declarante que emitiu uma declaração contrária aos seus interesses; mas nas
relações com terceiros, essa declaração somente valerá como elemento de prova a
apreciar livremente pelo tribunal, tal como sucede com a confissão (cfr. art.
351º do CCv).
Sendo a maioria daqueles documentos provenientes de
terceiros os factos neles declarados são elementos de prova a apreciar
livremente pelo tribunal. O problema só se podia colocar com mais dificuldade
relativamente à informação extraída do site da P… EUA, sobre a comercialização
em meados de 2008. Mas, nessa apreciação não pode deixar de se dizer o
seguinte: dos documentos resulta a informação de que o activarena não foi
comercializado ao mesmo tempo em todos os países, o que justificar que enquanto
a P… de França indique que tal tecnologia existe desde 2007 (doc. de fls. 375
dos autos) a P… dos EUA faça referência a meados de 2008 (doc. de fls 330) e,
por isso mesmo podemos não estar perante declarações contraditórias, embora só
as declarações da direcção da empresa sediada em Inglaterra a poderiam
comprometer processualmente. Mas o facto do activarena ser comercializado em
2008 (as conversas no forum on line do P… fazem referência ao Janeiro de 2008),
não significa que o software não estivesse a ser comercializado à data da
proposta do concorrente nº 3, pois, o concurso apenas abriu em 5/5/2008 e o
acto de abertura das proposta ocorreu em 26/6/2008. Portanto, através dos
factos exarados nos documentos não se pode concluir que foram efectuadas
“falsas declarações”, pois em meados de 2008 é bem possível que a
funcionalidade de escrita simultânea já estivesse no mercado, sendo
incompreensível que o fabricante, um dos proponentes, se comprometesse a
entregar um produto que de antemão sabe que lhe é impossível comercializar.
Em segundo lugar, do procedimento concursal não
fazia parte qualquer fase de ensaio ou experimentação do material a fornecer.
As regras do concurso não previam a possibilidade de se testar previamente os
quadros interactivos para se avaliar as respectivas características técnicas. O
júri avalia as propostas nos termos em que elas são apresentadas, porque a
aceitação da proposta cria na esfera jurídica de ambas as partes uma obrigação
de contratar. A adjudicação dá lugar a uma situação jurídica próxima do
“contrato-promessa” entre o adjudicatário e a Administração, ficando aquele
vinculado nos termos da sua proposta. Ora, se a funcionalidade não existe no
momento da entrega dos quadros interactivos o adjudicatário é responsável
contratualmente por esse facto e a Administração pode recusar recebê-los; e se
o fizesse, seria responsável perante os restantes concorrentes. Assim sendo, o
importante é que os quadros interactivos entregues e instalados nas escolas
disponham da funcionalidade de escrita simultânea.
Não estando prevista qualquer fase de testes ou
ensaios, o júri apenas tem que se ater ao alegado na proposta, confiando que o
material proposto e adjudicado vai ser entregue com a funcionalidade de escrita
simultânea. Não há, pois, qualquer “erro grosseiro” na avaliação da proposta,
apenas se pontuou com 5 valores uma proposta que se vincula a apresentar
quadros interactivos com a funcionalidade de escrita simultânea, nem havia que
fazer qualquer tipo de prova testemunhal ou pericial, seja no procedimento seja
na acção judicial, sobre a existência ou não da funcionalidade em questão. Com a
proposta, em que se indica que a funcionalidade será fornecida, o proponente
vincula-se a celebrar o contrato nos exactos termos em que declarou fazê-lo. Se
efectivamente os quadros entregues pelo adjudicatário não contêm a
funcionalidade de escrita simultânea, os recorridos têm direito a ser
indemnizados, mas isso no âmbito de outra acção que não a presente.»
Ora, pelas razões referidas na fundamentação do
acórdão, supra transcrita, com que, no essencial, se concorda, também se
entende que a funcionalidade «escrita simultânea» do equipamento aqui em causa,
teria de existir no momento da execução do contrato, a não ser que outra coisa
resultasse inequivocamente dos diplomas concursais, o que não é o caso, sendo
certo que as recorrentes não questionam que essa funcionalidade estaria
presente naquele momento, pelo que a pretensão das recorrentes, nesta parte,
também não pode deixar de improceder.
*
IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes deste Tribunal em
negar a revista.
Custas pelas recorrentes.
Lisboa, 22 de Março de 2011.
Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora)
Jorge Manuel Lopes de Sousa
António Bento São Pedro
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