terça-feira, 2 de outubro de 2012

DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO - EXCLUSÃO DA PROPOSTA COM FUNDAMENTO EM DESCONFORMIDADE DOS RESPECTIVOS BENS OU SERVIÇOS – ARTIGOS 49º E 70º Nº 2 AL. B) DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS


Proc. Nº 6859/10 TCAS   27 de Janeiro de 2011

I - Considera-se satisfeito o dever de fundamentação da classificação operada desde que se mostrem vertidas na grelha classificativa prévia elaborada pelo Júri as valorações atribuídas a cada item, e que, posteriormente, seja consignada em acta a pontuação obtida sem necessidade de se justificar aquela pontuação, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação.

II - A valoração das propostas integra o poder discricionário da Administração, em que, naturalmente, também entram juízos subjectivos. A Administração nos concursos públicos, goza de margem de livre apreciação na escolha dos critérios de avaliação de propostas e na valoração dos respectivos factores, por se tratar de aspectos não vinculados do acto de adjudicação, e que só pode ser sindicada pelo Tribunal em caso de erro.

III – O nº 4 do artigo 49º do CCP prevê que não podem ser excluídas propostas com fundamento em desconformidade dos respectivos bens ou serviços com as especificações técnicas de referência, fixadas de acordo com o disposto nas alíneas a) ou b) do nº 2 , desde que o concorrente demonstre, de forma adequada e suficiente, que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas por aquelas especificações.

IV – Porém, para que aquela demonstração de que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas pelas especificações técnicas de referência, pode (deve) o concorrente apresentar um dossier técnico do fabricante ou um relatório de ensaio que um organismo reconhecido, nos termos do nº 9 daquele artigo 49º do CCP.


V – É acertada a decisão do Júri de excluir a proposta de um concorrente com fundamento no artigo 70º nº 2 al. b) do CCP porque o bem que o mesmo propôs fornecer ( cabo FV de 6 mm2 em circuito secundário) se mostrava inadequado à utilização em causa.

VI – Cabia por isso ao concorrente o ónus de demonstração da equivalência técnica do material apresentado, nos termos das soluções previstas no citado nº 4 do artigo 49º do CCP


Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul:

O MUNICIPIO DE PONTE DE SOR, inconformado com a sentença do TAF de Castelo Branco, de 3 de Setembro de 2010, que julgou procedente a presente acção de contencioso pré-contratual e consequentemente anulou a deliberação da Câmara Municipal de Ponte de Sor, datada de 2 de Dezembro de 2009, de adjudicação da empreitada do “Aeródromo Municipal de Ponte de Sor – 2ª fase – Execução do Sistema de Iluminação de Pista” à contra – interessada P……….. S.A., condenando o R., ora Recorrente, a reapreciar a proposta da A. – T……… – Electricidade ………………., Lda.-, submetendo-a a avaliação devidamente fundamentada, com análise final na qual constem as razões de facto e de direito da decisão de adjudicação que vier a ser tomada, anulando ainda o contrato de empreitada celebrado entre o R. e a contra – interessada, dela recorreu, e em sede de alegações formulou as seguintes conclusões (sintetizadas):


“ I – Não concordamos com os fundamentos da sentença que ora se recorre, porquanto:
a) – outros critérios da hierarquização das propostas não poderiam ser utilizados, senão os que foram: critérios/condições de adjudicação, factores e subfactores de apreciação constantes do programa de concurso;
b) Não há ilegalidade na rejeição da proposta apresentada pela Recorrida, rejeição essa efectuada nos termos legais resultantes da conjugação dos arts. 49º/4 e 70º/2b) do CCP.

II – Efectivamente, no acto de adjudicação da Empreitada do Aeródromo Municipal de Ponte de Sor – 2ª Fase – Execução do Sistema de Iluminação, datado de 02/12/2009, fundamentou-se com o constante do Relatório Final de Apreciação das Propostas, (datado de 19/11/2009), e na parte relativa à ordenação das propostas, com o constante do Relatório Preliminar (datado de 17/09/2009).

III – Naquele relatório Preliminar, fez-se a avaliação das propostas apresentadas pelos diversos concorrentes, efectuando a sua classificação e escalonamento, através do critério de adjudicação, assim como dos factores e subfactores de apreciação que constam do Programa de Concurso, mais precisamente, na alínea 3.2, do capítulo III e que foram reproduzidos nas páginas 5 a 7 do Relatório Preliminar.

IV – Por outro lado, a Recorrida não requereu qualquer esclarecimento, em relação às peças do procedimento, nos termos do art. 50º do CCP, relativamente ao critério fixado para a avaliação das propostas, denotando-se por aqui a sua concordância relativamente ao mesmo.




V – No Relatório Preliminar existiu um mero lapso de escrita, na medida em que se referiu que o critério valorativo segundo o critério da melhor ou pior abordagem detalhada do prosseguimento dos trabalhos e a sua eventual correlação com as especificidades do projecto de execução, se aplica apenas à Memória Descritiva e Justificativa, quando o referido critério valorativo se aplica também ao Programa de Trabalhos e Nota Justificativa do Preço Proposto.

VI – Tal lapso era facilmente verificável, pois logo no inicio da página 7 do relatório preliminar é referido que a grelha ali existente e que procede à explicitação da apreciação e respectiva classificação a atribuir às propostas, é aplicável à memória descritiva e justificativa, programa de trabalhos e nota justificativa do preço proposto.

VII – Torna-se evidente que quando após aquela grelha se procede à fundamentação da aplicação das várias classificações nela constante, também ela seja aplicável ao programa de trabalhos e nota justificativa do preço proposto e não apenas à memória descritiva e justificativa.

VIII – Por aqui, um destinatário normal ou razoável, mediante os elementos fundamentadores, explícitos no Relatório Preliminar, está em condições de aferir quais os critérios de decisão, não se verificando a falta de fundamentação do Relatório Preliminar, e consequentemente do acto de adjudicação da empreitada.

IX – O Meritíssimo Juiz a quo não teve em consideração o que o Recorrente logo explicitou no Relatório Final, de que o critério valorativo segundo o critério da melhor ou pior abordagem detalhada do prosseguimento dos trabalhos e a sua eventual correlação com as especificidades do projecto de execução, é aplicável não só ao item Memória Descritiva e Justificativa, mas também ao Programa de Trabalhos e Nota Justificativa do Preço Proposto.

X – Erra o Digníssimo Juiz, quando afirma que não se consegue compreender o porquê das pontuações concretamente imputadas, pois, a fundamentação das mesmas foi feita nos termos do critério enunciado no Relatório Preliminar, que foi a transcrição do previsto no Programa de Concurso.

XI – De facto, “ as decisões administrativas de classificação ou valoração do mérito devem considerar-se suficientemente fundamentadas desde que nos repectivos actos constem, directamente ou por remissão para outras peças do procedimento, os elementos, factores, parâmetros ou critérios com base nos quais o órgão decisor procedeu à ponderação determinante do resultado concreto a que chegou”, (cfr. Ac. TCAS datado de 01/07/2010, processo nº 05985/10, e Acs do Pleno de 13 de Março de 2003 in Rec. nº 34396 e de 31 de Março de 1998 in Rec. nº 30500).

XII – Acresce ainda que, “ …considera-se satisfeito o dever de fundamentação da classificação operada desde que se mostrem vertidas na grelha classificativa previamente elaborada pelo Juri as valorações atribuídas a cada item, e que, posteriormente, seja consignada em acta a pontuação atribuída, sem necessidade de se justificar aquela pontuação, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação, ( Ac. TCAS, datado de 01/07/2010, processo nº05985/10, e Acs do STA de 3 de Abril de 2003 in Rec. nº 1126/02 e de 6 de Outubro de 1999 in Rec. nº 42394).

XIII – Por outro lado, “a valoração das propostas integra o poder discricionário da Administração, em que, naturalmente, também entram juízos subjectivos. A Administração, nos concursos públicos, goza de margem de livre apreciação, na escolha dos critérios de avaliação das propostas e na valoração dos respectivos factores, por se tratar de aspectos não vinculados do acto de adjudicação, e que só pode ser sindicada pelo Tribunal em caso de erro. ( Acórdão do Tribunal Administrativo Sul, de 28/01/2010, processo nº 05619/09)

XIV – Demonstrado fica que, o cato de adjudicação foi devidamente fundamentado, ao contrário do expendido na douta sentença recorrida.

XV – Mais, o Júri decidiu excluir a Recorrida com fundamento no art. 70º/2 b) porque o bem que a mesma propôs fornecer (cabo FV de 6 mm2 em circuito secundário) estava em desconformidade com o exigido no mapa de quantidades do programa de concurso, mas também e porque o caderno de encargos contém um clausulado que deve ser aceite integralmente e sem desvios. Acresce que tal aspecto de execução do contrato não se encontrava submetido à concorrência.

XVI – A declaração técnica (doc. 7 da contestação) apresentada pela Recorrida e emitida pelo fabricante, pretensamente justificativa da equivalência do cabo proposto para a instalação secundária na sua proposta, não continha dados técnicos que a pudessem equiparar por qualquer forma ou elemento a um dossier técnico ou relatório de ensaio exigidos nos termos da lei.

XVII – Daí o Recorrente entender que por falta de esclarecimentos técnicos adequados, a nota técnica apresentada pela Recorrida não demonstrou a compatibilidade entre o bem que propôs e o efectivamente exigido. Aliás, a mesma, em momento algum diz que o cabo proposto satisfaz de modo equivalente as exigências definidas.


XVIII – É sabido que o ónus de demonstração da equivalência técnica do material apresentado recaía sobre a Recorrida, sendo tal ónus subvertido se tivesse que ser o Recorrente a demonstrar de forma exaustiva que o material substitutivo proposto pela Recorrida não era o adequado.

XIX – O que o júri verificou foi efectivamente a inadequação do cabo , à utilização em causa e assim o referiu no relatório final “ … tornando-se desse modo inadequado à utilização em causa”.

XX – Aliás, a própria Recorrida afirmou na página 17 da Memória Descritiva e Justificativa da sua Proposta que iria fornecer cabos de secção de 4 mm2, quando os exigidos pelo Recorrente, eram de secção de 6mm2, logo, com secções diferentes .

XXI – Da própria nota técnica apresentada pela Recorrida se extrai que só no caso de os cabos terem a mesma secção é que teriam o mesmo efeito protector, e consequentemente, equivalência.

XXII – Logo, a proposta apresentada pela Recorrida teria que ser necessariamente excluída.”

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A ora Recorrida T…………, Lda., contra - alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a sentença recorrida.

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Sem vistos foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 713º nº 6 do Cód. Proc. Civil.
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Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Castelo Branco, que julgou procedente a presente acção de contencioso pré-contratual e consequentemente anulou a deliberação da Câmara Municipal de Ponte de Sor, datada de 2 de Dezembro de 2009, de adjudicação da empreitada do “Aeródromo Municipal de Ponte de Sor – 2ª fase – Execução do Sistema de Iluminação de Pista” à contra – interessada P……………. S.A., condenando o R., ora Recorrente, a reapreciar a proposta da A. – T………. – Electricidade e ……………….., Lda. -, submetendo-a a avaliação devidamente fundamentada, com análise final na qual constem as razões de facto e de direito da decisão de adjudicação que vier a ser tomada, anulando ainda o contrato de empreitada celebrado entre o R. e a contra – interessada.

Pela leitura integral da sentença em crise constata-se, desde logo, que o Mmo Juiz a quo considerou que o acto impugnado, consubstanciado na deliberação da C.M. de Ponte de Sor padece do vício de falta de fundamentação nos termos do artigo 125º nº 2 do CPA, porque “ apesar deste cuidado de objectivação das pontuações atribuídas às propostas apresentadas a concurso, a verdade é que não se consegue compreender integralmente o porquê das pontuações concretamente imputadas pelo júri do concurso a cada uma das propostas concorrentes em cada um dos respectivos itens avaliativos. Deste modo, não sendo perceptíveis tais ocultas razões que terão estado na mente do juízo avaliativo feito pelo júri do concurso aqui em causa, não é possível aos destinatários do acto ora recorrido compreender e percorrer o iter cognoscitivo que esteve na base da dita avaliação.”
Em segundo lugar, entendeu o Mmo Juiz a quo que o acto impugnado infringe o disposto no artigo 49º nº 4 e al. b) do nº 2 do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos (CCP), pois para fundamentar a exclusão da A., ora recorrida, “ o júri se limitou a referir que o cabo proposto pela ora reclamante é claramente diferente do exigido pelo Caderno de Encargos, tornando-se desse modo inadequado à utilização em causa. Ora, o critério aferidor é o da suficiência e adequação do material apresentado em substituição do previsto inicialmente nas peças procedimentais e não, como se faz no relatório final, da desconformidade com as exigências constantes das peças procedimentais, que aliás é ponto assente. Assim, seria sobre o material alternativo apresentado pela Autora ( e/ou sobre a aludida declaração de equiparação por aquela apresentada) , que se deveria pronunciar o júri deliberando sobre a sua aceitação ou não à luz da exigência contida no nº 4 do artigo 49º do CCP, afirmando e sustentando em meios de prova suficientes que a dita alteração proposta era inadequada ou insuficiente.
Ora, a dita inadequação não se afere pela desconformidade com o Caderno de Encargos, mas sim com a eventual impossibilidade da alternativa apresentada ser substitutiva do inicialmente previsto nas peças procedimentais. Não se tendo expressamente pronunciado sobre tais questões, não poderia o júri excluir a proposta apresentada pela Autora. “

Insurge-se a ora Recorrente contra este entendimento imputando à sentença em crise erro de julgamento com os fundamentos seguintes alicerçados nas suas alegações de recurso:
A – Utilização dos critérios / condições de adjudicação, factores e subfactores de apreciação constantes do Programa de Concurso, para a realização da hierarquização das propostas apresentadas (violação pela sentença a quo do artigo 125º do CPA).
B – Legalidade da rejeição da proposta pela Autora /Recorrida efectuada nos termos conjugados dos artigos 49º nº 4 e 70º nº 2 al. b) do CCP.

Analisemos então em separado cada um dos vícios imputados à sentença.
I – UTILIZAÇÃO DOS CRITÉRIOS/ CONDIÇÕES DE ADJUDICAÇÃO, FACTORES E SUBFACTORES E APRECIAÇÃO CONSTANTES DO PROGRAMA DE CONCURSO PARA A REALIZAÇÃO DA HIERARQUIZAÇÃO DAS PROPOSTAS APRESENTADAS

Sustenta o Mmo Juiz a quo, em primeiro lugar, que o acto de adjudicação impugnado pela Autora/Recorrida apresenta uma fundamentação que é insuficiente, circunstancia essa que o faz padecer de um vicio de falta de fundamentação nos termos do nº 2 do artigo 125º do CPA.

Afigura-se-nos, porém, que o Mmo Juiz a quo não terá ajuizado correctamente.

Desde logo, é ponto assente que nos termos do artigo 125º nº 1 do CPA, a fundamentação do acto administrativo deve ser expressa “ através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto”.
Por sua vez, o nº 2 daquele preceito legal dispõe que “ equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.
Tal dever de fundamentação é fulcral para que o destinatário do acto administrativo fique consciente da motivação da Administração do iter cognoscitivo que está na base da prática de determinado acto administrativo, de modo a permitir a defesa dos destinatários do mesmo, assim como o próprio controlo da “ actividade administrativa”.
No caso em apreço, no acto de adjudicação da empreitada do “Aeródromo Municipal de Ponte de Sor – 2ª fase – Execução do Sistema de Iluminação de Pista” , datado de 2 de Dezembro de 2009, remeteu-se para a fundamentação constante do Relatório Final de Apreciação das Propostas, datado de 19 de Novembro de 2009.
Porém, em rigor, não se poderá dizer, como é afirmado na sentença em crise que :” (…) neste documento (Relatório Final), por sua vez, faz-se apelo ao que foi vertido no Relatório Preliminar do referido júri, datado de 17/09/2009”, na medida em que não se remeteu em “bloco” para o mencionado naquele Relatório Preliminar, fazendo-se, sim, apelo à ordenação das propostas em resultado da aplicação do critério de adjudicação estabelecido desde inicio no Programa do Concurso, e de igual modo, remetendo para a apreciação de mérito das propostas constante daquele Relatório Preliminar.
Assim, neste Relatório Preliminar fez-se a avaliação das propostas apresentadas pelos diversos concorrentes, efectuando a sua classificação e escalonamento, através do critério de adjudicação, assim como dos factores e subfactores de apreciação que constam do Programa de Concurso, concretamente na al. 3.2. do Capitulo III e que foram reproduzidas nas páginas 5 a 7 do Relatório Preliminar.
Por sua vez, a avaliação das propostas constante do Relatório Preliminar, foi feita nos termos previstos no Programa de Concurso, e ocorreu mediante a graduação em diversos itens e valores de expressão numérica do nº 1 ao nº 5, correspondentes:

1 Ponto – Muito insuficiente – abordagem sumária genérica e muito pouco cuidada do prosseguimento dos trabalhos;
2 Pontos – Insuficiente - abordagem sumária , genérica e pouco cuidada do prosseguimento dos trabalhos;
3 Pontos – Suficiente - abordagem sumária e genérica do prosseguimento dos trabalhos;
4 Pontos – Bom - abordagem detalhada do prosseguimento dos trabalhos denotando menos atenção às especificidades do projecto de execução;
5 Pontos – Muito bom - abordagem detalhada do prosseguimento dos trabalhos através do estudo das especificidades do projecto de execução.

Tal discriminação dos valores de expressão numérica (1 a 5), critérios de apreciação (Muito Insuficiente a Muito bom), é feita numa grelha constante no Programa de Concurso ( cfr. pag. 15), sendo a mesma aplicável aos itens Memória Descritiva e Justificativa, Programa de Trabalhos e Nota Justificativa do Preço Proposto e não apenas ao item Memória Descritiva e Justificativa, como referido na sentença em crise, pese embora, tal como o ora Recorrente clarificou devidamente no Relatório Final, tenha ocorrido um lapso de escrita na redacção do Relatório Preliminar de Análise das Propostas. Na verdade, como bem observou a propósito a Exma Magistrada do Ministério Publico junto deste TCAS no seu douto parecer “ (…) estando os critérios de pontuação dos itens Memória Descritiva e Justificativa, Programa de Trabalhos e Nota Justificativa do Preço Proposto já definidos no Programa do Concurso (cfr. fls.11 e ss. do PA), é lógico que a referencia no Relatório Preliminar apenas à Memória Descritiva e Justificativa, no qual se refere às apreciações de “ Muito Insuficiente, Insuficiente, Suficiente, Bom e Muito Bom” e o critério valorativo ou ponderação correspondente, se tratou de um mero lapso de escrita como refere o recorrente, lapso perfeitamente perceptível face ao constante do Programa de Concurso, que referia tais apreciações e critério valorativo para os três itens, o qual foi admitido, explicitado e rectificado no Relatório Final em apreciação da pronúncia da ora Recorrida, em audiência prévia ( cfr. fl. 33 dos autos).”
É pois notório que quando após aquela grelha se procede à fundamentação da aplicação das várias classificações nela constantes, também ela seja aplicável ao Programa de Trabalhos e Nota Justificativa do Preço Proposto e não apenas à Memória Descritiva e Justificativa.
Por conseguinte, o iter cognoscitivo do Recorrente é apreensível mediante a análise global do Relatório Preliminar, constatando-se que avaliou os três itens em conformidade com os critérios estabelecidos. Por aqui, um destinatário normal, perante os elementos fundamentadores, explícitos no Relatório Preliminar, está em condições de aferir quais os critérios de decisão, não se verificando a falta de fundamentação do Relatório Preliminar, e consequentemente do acto de adjudicação da empreitada.
Concluímos assim que o júri do concurso procedeu em conformidade com o disposto no artigo 146º nº 1 do CCP, preceito este que consagra, tal como refere JORGE ANDRADE DA SILVA , in CÓDIGO DOS CONTRATOS PUBLICOS, COMENTADO E ANOTADO, Almedina, 2ª Ed., pag. 458 que: “ O júri procede ao estudo do conteúdo das propostas com vista à decisão sobre a adjudicação , isto é, analisa as propostas e elabora a fundamentação de um juízo que tem de emitir sobre o mérito dessas propostas à luz do critério que foi anunciado e bem assim dos factores e subfactores de apreciação que, para esse efeito constem do Programa de Concurso”.

Por outro lado, houve cuidado de objectivação das pontuações atribuídas às propostas apresentadas a concurso, sendo tal perfeitamente apreensível através da leitura global do Relatório Preliminar para o qual o acto de adjudicação acabou para remeter na parte relativas à avaliação ads propostas apresentadas a concurso.
É insondável a duvida do Mmo Juiz a quo quando afirma que não se consegue compreender o porquê das pontuações concretamente imputadas, pois, a fundamentação de tais pontuações foi feita nos termos do critério enunciado no Relatório Preliminar, que foi a transcrição do previsto no Programa do Concurso.
Ora, tal como vertido no Acórdão deste TCAS, datado de 1 de Julho de 2010, in Proc. nº 5985/10, cujo Relator é o do presente Acórdão,
(…)
III – No caso do procedimento concursal, considera-se satisfeito o dever de fundamentação da classificação operada desde que se mostrem vertidas na grelha classificativa previamente elaborada pelo Júri as valorações atribuídas a cada item, e que, posteriormente, seja consignada em acta a pontuação atribuída, sem necessidade de se justificar aquela pontuação, sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação. “

Aliás, “ as decisões administrativas de classificação ou valoração do mérito devem considerar-se suficientemente fundamentadas desde que nas respectivos actos constem, directamente ou por remissão para outras peças do procedimento, os elementos, factores, parâmetros ou critérios com base nos quais o órgão decisor procedeu à ponderação determinante do resultado concreto a que chegou” – cfr. Acs do Pleno de 13 de Março de 2003 in Rec. nº 34396 e de 31 de Março de 1998 in Rec. nº 30500.

Torna-se assim perfeitamente apreensível a pontuação final dos concorrentes, a qual resulta logicamente das operações efectuadas, levando em consideração, naturalmente, os critérios e subcritérios utilizados e o coeficiente de ponderação dos mesmos, no âmbito da margem de livre apreciação detida pelo júri do concurso.

Por outro lado, tal como se refere no Acórdão deste TCAS de 28 de Janeiro de 2010 in Proc. nº 5619/10 :
“ I – A actividade de valoração e pontuação das propostas em procedimento concursal insere-se na “margem de livre apreciação” ou das “prerrogativas de avaliação” atribuída à entidade que a elas procede a qual, para uns, “ decorre do exercício da chamada discricionariedade técnica, ou do puro exercício de um poder discricionário” e para outros da aplicação “ de conceitos vagos elásticos ou indeterminados, para cujo preenchimento, a Administração emite juízos de valor de carácter eminentemente técnico-especializado, juízos de prognose de experiência, com intervenção de necessários elementos subjectivos.
II - Por isso, a referida actividade de valoração das propostas, através da atribuição da pontuação a cada um dos factores e subfactores, é contenciosamente insindicável a não ser que nessa actividade se pratique um erro grosseiro ou manifesto ou se violem os princípios gerais que enformam o procedimento concursal, designadamente os da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade, restringindo-se, assim, os poderes de controlo do Tribunal à legalidade externa do acto, ao erro grosseiro ou manifesto e /ou desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa.”

Em face do que ficou exposto, o acto de adjudicação foi devidamente fundamentado, pelo que nesta parte a sentença em crise merece ser revogada na medida em que considerou que o acto em crise padecia do referido vício de falta de fundamentação, nos termos do artigo 125º nº 2 do CPA.

II – LEGALIDADE DA REJEIÇÃO DA PROPOSTA PELA AUTORA / RECORRIDA EFECTUADA NOS TERMOS CONJUGADOS DOS ARTIGOS 49º nº 4 e 70º nº 2 al. b) do CCP.

O Júri do Concurso excluiu a proposta apresentada pela Autora /Recorrida nos termos vertidos no Relatório Final, em que : “ (…) continua a propor a exclusão da ora reclamante, tendo como base o artigo 70º nº 2 al. b). Isto, porque o bem que aquela propõe fornecer ( cabo FV de 6mm2 em circuito secundário), encontra-se em desconformidade com o exigido no mapa de quantidades do programa de concurso, salientando que o caderno de encargos contém um clausulado que é para aceitar integralmente e sem desvios, não se encontrando tal aspecto da execução do contrato submetido à concorrência, pelo que não valerá a argumentação da reclamante quando diz que a situação é enquadrável no artigo 49º nº 4 do CCP.
Acresce ainda que perante o teor do esclarecimento requerido pelo Dono da obra ao responsável pelo projecto, conforme cópia em anexo (doc. 1), o cabo proposto pela ora Reclamante é claramente diferente do exigido no Caderno de Encargos, tornando-se desse modo inadequado à utilização em causa.”

Discordou
deste entendimento o Mmo Juiz a quo
ao afirmar que “ (…) o Júri em nenhum ponto do relatório emitiu qualquer juízo de desconformidade da alternativa apresentada pela Autora, de acordo com os parâmetros enunciados no nº 4 do artigo 49º do CCP, limitando-se a afirmar o que era por todos aceite: que o cabo a fornecer pela Autora em circuito secundário era diferente do estabelecido e por isso inadequado. Ora, a dita inadequação não se afere pela desconformidade com o Caderno de Encargos, mas sim com a eventual impossibilidade de a alternativa apresentada ser substitutiva do inicialmente previsto nas peças procedimentais. Não se tendo expressamente pronunciado sobre tais questões, não poderia o Júri excluir a proposta apresentada pela Autora. Por isso, conclui-se que o acto recorrido infringe o disposto no artigo 49º do CCP”.

Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que o Mmo Juiz a quo não terá decidido correctamente.

É certo que o nº 4 do artigo 49º do CCP dispõe que “ Não podem ser excluídas propostas com fundamento em desconformidade dos respectivos bens ou serviços com as especificações técnicas de referência, fixadas de acordo com o disposto nas al. a) ou b) do nº 2, desde que o concorrente demonstre, de forma adequada e suficiente, que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas por aquelas especificações.”

Contudo, para tal demonstração de que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem de modo equivalente as exigências definidas pelas especificações técnicas de referência, pode (deve) o concorrente apresentar um dossier técnico do fabricante ou um relatório de ensaio de um organismo reconhecido, nos termos do disposto no nº9 daquele artigo 49º do CCP.
No caso em apreço, a Autora aqui recorrida propôs fornecer em circuito secundário o cabo do tipo FV 6mm2, diverso do estabelecido no ponto 4.2 da Memória descritiva do Projecto que faz parte integrante das peças procedimentais ( cfr. cláusula 2ª do Caderno de Encargos).
E, efectivamente, o Júri decidiu excluir a aqui recorrida com fundamento no artigo 70º nº 2 do CCP porque o bem que a mesma se propôs fornecer ( cabo FV de 6 mm2 em circuito secundário) estava em desconformidade com o exigido no mapa de quantidades do programa de concurso, mas também porque o caderno de encargos contém um clausulado que deve ser aceite integralmente e sem reservas, sendo cero ainda que tal aspecto de execução do contrato não se encontrava submetido à concorrência.
Por sua vez, a Autora apresentou uma declaração técnica emitida pelo fabricante que teve como objectivo a sustentação da sua pretensão de equivalência do cabo proposto para a instalação secundária na sua proposta.
Pese isso, a lei fala de dossier técnico do fabricante ou um relatório de ensaio de um organismo reconhecido e não de “mera declaração”. O próprio Mmo. Juíz a quo se interrogou se a referida declaração seria suficiente. Embora não tivesse chegado a qualquer conclusão nesse sentido não deixou de mencionar que se tratava de uma falsa questão, uma vez que o fundamento da exclusão não assentou numa eventual insuficiência ou inadequação da referida declaração ou do material alternativo apresentado.
Tal argumento não é plausível, pois ainda que tenha “escapado” ao Júri tal questão formal, ou seja, de que se estava perante uma mera declaração e não um dossier técnico, não pode o Mmo Juiz subtrair-se à apreciação da suficiência de tal declaração.
A verdade é que, independentemente de tal questão formal não ter sido apreciada pelo Júri, entendeu o Recorrente não lograr os motivos que a recorrida invocou para justificar a compatibilidade entre o bem que propôs e o exigido, na medida em que o próprio teor da nota técnica não diz ipsis verbis que o cabo proposto satisfaz de modo equivalente as exigências definidas, aliás, especifica que “ nos casos em que a secção do cabo isolado do tipo HO7V-K (cabo FV ) é igual à do cabo de cobre multifilar comummente designado por cabo de cobre nu, ganha-se o dito efeito protector.”
E, efectivamente, em anexo ao Relatório Final, que dele faz parte integrante, consta o “esclarecimento” nele referido no qual se afirma: “ Ora, neste caso como se pode inferir das peças escritas e peças desenhadas, o sistema de terras projectado, considera a utilização de cabo de cobre nu com a secção de 6 mm2, classe 1 por inerência.
Assim sendo o tipo de cabo proposto é claramente diferente do indicado no processo de concurso.
De referir que o cabo de cobre nu rígido é o mais adequado à utilização em causa, dada a existência de caixas de visita, convenientemente espaçadas, nas quais se procede à interligação do referido condutor de protecção a um eléctrodo de terra, localizado no fundo de cada caixa de visita.”

Assim, perante o esclarecimento prestado pelo responsável do projecto, o Júri não deixou de referir que o cabo proposto pela ora Recorrida se mostrava inadequado à utilização em causa.
Por outro lado, de acordo com o disposto no artigo 49º nº 4 do CCP., incumbia à Autora , ora Recorrida, o ónus de demonstrar, de forma adequada e suficiente, que a solução de cabo proposto satisfazia, de modo equivalente, as exigências definidas pelas especificações, o que não fez, limitando-se, como referimos supra, a apresentar uma “Declaração” e não o dossier técnico ou “Relatório de Ensaio” a que alude o nº 9 do citado artigo 49º.
Concluímos do exposto que foram respeitados os princípios ad livre concorrência e da não discriminação que o artigo 49º do CCP pretende salvaguardar, pelo que foi acertada e legalmente fundamentada a decisão de exclusão da Autora, com fundamento no artigo 70º nº 2 al. b) do mesmo diploma, não sendo deste modo aplicável ao caso em apreço o disposto no artigo 49º nº 4 , uma vez que não ficou demonstrada a equivalência da solução apresentada pela aqui recorrida.
Por conseguinte, ao contrário do expendido na sentença em crise, a exclusão da ora Recorrida teve fundamento na aferição da inadequação do material alternativo apresentado, o qual não era equivalente ao exigido pelo prosseguimento do concurso.
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Termos em que, de acordo com os fundamentos expostos procedem na íntegra as conclusões da alegação doa Recorrente, sendo de conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, com a consequente improcedência da acção e absolvição do recorrente dos pedidos formulados.
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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, com a consequente improcedência da acção e absolvição do recorrente dos pedidos formulados.
Custas pela ora Recorrida em ambas as instâncias.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2011
António Vasconcelos
Paulo Gouveia
Cristina dos Santos

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