sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL



Proc. Nº 11390/14      18  Dez  2014   TCASul

 I – O artigo 640º do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (correspondente ao artigo 685º-B do CPC antigo, com algumas alterações), aplicável ex vi do artigo 140º do CPTA, impõe ao recorrente que impugne a matéria de facto o cumprimento dos seguintes ónus, sob pena de rejeição do recurso, sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento:
i) especificar os “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (nº 1 alínea a));
ii) especificar “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (nº 1 alínea c))
iii) especificar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (nº 1 alínea a));
iv) no caso de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados, “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, de poder proceder à respetiva transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alínea a)).
II – O Caderno de Encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar, definindo os aspetos essenciais da sua execução, tais como o preço ou o prazo, bem como explicitando os demais aspetos da execução do contrato (mormente as especificações técnicas ou funcionais das prestações objeto do contrato), quer os que estejam quer os que não estejam submetidos à concorrência, os quais devem ser definidos através de limites máximos ou mínimos, consoante os casos, em conformidade com o disposto no artigo 42º do CCP.
III. – Não preenchendo o equipamento de bioquímica proposto pela proponente um dos requisitos mínimos constantes do Ponto 9.1 do anexo I ao Caderno de Encargos – o relativo à eventual instalação de uma cadeia de transporte, com capacidade de interagir com outros equipamentos – nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 2, alínea b) e 146.º, n.º 2, alínea o) do CCP, deveria a sua proposta ter sido excluída.

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

HOSPITAL DA HORTA, E.P.E.. (devidamente identificado nos autos), e F…. – C……, SA (devidamente identificada nos autos), respetivamente Ré e Contrainteressada no Processo de Contencioso Pré-contratual instaurado pela S……, LDA. (devidamente identificada nos autos) no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada (Proc. nº 341/12.4BEPDL), inconformadas com a decisão de procedência da ação com anulação do ato de adjudicação praticado no concurso público n.º 3/2012, publicado em Diário da República, IIª Série, n.º 29, de 09.02.2012, com vista à celebração de um contrato de aquisição de serviços, cujo objeto era a realização de testes laboratoriais com colocação de equipamentos e fornecimento de todos os consumíveis, com a duração de 36 meses, proferida pela sentença de 18/12/2013 (de fls. 681 ss.) mantida, após reclamação, pelo Acórdão da Conferência de 29/04/2014 (de fls. 1071 ss.), vêm dela interpor o recurso jurisdicional.

Nas suas alegações de recurso o recorrente HOSPITAL DA HORTA, E.P.E., pugna pela procedência do seu recurso, com revogação da sentença proferida substituindo-se por outra que decisão julgue a ação improcedente, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
1. Da boa interpretação das peças de procedimento, conjugada com a prova produzida nas diferentes sessões de audiência de julgamento, resulta que a proposta da Contra­ Interessada cumpre com os requisitos previstos no caderno de encargos, bem como pelas testemunhas apresentadas pela Contra-Interessada, razão pela qual a sentença recorrida padece de manifesto erro de julgamento na apreciação da matéria de facto.
2. O Tribunal considerou que apesar dos equipamentos propostos conterem um sistema de transporte não permite uma eventual instalação de uma cadeia de transporte, pois o equipamento de Bioquímica proposto pela contra-interessada não permite interação com outros tipos de equipamentos de diagnóstico analítico que não seja o equipamento de imunologia proposto.
3. No entanto, o ponto 9.1. do caderno de encargos no qual se prevê o requisito em discussão não diz como se processará tal interação entre os "outros equipamentos", nem especifica em concreto, com que equipamentos é que o equipamento de bioquímica tem de interagir, caso disponha de uma cadeia de transporte.
4. O objeto do concurso prevê única e exclusivamente o fornecimento de equipamentos de bioquímica e de imunologia por forma a realizar os testes laboratoriais, e não outros equipamentos para além destes.
5. O Tribunal o quo incorre em manifesto erro de julgamento porque atende apenas ao elemento literal da norma, sem conjugá-la com as restantes normas concursais e sem atender aos objetivos do concurso.
6. Não é expectável, nem exequível que os concorrentes aquando da elaboração de uma proposta, para um fornecimento em concreto possam equacionar quais os equipamentos em concreto que a entidade adjudicante pretende interligar ou de futuro vir a interligar.
7. Também não é razoável face a um fornecimento concreto de equipamentos, como é o caso (de imunologia e bioquímica) que os concorrentes viessem a fornecer uma cadeira de transporte compatível com todo e quaisquer outros equipamentos de diagnóstico.
8. A "interação" e a "utilização de cadeia de transporte" a que se reportam aquele requisito técnico é o equipamento de bioquímica dispor de um sistema que permita o transporte de amostra entre os vários equipamentos propostos em concreto, ou seja, entre o equipamento de bioquímica e imunologia
9. Caso contrário a entidade adjudicante nas peças de procedimento teria de dizer em concreto quais os equipamentos que pretendia ver estabelecida a interligação, para que os concorrentes pudessem apresentar equipamentos que cumprissem tais funções.
10. Isso mesmo foi atestado pela Testemunha G….. S….., Presidente do Júri e que referiu ter sido o autor das peças de procedimento e confirmou que a integração pretendida era justamente o equipamento de bioquímica interagir com o equipamento de imunologia e que referiu ainda ser "impossível montar ou autonomizar uma cadeia que interligue todos os equipamentos do hospital (cfr. audição faixa 20130514_170238, ao minuto 43:16, faixa 20120514_170238. ao minuto 46,00s e faixa 20130514_170238, ao minuto 55:06).
11. Impossibilidade física também atestada pela Testemunha M…..J….. no seu depoimento (cfr.faixa 20130515_141859 ao minuto 11:49s).
12. Também a testemunha M….. J….. refere no concurso em crise "estava completamente identificado que áreas queriam automatizar o transporte (...) a partir do equipamento de química para os outros analisadores (...)"isto é "os analisadores necessários para responder ao painel analítico em causa" (cfr. faixa 20130515_141859, ao minuto 13,05s).
13. Da prova produzida em julgamento resultou que os equipamentos propostos pela Contra-Interessada inclui uma cadeia de transporte na aceção do conceito de cadeia de transporte adotado pelo Tribunal na resposta à base instrutória e que foi também o dado pela perita nomeada para o efeito, pois decorre da resposta ao quesito 2) da base instrutória vertido no ponto 19) da matéria de facto provado da sentença recorrida que equipamento Cl4100 trata-se de uma "workstation", que integra dois equipamentos que ficam encostados um ao outro, com um software que gere a circulação das amostras entre o equipamento de bioquímica e imunologia.
14. Portando o equipamento em causa dispõe já de uma cadeia de transporte que permite o transporte de amostra sem que haja manipulação por parte do operador, permitindo assim obter vários parâmetros analíticos em pouco tempo.
15. Facto também atestado pela testemunha Dr.ª M….. J…… que quando questionada sobre o assunto respondeu cabalmente que o mesmo "inclui uma cadeia de transporte" (cfr. faixa 20130515_140408, ao minuto 7,20s).
16. Por todo o exposto, a sentença recorrida padece de erro na apreciação da matéria de facto, pelo que deve ser substituída por outra que julgue a presente ação improcedente.

Por seu turno a recorrente F….. – C……., SA, pugna nas suas alegações de recurso pela procedência do seu recurso, com revogação do acórdão e sentença recorridas mantendo-se na ordem jurídica o ato de adjudicação e o contrato celebrado, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
A. O presente recurso jurisdicional vem interposto do Acórdão proferido pela conferência em 29 de Maio de 2014, o qual indeferiu as reclamações apresentadas pela Entidade Demandada e pela Contrainteressada com os fundamentos de facto e de direito da Sentença proferida em 18 de Dezembro de 2013, confirmando assim os termos da mesma.

B. O Acórdão recorrido padece de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, porquanto os factos trazidos pelas partes não permitem, manifestamente, sustentar a decisão proferida, na medida em que a proposta da Contrainteressada não incumpriu o requisito mínimo constante do Caderno de Encargos invocado pelo Tribunal.
C. O objeto do concurso público lançado pela Entidade Demandada era composto por três tipos de serviços: i) a realização de testes laboratoriais, assumindo este serviço o papel de objeto principal para o qual concorrem os demais serviços; ii) o fornecimento de equipamentos para a realização dos aludidos testes; iii) fornecimento dos consumíveis, entendendo-se como tal os reagentes necessários para os testes laboratoriais em causa.
D. O Anexo I das Cláusulas Especiais do Caderno de Encargos em causa identificava apenas como equipamentos para fornecimento por parte do adjudicatário, com vista à realização dos testes laboratoriais, o equipamento de bioquímica e o analisador de imunologia, e nenhuns outros.
E. De acordo com o Caderno de Encargos, poderia ser instalada no equipamento de bioquímica uma cadeia de transporte de amostras, querendo com isto dizer que não era exigido aos concorrentes que os equipamentos por si propostos tivessem instalada uma cadeia de transporte de amostras, mas antes a possibilidade da mesma ser instalada, sendo esse o requisito mínimo imposto.
F. Porém, contrariamente ao propugnado no Acórdão recorrido e na Sentença proferida nada no Caderno de Encargos permite sustentar a afirmação de que a cadeia de transporte a instalar terá que ser exterior ao equipamento de bioquímica, porquanto não existe qualquer menção expressa (ou sequer tácita) donde decorra tal facto.
G. E mal se compreende que, não especificando o Caderno de Encargos quais os equipamentos com os quais a cadeia de transporte deve interagir, facto esse que é expressamente reconhecido pelo Tribunal, se possa daí inferir que a cadeia de transporte deve interagir com uma multiplicidade e variedade de equipamentos, sem que se descortinem quais são.
H. Conforme resulta da fundamentação do douto Tribunal quanto à resposta dada ao quesito 2 da Base Instrutória, e que constitui o ponto 19) da Matéria de Facto Provada constante da Sentença e do Acórdão recorrido, o equipamento proposto pela Contrainteressada constitui uma workstation, sendo esta composta por dois equipamentos distintos entre si - um de bioquímica e o outro o analisador de imunologia - que são controlados por um único software e que contém um sistema tridimensional robotizado para o transporte de amostras entre os referidos equipamentos.
I. O sistema acima descrito permite que o operador carregue a amostra nos equipamentos e seja fornecido o resultado das análises efetuadas sem nenhuma outra manipulação por parte do operador, uma vez que o sistema dos equipamentos permite o transporte da amostra entre os dois equipamentos para daí obter os resultados necessários dos testes efetuados à amostra.
J. Conclui-se então que os equipamentos da Contra-interessada permitem o transporte das amostras que nele são carregadas entre os dois equipamentos para daí obter os resultados dos testes realizados.
K. No presente Concurso não está em causa o fornecimento de outros equipamentos além dos que foram indicados no ponto 9 do Anexo I das Cláusulas Especiais do Caderno de Encargos, ou seja, em causa não estão outros equipamentos que não os de bioquímica e o analisador de imunologia.
L. E são estes os equipamentos propostos pela F……. que executem o objeto principal do presente Concurso: a realização de testes laboratoriais.
M. Decorre da Sentença proferida que o Tribunal entende que a referência à "capacidade de interagir com outros equipamentos” que a cadeia de transporte deve possuir aponta para distintos equipamentos de diagnóstico que não somente o analisador de imunologia, o qual, de resto, é sempre descrito no Caderno de Encargos, não como um "equipamento", mas sempre referido como "analisador de imunologia”.
N. Acontece, porém, que tal argumento é meramente literal, e facilmente se descortina a contradição em que incorre o Tribunal: é que se o Tribunal aceita, por um lado, que o uso da expressão indefinida "outros equipamentos” não permite especificar os equipamentos com os quais a cadeia de transporte deve interagir, como pode o mesmo Tribunal sustentar que o analisador de imunologia não corresponde àqueles equipamentos com os quais deve a cadeia de transporte interagir?
O. Nesse enquadramento, é particularmente relevante o depoimento da testemunha Eng.º G….. S….., oferecida pela Entidade Demandada, o qual não só redigiu o Caderno de Encargos como foi igualmente presidente do júri do concurso em apreço.
P. Segundo o depoimento prestado por aquela testemunha, no caso de instalação da cadeia de transporte no equipamento de bioquímica, pretendia-se tão-somente a interação com o analisador de imunologia, e com mais nenhum outro equipamento.
Q. Por outro lado, afigura-se incompreensível o facto do Tribunal se escusar de recorrer ao conceito de cadeia de transporte que foi formulado pela técnica por si nomeada para auxiliar nesta matéria, o qual determinaria decisão diferente pelo Tribunal, corroborando, de resto, o entendimento acima exposto.
R. É por demais evidente que as características dos equipamentos da Contrainteressada se subsumem integralmente no conceito de cadeia de transporte formulado pela técnica nomeada pelo próprio Tribunal para o auxiliar na apreciação e decisão do litígio.
S. Os equipamentos da Contrainteressada realizam o transporte da amostra que é neles carregada entre os aludidos equipamentos por forma a obter a determinação analítica, ou seja, os resultados dos testes laboratoriais, dispondo de um único software que efetua a gestão dessa circulação e dos testes a realizar.
T. Por todo o exposto, o Acórdão recorrido, e bem assim a Sentença proferida, padece de erro na apreciação dos factos carreados para os autos.

Contra-alegou a S….., LDA., pugnando pela improcedência dos recursos e pela confirmação da sentença recorrida.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA não emitiu Parecer.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DOS RECURSOS (das questões a decidir)
Inconformadas com o julgamento de procedência da ação, com anulação do ato de adjudicação e do subsequente contrato, decidido na sentença de 18/12/2013 (de fls. 681 ss.) do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada e mantido, após reclamação, pelo Acórdão da Conferência de 29/04/2014 (de fls. 1071 ss.), vêm o HOSPITAL DA HORTA, E.P.E.. e a F…… – C……., SA, respetivamente Ré e Contrainteressada na ação, recorrer de tal decisão, pugnando pela sua revogação com substituição de outra pela qual seja julgada improcedente a ação e mantido o impugnado ato de adjudicação e subsequente contrato.
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de cada um dos recursos por cada um dos recorrentes, temos que ambos se insurgem quanto ao julgamento da matéria de facto determinante para o juízo, feito pelo Tribunal a quo, da ilegalidade do ato de adjudicação por a proposta da contrainteressada F……… não cumprir um dos requisitos mínimos do equipamento de bioquímica (especificados no Ponto 9.1 do Caderno de Encargos) - o atinente à eventual instalação de uma cadeia de transporte, com capacidade de interagir com outros equipamentos - e que assim, deveria tal proposta ter sido excluída.
São assim, duas as questões a resolver:
- primeira, saber se a sentença recorrida, mantida pela conferência, incorreu no invocado erro de julgamento da matéria de facto;
- segunda, saber se a sentença recorrida, mantida pela conferência, incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação jurídica da causa, por ter considerado que a proposta da contrainteressada F……. deveria ter sido excluída por não cumprir um dos requisitos mínimos do equipamento de bioquímica especificados no Ponto 9.1 do Caderno de Encargos - o atinente à eventual instalação de uma cadeia de transporte, com capacidade de interagir com outros equipamentos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – DE FACTO
Na sentença recorrida, de 18/12/2013 (de fls. 681 ss.) mantida, após reclamação, pelo Acórdão da Conferência de 29/04/2014 (de fls. 1071 ss.), foi considerada a seguinte matéria de facto dada como provada, nos seguintes termos:
1) A entidade requerida adotou o concurso público n.º 3/2012, publicado em Diário da República, IIª Série, n.º 29, de 09.02.2012, com vista à celebração de um contrato de aquisição de serviços, cujo objeto era a realização de testes laboratoriais com colocação de equipamentos e fornecimento de todos os consumíveis, com a duração de 36 meses, não sendo admissível a apresentação de propostas variantes;
2) Do respetivo Programa do Procedimento consta, entre o mais, o seguinte:
1. Objecto do Procedimento
O objecto do concurso, consiste, de acordo com o clausulado do presente Caderno de Encargos, na realização de testes laboratoriais, com colocação de equipamentos e fornecimento de todos os consumíveis, no Hospital da Horta, E.P.E., durante o período de três anos, com excepção de todos os materiais relacionados com a colheita de amostras, os quais ficam a cargo do Hospital.
(…)
11. Propostas com Variantes
No presente Procedimento não é admitida a apresentação de Propostas Variantes.
3) Do «Anexo III – Modelo de Avaliação de Propostas» do Programa do Procedimento resulta o seguinte:
2. – Características Técnicas do Equipamento (40%)
Neste capítulo serão ponderadas características dos equipamentos que o concorrente se propõe instalar no LAC do Hospital da Horta, E.P.E., para realização dos testes constantes do presente Caderno de Encargos.
2.1 – Grau de Automação (20%)
(…)
c) Reagentes prontos a usar 4%
- Sim – 4
- Não – 0
Entende-se por reagentes prontos a usar aqueles que não têm necessidade de qualquer reconstituição.
2.2.2 – Cobertura das necessidades do Lac (5%)
Realização dos testes obrigatórios de dadores do serviço de Imunohemoterapia (HTLV e Treponemas)
- Sim – 5%
- Não – 0%
(…)
4.1 – Plano de formação de Técnicos de 1.ª linha
Os concorrentes devem entregar plano detalhado, e obrigatório, sob pena de exclusão, plano de formação com memória descritiva.
Plano muito detalhado – 2%
Plano detalhado – 1%
Plano pouco detalhado – 0%
4) Resulta, entre o mais, o seguinte do «Anexo I – Cláusulas Especiais, Condições Técnicas Especiais» do Caderno de Encargos:
9 – Equipamentos
Os concorrentes deverão ter em consideração na escolha dos equipamentos a propor, factores como rapidez de resposta, diminuição do tempo de emissão de resultados, redução de erros técnicos, apoiada na automatização o mais possível de procedimentos manuais e menor segurança, na realização de tarefas de alto risco de contaminação, sem manipulação directa, possibilitando a realização de testes com menor risco possível.
9.1- Requisitos mínimos dos equipamentos de Bioquímica.
(…)
Eventual instalação de cadeia de transporte.
No caso de utilização de cadeia de transporte de amostras, esta deverá ter a capacidade de interagir com outros equipamentos.
(…)
- Reagentes, calibradores e outros líquidos prontos a utilizar (entende-se por reagentes prontos a usar, aqueles que não têm necessidade de qualquer reconstituição);
(…)
9.2- Requisitos mínimos para analisador de Imunologia.
(…)
- Reagentes, calibradores e controlos prontos a utilizar (entende-se por reagentes prontos a usar, aqueles que não têm necessidade de qualquer reconstituição);

5) Quer a autora quer as contra-interessadas apresentaram propostas ao concurso.
6) Da proposta da F……, resulta, entre outros aspectos, o seguinte:
Anexo H

9. Equipamentos
9.1 Requisitos mínimos dos equipamentos de Bioquímica
(…)
Eventual instalação de cadeia de transporte
Os equipamentos Architect possuem um
sistema tridimensional robotizado para transporte das amostras, colocadas em suportes universais. Os suportes universais podem levar qualquer tipo de tubo, primário ou secundário, microtubo e cuvete, e podem ser utilizados em diferentes módulos da família Architect, pelo que não consideramos necessária a instalação de uma outra cadeia de transporte.
No caso da Cadeia de Transporte de amostras,
esta deverá ter a capacidade de interagir com outros equipamentos
Não aplicável
(…)

7) Do «anexo I – Características dos equipamentos» da proposta da F……, relativamente à posição 35 (teste “TIBC”), consta a indicação de caraterísticas relativas ao método, linearidade, estabilidade do reagente, estabilidade da calibração recomendada, número de testes a bordo do equipamento e número de testes por embalagem, que coincidem com as indicadas na ficha técnica (bula) do reagente Randox;
8) Quanto à posição 35 (teste “TIBC”), a F…… juntou à sua proposta duas fichas técnicas de diferentes reagentes: uma do UIBC (ref. 4P79-30) e outra do Randox (ref. TI3858);
9) A ficha técnica do UIBC corresponde a um reagente que carece de reconstituição pelo operador;
10) O reagente proposto pela F…… para a realização do teste de ciclosporina necessita de pré-preparação da amostra;
11) Da proposta da autora resulta, entre o mais o seguinte:
c) Reagentes prontos a usar
Os reagentes utilizados quer nos sistemas Dimension EXL, quer nos sistemas ADVIA Centaur XP, não necessitam de reconstituição por parte dos operadores dos sistemas, sendo por isso todos eles prontos a usar.
(…)
2.2.2 – Cobertura das necessidades do Lac
A S……, Lda compromete-se à realização dos testes obrigatórios de dadores do serviço de imunohemoterapia (HTLV e Treponema) em caso de isso ser necessário.
(…)
9.1 – Requisitos mínimos dos equipamentos de Bioquímica
(…)

(…)
9.2 – Requisitos mínimos para analisador de Imunologia
(…)

12) O plano de formação apresentado pela autora inclui o número de horas de formação por sistema, descreve a formação que será dada item por item, descreve a formação que será dada por sistema, descreve a formação que será dada por dias por sistema, inclui um cronograma de todo o processo, desde a instalação dos equipamentos à formação dos operadores;
13) Da proposta da requerente resulta que relativamente às posições 70 (teste “Folatos”) e 75 (teste “VitB12”) é necessário preparar os reagentes auxiliares para a preparação da amostra antes de os utilizar;
14) O Júri designado pela entidade requerida, após análise das propostas, elaborou o Relatório Preliminar, propondo a adjudicação da proposta apresentada pela concorrente F……;
15) Relativamente ao ponto 2.1., al. c) do Anexo III do Programa do Procedimento, o júri atribuiu 4% à proposta da F…… e 0% à proposta da S….-..;
16) A requerente, notificada do relatório preliminar para efeitos da audiência prévia, pronunciou-se por escrito;
17) O Júri elaborou o Relatório Final, mantendo a proposta de adjudicação do contrato à concorrente F……;
18) O reagente constante da ficha técnica Pos 35 4P79UIBC apenas permite a realização de testes UIBC e não de testes TIBC;
19) É possível ligar em cadeia, através de um sistema tridimensional robotizado para o transporte de amostras, um equipamento de bioquímica proposto pela contrainteressada F…… a um equipamento de imunologia, também proposto pela mesma contrainteressada;
20) O reagente Randox proposto pela F….. para a realização de testes “TIBC” é pronto a usar;
21) Os reagentes propostos pela autora para a realização de testes “Folatos” (posição 70) e “VitB12” (posição 75) exigem reconstituição pelo operador;
22) Os reagentes propostos pela autora para os testes “Folatos” (posição 70) e “VitB12” (posição 75) têm um reagente auxiliar que é necessários preparar a partir de dois.

~
E naquela sentença, mantida, após reclamação, pelo Acórdão da Conferência, foram ainda elencados como não provados os seguintes factos, nos seguintes termos:
1 - Os reagentes principais utilizados nas plataformas Dimension EXL e ADVIA Centaur/Centaur XP carecem de reconstituição por parte do operador;
2 - O equipamento proposto pela F…… permite a instalação de uma cadeia de transporte;
3 - Os reagentes propostos pela autora para a realização de testes “RF” (posição 15), “B2Micro” (posição 64) e “TASO” (posição 34) exigem reconstituição pelo operador;
4 - Os equipamentos Advia Centaur e Domension EXL fazem os testes obrigatórios de dadores do serviço de imunohemoterapia (HTLV e Treponema).


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B – DE DIREITO

1. – Do invocado erro de julgamento quanto à matéria de facto
O artigo 640º do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (correspondente ao artigo 685º-B do CPC antigo, com algumas alterações) – aqui aplicável ex vi do artigo 140º do CPTA, e em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 5º nº 1, 7º nº 1 e 8º da Lei nº 41/2013, atenta a data em que foi proferida a sentença recorrida (18/12/2013), mantida após reclamação para a conferência – impõe ao recorrente que impugne a matéria de facto o cumprimento de determinados ónus, sob pena de rejeição do recurso, sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento. Assim, deve o recorrente, em tal caso:
i) especificar os “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (nº 1 alínea a));
ii) especificar “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (nº 1 alínea c))
iii) especificar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (nº 1 alínea a));
iv) no caso de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados, “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, de poder proceder à respetiva transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alínea a)).
Deste modo, o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser de imediato rejeitado, sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento, sempre que o recorrente omita nas respetivas conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto aquelas indicações. No que constitui, como refere António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 134 ss., uma maior exigência no que respeita à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, aos recorrentes, regras muito específicas para a sua admissibilidade, e que é compreensível, a um tempo, por a pretensão de modificação do julgamento da matéria de facto, feito na 1ª instância, ser dirigida a tribunal de recurso que não intermediou na produção da prova, e a outro, como contraponto da reivindicação da atribuição aos tribunais de 2ª instância de efetivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, gerando assim um dever de autorresponsabilidade das partes, impedindo que impugnação genérica, vaga ou imprecisa do julgamento da matéria de facto feito pela 1ª instância (vide, ainda, a este respeito, Ana Luísa Geraldes, in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”, em Estudos em Homenagem ao Prof. José Lebre de Freitas, Vol. I, págs. 589 ss.).
Assim sendo, antes de nos debruçarmos sobre o mérito dos recursos dirigidos ao julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo importa aferir se os recorrentes cumpriram os respetivos ónus, tal como se encontram enunciados no artigo 640º do CPC novo, aplicável nos tribunais administrativos ex vi do artigo 140º do CPTA.
Ora é inelutável concluir, da leitura das conclusões das respetivas alegações de recurso, que nem o recorrente HOSPITAL DA HORTA, E.P.E., réu na ação, nem a recorrente F…… – C……, SA, nela contrainteressada, deram cumprimento às exigências contidas nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC novo, já que não especificam os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Sendo certo que na situação dos autos a matéria de facto que foi elencada na sentença recorrida como matéria de facto provada e não provada resultou quer da matéria de facto dada como assente em saneador (fls. 322 ss.), quer do julgamento feito pelo juiz do processo, após diligências probatórias, incluindo produção de prova testemunhal (levada a cabo nas sessões de 13/05/2013, 14/05/2013 e 15/05/2013 - atas de fls. 373 ss., 375 ss. e 390 ss.) quanto aos factos que por se mostrarem controvertidos integrou na Base Instrutória (de fls. 327 ss.), e que vieram a merecer resposta lavrada em 12/06/2013 (fls. 467 ss. e ata de fls. 477 ss. dos autos), socorrendo-se para o efeito o Tribunal do auxílio de técnico nomeado para o efeito ao abrigo do disposto no artigo 649º nº 1 do CPC antigo (cfr. despachos de fls. 378 e 419 dos autos). Pelo confronto entre a matéria de facto selecionada (assente e controvertida) em sede de saneamento do autos e a resposta aos artigos da Base Instrutória dada pelo Tribunal a quo temos que os factos elencados na sentença recorrida em 1) a 18) foram os dados como assentes em sede de saneamento dos autos (a fls. 322 ss.), e que os elencados em 19) a 22) resultam das respostas positivas (ainda que em alguns casos, de cariz restritivo) dadas aos artigos da Base Instrutória (fls. 467 ss. e ata de fls. 477 ss. dos autos) com base na convicção formada pelo Tribunal a quo nos termos ali externados na respetiva motivação. E os factos elencados na sentença recorrida como factos não provados (ali listados de 1. a 4.), resultam das respostas restritivas (“provado apenas que”) e negativas (“não provado”) dadas pelo juiz do processo aos artigos 1º), 2º), 3º) e 7º) da Base Instrutória.
O que significa que o processualismo que foi seguido pelo Tribunal a quo quanto à seleção e julgamento da matéria de facto o então previsto nos artigos 511º do CPC antigo, em vigor à data, (e bem, diga-se, à luz das disposições transitórias insertas na Lei nº 41/2003), de aplicação subsidiaria nos tribunais administrativos, como aliás foi expressamente mencionado no respetivo despacho saneador (fls. 249), muito embora à data da prolação da sentença (18/12/2013) já vigorasse entretanto o novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, cuja entrada em vigor ocorreu em 1/Setembro/2013.
Ora, não tendo nem o recorrente HOSPITAL DA HORTA, E.P.E., réu na ação, nem a recorrente F…… – C……, SA, nela contrainteressada, nas suas respetivas alegações de recurso, especificado os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, seja por referência aos factos que foram dados como assentes em sede de saneador, seja por referência aos que foram dados como não provados ou provados parcialmente, em face das respostas negativas ou restritivas dadas aos artigos da Base Instrutória, após as diligências instrutórias, seja ainda, e eventualmente, aos factos dados como provados após tais diligências e que resultam das respostas positivas dadas aos artigos da Base Instrutória, espelhados na sentença recorrida e para cujos fundamentos (motivação da matéria de facto) esta remeteu (vide II.3 da sentença recorrida – pág. 9), não tendo qualquer dos recorrentes nos seus respetivos recursos dado cumprimento às exigências contidas nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC novo, têm que rejeitar-se os respetivos recursos no que tange à impugnação da matéria de facto.
O que se decide.
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2. – Do invocado erro de julgamento quanto à apreciação jurídica da causa (da questão de saber se a proposta da contrainteressada F…… cumpria ou não um dos requisitos mínimos do equipamento de bioquímica especificados no Ponto 9.1 do Caderno de Encargos - o atinente à eventual instalação de uma cadeia de transporte, com capacidade de interagir com outros equipamentos)
Subsiste para conhecimento o invocado erro de julgamento quanto à apreciação jurídica da causa feita na sentença recorrida, mantida após reclamação para a conferência, na dimensão invocada por ambos os recorrentes nos seus respetivos recursos, que é a de saber se a proposta da contrainteressada F……. cumpria ou não um dos requisitos mínimos do equipamento de bioquímica especificados no Ponto 9.1 do Caderno de Encargos - o atinente à eventual instalação de uma cadeia de transporte, com capacidade de interagir com outros equipamentos - e se assim deveria ou não ter sido excluída.

Da decisão recorrida:
Na sentença de 18/12/2013 (de fls. 681 ss.) proferido pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo então titular do processo, mantida pelo Acórdão da Conferência de 29/04/2014 (de fls. 1071 ss.), concluiu-se, no que releva para o objeto do presente recurso, que tal como havia sido alegado pela recorrida, autora na ação, na sua Petição Inicial, a proposta da contrainteressada F…… não respeita os requisitos mínimos que os equipamentos de Bioquímica têm de observar, por não ser possível realizar uma eventual instalação de cadeia de transporte no equipamento proposto, e que assim tal proposta deveria ter sido excluída por não respeitar aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência.
E foi com tal fundamento que o Tribunal a quo anulou o ato de adjudicação do fornecimento à contrainteressada bem como o contrato celebrado, já que as demais causas de invalidade que haviam sido assacadas pela autora ao impugnado ato de adjudicação foram julgadas improcedentes.
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Da tese das recorrentes:
Insurgem-se os recorrentes quanto àquele julgamento de procedência, sustentando que a sentença recorrida incorreu em erro na apreciação jurídica da causa, ao considerar que a proposta da contrainteressada F…… deveria ter sido excluída por não cumprir um dos requisitos mínimos do equipamento de bioquímica especificados no Ponto 9.1 do Caderno de Encargos – o atinente à eventual instalação de uma cadeia de transporte, com capacidade de interagir com outros equipamentos – sustentando, em suma, que da boa interpretação das peças de procedimento, conjugada com a prova produzida, resulta que a proposta da Contra­ Interessada cumpre com os requisitos previstos no caderno de encargos; que é errada a conclusão tirada pelo Tribunal a quo de que a proposta não cumpre tal requisito a partir da circunstância, que considera, de o equipamento de Bioquímica proposto pela contra-interessada não permitir interação com outros tipos de equipamentos de diagnóstico analítico que não seja o equipamento de imunologia proposto; que o Tribunal o quo incorre em manifesto erro de julgamento por atender apenas ao elemento literal da norma, sem conjugá-la com as restantes normas concursais e sem atender aos objetivos do concurso, argumentando, em suma, que o ponto 9.1. do caderno de encargos no qual se prevê o requisito em discussão não diz como se processará tal interação entre os "outros equipamentos", nem especifica em concreto, com que equipamentos é que o equipamento de bioquímica tem de interagir, caso disponha de uma cadeia de transporte; que o objeto do concurso prevê única e exclusivamente o fornecimento de equipamentos de bioquímica e de imunologia por forma a realizar os testes laboratoriais, e não outros equipamentos para além destes; que não é razoável face a um fornecimento concreto de equipamentos, como é o caso (de imunologia e bioquímica) que os concorrentes viessem a fornecer uma cadeira de transporte compatível com todo e quaisquer outros equipamentos de diagnóstico, nem é expectável ou exequível que os concorrentes aquando da elaboração de uma proposta, para um fornecimento em concreto possam equacionar quais os equipamentos em concreto que a entidade adjudicante pretende interligar ou de futuro vir a interligar; que a "interação" e a "utilização de cadeia de transporte" a que se reportam aquele requisito técnico é o equipamento de bioquímica dispor de um sistema que permita o transporte de amostra entre os vários equipamentos propostos em concreto, ou seja, entre o equipamento de bioquímica e imunologia; que caso contrário a entidade adjudicante nas peças de procedimento teria de dizer em concreto quais os equipamentos que pretendia ver estabelecida a interligação, para que os concorrentes pudessem apresentar equipamentos que cumprissem tais funções. Invocam ainda ambas que da prova produzida em julgamento resultou que os equipamentos propostos pela Contra-Interessada inclui uma cadeia de transporte na aceção do conceito de cadeia de transporte adotado pelo Tribunal na resposta à base instrutória e que foi também o dado pela perita nomeada para o efeito, por decorre da resposta ao quesito 2) da base instrutória, vertido no ponto 19) da matéria de facto provado da sentença recorrida, que equipamento Cl4100 trata-se de uma "workstation", que integra dois equipamentos que ficam encostados um ao outro, com um software que gere a circulação das amostras entre o equipamento de bioquímica e imunologia e que assim o equipamento em causa dispõe já de uma cadeia de transporte que permite o transporte de amostra sem que haja manipulação por parte do operador, permitindo obter vários parâmetros analíticos em pouco tempo.
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Análise e apreciação do objeto do recurso
Na ação a autora, aqui recorrida, fez apelo a disposições contidas quer no Programa do Concurso quer no Caderno de Encargos, disposições que assim devemos aqui atender, e que se mostram também vertidas na sentença recorrida, tendo presente a sua natureza jurídica.
Com efeito, e como tem sido entendimento uniforme e constante da doutrina e jurisprudência o Programa do Concurso assume a natureza jurídica regulamentar, funcionando como parâmetro normativo-regulamentar em relação aos atos administrativos e demais atos procedimentais praticados no decorrer do concurso público, e projetando as suas disposições no domínio da legalidade e validade administrativas dos atos praticados no seu seio por qualquer das pessoas que nele intervêm, incluindo a entidade adjudicante que fica auto vinculada ao bloco de legalidade por ela própria instituído no Programa do Concurso, em conformidade com o disposto nos artigos 40º, nº 1 alínea a), 41º e 132º do CCP (vide, a este propósito, entre outros, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, Almedina, 2005, p. 131; e Margarida Olazabal Cabral, in, O Concurso Público nos Contratos Administrativos, págs. 170 a 176, e a titulo ilustrativo o Acórdão do STA de 21-05-2003, Proc. 0735/03, ainda que ao abrigo da legislação anterior à aprovação do novo Código dos Contratos Públicos, e ainda Jorge Andrade da Silva, in, Código dos Contratos Públicos – Comentado e Anotado, pág. 160 ss).
E por sua vez o Caderno de Encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar, definindo os aspetos essenciais da sua execução, tais como o preço ou o prazo, bem como explicitando os demais aspetos da execução do contrato (mormente as especificações técnicas ou funcionais das prestações objeto do contrato), quer os que estejam quer os que não estejam submetidos à concorrência, os quais devem ser definidos através de limites máximos ou mínimos, consoante os casos, em conformidade com o disposto no artigo 42º do CCP. Sendo que a Proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo (cfr. artigo 56º do CCP). O que ademais motiva que a Proposta seja desde logo integrada por uma declaração subscrita e assinada pelo Concorrente pelo qual este declara aceitar o conteúdo do Caderno de Encargos (cfr. artigo 57º nº 1 alínea a) do CCP). Exigência que está assim em sintonia com a natureza jurídica da proposta, enquanto declaração jurídica pela qual o concorrente se compromete a assumir e a cumprir as obrigações estabelecidas quer nos documentos do concurso quer na sua própria declaração como contrapartida dos direitos que ali também são conferidos caso venha a ser o concorrente escolhido para contratar com a entidade adjudicante, ficando, por conseguinte, o concorrente juridicamente vinculado ao conteúdo da sua proposta que está obrigado a manter durante o respetivo prazo de validade (vide, a este respeito, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, Almedina, 2005, págs. 359 ss.; e Margarida Olazabal Cabral, in, O Concurso Público nos Contratos Administrativos, págs. 160).
E importa ainda ter presente as normas legais, contidas no Código dos Contratos Públicos (Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro), a que foi feito apelo na ação, que dispõem o seguinte:
É o seguinte o disposto no artigo 57º nº 1 alínea b) do CCP:
“Artigo 57.º
Documentos da proposta
1 - A proposta é constituída pelos seguintes documentos:
a) (…)
b) Documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
c) (…)
d) (…)”

É o seguinte o disposto no artigo 70º do CCP:
“Artigo 70.º
Análise das propostas
1 - As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) Que não apresentam algum dos atributos, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 57.º;
b) Que apresentam atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.os 4 a 6 e 8 a 11 do artigo 49.º;
c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respectivos atributos;
d) Que o preço contratual seria superior ao preço base;
e) Um preço total anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte;
f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;
g) A existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência.
3 - A exclusão de quaisquer propostas com fundamento no disposto nas alíneas e) e g) do número anterior deve ser imediatamente comunicada à Autoridade da Concorrência e, no caso de empreitadas ou de concessões de obras públicas, igualmente ao Instituto da Construção e do Imobiliário, I. P.
4 - A exclusão de quaisquer propostas com fundamento no disposto na alínea e) do n.º 2 deve ser comunicada à Comissão Europeia, desde que o anúncio do respectivo procedimento tenha sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia.” (sublinhado nosso)

É o seguinte o disposto no artigo 146º do CCP:
Artigo 146.º
Relatório preliminar
1 - Após a análise das propostas, a utilização de um leilão electrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a ordenação das mesmas.
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
a) Que tenham sido apresentadas depois do termo fixado para a sua apresentação;
b) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto no n.º 2 do artigo 54.º;
c) Que sejam apresentadas por concorrentes relativamente aos quais ou, no caso de agrupamentos concorrentes, relativamente a qualquer dos seus membros, a entidade adjudicante tenha conhecimento que se verifica alguma das situações previstas no artigo 55.º;
d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57.º;
e) Que não cumpram o disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 57.º ou nos n.os 1 e 2 do artigo 58.º;
f) Que sejam apresentadas como variantes quando estas não sejam admitidas pelo programa do concurso, ou em número superior ao número máximo por ele admitido;
g) Que sejam apresentadas como variantes quando, apesar de estas serem admitidas pelo programa do concurso, não seja apresentada a proposta base;
h) Que sejam apresentadas como variantes quando seja proposta a exclusão da respectiva proposta base;
i) Que violem o disposto no n.º 7 do artigo 59.º;
j) Que, identificando erros ou omissões das peças do procedimento, não cumpram o disposto no n.º 7 do artigo 61.º;
l) Que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62.º;
m) Que sejam constituídas por documentos falsos ou nas quais os concorrentes prestem culposamente falsas declarações;
n) Que sejam apresentadas por concorrentes em violação do disposto nas regras referidas no n.º 4 do artigo 132.º, desde que o programa do concurso assim o preveja expressamente;
o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.º
3 - Quando o mesmo concorrente apresente mais de uma proposta, em violação do disposto no n.º 7 do artigo 59.º, ou um número de propostas variantes superior ao número máximo admitido pelo programa de concurso, de acordo com o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 132.º, o júri deve também propor a exclusão de todas as propostas por ele apresentadas.
4 - Do relatório preliminar deve ainda constar referência aos esclarecimentos prestados pelos concorrentes nos termos do disposto no artigo 72.º
5 - Quando, nos termos do disposto na secção seguinte, seja adoptada uma fase de negociação aberta a todos os concorrentes cujas propostas não sejam excluídas, o júri não deve aplicar o critério de adjudicação nem propor a ordenação das propostas no relatório preliminar para efeitos do disposto no n.º 1. (sublinhado nosso)

E é o seguinte o disposto no artigo 148º do CCP:
Artigo 148.º
Relatório final
1 - Cumprido o disposto no artigo anterior, o júri elabora um relatório final fundamentado, no qual pondera as observações dos concorrentes efectuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda propor a exclusão de qualquer proposta se verificar, nesta fase, a ocorrência de qualquer dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 146.º
2 - No caso previsto na parte final do número anterior, bem como quando do relatório final resulte uma alteração da ordenação das propostas constante do relatório preliminar, o júri procede a nova audiência prévia, nos termos previstos no artigo anterior, sendo subsequentemente aplicável o disposto no número anterior.
3 - O relatório final, juntamente com os demais documentos que compõem o processo de concurso, é enviado ao órgão competente para a decisão de contratar.
4 - Cabe ao órgão competente para a decisão de contratar decidir sobre a aprovação de todas as propostas contidas no relatório final, nomeadamente para efeitos de adjudicação ou para efeitos de selecção das propostas ou dos concorrentes para a fase de negociação quando, nos termos do disposto na secção seguinte, seja adoptada essa fase. (sublinhado nosso)

Decorre dos termos em que é atualmente traçado o procedimento de concurso público no Código dos Contratos Públicos que ele compreende duas operações ou fases distintas: a da análise das propostas, destinada a verificar se as propostas se encontram nas condições que, segundo as peças do procedimento, a lei e os regulamentos, têm de preencher para poderem ser consideradas com vista a uma eventual adjudicação, e a da avaliação das propostas, que se traduz na sua valoração à luz do critério de adjudicação, fatores e subfactores pré-estabelecidos no programa do procedimento e no convite.
Assim, e por um lado, a avaliação das propostas pressupõe que estas passaram o crivo da sua análise para esse efeito e que, portanto, não foram excluídas por algum dos fundamentos enumerados no nº 2 do artigo 70º ou no nº 2 do artigo 146º do CCP, e por outro lado a passagem daquele crivo confere ao concorrente o direito a ver a sua proposta avaliada segundo o critério de adjudicação e os fatores e subfactores que o densificam (vide, neste sentido Jorge Andrade da Silva, in, Código dos Contratos Públicos – Comentado e Anotado, Almedina, 2009, pág. 250 ss.).
O que a recorrida, autora na ação, nela propugnou, é que a proposta da contrainteressada F…… deveria ter sido excluída, em conformidade com as normas que invoca, do que deriva que a sua proposta não deveria sequer ter sido avaliada.
Na sentença recorrida, de 18/12/2013 (de fls. 681 ss.), proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo então titular do processo, mantida pelo Acórdão da Conferência de 29/04/2014 (de fls. 1071 ss.), concluiu-se que tal como havia sido alegado pela recorrida, autora na ação, na sua Petição Inicial, a proposta da contrainteressada F…… não respeita os requisitos mínimos que os equipamentos de Bioquímica têm de observar, por não ser possível realizar uma eventual instalação de cadeia de transporte no equipamento proposto, e que assim tal proposta deveria ter sido excluída por não respeitar aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência.
E foi com tal fundamento que o Tribunal a quo anulou o ato de adjudicação do fornecimento à contrainteressada bem como o contrato celebrado, já que as demais causas de invalidade que haviam sido assacadas pela autora ao impugnado ato de adjudicação foram julgadas improcedentes.
Julgamento que assentou nos seguintes fundamentos, vertidos na sentença recorrida nos seguintes termos, que se passam a transcrever:
“IV.1.1 – Quanto à exclusão da proposta da contra interessada por não cumprir os requisitos mínimos do equipamento de bioquímica.
O caderno de encargos prevê no Anexo I as condições técnicas especiais dos equipamentos a serem colocados no Hospital da Horta.
Do ponto 9 do referido Anexo I resulta que «os concorrentes deverão ter em consideração na escolha dos equipamentos a propor, factores como rapidez de resposta, diminuição do tempo de emissão de resultados, redução de erros técnicos, apoiada na automatização o mais possível deprocedimentos manuais e menor segurança, na realização de tarefas de alto risco de contaminação, sem manipulação directa, possibilitando a realização de testes com menor risco possível.»
E no ponto 9.1 constam os requisitos mínimos do equipamento de bioquímica, estabelecendo-se, entre outos requisitos, que os equipamentos de Bioquímica devem prever a «eventual instalação de cadeia de transporte», precisando-se que «no caso de utilização de cadeia de transporte de amostras, esta deverá ter a capacidade de interagir com outros equipamentos».
O requisito mínimo referido não exige que os concorrentes proponham equipamentos nos quais esteja instalada uma cadeia de transporte, uma vez que se utiliza a expressão «eventual instalação»: «eventual» indica que a instalação é incerta, mas que o equipamento de bioquímica deverá estar preparado para suportar uma tal instalação.
A noção de “cadeia de transporte” deve ser interpretada à luz dos objetivos constantes do corpo do ponto 9 do anexo I do Caderno de Encargos, ou seja, em função da “automatização o mais possível de procedimentos manuais”. É com o intuito de autonomizar procedimentos manuais que se exige a possibilidade de proceder à instalação de uma cadeia de transporte.
Neste quadro uma “cadeia de transporte” será um sistema que permite que as amostras circulem entre vários equipamentos – uma espécie de cadeia de montagem industrial –, evitando que tenha de ser o operador a transportar as amostras entre os equipamentos analíticos, de modo a diminuir os riscos de contaminação das amostras e aumentar a eficácia dos testes, quer em termos de tempo/quantidade quer em termos de qualidade.
É por isso que se precisa no Caderno de Encargos que no caso de um equipamento utilizar uma cadeia de transporte de amostras, este sistema deverá ter a capacidade de interagir com outros equipamentos, ou seja, uma “cadeia de transporte” para efeitos do concurso em análise deverá ser ou algo exterior ao próprio equipamento – trata-se de uma instalação eventual, o que significa que poderá existir ou não – ou algo que pelo menos permita uma interação com outros equipamentos de diagnóstico. O cerne da noção de cadeia de transporte em face aos objetivos do concurso é a possibilidade de o equipamento de bioquímica poder interagir com outros equipamentos de diagnóstico, não se especificando quais os equipamentos com os quais deve interagir.
No concurso em causa os concorrentes obrigam-se na colocação de equipamentos e fornecimento de todos os consumíveis no Hospital da Horta, E.P.E., durante o período de três anos, com exceção de todos os materiais relacionados com a colheita de amostras, os quais ficam a cargo do próprio Hospital. Daqui decorre que os testes laboratoriais serão efetuados no próprio Hospital da Horta, prevendo-se a possibilidade (eventual) de o equipamento de bioquímica poder interagir com outros equipamentos de diagnóstico já instalados ou a instalar. A referência a “outros equipamentos” (utilização de uma expressão indefinida) aponta, atenta a forma genérica como está redigida, para distintos equipamentos de diagnóstico e não para o equipamento de imunologia, como sustenta a contrainteressada. Repare-se que a exigência de ser possível instalar uma cadeia de transporte apenas figura nos requisitos mínimos do equipamento de bioquímica, nada sendo referido a este respeito no analisador de imunologia. Assim, quanto ao equipamento de bioquímica, constitui um requisito mínimo a possibilidade de ser instalada uma cadeia de transporte, o que não acontece relativamente ao analisador de imunologia, que pode muito bem ser um equipamento stand alone, ou seja, um equipamento que não permite qualquer interação com outros equipamentos de diagnóstico.
A isto acresce que no concurso em causa o equipamento de diagnóstico de imunologia não é apelidado de “equipamento de imunologia” mas por “analisador de imunologia” (cfr. Ponto 9.2), o que reforça a ideia de que a referência a “outros equipamentos” feita para eventual instalação de uma cadeia de transporte não se reporta ao analisador de imunologia, também a concurso. Se fosse essa a intenção do autor do concurso então teria feito referência expressa ao analisador de imunologia e não a «outros equipamentos», ou utilizado uma expressão definida que permitisse concluir que se estava a referir ao analisador de imunologia (por exemplo, «ao outro equipamento»).
É assim de concluir que constitui requisito mínimo do equipamento de bioquímica a possibilidade de instalar uma cadeia de transporte, sendo que a cadeia de transporte de amostras deve poder interagir com outros equipamentos que não o analisador de imunologia, já que quanto a este pode ser proposto um equipamento stand alone, sem qualquer possibilidade de interação.
Isto posto, vejamos então se a proposta da contrainteressada cumpre o requisito mínimo em causa.
Da proposta da contrainteressada resulta que o equipamento de bioquímica proposto possui «um sistema tridimensional robotizado para transporte das amostras, colocadas em suportes universais». Acrescenta-se ainda que «os suportes universais podem levar qualquer tipo de tubo, primário ou secundário, microtubo e cuvete, e podem ser utilizados em diferentes módulos da família Architect, pelo que não consideramos necessária a instalação de uma outra cadeia de transporte.»
Resulta dos factos provados que o equipamento de bioquímica proposto pela contrainteressada permite estabelecer uma ligação em cadeia, através de um sistema tridimensional robotizado para o transporte de amostras, com o equipamento de imunologia, também proposto pela mesma contrainteressada. Da prova produzida resulta ainda que o equipamento não permite a instalação de uma cadeia de transporte, ou seja, o equipamento de bioquímica proposto pela contrainteressada não permite interação com outros tipos de equipamentos de diagnóstico analítico que não seja o equipamento de imunologia também proposto.
Em face do exposto, afigura-se evidente que a proposta da contrainteressada tinha que ser excluída porque o equipamento de bioquímica não cumpre os requisitos mínimos constantes do ponto 9.1. do Anexo I – Cláusulas Especiais, Condições Técnicas Especiais do Caderno de Encargos.
Na verdade, o equipamentos de bioquímica proposto pela contrainteressada, o Architect c4000, apesar de conter um sistema de transporte, não permite uma eventual instalação de uma cadeia de transporte, como especificado supra. Na verdade, trata-se de um sistema interno incorporado no próprio equipamento e que permite apenas o transporte interno das amostras entre diversos módulos incorporados no próprio equipamento, as quais (amostras) são colocadas em suportes universais, sendo que estes suportes universais só podem ser utilizados em diferentes módulos da família Architect, o que significa que se a amostra necessitar de ser analisada num outro equipamento de diagnóstico que não o de imunologia deverá ser o operador a proceder à instalação do tubo, primário ou secundário, microtubo ou cuvete que contém a amostra num outro suporte e proceder ao seu transporte de forma manual para outro equipamento.
Assim, é evidente que, face ao teor da proposta da F…… e à prova produzida que o equipamento proposto não preenche um dos requisitos mínimos.
E de qualquer forma, ainda que se considere que o sistema tridimesional robotizado para transporte de amostras pode ser enquadrado na noção de “cadeia de transporte”, ainda assim será uma cadeia de transporte de amostras e nessa medida, o equipamento proposto pela contrainteressada não preenche os requisitos mínimos.
É que o Caderno de Encargos é específico quanto a este ponto: no que respeita à utilização no equipamento proposto de uma cadeia de transporte de amostras, esta (cadeia) deverá ter capacidade de interagir com outros equipamentos.
Ora, no caso do equipamento proposto pela contrainteressada, não só a proposta contém a expressão «não aplicável» no que respeita a este item, como da prova produzida resultou que se trata de um sistema de transporte que é interno, permitindo que as amostras circulem internamente entre o equipamento de bioquímica proposto e o analisador de imunologia também proposto, mas não possibilita a interação com qualquer outro equipamento analíticos.
Depois da explicação que é dada a propósito da eventual instalação de cadeia de transporte resulta que as amostras são colocadas em suportes universais que apenas podem ser utilizados em diferentes módulos da família Architect. Porém, o que se pretendia era a possibilidade de transportar as amostras, de forma automatizada, entre diferentes equipamentos, sejam eles módulos da família Architect ou não.
De reforçar ainda que, como já se referiu supra, dos requisitos mínimos resulta que no caso de o equipamento de bioquímica ter uma cadeia de transporte de este deve permitir a interação com outros equipamentos, não se especificando quais, tudo indicando que não se trata do equipamento (analisador) de Imunologia, já que atendendo aos requisitos mínimos especificados no ponto 9.2 do anexo I ao Caderno de Encargos, este pode ser um equipamento stand alone, que não permite qualquer interação com outros equipamentos ou a instalação de cadeia de transporte.
Assim, é evidente que o equipamento de bioquímica proposto pela contrainteressada não preenche um dos requisitos mínimos constantes do Caderno de Encargos, relativo à eventual instalação de uma cadeia de transporte, com capacidade de interagir com outros equipamentos.
“Requisitos mínimos” são, como a própria denominação indica, as exigências que as propostas têm necessariamente de respeitar, ou seja, são aspetos relativamente aos quais as propostas têm de se vincular e cumprir na íntegra. Tais requisitos constituem especificações técnicas que não se encontram submetidas à concorrência, o que significa que as propostas estão forçosamente vinculadas aos aspetos de execução do contrato no tocante aos requisitos mínimos.
E as especificações técnicas, como decorre do ponto 1, b) da Diretiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento e do Conselho, de 31 de março ex vi artigo 49.º, n.º 1 do CCP constituem «caraterísticas exigidas a um produto ou a um serviço» que seja colocado a concurso; são condições que os produtos ou serviços devem necessariamente respeitar, sendo um aspeto não submetido à concorrência. Ao contraente público não interessam produtos ou serviços que não preencham as especificações técnicas.
E como decorre do artigo 70.º, n.º 2, al. b) do CCP, a violação, desvio, derrogação ou não cumprimento dos aspetos de execução do contrato não submetidos à concorrência implica necessariamente a exclusão da proposta violadora.
E nos termos do artigo 146.º, n.º 2, al. o) do CCP “no relatório preliminar (...) o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
(…)
o) cuja análise revele alguma das situações previstas no n.° 2 do artigo 70.º.”
É assim de concluir que assiste razão à autora quanto a este primeiro ponto.”
Ora não merece censura tal entendimento, revelando ter sido efetuada correta interpretação e aplicação quer dos citados normativos legais, quer das invocadas normas do procedimento, mormente do Anexo I ao Caderno de Encargos, atinentes aos requisitos mínimos dos equipamentos de Bioquímica. Não merecendo acolhimento, a tese defendida pelos recorrentes, de que da boa interpretação das peças de procedimento, conjugada com a prova produzida, é errada a conclusão tirada pelo Tribunal a quo de que a proposta da contrainteressada F…… não cumpre com o identificado requisito mínimo, previsto no Ponto 9.1 do Anexo I ao Caderno de Encargos para o equipamento de Bioquímica por não permitir interação com outros tipos de equipamentos de diagnóstico analítico que não seja o equipamento de imunologia proposto.
É que, ao contrário do propugnado pelas recorrentes, da prova produzida em julgamento não resultou que os equipamentos propostos pela Contrainteressada incluíssem uma cadeia de transporte. O que apenas foi dado como provado, tal como elencado em 19) da sentença recorrida, e que resultou do julgamento feito pelo juiz do processo após diligências probatórias, incluindo produção de prova testemunhal (levada a cabo nas sessões de 13/05/2013, 14/05/2013 e 15/05/2013 - atas de fls. 373 ss., 375 ss. e 390 ss.) quanto à factualidade vertida no artigo 2º da Base Instrutória (de fls. 327 ss.), e que veio a merecer a resposta restritiva lavrada em 12/06/2013 (fls. 467 ss. e ata de fls. 477 ss. dos autos), é que é possível «ligar em cadeia, através de um sistema tridimensional robotizado para o transporte de amostras, um equipamento de bioquímica proposto pela contrainteressada F….. a um equipamento de imunologia, também proposto pela mesma contrainteressada».
Porém, não foi dado como provado que o equipamento proposto pela F…… «permite a instalação de uma cadeia de transporte», tal como elencado em 2. dos factos dados como não provados na sentença recorrida. Julgamento que decorreu da resposta restritiva dada ao artigo 2º da Base Instrutória (cfr. fls. 467 ss. e ata de fls. 477 ss. dos autos) assentando a motivação do Tribunal a quo, entre o demais, no seguinte: «a resposta restritiva dada deriva do depoimento das testemunhas N… S….., S….. N….., B….. A…., G…. S…. e P….. P…. – referiram que não é possível ligar um CI4100 a outro CI4100, ou estabelecer qualquer tipo de interação automatizada entre ambos. Teve-se também em consideração que do depoimento da testemunha P…. P….. resulta que não é possível ligar um equipamento de bioquímica a dois equipamentos, mas apenas a um único equipamento de imunologia. Teve-se ainda em consideração a análise quer das imagens juntas a fls. 380 a 389, bem como a descrição dos prospetos relativos aos equipamentos propostos pela F……, constantes do P.A.. Assim, a contrainteressada propôs 4 equipamentos, sendo que não é possível estabelecer uma ligação entre todos os equipamentos propostos» (vide pág. 4 da resposta à Base Instrutória lavrada em 12/06/2013, a fls. 467 ss.).
Assim, em face da factualidade dada como provada e não provada, e à luz das exigências mínimas para o equipamento em causa plasmado no Caderno de Encargos, nos termos vistos e amplamente analisados e subsumidos na sentença recorrida, mantida pelo Tribunal a quo após reclamação para a conferência, tem que concluir-se que aquela não incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação jurídica da causa ao considerar que o equipamento de bioquímica proposto pela contrainteressada não preenche um dos requisitos mínimos constantes do Ponto 9.1 do anexo I ao Caderno de Encargos – o relativo à eventual instalação de uma cadeia de transporte, com capacidade de interagir com outros equipamentos – e que assim, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 2, alínea b) e 146.º, n.º 2, alínea o) do CCP, deveria a sua proposta ter sido excluída.
Não merecendo, pois, provimento os recursos deduzidos, que improcedem.
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III. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar total provimento ao recurso jurisdicional, confirmando-se a decisão recorrida, de procedência da ação.
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Custas pelos recorrentes - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 18 de Dezembro de 2014


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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)

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António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos

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Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela

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