sexta-feira, 1 de novembro de 2013

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL - JUIZ SINGULAR – RECURSO - ARTIGOS 76º E 79º DO CCP - DECISÃO DE NÃO ADJUDICAÇÃO



 Proc. Nº 10318/13   TCAS               10 Out 2013

I – Uma acção de contencioso pré contratual, em regra, deve ser julgada, de facto e de direito, por juiz singular, designadamente pelo juiz titular do processo, tal como haja resultado da distribuição, nos termos do artigo 40º, n.º 1, do ETAF, não sendo imediatamente aplicável a esta acção de contencioso pré-contratual, a regra especial de competência, estabelecida no n.º 3 daquele artigo 40º, dirigida às acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, norma para a qual o artigo 102º, n.º 1, do CPTA, não remete, nem expressa, nem implicitamente.
II – Da decisão proferida pelo juiz singular, titular do processo, numa acção de contencioso pré contratual, há recurso directo para este TCAS e não reclamação para a conferência;
III – O 79º do CCP não é taxativo, mas meramente exemplificativo
IV – É lícito à entidade contratante decidir pela não adjudicação por razões de interesse público, devidamente fundamentado, relativo à circunstância de se ter aberto um concurso através da central de compras, com vista a obter uma economia de escala e poupanças, mas face às propostas que foram apresentadas, todas consideradas com um preço anormalmente baixo, acabou por se manter no concurso uma única concorrente, cuja proposta apresenta um preço muito superior aquele que resulta da análise comparativa para o mesmo tipo de serviço, face aos dois anos anteriores, e ainda, porque tal contratação poderia conduzir a uma situação de monopólio no fornecimento do serviço a favor dessa empresa.
V – A circunstância de se verificar, após a abertura do concurso, que todos os concorrentes têm de ser excluídos, menos um, porque apresentavam uma proposta com um preço anormalmente baixo, é algo superveniente à abertura do próprio concurso, à vontade de contratar.
VI- Para a verificação de um interesse público relevante e superveniente, justificativo da decisão de não adjudicação ao abrigo do artigo 79º do CCP, não há que afastar uma situação de erro na forma como se configurou o concurso, ou na forma como se pretendia contratar, pressuposto da decisão revogada


Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente a presente acção de contencioso pré-contratual, na qual se requeria a nulidade ou a anulação do acto do Conselho Directivo (em diante, CD) da Entidade de Serviços Partilhados da Administração Publica (em diante, ESPAP), notificado em 06.02.2013, de não adjudicação da proposta apresentada pela Autora no âmbito do concurso público para a celebração de acordo quadro de plataformas electrónicas de contratação pública e consequentemente a revogação da decisão de contratar proferida no referido procedimento.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: «A) A Entidade Demandada proferiu uma deliberação de acordo com a qual:
i. Aderiu aos fundamentos e conclusões do parecer em anexo à deliberação;
ii. Decidiu não adjudicar o Concurso Público em tutela do interesse público, revogando a decisão de contratar;
iii. Concedeu prazo de audiência prévia aos concorrentes por cinco dias.
B) No dia 6 de Fevereiro de 2013, e depois de ter exercido o direito de audiência prévia, a ora Recorrente foi notificada da decisão pela qual o conselho directivo da Entidade Demandada deliberou considerar improcedente a pronúncia apresentada pela Recorrente e, consequentemente, deliberar a não adjudicação do Concurso Público em tutela do interesse público e que consubstancia o acto impugnado.
C) A Sentença proferida pelo douto Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa determina a improcedência do pedido formulado pela Recorrente invocando-se os seguintes fundamentos:
b. A Entidade Demandada não estava impedida de não adjudicar, com base em, devidamente fundamentada, causa diversa daquelas que se encontram legalmente enunciadas (designadamente por motivos de interesse público);
c. O cancelamento do concurso não implica a violação do princípio da boa-fé;
d. A decisão de não adjudicação encontra-se devidamente fundamentada;
e. O preço da proposta da Recorrente era “anormalmente elevado” pelo que a não adjudicação se encontra justificada.
D) Dessa forma, o acto impugnado viola o 76.º e o 79.º, quando interpretados conjugadamente, na medida em que decide a não adjudicação e a revogação da decisão de contratar sem ter por fundamento uma das causas de não adjudicação que, excecionalmente, estão consagradas no artigo 79.º do CCP, nem nenhuma das demais que, estando compreendidas no espírito das normas consagradas neste artigo 79.º e que são obtidas através de um processo de extensão teleológica das mesmas, vêm a sua existência reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência.
E) Por seu lado, e em consequência, a Sentença recorrida, ao decidir da forma descrita, interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 76.º e 79.º, n.º 1, ambos do CCP, e padece de omissão de fundamentação.
Senão vejamos:
F) O CCP consagra um dever de adjudicação que vincula a Administração a essa espécie de “oferta ao público” que, em nome do princípio da boa fé e da protecção das legítimas expectativas criadas, não pode desrespeitar.
G) Assim, o acto de adjudicação é um acto devido (ver, por todos, o ac. do TCA Sul de 26/04/2012 proferido no processo n.º 08634/12), sendo o elenco de causas de não adjudicação previstas no artigo 79.º, do CCP taxativo.
H) Isso mesmo decorre do CCP (independentemente dos elementos interpretativos que se considerem prevalecentes, literal, histórico ou sistemático), jurisprudência e da doutrina que se debruçou sobre a matéria.
I) Ao entender de forma distinta, isto é, ao considerar que o elenco de causas de não adjudicação previstas no artigo 79.º, do CCP é exemplificativo, o douto Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 76.º e 79.º, ambos do CCP, devendo os mesmos ser interpretados e aplicados no sentido de se considerar que o elenco de causas de não adjudicação previstas no artigo 79.º, do CCP é taxativo, o que se alega nos termos e para os efeitos do artigo 685.º-A, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
J) Ainda que se entenda que o elenco de causas de não adjudicação previstas no artigo 79.º, do CCP, não é taxativo, aquela só pode ocorrer se estiverem em causa motivos de interesse público de carácter superveniente.
K) Ao entender de forma distinta, isto é, ao considerar que a não adjudicação pode ser decretada sem a existência de um facto SUPERVENIENTE e de interesse público, o douto Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 76.º e 79.º, ambos do CCP, devendo os mesmos ser interpretados e aplicados no sentido de se considerar que a não adjudicação apenas pode ter lugar caso exista um motivo de interesse público e superveniente, que o justifique, o que se alega nos termos e para os efeitos do artigo 685.º-A, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
L) Ora, não presente caso, não existem motivos de interesse público de carácter superveniente que justifiquem uma decisão de não adjudicação e aqueles que são invocados como motivos de interesse público não são nem supervenientes, nem de interesse público.
M) Acresce que a decisão de não adjudicação não pode ser proferida apenas porque a administração não gostou do resultado final do procedimento, da entidade escolhida a final.
N) Ainda que se admita que a Entidade Demandada pode ter em conta, como fundamento para proferir uma decisão de não adjudicação, uma nova ponderação das razões de interesse público que estiveram na base da decisão de contratar, o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio, certo é que a ponderação feita no Parecer não pode merecer acolhimento.
O) De facto, o júri do procedimento analisou a fundamentação do preço apresentado pela ora Recorrente tendo concluído que o mesmo era conforme com as normas legais, regulamentares e concursais em vigor.
P) Não tendo concluído que o preço era excessivamente alto (como agora a Entidade Demandada parece pretender sustentar) sendo que, se o fosse, o júri sempre poderia ter excluído a proposta.
Q) Acresce que a Sentença recorrida é totalmente omissa quanto aos fundamentos que a levaram a concluir que o preço é anormalmente alto.
R) Assim, a Sentença recorrida é nula por não especificar os fundamentos de facto que a levam a considerar que o preço proposto pela Recorrente é “anormalmente alto” (artigo 668.º, n.º 1, al. b), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA) e por os fundamentos estarem em oposição com a decisão na medida em que nada na matéria de facto considerada provada permite a conclusão de que o preço proposto pela Recorrente é “anormalmente alto” (artigo 668.º, n.º 1, al. c), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA).»
O Recorrido nas contra alegações formulou as seguintes conclusões: «a) O artigo 79.º, n º 1 do CCP, não contém um elenco exaustivo das causas que determinam a não adjudicação da proposta ou propostas, pelo que a decisão de adjudicação não representa "um dever jurídíco" inelutável para o órgão competente para a decisão de contratar.
b) Por conseguinte, o ato de adjudicação é um "ato tendencialmente devido", que pode mudar de sentido - "decisão de não adjudicação" - perante a verificação de determinadas circunstâncias excecionais tipificadas na lei, ou em função de outros relevantes motivos de interesse público subjacentes à decisão de contratar.
e) Nesta conformidade, a Recorrida não estava impedida (antes tinha o dever) de tomar uma decisão de não adjudicação, baseada numa "diversa apreciação da situação pré­ existente" e em função das ocorrências verificadas durante o procedimento pré­ contratual, como única forma de tutelar os interesses públicos em presença.
d) Acresce que se afigura indiscutível que a Administração não pode ficar obrigada à celebração de um contrato público quando a tal se oponham relevantes motivos de interesse público.
e) Por conseguinte, reconhecendo-se à Administração o poder de resolver um contrato por motivos de interesse público, esses mesmos motivos podem ser suficientes para sustentar unia decisão de não adjudicação.
f) No caso vertente, verificam-se ponderosos motivos de interesse público para a adoção de uma decisão de não adjudicação, sintetizados da seguinte forma:
- o preço proposto pela Recorrente constitui um preço "anormalmente" alto, quando comparado ao preço médio de mercado, e
- um acordo quadro celebrado unicamente com a Recorrente significa que esta será prestadora em regime de monopólio de toda a Administração Direta do Estado e a todos os institutos públicos
g) Na verdade, a adjudicação da proposta da Recorrente compromete os objetivos de obtenção de economias na despesa pública, traçados pelo legislador à ANCP (agora a ESPAP, 1.P.) no âmbito do SNCP - tal como vertidos no citado Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro.
h) Mais ao adjudicar - em cal1-offs dentro de um acordo quadro para elas vinculante - propostas de "valor consideravelmente elevado", as entidades públicas contratantes estarão a não acolher também recomendações do Tribunal de Contas (dirigidas, embora, a ANCP, agora ESPAP, l.P.), que visam a tutela do interesse público através de uma correta racionalização dos dinheiros públicos objetivo que a ora Recorrida não pode deixar de antecipar e de prosseguir
i) O ato impugnado é absolutamente válido, respeitando todas as normas legais e regulamentares aplicáveis a procedimentos concursais, maxime o disposto no CCP.
j) Face a tudo o que antecede, e atendendo a que o ato impugnado não padece dos vícios que lhe são assacados não podem deixar de improceder os pedidos formulados pela Recorrente.»
A DMMP apresentou a pronúncia de fls. 1228 a 1230, no sentido de não ser admissível o presente recurso, por no caso haver lugar a reclamação para a conferência.
O Recorrente apresentou a resposta de fls.1233 a 1234 verso, acerca da questão suscitada pelo DMMP.
Os Factos
Na 1º instância foram dados por assentes, por provados, os seguintes factos que ora não vêm impugnados:
1) No dia 04.01.2012 foi publicado no Diário da República o anúncio de abertura do procedimento de “concurso público para a celebração de acordo quadro de plataformas electrónicas de contratação pública” (“Concurso Público”), com o n.º 35/2012, (Cfr. Doc. 1 PI), no âmbito do qual a Entidade Pública Contratante é a Agência Nacional de Compras Públicas, E.P.E.
2) A data definida para apresentação das propostas foi o dia 21 de Fevereiro de 2012, sendo que em matéria de critérios de adjudicação, ficou definido que seriam “adjudicadas as 4 melhores propostas de acordo com o critério do mais baixo preço” (cfr. artigo 14.º, n.º 1, do Programa de Procedimento - artigo 12.º, n.º 1, do Programa de Procedimento Doc 2 PI),
3) A proposta do aqui Autor foi apresentada em 21/02/2012, tendo sido apresentadas outras 6 propostas (cfr. acta nº 3 do Júri do Concurso Público – Doc. 4 PI);
4) No dia 01/03/2013, o Júri do Concurso Público procedeu à análise das propostas, tendo concluído pela “existência de uma disparidade de preços propostos não negligenciável, a qual podia consubstanciar a prática de actos com intuito de impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência” (cfr. acta n.º 4 do Júri do Concurso Público – Doc. 5 PI);
5) O Júri do Concurso Público decidiu solicitar a todos os concorrentes esclarecimentos sobre os preços propostos, tendo alguns concorrentes, designadamente a Autora, requerido a classificação das respostas aos pedidos de esclarecimento nos termos e para os efeitos do artigo 66.º, do CCP, o que veio a ser aceite pelo júri do Concurso, em reunião realizada no dia 08/03/2012 (Cfr. acta n.º 5 – Doc. 6 PI);
6) Depois da referida classificação, e com excepção do concorrente ... , S.A., os concorrentes entregaram os esclarecimentos solicitados, tendo a Autora feito tal entrega em 12 de Março de 2012 (cfr. Doc. 7 PI);
7) Nos dias 20/03/2012, 22/05/2012, 04/06/2012 e 12/06/2012, o Júri do Concurso Público reuniu tendo em vista analisar as propostas apresentadas (incluindo os esclarecimentos prestados).
8) Da análise dos referidos elementos, o Júri do Concurso Público deliberou o seguinte (cfr. acta n.º 6 – Doc. 8 PI);
a) Propor a exclusão das propostas apresentadas pela ... Services, S.A. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), ... Serviços, Lda. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), ... , S.A. (por não ter as qualificações necessárias para prestar o serviço objecto do Concurso Público), Academia Informática Brava, Engenharia de Sistemas, Lda. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), ... , S.A. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente) e ... , S.A. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente);
b) Propor a adjudicação da proposta apresentada pela aqui Autora;
c) Conceder prazo para exercício do direito de audiência prévia.
9) 5 dos 7 concorrentes apresentaram pronúncia de exercício do direito de audiência prévia (Cfr. acta n.º 7 - Doc. 9 PI) tendo o júri do Concurso Público mantido a decisão que constava do relatório preliminar constante da acta n.º 6, do Júri do Concurso, tendo ainda concedido novo prazo para os concorrentes exercerem o seu direito de audiência prévia.
10) Nos dias 19/07/2012, 02/08/2012 e 10/08/2012, o Júri do Concurso Público reuniu tendo em vista apreciar as pronúncias proferidas pelos concorrentes, tendo, a final (Cfr. acta n.º 8 - Doc. 10 PI) concluído o seguinte:
a) Proposta de exclusão das propostas apresentadas pela ... Services, S.A. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), ... Serviços, Lda (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), ... , S.A. (por não ter as qualificações necessárias para prestar o serviço objecto do Concurso Público), Academia Informática Brava, Engenharia de Sistemas, Lda. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente), ... , S.A (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente) e ... , S.A. (por o preço apresentado ser anormalmente baixo e a justificação para o mesmo não ter sido considerada procedente);
b) Proposta de adjudicação à aqui Autora; e,
c) Proposta de enviar o relatório ao órgão competente para proferir a decisão de contratar.
11) O Conselho directivo da Entidade Demandada, em função da extinção da ANCP por fusão na Demandada, através do Decreto-Lei n.º 117-A/2012, de 14 de Junho), proferiu uma deliberação (Doc. 11 PI) de acordo com a qual:
a) Aderiu aos fundamentos e conclusões do parecer em anexo à deliberação;
b) Decidiu não adjudicar o Concurso Público em tutela do interesse público, revogando a decisão de contratar;
c) Concedeu prazo de audiência prévia aos concorrentes por cinco dias.
12) A aqui Autora apresentou requerimento de exercício do direito de audiência prévia (Cfr. Doc. 12 PI);
13) No dia 6 de Fevereiro de 2013 a aqui Autora foi notificada da decisão pela qual o conselho directivo da Demandada deliberou considerar improcedente a pronúncia apresentada pela Autora e, consequentemente, deliberou a não adjudicação do Concurso Público em tutela do interesse público (Cfr. Doc. 13 PI);
14) O presente Processo de Contencioso Pré-Contratual deu entrada nos Tribunais Administrativos, em 5 de Março de 2013 (Cfr. fls. 2 e sg SITAF).

Nos termos dos artigos 662º, n.º1 e 665º, n.ºs 1 e 2, do (novo) CPC, acrescentam-se os seguintes factos assentes, por provados:
15) O Acórdão de fls. 1027 a 1047 foi proferido por juiz singular.
16) O citado acórdão foi comunicado às partes por ofícios datados de 28.06.2013, de fls. 1049 e 1050.
17) Com data de registo no SITAF em 09.07.2013, foi apresentada pelo ora Recorrente a reclamação para a conferência de fls. 1053 a1091 (cf. também fls. 1052).
18) Em 11.07.2013 foi proferido o despacho de fls. 1102 e 1103, que aqui se dá por reproduzido, que convolou a indicada reclamação em recurso e convidou o Reclamante a apresentar alegações de recurso.
19) Com data de registo no SITAF em 30.07.2013, foram apresentadas pelo ora Recorrente as alegações de recurso de fls. 1111 a 1167 (cf. também fls. 1109).
20) A deliberação do CD da ESPAP referida em 11) é datada de 02.01.2013, teve o teor constante de fls. 807 e 808 e nomeadamente o seguinte teor: «Da análise das dúvidas levantadas pelo próprio júri e respetivas conclusões em sede de relatório final bem como da sua proposta de adjudicação, entendeu este Conselho Diretivo existirem fundadas dúvidas acerca da prossecução do interesse público que fundamenta a decisão de celebrar o acordo quadro de plataformas eletrónicas de contratação pública, nomeadamente acerca do cumprimento dos objetivos do Sistema Nacional de Compras Públicas,
Neste sentido, considerando imprescindível recorrer a uma análise e parecer especializado no âmbito do Sistema Nacional de Compras Públicas, a sociedade de advogados ... & Associados foi convidada a realizar tal tarefa tendo-a conctuído com a entrega do parecer em anexo à presente deliberação. ».
21) Está anexo à indicada deliberação o documento de fls. 809 a 824, que aqui se dá por reproduzido e que refere o seguinte: « Omissis.».
22) Comunicada a deliberação do CA do ESPAP à Central E, esta apresentou a pronúncia constante de fls. 826 a 842, que aqui se dá por reproduzida.
23) O CA do ESPAP na reunião de 31.01.2013 apreciou a supra indicada pronúncia e decidiu conforme documento de fls. 846 a 851, que aqui se dá por reproduzido, no qual se refere nomeadamente o seguinte: «
“Omissis”

» (cf. também documento de fls. 844 e 845).
O Direito
Da questão prévia da admissibilidade do recurso
Vem o DMMP suscitar a questão da inadmissibilidade do recurso por a decisão recorrida não ter sido proferida em invocação do artigo 27º, n.º1, alínea i), do CPTA e haver lugar a prévia reclamação para a conferência.
Conforme deriva dos factos provados, ora acrescentados, na situação em análise o Recorrente apresentou no prazo de 10 dias após a notificação da decisão, uma reclamação para a conferência.
Essa reclamação, por despacho de fls. 1102 e 1103, foi convolada em recurso, por se entender que no caso em apreço, uma acção de contencioso pré-contratual, a competência para proferir a decisão cabia ao juiz singular e não a um relator ou a uma formação de três juízes. Logo, da decisão proferida havia imediatamente recurso para o TCAS.
Nada há a apontar ao indicado despacho, pelo que se confirma a admissão do recurso.
Sobre o assunto já nos pronunciamos no Ac. n.º 09605/13, de 07.03.2013 (in www.dgsi.pt), ali considerando o seguinte: «os presentes autos referem-se a uma acção de contencioso pré-contratual, que vem prevista no CPTA, nos artigos 100º a 103º, e não a uma acção administrativa especial (prevista nos artigos 46º e ss. do mesmo código).
Trata-se aqui de um processo urgente, com uma tramitação própria, que se pretende simples e célere, que obedece «à tramitação estabelecida no capítulo III do título III, salvo o preceituado» no artigo 102º, n.ºs 2 a 5 (cf. artigo 102º, n.º 1, do CPTA). Ou seja, este contencioso pré-contratual obedece à tramitação estabelecida nos artigos 78º a 96º do CPTA, mas não é confundível com a forma processual correspondente à acção administrativa especial. E da tramitação referida nos artigos 78º a 96º do CPTA, não resulta a exigência da acção ser julgada em tribunal de formação de três juízes. Diferentemente, o artigo 92º do CPTA prevê que o julgamento possa ocorrer em juiz singular. O que acontece no caso vertente, pois por aplicação da regra geral do artigo 40º, n.º 1, do ETAF, os tribunais administrativos de círculo «funcionam com juiz singular, a cada juiz competindo o julgamento de facto e de direito, dos processos que lhe forem distribuídos» (cf. em sentido idêntico o artigo 46º, n.º1, do ETAF, para os processos tributários).
Tal regra do julgamento por juiz singular só não ocorre, nos termos do artigo 40º, n.º 2, do ETAF, nas acções administrativas comuns, que sigam o processo ordinário, quando as partes requeiram o tribunal colectivo (cf. artigo 646º, n.º 1, do CPC), mas desde que não haja gravação de prova, e nos termos do artigo 40º, n.º 3, do ETAF, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, em que o julgamento é feito, não em tribunal colectivo, mas em formação de três juízes.
Aparentemente, o CPTA, no artigo 40º do ETAF, para além do funcionamento do tribunal com juiz singular e em colectivo, figuras que tem paralelo na jurisdição cível, criou uma figura apenas para o contencioso administrativo, e unicamente para as acções administrativas especiais, no n.º 3 daquele artigo 40º, relativa a uma formação de três juízes.
Nas palavras de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, «Esta formação corresponde a um órgão colegial, que decide em conferência, quer a fixação dos factos materiais da causa quer a solução jurídica aplicável, funcionando como juiz relator aquele a quem o processo tenha sido distribuído. (…) A formação de três juízes não se confunde com o tribunal colectivo, que apenas intervém na acção administrativa comum que siga a forma de processo ordinário, para o julgamento da matéria de facto, quando qualquer das partes o requeira e não haja lugar a gravação da prova, e com os poderes que lhe são fixados para o processo civil (artigos 40º, n.º2, do ETAF e 42º, n.º2, do CPTA e 105º e segs. Da LOFTJ» (in, do Autor, Dicionário de Contencioso Administrativo, Livraria Almedina, Coimbra, 2006, págs. 274 a 276; cf. também págs. 672 a 674).
Na realidade, da conjugação dos artigos 40º, n.º 2, do ETAF, 35º, 42º, do CPTA e 646º, n.º 1, do CPC, o tribunal colectivo que está previsto para a acção administrativa comum, visa o julgamento da matéria de facto, mas é inadmissível para todos os casos previstos no artigo 646º, n.º 2, do CPC, designadamente nas «acções em que todas as provas, produzidas antes do inicio da audiência final, hajam sido registadas ou reduzidas a escrito» (cf. alínea b) do n.º2, do artigo 646º do CPC). Ou seja, nas acções administrativas comuns é inadmissível a intervenção do colectivo quando a prova da matéria de facto se faça apenas com base em prova documental, não havendo, nessa medida, lugar à audiência de julgamento, por não haver mais prova, nomeadamente por não haver prova testemunhal a produzir. Acresce, que conforme o n.º 3 do artigo 42º do CPTA, «mesmo quando intervenha o tribunal colectivo», «a sentença é proferida pelo juiz do processo» e não pelo tribunal colectivo, que apenas tem de proceder ao julgamento da matéria de facto (nos termos do artigo 40º, n.º2, do ETAF; cf. a este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 216, anotação 2 ao artigo 42º do CPTA).
Ora, de forma completamente diversa, o ETAF e o CPTA, parecem ter criado aquela formação de três juízes, apenas para as acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, que de forma diferente do tribunal colectivo previsto no CPC, julgará da matéria de facto e de direito. De forma totalmente diversa da prevista para o tribunal colectivo em processo civil, a indicada formação de três juízes, intervém no julgamento da matéria de facto mesmo quando «todas as provas, produzidas antes do início da audiência final, hajam sido registadas ou reduzidas a escrito» (cf. alínea b) do n.º 2, do artigo 646º do CPC). Igualmente, essa formação pode ser convocada para intervir numa audiência pública, prevista nos termos artigo 91º do CPTA, visando-se a discussão oral da matéria de facto, que pode ser toda ela documental, audiência essa que não tem paralelo no processo civil, que como acima assinalamos, não admite que se realize uma audiência de julgamento com a intervenção do tribunal colectivo, para produzir apenas prova documental. Por último, é também diferente o papel da formação de três juízes, já que procede ao julgamento de direito, enquanto no processo civil, o tribunal colectivo apenas tem de proceder ao julgamento da matéria de facto e já não ao de direito (cf. artigos 40º, ns.º 2 e 3, do ETAF, 35º, n.º2, 42º, n.º3, 91º, 92º, do CPTA e 646º do CPC).
Por conseguinte, quer àquela formação de três juízes, quer ao julgamento de facto e de direito que à mesma incumbe, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, não são aplicáveis as regras previstas no processo civil para a intervenção do tribunal colectivo e para a discussão e julgamento da matéria de facto em audiência de julgamento, salvo na estrita medida em que não estejam reguladas no ETAF e CPTA e possam ser subsidiariamente aplicáveis (cf. artigo 35º, n.º2, do CPTA). Consequentemente, não lhes pode ser aplicável subsidiariamente o estipulado no artigo 646º do CPA, para a formação do tribunal colectivo e para o julgamento da matéria de facto, pois tais determinações contendem directamente com o determinado no ETAF e CPTA. Nestes, prevê-se, para as acções administrativas especiais, a constituição de um tribunal formado três juízes, que não se confunde com o tribunal colectivo referido no CPC e que apenas opera nas acções administrativas comuns. No CPTA, prevê-se uma audiência pública, que inexiste e nunca poderia ocorrer num processo civil e que o julgamento pela formação de três juízes se faça de forma totalmente diferente daquela que incumbe ao tribunal colectivo, já que a indicada formação de três juízes julga de facto e de direito. E o julgamento de facto da formação de três juízes, intervém mesmo quando a prova seja apenas documental e não se realize qualquer audiência pública, nem qualquer audiência de discussão e com a apreciação da prova testemunhal.
Em termos práticos, a formação de três juízes e a audiência a realizar com a intervenção dessa formação só se assemelha à prevista no CPC, quando na acção administrativa especial se produza prova testemunhal. E só nesses casos há que fazer a aplicação subsidiária do CPC, com relação à tramitação processual a seguir, relativamente à qual o CPTA é omisso, porquanto, no que se refere à natureza do tribunal colectivo e às regras de competência para a sua formação e julgamento, as disposições do CPC são inaplicáveis, já que totalmente diversas das previstas no ETAF e CPTA para a acção administrativa especial.
Pelo exposto, as regras que o ETAF e o CPTA criaram para a acção administrativa especial e para a competência da indicada formação de três juízes, são regras únicas, apenas aplicáveis a este tipo de acção, que não se alargam aos demais meios processuais e designadamente aos urgentes, mesmo que na sua tramitação sigam o rito estabelecido para aquelas. A regra da competência do julgamento nos tribunais administrativos, tal como nos tributários, é a do juiz singular (cf. artigo 40º, n.º 1 e 46º, n.º1do ETAF). Essa competência apenas é afastada em duas formas de processo, na acção administrativa comum, nos casos em que se lhe apliquem as regras do processo civil relativas ao tribunal colectivo e na acção administrativa especial, quando deva ser julgada pela formação de três juízes.
Em suma, estando-se aqui frente a uma acção de contencioso pré-contratual, acção urgente que se distingue do outro meio processual previsto nos artigos 46º e ss. do CPTA – a acção administrativa especial – e que apenas segue «a tramitação prevista nos artigos 78º a 96º do CPTA, salvo o preceituado» no artigo 102º, n.ºs 2 a 5 do mesmo Código, aplicar-se-á a esta acção de contencioso pré-contratual a regra geral constante do artigo 40º, n.º 1, do ETAF e não a regra especial indicada no artigo 40º, n.º 3, do ETAF (cf. também neste sentido os Acs. do TCAS n.º 7802/11, de 06.10.2011 e n.º 7072/10, de 09.06.2011, in http:\\www.dgsi.pt).
Assim, não se desconhecendo a jurisprudência do Pleno do STA, que no Ac. n.º 420/12, de 05.06.2012, precisamente num processo relativo a um contencioso pré-contratual, fixou como jurisprudência que da decisão de um juiz singular em invocação dos poderes conferidos pelo artigo 27º, n.º1, alínea i), do CPTA, cabe reclamação para a conferência e não recurso directo para este TCAS, não se seguirá tal jurisprudência no caso dos autos.
Isto porque, como acima se referiu, se considera que ao contencioso pré-contratual aplica-se a regra geral do artigo 40º, n.º 1, do ETAF e não a regra especial contida no n.º 3 daquele preceito. Consequentemente, não há que invocar neste contencioso pré-contratual, os poderes que são conferidos ao relator, nos termos do artigo 27º do CPTA, e nomeadamente o conferido na alínea i) do n.º 1, daquele artigo.
Aliás, esses poderes não foram também invocados na sentença recorrida. Dos autos resulta que o presente processo, após distribuição ao juiz titular, foi tramitado também por juiz singular e assim foi decidido, sem que se determinasse em momento algum que os autos seriam julgados de facto e de direito em formação de três juízes, ou sem que se invocasse que o julgamento ocorreria pelo relator do processo ao abrigo dos poderes indicados no artigo 27º do CPTA (cf. despachos de fls. 112, 127 a 129, 148, 130 e decisão de fls. 171 a 187).
Consequentemente, a decisão ora em apreciação não terá contornos fácticos totalmente semelhantes aos referidos no Ac. do Pleno do STA, n.º 420/12, de 05.06.2012, na qual se discutia uma decisão tomada em sede de contencioso pré-contratual, mas em que era invocado o artigo 27º, n.º 1, alínea i) do CPTA.
Depois, porque de forma diversa relativamente ao decidido em tal acórdão do STA, se entende que ao contencioso pré-contratual se aplica o preceituado no artigo 40º, n.º 1, do ETAF e não o n.º 3 desse artigo, unicamente pensado para as acções administrativas especiais e não para o restante contencioso urgente, que se exige com um rito muito simples e célere, como é o caso de uma acção de contencioso pré-contratual (cf. artigo 36º, n.º1, alínea b), do CPTA).
No contencioso pré-contratual, à dissemelhança do que acontece nas acções administrativas especiais, o processo quer-se «simplificado e abreviado do modus procedendi», concedendo-se ao juiz, em ordem a alcançar aquele fito, «poderes especiais de conformação do procedimento, assumindo-se como um gestor do processo, como «Master of the Rolls» - discricionariedade in procedendo» (in Isabel Celeste M. Fonseca, Processo Temporalmente Justo e Urgência, Contributo para a Autonomização da Categoria da Tutela Jurisdicional de Urgência na Justiça administrativa, Coimbra Editora, 2009, Coimbra, págs. 944 e 945; cf. ainda págs. 946 a 950).
Assim, entende-se, a remissão da parte final da alínea b) do n.º 3 do artigo 102º do CPTA, relativa à submissão do «processo a julgamento» pelo relator, não como a indicação de que a regra a aplicar quanto à competência para decidir da acção de contencioso pré-contratual, é do tribunal colectivo ou da formação de três juízes (cf. artigo 40º, n.ºs 2 e 3 do ETAF), mas antes como a atribuição da plasticidade que é conferida a todos os processos urgentes do CPTA, que permitem que o juiz titular do processo conforme a respectiva tramitação, nos termos em que achar mais adequados ao respectivo litígio.
Neste sentido, veja-se o determinado no artigo 99º, n.º3, alínea b), do CPTA, para o contencioso eleitoral, ou o artigo 110º, n.º 3, do mesmo Código, para a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, ou o determinado nos artigos 119º, n.ºs 1 a 3 e 27º, n.º1, alínea h) do CPTA, para os processos cautelares. Em todos estes casos, mantém-se a referida plasticidade ou a «discricionariedade in procedendo» afirmada por Isabel Celeste M. Fonseca, que permitem que mesmo em processos que se querem urgentes e pensados pelo legislador para serem decididos por um juiz singular, ao abrigo da regra geral do artigo 40º, n.º1, do ETAF, se possa optar pela decisão em tribunal plural, nos termos do n.º 3 daquele artigo 40º, caso a «complexidade da matéria o justifique» (cf. artigo 119º, n.º 3, do CPTA).
Considera-se, por isso, que para todos os processos urgentes o legislador do CPTA previu como regra o julgamento por juiz singular – conforme o artigo 40º, n.º1, do ETAF -, mas não pensou a indicada regra de competência em termos imperativos, abrindo uma válvula de segurança face à novidade do Código e aos novos juízes, permitindo que mesmo nestes processos urgentes, em situações de especial complexidade, à semelhança do que se consignou para as acções administrativas especiais, o julgamento se pudesse fazer em tribunal plural.
Face ao exposto, a tramitação a seguir numa acção de contencioso pré-contratual, será o rito indicado no artigo 102º, n.º1, do CPTA, com a remissão para a «a tramitação prevista nos artigos 78º a 96º do CPTA, salvo o preceituado» no artigo 102º, n.ºs 2 a 5, com a consequente aplicação da regra geral constante do artigo 40º, n.º 1, do ETAF, ou seja, o julgamento da causa por juiz singular. Mas, caso o juiz titular do processo assim o equacione, mormente face a uma muito especial complexidade do processo, fazendo uso dos seus poderes de adequação formal, sempre poderia – pois o código não o veda e na indicada parte final da alínea b) do n.º3 do artigo 102º do CPTA, até o parece consentir – determinar o julgamento na formação alargada de três juízes, prevista no artigo 40º, n.º 3, do ETAF, para a acção administrativa especial.
No artigo 103º, n.º 2, alínea b), do CPTA, o legislador determinou, porém, que o prazo para a decisão do juiz ou para o relator submeter o processo a julgamento, é apenas de 10 dias (metade do prazo que é conferido às partes para apresentarem a contestação ou as alegações, quando as houver), assim se garantindo, mesmo que se complexifique o processo com a intervenção de um tribunal de formação plural, que a marcha processual mantém a celeridade.
Em conclusão, a presente acção de contencioso pré-contratual, em regra, deve ser julgada, de facto e de direito, por juiz singular, designadamente pelo juiz titular do processo, tal como haja resultado da distribuição, nos termos do artigo 40º, n.º 1, do ETAF, não sendo imediatamente aplicável a esta acção de contencioso pré-contratual, a regra especial de competência, estabelecida no n.º 3 daquele artigo 40º, dirigida às acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, norma para a qual o artigo 102º, n.º 1, do CPTA, não remete, nem expressa, nem implicitamente.
Portanto, da decisão proferida, porque o não foi no âmbito dos poderes do relator, conforme artigo 27º do CPTA, mas sim no âmbito dos poderes próprios de um juiz singular, há recurso directo para este TCAS e não reclamação para a conferência».
O julgado no acórdão acima transcrito é aqui plenamente aplicável.
Porque, no caso, a decisão foi proferida no âmbito dos poderes próprios de um juiz singular, há recurso directo para este TCAS.
Assim, improcede a questão prévia da inadmissibilidade do recurso suscitada pela DMMP.
Do mérito do recurso
Vem o Recorrente imputar à decisão sindicada uma nulidade decisória, alegando que padece de omissão de fundamentação, por ser totalmente omissa quanto aos fundamentos de facto que levaram a concluir que o preço é anormalmente alto, assim como, porque padece de fundamentos contraditórios, pois nada na matéria de facto permite a conclusão de que o preço apresentado pelo ora Recorrente é anormalmente alto.
Mais vem o Recorrente arguir erro de julgamento, alegando que a sentença recorrida interpretou mal os artigos 76º e 79º do Código de Contratos Públicos (CCP), pois defendeu que o elenco das causas de não adjudicação previstas no artigo 79º do CCP é exemplificativo. Considera o Recorrente, que contrariamente ao decidido, deve julgar-se que a decisão de não adjudicação viola os artigos 76º e 79º do CCP, pois o fundamento para aquela não adjudicação não é um dos previstos no artigo 79º do CCP. Diz o Recorrente, que as causas de não adjudicação apenas podem ser as excepcionalmente previstas naquele artigo 79º do CCP, ou aquelas que se compreendam no espírito deste artigo, obtidas através de um processo de extensão teleológica dos mesmos e que vêm reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudência.
Aduz o Recorrente, que mesmo que se entenda que o elenco do artigo 79º do CCP é exemplificativo, a não adjudicação por motivos de interesse público exige que esse interesse seja superveniente. Diz também o Recorrente, que no caso em análise não existe uma causa de interesse público, nem esse interesse é superveniente, pois o júri do procedimento quando analisou a fundamentação do preço não conclui que o mesmo fosse excessivamente alto, o que permitiria então a exclusão da proposta.
Vejamos.
É jurisprudência pacífica que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do artigo do CPC, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, que são todas as que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (cf. artigos 660º, nº 2, 668º, n.º 1, alínea d), do antigo CPC, 607º e 615º, n.º 1, alíneas b) a d) do novo CPC).
Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Mas só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão.
Também a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de ser grave, patente, implicando uma incongruência absoluta.
Ora, no caso em apreço, o tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as.
Para tanto, indicou o tribunal as razões de facto e de direito que levavam à sua decisão.
Na decisão recorrida explicou o tribunal de forma compreensível o seu raciocínio.
O Recorrente apesar de arguir uma omissão da fundamentação de facto, por da factualidade indicada na decisão recorrida não constarem elementos que conduzam à conclusão de que o preço apresentado é anormalmente alto, não impugna tal matéria de facto fixada na decisão, com a qual concordou.
Ali remeteu-se as afirmações de que o preço apresentado na proposta do ora Recorrente era o de valor mais elevado de entre todas as propostas, que era superior à média dos preços indicados nas outras propostas, ou que era uma proposta «anormalmente elevada» relativamente aos «preços praticados no mercado», acolhendo-se os argumentos indicados pela Entidade demandada e remetendo-se para o teor da proposta de decisão de não adjudicação.
Nota-se, ainda, que apreciada a PI, nela não são indicados como factos o valor concreto do preço apresentado pela proposta do ora Recorrente, nem o valor do preço apresentado pelas restantes propostas, nem o teor concreto do parecer do júri do concurso que apreciou as propostas que terão sido apresentadas, ou o teor concreto do acto sindicado e respectiva fundamentação. Toda essa concreta factualidade não foi alegada na PI de forma especificada.
Igualmente, na contestação apresentada pela ESPAP, a fls. 877 a 903, não se se alegou especificadamente nenhum dos factos acima referidos.
Ou seja, porque no processo administrativo ainda vigora o ónus do dispositivo, para que se considerasse que eram factos essenciais para o dirimir deste litígio a aferição do preço indicado na proposta do Recorrente, ou dos preços das restantes propostas, teriam esses concretos factos que serem alegados especificamente pelas partes.
Não foi isso que ocorreu nestes autos. Nenhuma das partes alegou os concretos preços apresentados nas propostas, ou acerca dos elementos ali constantes, factos com base nos quais depois se pudesse apreciar a fundamentação do acto impugnado relativa ao preço elevado da proposta do Recorrente, ou relativamente a um valor de mercado, que também não vem indicado como um facto concreto.
Diferentemente, as partes não quiseram trazer esses factos para o litígio. Quiseram antes, apenas, aqui discutir as decisões da entidade contratante tal como resultavam dos teores da fundamentação da proposta de decisão de não adjudicação e dessa decisão.
Assim, porque o A. e ora Recorrente nada alegou relativamente ao concreto valor da sua proposta, ou aos concretos valores das restantes propostas, ou à existência de outros concretos preços que se reconduzissem a «preços de mercado», isso não poderia ser a matéria em litígio.
Essas alegações também não foram feitas pelo R. e Recorrido.
Em suma, as partes nesta acção apenas quiseram discutir a fundamentação adoptada pelo acto impugnado, desprovida da análise concreta dos valores que foram apresentados nas várias propostas.
Por isso, na decisão sindicada se apreciou apenas a fundamentação adoptada na proposta da decisão de não adjudicação e por essa via da decisão de não adjudicação.
Somente aquela factualidade foi trazida ao litígio pelo A. e Recorrente.
Nenhuma das partes indicou factos concretos relativos ao preço apresentado por cada uma das propostas dos concorrentes, aos elementos que constituíam esse preço ou aos concretos valores do mercado.
Quer isto dizer, a factualidade que há que ser discutida pelo tribunal é apenas aquela que as partes tem o ónus de alegar nos seus factos essenciais. Não os alegando, não podia o tribunal oficiosamente trazê-los para o litígio.
Assim, não se pode entender que a decisão recorrida padeça de qualquer nulidade quando apenas apreciou os fundamentos constantes do acto de não adjudicação, desprovidos de mais análises factuais.
A apreciação do preço “anormalmente” elevado, que foi feita na decisão sindicada ateve-se ao termos do litígio tal como foi trazido a juízo e delimitado pelas partes – uma mera discussão jurídica e um tanto abstracta acerca da possibilidade de não se proceder à adjudicação face à fundamentação adoptada no acto de não adjudicação.
Não há pois aqui uma nulidade decisória, havendo que se entender que o A. apenas quis que se discutisse em tribunal acerca da fundamentação da decisão sindicada, sem que se trouxesse a juízo os factos relativos aos concretos preços apresentados nas várias propostas.
Portanto, não quis o A. e Recorrente que o tribunal se pronunciasse acerca dos concretos preços das propostas, sua comparação, média ou valores do mercado.
Pretendeu antes o A. e Recorrente a discussão meramente jurídica das questões acerca da legalidade do acto sindicado, com base apenas no teor da sua fundamentação. Na PI não diz o A., acompanhando essa alegação de factos concretos e especificados, que a fundamentação adoptada pela decisão de não adjudicação não correspondia à realidade, porque o preço da sua proposta era o adequado face aos que se praticava no mercado, qual era esse preço ou qual era o das propostas dos outros concorrentes.
E foi isso que foi conhecido pela decisão sindicada, nela apenas se apreciou e concordou com os fundamentos da proposta e da decisão de não adjudicação.
Falece assim a indicada nulidade.
Aponta o Recorrente um erro de julgamento à decisão recorrida e a violação dos artigos 76º e 79º do CCP, porque considera que o elenco das causas de não adjudicação do artigo 79º do CCP é taxativo, ou que para além daquelas causas só podem ser admitidas as que ainda se compreendam no espírito deste artigo, obtidas através de um processo de extensão teleológica do mesmo e que vêm reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudência.
Considera também o Recorrente, que para se admitir como causa de não adjudicação o interesse público, tal interesse também teria de ser superveniente, o que não acontece no caso, pois o júri do procedimento quando analisou a fundamentação do preço não conclui que o mesmo fosse excessivamente alto, o que permitiria então a exclusão da proposta.
Neste recurso mantém-se a discussão trazida a litígio num plano meramente de direito.
Porém, mesmo para a apreciação do litígio restringido aos seus aspectos jurídicos, é ainda necessário indicar-se a toda a factualidade que justifica aquela discussão.
Por isso, foi agora ampliada oficiosamente a matéria de facto, incluindo-se nessa matéria o teor da deliberação referida em 11., o teor do parecer para o qual se remete, a indicação da existência de uma pronúncia do ora Recorrente em sede de audiência prévia e a existência e teor da deliberação do CA do ESPAP, de 31.01.2013, que após a audiência prévia manteve os termos da deliberação de 02.01.2013.
Ora, conforme deriva dos factos provados, ora acrescentados, a deliberação de não adjudicação fundamenta-se no seu próprio texto, mas também remetendo para a anterior proposta de deliberação e para o parecer anexo a esta. Ali não se remete a fundamentação para nenhum relatório do júri.
Tal como resulta provado, na deliberação de não adjudicação analisa-se e rebate-se os argumentos aduzidos pela Central E em sede de audiência prévia e remete-se essencialmente para o já antes indicado no citado parecer jurídico.
Mas acrescenta-se relativamente ao que é aduzido no parecer, como fundamento para o interesse público que suporta a decisão de não adjudicação, o seguinte: «E, note-se, pretendia-se no Concurso em causa a seleção de quatro cocontratantes particulares (artigo 14.º, n.º 1, do Programa do Concurso), por se considerar um resultado concorrencialmente aceitável, num "mercado" em que se encontram certificadas oito plataformas eletrónicas de contratação pública: http://www.base.gov.pt/base 2/html/plataformas/plataformascertificadas.html.
A eventual celebração de um acordo quadro com apenas um desses oito operadores representaria a compressão máxima - inaceitável sob a ótica do adquirente público - da concorrência de fornecedores nesta atividade económica. Representaria a instituição, por via contratual, de uma posição de monopólio perfeito para prestar serviços de plataforma eletrónica de contratação a todas as entidades compradoras vinculadas do SNCP (n.º 4 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro). Mais, representaria a instituição de tal monopólio via presente quadro conjuntural do País, de ainda acrescida exigência no controlo da despesa pública, retirando, por essa via, à Administração Pública qualquer margem de controlo por via concorrencial dos preços a pagar, através do lançamento de procedimentos de call off competitivos, cujos destinatários seriam os múltiplos cocontratantes de um acordo quadro com uma pluralidade destes.
A hipotética conjugação da celebração de um acordo quadro com um único cocontratante com a imposição legal da aquisição, pelas entidades compradoras vinculadas do SNCP, da disponibilidade de uma plataforma eletrónica de contratação no seio desse mesmo acordo quadro deixaria integralmente na esfera de decisão da Concorrente, assim convertida em prestadora exclusiva às referidas entidades, a determinação do preço e portanto da onerosidade do serviço».
Quanto ao parecer que faz parte da fundamentação do acto por remissão (cf. artigos 124º e 125º do CPA), refere uma abordagem jurídica relativa às possibilidades de não adjudicação, mas no seu ponto «4. Decisão final a adoptar no Procedimento», acrescenta as razões concretas porque a entidade contratante pode aqui invocar um interesse público de relevo.
Ali é afirmado, designadamente que a proposta da Central E indicava um preço de 435.000 «valor mais elevado de entre todas as propostas» e que se apresentava «manifestamente superior à média dos preços indicados nas outras propostas, como também aos preços praticados de mercado», o qual foi “criado” com o CCP e legislação conexa, que passou a obrigar todas as entidades públicas, desde 30.07.2009, a efectuar compras por aqueles meios electrónicos.
Depois, indica-se as razões porque se considera a proposta da Central-E superior à do «mercado», dizendo nomeadamente o seguinte: «Relativamente aos serviços objecto do Procedimento, e após análise das aquisições de plataformas electrónicas de contratação pública efectuadas ao abrigo do Acordo Quadro vigente (AQ-PEC), a Direcção de Compras Públicas da ANCP apurou que, nos dois anos 2010 e 2011, 7 a valor total facturado em cal-offs ao abrigo da AQPECP, agregando todos os co-contratantes, foi de € 536.245, o qual é apenas marginalmente superior ao valor unitário proposto pela Central-e, de € 435,000 por uma utilização anual da plataforma.»
E acrescenta-se o seguinte quadro comparativo:

De seguida, continua-se a justificar aquela diferença de preço, para mais, da proposta da Central E: «Os dados relativos ao primeiro semestre de 2012 - com um valor total facturado pelos co-contratantes de € 129.808 - mantêm a tendência de valores dos anos anteriores considerados. Ou seja, incluindo os dados deste primeiro semestre e anualizando (desconsiderando variações sazonais entre semestres, pouco relevantes), temos um valor médio de facturação total anual. agregando todos os co-contratantes. de € 266.421.
Acresce que, através de consulta ao Portal Base.gov, a mesma Direcção pode determinar que o valor máximo de contratação aí registado foi de € 205.000, relativo a uma plataforma electrónica por um período de 3 anos, logo com um custo anual de cerca de € 68.333, sendo que o preço contratual médio foi de € 18.748.

Ora, se for celebrado o presente Acordo Quadro com a Central-e como única cocontratante, basta extrapolar para uma hipotética aquisição - em cal-off - por todas as (onze) Unidades Ministeriais de Compras actualmente existentes, desconsiderando as demais entidades compradoras vinculadas, designadamente os institutos públicos, para chegarmos a um valor total de facturação. por ano, que poderia atingir € 4.785.000. ».
Posteriormente, nesse parecer, com base naqueles elementos que se transcreveram diz-se: «Perante o preço proposto pela Central-E e considerando os dados acima, demonstrativos de forte deseconomia para a Administração Pública, por comparação com os dados do "mercado", pode o órgão competente para a decisão de contratar deliberar não adjudicar a prestação deste serviço à única proposta não excluída?
Afigura-se-nos que pode (e que, enquanto única agente de tutela do interesse público nesta fase), por vários motivos:
- A criação da ANCP e do Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP) teve como desiderato último a redução da despesa pública, mediante uma organização centralizada das compras públicas, com vista a obter economias de escala e poupanças, racionalização das aquisições e melhoria da competitividade entre os fornecedores do Estado.
- A agregação das necessidades aquisitivas é uma das grandes ferramentas de criação de economias de escala na aquisição e de obtenção de poupanças, conforme dispõem os artigos 4.° e 5.° do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de Fevereiro.
- O SNCP tem por objectivo promover a aquisição, de forma centralizada, de bens móveis e de serviços pelas entidades compradoras, mediante a intervenção da ANCP - como entidade gestora do SNCP - e das Unidades Ministeriais de Compras (UMC), sendo a figura do acordo quadro aquela que é seguida para efeitos de seleccionar as entidades que, durante o período de tempo em que ele é vigente, ficam habilitadas a fornecer ao Estado determinadas categorias de bens e serviços de que este necessita.
- O SNCP, além da ANCP e das UMC, integra entidades compradoras vinculadas e entidades compradoras voluntárias (artigo 3.°, n.º 1, do Decreto-lei nº 37/2007).
- De acordo com o n.º 2 do referido artigo, integram o SNCP na qualidade de entidades compradoras vinculadas, os serviços da administração directa do Estado e os institutos públicos, num total de cerca de 1800 entidades. Dispõe ainda o n.º 3 do artigo 3.° do mesmo diploma que podem integrar o SNCP, na qualidade de entidades compradoras voluntárias, entidades da administração autónoma, local e regional, e do sector empresarial público, mediante a celebração de contrato de adesão com a ANCP.
- Perante a abrangência do SNCP e a obrigatoriedade que recai sobre as entidades compradoras vinculadas de contratar ao abrigo do Acordo Quadro, fácil é antever que a contratação dos serviços à Central-e - com um preço consideravelmente superior ao do "mercado" - representaria um acréscimo exorbitante da despesa pública neste tipo de serviços, o que - sobretudo, no actual contexto de défice excessivo, e em face dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português - impõe uma ponderação, exigente e acrescida, quanto à necessidade de ser adoptada uma decisão de não adjudicação no caso vertente.
- Afigura-se-nos que a adjudicação proposta pelo Júri - vinculado, por lei, a esse resultado - compromete os objectivos de obtenção de economias na despesa pública, traçados pelo legislador à ANCP (agora à ESPAP) no âmbito do SNCP - tal como vertidos no Decreto-Lei n.º 37/2007.
Na verdade, a eventual adjudicação de uma proposta com um valor muito superior ao praticado no "mercado·pode, inclusive, afectar a legalidade da decisão de adjudicação se esta implicar a violação das atribuições, e da "fatia" de interesse público, que cabe prosseguir à entidade adjudicante na qual se insere o órgão competente para a decisão de contratar.
Por conseguinte, a celebração do acordo quadro com um só prestador de serviços, pelo preço anual proposto de €435.000, representa um custo desproporcionado, que não pode ser aceite pela ANCP (agora, ESPAP), custo esse que pode configurar um lucro abusivo por parte do cocontratante privado, a obter de entidades compradoras vinculadas, ex lege, a contratar no âmbito dos acordos quadro celebrados pela ANCP (agora, pela ESPAP). »
Portanto, face aos factos provados, ora acrescentados, há que concluir que a decisão de não adjudicação foi fundada no interesse público que a entidade contratante considerou de relevo, relativo à circunstância de ter aberto um concurso através da central de compras, com vista a obter uma economia de escala e poupanças, mas face às propostas que foram apresentadas, todas consideradas com um preço anormalmente baixo, acabou por se manter no concurso uma única concorrente, a Central –E, cuja proposta apresenta um preço muito superior aquele que resulta da análise comparativa para o mesmo tipo de serviço, face aos anos de 2010 e 2011.
Estimou a entidade contratante, que se 11 unidades de compras adquirissem em call-off, se chegaria a «um valor total de facturação por ano que poderia atingir €4.785.000».
Feita esta indicação dos fundamentos aduzidos pela Administração para não adjudicar a única proposta que se manteve em concurso, a da Central E, ora Recorrente, há que concluir que no caso se considerou que no contexto da redução da despesa pública e do défice público, face aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado português e à obrigação da Entidade contratante, uma central de compras, contratar com um fito de economia de gastos, a presente adjudicação corresponderia a uma violação das suas atribuições, a um custo desproporcionado face ao fim do contrato a celebrar e a um lucro abusivo pela Central E.
Ou seja, aqui o interesse público que foi invocado foi essencialmente económico.
A entidade contratante, uma central de compras, abriu o presente concurso com vista a obter uma contratação economicamente favorável, mas atendendo aos termos como definiu o concurso, sem a fixação de um preço base e face às propostas que foram apresentadas, acabou por ver manter-se no concurso uma única concorrente, cuja proposta, se adjudicada, não só não lhe permitiria esses ganhos face à escala de compras, mas significaria uma adjudicação por um preço substancialmente mais elevado do que aquele que nos anos de 2010 e 2011 tinha sido pago a outras empresas por serviços similares.
Mas foram ainda invocados como fundamento para a decisão de não adjudicar outros interesses relativos a uma sã concorrência. É afirmado que «num "mercado" em que se encontram certificadas oito plataformas eletrónicas de contratação pública (…) a eventual celebração de um acordo quadro com apenas um desses oito operadores representaria a compressão máxima - inaceitável sob a ótica do adquirente público - da concorrência de fornecedores nesta atividade económica. Representaria a instituição, por via contratual, de uma posição de monopólio perfeito para prestar serviços de plataforma eletrónica de contratação a todas as entidades compradoras vinculadas do SNCP».
Quanto a este fundamento, de uma sã concorrência, vai para além de uma mera razão económica e constitui ele mesmo um dos princípios fundamentais exigidos à contratação pública.
Considerando que o “mercado” aqui em causa é, tal como aduzido pela entidade contratante, um mercado “criado” por força de uma opção legislativa e que se restringe ao universo da própria Administração em sentido lato, operando pelo menos 8 empresas no mercado, tendo participado no concurso 7 delas, ficando todas excluídas, salvo a Central E, sem dúvida que por acção de um contrato público, para o tempo de vigência do acordo-quadro, de 2 anos, automaticamente renovável (para contratos celebrados ao seu abrigo com uma duração mínima de 1 ano e máxima de 3), criar-se-ia, na prática, por um tempo economicamente relevante, uma situação de monopólio no fornecimento deste serviço a favor da Central E (cf. artigos 1º, 14º do Programa de Concurso, 3º, 19º e 20º do Caderno de Encargos).
Nota-se, ainda, que num “mercado” como Portugal, com uma economia pequena, em que a actividade económica privada “vive” em grande medida “à custa” da contratação pública, ou pelo menos, num país em que a contratação do Estado constitui uma contratação de relevo, a escolha por via do acordo-quadro em apreço de uma única empresa a operar, quando se pretendia escolher 4 empresas, será, sem dúvida, uma contratação que pode distorcer ou prejudicar a concorrência.
Acresce, que a contratação através de uma única empresa em resultado do acordo-quadro, claramente não era a intenção querida pela Administração, que esperava adjudicar as 4 melhores propostas, tal como definira nos critérios de adjudicação (cf. artigo 14º do Programa de Concurso).
A circunstância de se verificar, após a abertura do concurso, que todos os concorrentes têm de ser excluídos, menos um, porque apresentavam uma proposta com um preço anormalmente baixo, é algo superveniente à abertura do próprio concurso, à vontade de contratar.
Pergunta-se, assim, verificado supervenientemente à decisão de abertura de um concurso, que a única proposta que se manteve como admissível implica uma adjudicação por um preço consideravelmente mais elevado do que o preço de mercado, a uma única empresa, quando se pretendia adjudicar a 4 empresas, está a entidade contratante obrigada a adjudicar aquela proposta àquela empresa, ou pode desistir da decisão de contratar, não adjudicando, por as causas indicadas no artigo 79º do CCP não serem taxativas, mas exemplificativas?
Julgamos que num caso como o dos autos é legal a entidade contratante decidir pela não adjudicação.
Neste caso, os pressupostos da decisão de contratar alteraram-se supervenientemente ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas (cf. artigo 79º, n.º 1, alínea d), do CCP).
Na realidade, a entidade contratante lançou o concurso com vista a adjudicar as «4 melhores propostas de acordo com o critério do mais baixo preço», sendo que «as propostas de mais baixo preço são as que apresentam menor valor no somatório do preço total anual de utilização da plataforma com o preço unitário dos serviços opcionais de parametrização» - cf. artigos 8º, n.º 1 e 14º, n.ºs 1 e 2 do Programa de Concurso.
Não fixou a entidade contratante um preço base.
Assim, apresentaram-se a concurso 7 concorrentes, considerando o júri do concurso que os preços apresentados foram muito díspares. Pedidos esclarecimentos aos concorrentes, acabaram por 6 das propostas serem excluídas por apresentarem preços anormalmente baixos. Restou a proposta da ora Recorrente, a Central E, que como resulta do acima expendido, apresentou um preço muito superior ao do mercado, entendido como aquele que resultava da comparação das contratações feitas para os anos anteriores.
Consequentemente, há que concluir que a Entidade contratante falhou nos propósitos que tinha quando abriu o concurso: para obter uma proposta que trouxesse vantagens económicas face à economia de escala que se esperava, pois tratava-se de um concurso aberto por uma central de compras, para um acordo quadro, onde se seleccionassem as «4 melhores propostas de acordo com o critério do mais baixo preço».
Verificada essa falha supervenientemente à decisão de contratar, decidiu revogou a anterior decisão, pois o concurso tornou-se imprestável ao fim pelo qual o iniciou (cf. artigos 261º, n.º 1, alínea c) e 263º do CCP).
Para tanto, invocou a Entidade contratante o interesse público inerente àquela não adjudicação e fundamentou suficientemente aquele interesse.
Da fundamentação adoptada constam dados concretos acerca das estimativas da Administração, antecedentes acerca de contratações similares, as razões de economia que justificam a alteração da decisão e a frustração da sua intenção de abrir um concurso com vista a seleccionar pelo menos 4 empresas e não só uma.
Portanto, haverá aqui uma situação paralela àquelas que estão previstas no artigo 79º, nomeadamente à da alínea d) do n.º 1 deste artigo 79º do CCP.
Tal artigo não é taxativo, mas meramente exemplificativo.
Contudo, considerar exemplificativo o artigo 79º não significa que em regra a entidade contratante, uma vez aberto o procedimento de concurso e fazendo-o prosseguir, não fique obrigada a terminá-lo adjudicando a proposta vencedora (cf. artigo 76º do CCP). Essa é a regra, tal adjudicação é um acto tendencialmente devido, corolário dos princípios da boa fé e da confiança.
Admite-se, contudo, que em situações excepcionais, que serão as previstas no artigo 79º do CCP, ou outras similares, a entidade contratante possa revogar a decisão de contratar e não prosseguir o concurso com a correspondente adjudicação (cf. neste sentido, Acs. do TCAS n.º 8222/11, de 19.01.2012; na doutrina, vide, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, págs. 1053 a 1055; Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 307 e 308 - anotações ao artigo 76º, 3 e 6 - págs. 318, 319 e 320 - anotações ao artigo 79º, 2 a 5 e 8 - pág.321, anotações ao artigo 80º; Maria João Estorninho, Curso de Direito dos Contratos Públicos, Livraria Almedina, Coimbra, 2012, págs. 408 a 413, 460 a 465 e 461; Tiago Duarte, «A Decisão de Contratar no Código dos Contratos Públicos: Da Idade do Armário à Idade dos Porquês», em Estudos de Contratação Pública I, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 177; Bernardo Azevedo, «Adjudicação e Celebração do Contrato no Código dos Contratos Públicos», em Estudos de Contratação Pública II, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, págs. 227 a 252; João Amaral e Almeida e Pedro Fernández Sánchez, «Abertura de Procedimento Pré-contratual e Dever de Adjudicação», em Temas de Contratação Pública, I, Coimbra Editora, 2011, págs. 275 a 289. Aparentemente em sentido diferente ao defendido neste acórdão, mas referindo-se à não admissão de um «poder discricionário de livre apreciação das propostas», vide Sérvulo Correra, Lino Torgal e Pedro Fernández Sánchez, «Alteração de Circunstâncias e Modificação de Propostas em Procedimentos de Contratação Pública», em Estudos de Contratação Pública III, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, págs. 179 a 200. Notamos que estes Autores não se pronunciam nesta análise a uma situação totalmente similar à dos autos. Acabam, porém, por defender a possibilidade dos contraentes, público e privado, se “desvincularem” das suas obrigações, que conduzem a um “negócio ruinoso”, assim como a preponderância do interesse público. Consequentemente, nessa medida, o sentido do seu estudo não é completamente diverso ao propugnado neste acórdão).
Em todos os casos de não adjudicação, ficará a Administração com a obrigação e indemnizar os concorrentes cujas propostas não tenham sido excluídas nos termos do n.º 4 daquele artigo 79º do CCP (cf. ainda o artigo 334º relativo à resolução do contrato por razões de interesse público).
Esta indemnização é o reverso da frustração das expectativas legítimas e juridicamente tuteladas dos concorrentes que viram as suas propostas manterem-se no concurso e em posição de serem as adjudicadas. Ou visto de outra forma, é o corolário do sacrifício dos princípios da boa fé e da tutela da confiança e dos direitos que decorriam para os concorrentes por imposição desses princípios.
Porque estes princípios da boa fé e da tutela da confiança não são absolutos e têm de conviver com os demais princípios e regras, aqui se avultando os princípios da prossecução do interesse público, da economia, da boa gestão da coisa pública e da sã concorrência, são admissíveis excepções à regra do artigo 76º do CCP. Daí a previsão do artigo 79º do mesmo código. E pela mesma razão, a defesa do carácter meramente exemplificativo deste último artigo.
Em suma, no caso em apreço não só existe uma situação de interesse público devidamente fundamentado que justifica aquela alteração da decisão de contratar, como a desistência de contratar se deveu a uma causa superveniente àquela decisão.
Isto porque, queria a entidade pública lançar um concurso para alcançar uma aquisição economicamente adequada ou vantajosa, seleccionando as 4 melhores propostas, e acabou por ver subsistir no concurso a proposta de uma única concorrente, que apresentava um preço muito superior àquele que seria o preço que a entidade contratante estimou como o de mercado.
Poderá dizer-se que era possível à entidade contratante evitar a situação com que se deparou, nomeadamente se tivesse configurado o concurso com vista a seleccionar obrigatoriamente 4 propostas apresentadas e tivesse fixado um preço base (cf. artigos 47º, 70º, n.º 2, alínea d), 251º, 252º, 253º, n.º 4, do CCP, 14º do Programa do Concurso e 19º do Caderno de Encargos; cf. a este propósito João Amaral e Almeida e Pedro Fernández Sánchez, «Definição do Preço Base como Critério de Exclusão de Propostas Contratualmente Inaceitáveis», em Temas de Contratação Pública, I, Coimbra Editora, 2011, págs. 353 a 369; Claúdia Viana, «O Acordo Quadro», Revista de Direito Público e Regulação, Cedipre, Setembro de 2009, edição e-book em www.fd.uc.pt/cedipre, págs. 16 e 17).
Acontece, que bem ou mal, a entidade contratante configurou assim o concurso. Terá a entidade contratante errado no seu juízo de prognose relativamente ao valor das propostas que seriam apresentadas. Esse erro, mesmo que pudesse ter sido evitado se a entidade contratante “imaginasse” que a contratação poderia prosseguir e terminar como acabou, ocorreu efectivamente e só foi constatado após a decisão de contratar e a definição dos termos do concurso. E para a verificação de um interesse público relevante e superveniente, justificativo da decisão de não adjudicação ao abrigo do artigo 79º do CCP, não há que afastar uma situação de erro na forma como se configurou o concurso, ou na forma como se pretendia contratar, pressuposto da decisão revogada.
Aqui não houve uma decisão arbitrária de revogar a decisão de contratar, não se adjudicando a proposta da Central E. Diversamente, a Administração invocou um interesse público relevante, superveniente e fundamentou com dados concretos a razão pela qual a adjudicação à Central E lesava o interesse público e conduzia a uma contratação por um preço desproporcional relativamente ao fim do contrato. Igualmente, foi invocada a violação de um princípio de concorrência sã, por num mercado com pelo menos 8 empresas a operar, querendo-se seleccionar um grupo de 4, acabar-se por criar uma situação de monopólio a favor da Central E.
Depois, face à actual situação financeira de Portugal, que exigiu uma intervenção externa, facto que é público e notório, a boa gestão da coisa pública e o princípio da economia ganharam um relevo preponderante na aferição do interesse público.
Assim, os fundamentos aduzidos pela entidade contratante relativos aos custos desproporcionais e não queridos para o erário público e aos ganhos também desproporcionais para a empresa que manteve a proposta não excluída, têm de ser atendidos para efeitos de aceitar-se como lícita a não adjudicação numa situação como a dos autos, que será paralela à prevista na alínea d) do n.º1 do artigo 79º do CCP (cf. a propósito da obrigação de a contratação pública respeitar os princípios da boa gestão pública e da economia, sob pena de se poder efectivar pelo Tribunal de Contas a correspondente responsabilidade financeira, José F. D. Tavares, «Os Contratos Públicos e a sua Fiscalização pelo Tribunal de Contas», em Estudos de Contratação Pública I, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, págs. 972 a 974, 984 e 990; sobre os objectivos de economia de escala da celebração de acordos-quadro, vide Claúdia Viana, «O Acordo Quadro», Revista de Direito Público e Regulação, Cedipre, Setembro de 2009, edição e-book em www.fd.uc.pt/cedipre, págs. 11 a 13 e 20 a 22).
Aliás, permitindo o artigo 334º do CCP a resolução do contrato por razões de interesse público devidamente fundamentado, nenhum sentido faria considerar-se o artigo 79º do CCP como taxativo e totalmente vinculada a obrigação de adjudicar (cf. artigo 76º). Isto porque, face ao estipulado naquele artigo 334º do CCP, a entidade contratante sempre poderia logo de imediato à adjudicação e à celebração do contrato, resolvê-lo (cf. também artigo 330º do CCP).
Se o interesse público é preponderante para que de forma unilateral – mas fundamentada – a Administração possa resolver um contrato já celebrado, então também o será para a tomada da decisão de não adjudicação, que está a jusante daquele na tramitação procedimental correspondente. Esta decisão de não adjudicação, em termos procedimentais, encontra-se inserida num momento em que os direitos e expectativas do concorrente vencedor são menores, quando comparadas com o momento seguinte ao da celebração do contrato. Quem pode o mais pode o menos. Se a entidade contratante pode unilateralmente resolver o contrato por imperativos de interesse público, terá também que poder decidir pela não adjudicação, quando em causa estejam tais imperativos e fundamente suficientemente a sua decisão (cf. a este propósito, Carla Amado Gomes, «A Conformação da Relação Contratual no Código dos Contratos Públicos», em Estudos de Contratação Pública I, Coimbra Editora, Coimbra, 208, págs. 534 a 549, 551 e 554 a 557).
Em conclusão, o presente recurso tem de improceder e há que manter a decisão sindicada, pelos fundamentos antes indicados.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam em:
- em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente.
Lisboa, 10/10/2013
(Sofia David)

(Carlos Araújo)

(Teresa de Sousa) – Com a ressalva
de que entendo de que deveria haver reclamação para a conferência

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