quinta-feira, 3 de maio de 2012

CONTRATAÇÃO “IN HOUSE”


Proc. Nº 8720/12  26 de Abril de 2012  TCAS
 
I – Estabelecendo o protocolo celebrado entre o CHS e o S............ um contrato público de aquisição de serviços, efectuado após a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, e celebrado por entidade que reveste a forma de Entidade Pública Empresarial [o Centro Hospitalar de Setúbal], e de valor superior ao referido na alínea b) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE48, o mesmo não está abrangido por qualquer excepção à aplicação do regime da contratação pública, pelo que lhe é inteiramente aplicável o Código dos Contratos Públicos, mormente a sua parte II, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº 2, 2º, nº 2, alínea a), e 5º, nº 3, alínea b), do referido Código.

II – Assim, de acordo com o estipulado no artigo 20º, nº 1, alínea b) do CCP, o protocolo/contrato em causa deveria ter sido precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, com publicação dos respectivos anúncios no Jornal Oficial da União Europeia.

III – Deste modo, não tendo sido realizado nenhum destes procedimentos, resulta do citado normativo que o protocolo/contrato não podia ter sido celebrado, pelo que a ausência do concurso, obrigatório no caso, implica a falta de um elemento essencial da adjudicação, o que determina a respectiva nulidade, nos termos do artigo 133º, nº 1 do CPA, originando também a nulidade do contrato, nos termos do estabelecido no artigo 283º, nº 1 do CCP


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
E…….. [Portugal] – Sociedade ……………….., Ldª”, com sede em Alfragide, Amadora, intentou no TAF de Almada contra o Centro Hospitalar ………….., EPE [CHS], acção administrativa especial de contencioso pré-contratual, através da qual pediu:
A) A anulação do despacho do Conselho de Administração do CHS, proferido em data que não sabe identificar, mas seguramente anterior a 22-7-2011 e a que se faz referência no ofício nº Aprov 2011-07-21, datado de 21-7-2011, e dirigido à E............., nos termos do qual se decidiu fazer cessar o contrato celebrado com a E............., ao abrigo de Ajuste Directo e se decidiu contratar o “S……. – Serviços de …………….” [S............] para a prestação de serviços de alimentação;
B) E, em consequência:
i) A condenação do réu a manter o fornecimento de refeições a cargo da autora até 30-6-2012 no quadro do Concurso Público Internacional nº 1C0001/2009, ao abrigo do qual foram celebrados dois contratos por ajuste directo, nos termos do disposto no artigo 27º, nº 1, alínea a) do CCP; e,
ii) A anulação do protocolo nº DCS/2498/01/2011 celebrado com o S............ no dia 27 de Junho de 2011;
C) Ou caso assim se não entenda, a anulação do despacho do Conselho de Administração do CHS, proferido em data que a autora não sabe identificar, mas seguramente anterior a 22-7-2011 e a que se faz referência no ofício nº Aprov 2011-07-21, datado de 21-7-2011, e dirigido à E............., nos termos do qual se decidiu fazer cessar o contrato celebrado com a E............., ao abrigo de Ajuste Directo e se decidiu contratar o “S…….. - Serviços de Utilização …………” [S…..] para a prestação de serviços de alimentação;
D) E, em consequência:
i) A condenação do réu a lançar mão do procedimento concursal que se afigurar competente, nos termos do CCP, para a prestação daquele serviço; e,
ii) A anulação do protocolo nº DCS/2498/01/2011 celebrado com o S............ no dia 27 de Junho de 2011.
Por sentença datada de 30-1-2012, o TAF de Almada julgou a acção parcialmente procedente e declarou a nulidade da adjudicação efectuada pelo CHS ao S…. pela falta de elemento essencial, ou seja, pela falta de procedimento para a formação de contrato legalmente previsto, bem como declarou nula a celebração do Protocolo nº DCS/2498/01/2011, improcedendo a mesma no mais que veio pedido [cfr. fls. 414/452].
Inconformado, recorre o Centro Hospitalar……….. para este TCA Sul, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida julgou nula a adjudicação efectuada pelo CHS ao S…. pela falta de elemento essencial, ou seja pela falta de procedimento para a formação de contrato legalmente previsto.
2. Em consequência, declarou igualmente nula a celebração do Protocolo nº DCS/2498/01/2011.
3. Em sede própria, o ora recorrido teve a oportunidade de expor os motivos pelos quais discorda do entendimento expresso pelo Tribunal de Contas no acórdão 70/2011, mencionado pela sentença recorrida, tanto mais que tal entendimento é contraditório com a mais recente posição veiculada por aquele mesmo Tribunal [vide, o visto tácito a um Protocolo celebrado recentemente ao abrigo da relação "in house", ou seja, nos mesmos termos e com os mesmos fundamentos que presidiram à celebração do Protocolo em apreço].
4. Com feito, a argumentação expendida pelo Tribunal de Contas no acórdão em apreço, é fortemente criticável, encontrando-se em desconformidade com o direito nacional e comunitário constituído, como se expôs no ponto "A) Da inadmissibilidade de consideração do Acórdão do Tribunal de Contas" supra das presentes alegações, que aqui se considera integralmente reproduzido. Vejamos.
5. Com efeito, a celebração do Protocolo em apreço foi efectuada sem sujeição a qualquer procedimento pré-contratual legalmente tipificado no Código dos Contratos Públicos – mas ao abrigo de uma norma habilitante que integra aquele mesmo Código, o seu nº 2 do artigo 5º –, partindo do reconhecimento, de facto e de direito, que as relações contratuais entre os associados e o S............ não se situam num plano idêntico ao das relações com terceiros, existindo uma manifesta especialidade que permite concluir que ao processo de formação daqueles contratos não são aplicáveis as regras da contratação pública.
6. Seria aliás contraditório, como a douta sentença recorrida parece defender [página 32] que o legislador permitisse que os hospitais criassem serviços de utilização comum [e para cujo funcionamento contribuem, desde logo pelo pagamento de quotas], para possibilitar uma melhor repartição de custos, que por vezes são avultados, a optimização dos recursos, e "um funcionamento mais ágil" dos associados, e viesse, por outro lado, sujeitar a qualquer procedimento de formação de contratos públicos legalmente tipificado, a utilização de tais serviços.
7. Este entendimento vem de encontro: (i) primeiro, com a posição defendida pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nos Pareceres nºs 1/95, de 9 de Março de 1995, e 145/2001, de 7 de Novembro de 2002, onde se concluiu que os serviços prestados pelo S…. aos associados, no exercício das suas atribuições, inserem-se num "plano materialmente cooperativo", encontrando-se, assim, excluídos dos pressupostos de aplicação das normas sobre contratação pública, o que se mantém inalterado; (ii) segundo, com a doutrina erigida pela jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias; (iii) terceiro, com a positivação daquela doutrina no nº 2 do artigo 5º do CCP, e (iv) quarto, com o acolhimento expresso dos traços caracterizadores da teoria da relação "in house" nos Novos Estatutos do S............, que, em rigor, nada vieram inovar, mas apenas clarificar a questão.
8. Com efeito, analisadas as disposições mais relevantes dos Novos Estatutos do S….., consideramos que as dúvidas suscitadas – sobre a existência de uma relação "in house" entre o S............ e os seus associados, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 5º, nº 2 do CCP – no âmbito dos anteriores Estatutos se devem considerar ultrapassadas à luz dos Novos Estatutos desta associação.
9. Entendimento este que o próprio Tribunal de Contas, até Junho de 2009 – data em que passou a recusar o visto a contratos celebrados entre o S…. o os seus associados sem sujeição às regras da contratação pública – manteve, certamente por reconhecer a especialidade assinalada da relação entre o S……. e os seus associados públicos.
10. Estão reunidas as condições para se considerar existir uma relação "in house" entre os associados, incluindo o CHS, E.P.E., e o S…...
11. Desde logo, está suficientemente provada a existência de controlo análogo do S….., exercido conjuntamente pelos seus associados, para os efeitos previstos na alínea a) do nº 2 do artigo 5º do CCP, quer seja pela adstringência do S............ aos seus fins estatutários [o que determina que tenha obrigatoriamente que pautar a sua actividade sem ter em vista o lucro, sem prejuízo, evidentemente, de um gestão racional e eficiente], quer seja pelos intensos poderes de controlo que os associados conjuntamente têm, não só sobre as decisões macro de gestão [orientações estratégicas] mas também sobre a gestão corrente da actividade do S............, exercendo, assim, uma influência decisiva sobre a actuação desta associação, como expressamente previsto nos Novos Estatutos.
12. O requisito do controlo análogo não é abalado pelos motivos sustentados na douta sentença recorrida, a saber, (i) pela alegada existência de associados do S............ não pertencentes ao sector público e (ii) uma suposta ausência de dependência decisória por parte do S............. Vejamos.
13. O primeiro daqueles motivos apenas se pode referir à existência de Misericórdias na qualidade de associados do S............. Mas mesmo a existência destas enquanto associadas não põe em causa o requisito do controlo análogo, pois as Misericórdias detêm uma participação minoritária na Assembleia Geral e na composição do Conselho de Administração do S.............
14. A sentença recorrida refere que resulta do probatório que o S............ tem como associados 88 entidades públicas e particulares e 46 do sector social [facto Q.]. Tal não corresponde à verdade: os associados do S............ são 126, dos quais apenas 24 pertencem ao sector privado, os restantes 102 integram o sector público da economia.
15. Com efeito, as Misericórdias, para além de constituírem a significativa minoria dos associados, detêm também uma participação minoritária na Assembleia Geral e na composição do Conselho de Administração, relativamente aos associados públicos, por aplicação do mecanismo de votos previsto no artigo 15º, nº 7 dos Novos Estatutos do S............, de onde resulta que nenhuma das Misericórdias associadas do S............ tem mais que um voto, enquanto que há vinte associados públicos com dois votos [é o caso do CHS, E.P.E.], quatro com três votos, um com quatro votos e um com cinco votos; os restantes associados públicos têm também apenas um voto.
16. Dito de outro modo, os associados públicos detêm uma maioria de decisão [votos] ainda muito superior à da maioria do número de associados que já representam.
17. Efectivamente, apenas uma minoria dos associados do S............ não são entes públicos, antes pertencendo ao sector cooperativo e social da economia, inexistindo qualquer associado privado com fim lucrativo.
18. Neste contexto, é manifesto que não podem tais entidades privadas sem fins lucrativos, com participações minoritárias, influir em termos decisivos e contrários às orientações [gerais e correntes] dos demais associados públicos, com participações maioritárias [cfr. artigo 7º, nº 2 dos Estatutos], nos variados órgãos de formação da vontade do S.............
19. Aliás, qualquer tentativa de perspectivar nas [poucas] Misericórdias associadas do S............ um argumento susceptível de ser invocado para negar a existência de controlo análogo do S............ pelo conjunto dos seus associados, incluindo o CHS, E.P.E., esbarra com esta limitação inultrapassável: a [singular] interpretação feita pelo TJCE no acórdão Stadt Halle é finalística ou materialmente justificável por apelo ao invocado receio de uma potencial influência "desviante" do capital privado sobre as finalidades de interesse geral/público/colectivo prosseguidas por autoridades públicas, receio aquele que, evidentemente, por definição, não se verifica no que concerne às Misericórdias.
20. Adicionalmente, refira-se ainda que este argumento utilizado pela douta sentença recorrida para rejeitar a verificação do requisito do controlo análogo desconsidera o elemento genético do S............, plasmado nas vinculações adstringentes previstas nos respectivos Estatutos, donde resulta que a sua actividade está, como não poderia deixar de estar, em absoluto condicionada à prestação de certos serviços aos seus associados, para um funcionamento mais ágil e eficiente destes, e em regime de cooperação e entreajuda, não podendo tal elemento teleológico-material deixar de desempenhar relevante missão na consideração da específica relação do ente com os seus associados e, especialmente, na caracterização jurídica do modo e dos termos da prestação de serviços pelo S............ aos seus associados.
21. O segundo dos motivos invocados na douta sentença recorrida para negar a existência de um controlo análogo prende-se com uma ausência de dependência decisória do S.............
22. Todavia, o motivo indicado no ponto precedente não encontra o mínimo respaldo quer no plano dos factos quer nos Estatutos do S............, e cuja veracidade não foi de todo demonstrada no sentença recorrida ou no referido Acórdão do Tribunal de Contas [não transitado em julgado].
23. Efectivamente, tal entendimento ignora por completo os poderes efectivos e intensos [cfr. artigo 8º, nºs 4 e 5, e 16º dos Novos Estatutos] que actualmente, à luz dos Novos Estatutos do S............, estão cometidos à Assembleia Geral, órgão em que estão representados todos, e apenas, os associados, poder de controlo que se encontra igualmente no Conselho de Administração, pois este órgão de gestão é maioritariamente composto por associados, sendo os vogais executivos e não executivos eleitos em Assembleia Geral [cfr. nºs 3 e 4 do mesmo artigo 17º dos Novos Estatutos], onde estão todos os associados [e, dentro destes, associados públicos maioritariamente, cfr. artigo 7º, nº 2 dos Novos Estatutos]; por sua vez, também o Conselho Fiscal [cfr. artigo 23º] e o Conselho Geral [cfr. artigo 25º, nº 1] são eleitos em Assembleia Geral].
24. Mas é o próprio Tribunal de Contas, no acórdão mencionado na sentença recorrida, que reconhece que "as decisões sejam juridicamente tomadas pela Assembleia Geral", o que é verdade por força estatutária, para logo de seguida, na mesma frase, afirmar parcialmente o seu oposto, de que "é o Conselho de Administração que, juridicamente e de facto, as prepara e condiciona".
25. A afirmação precedente gera algumas perplexidades: Não será essa a função de um órgão executivo [ainda para mais quando esse mesmo órgão é composto na sua maioria por associados]? Não será intrínseco às atribuições de um órgão executivo a preparação das decisões a tomar, posteriormente, pelo órgão decisor [órgão decisor este, por sua vez, composto na sua maioria por associados públicos, cfr. artigo 7º, nº 2 dos Novos Estatutos]? Sobretudo, haverá maior poder de controlo que o poder de decidir [sendo que quem decide é a Assembleia Geral – é o próprio Tribunal de Contas que o afirma: "as decisões sejam juridicamente tomadas pela Assembleia Geral", cabendo ao Conselho de Administração a preparação dessas decisões?! Que poder mais intenso que o poder de decisão? Será que o Tribunal de Contas considera que o poder [do Conselho de Administração] de "preparar e condicionar" as decisões é um poder mais intenso que o efectivo poder de decidir [da Assembleia Geral]?!
26. Donde, em última análise e sem conceder, ainda que se admitisse, por absurdo, como boa a tese do Acórdão do Tribunal de Contas, mencionado na sentença recorrida – segundo a qual "quem controla o S............ é o seu Conselho de Administração" –, não se alcança o motivo para daí se retirar a conclusão de que não está preenchido o requisito do controlo análogo, pelo simples facto – este sim, incontestável e não especulativo! – de que aquele órgão executivo é maioritariamente composto por associados, sendo os vogais executivos e não executivos eleitos em Assembleia Geral [cfr. nºs 3 e 4 do mesmo artigo 17º dos Novos Estatutos].
27. Por sua vez, o segundo requisito de uma relação "in house" forjado pelo TJCE e vertido na alínea b) do nº 2 do artigo 5º do CCP [a saber, o essencial da actividade] encontra-se desde logo, cumprido no nº 4 do artigo 5º dos novos Estatutos do S............, onde se prevê expressamente que a prestação do S............ a entidades terceiras, em regime de concorrência e de mercado, "deve ter natureza acessória no contexto da actividade do S............ não devendo representar um volume de facturação superior a 20% [porque de acordo com o entendimento da Comissão Europeia e do TJCE, o adjudicatário deve prestar, pelo menos, 80% da sua actividade em favor da entidade adjudicante; assim, o S............ apenas pode prestar serviços em ambiente de mercado em até 20% da sua actividade, e sem que isso prejudique os seus fins não lucrativos] do seu volume global anual de negócios apurados no exercício económico anterior, se outro indicador não for geralmente considerado como representativo daquela acessoriedade" [dimensão quantitativa do requisito do essencial da actividade]. Trata-se, note-se, de uma vinculação estatutária a que o S............ se encontra adstrito: pelo menos 80% da actividade do S............ tem obrigatoriamente que ser realizada em benefício [conjunto] dos respectivos associados.
28. De igual modo, a dimensão qualitativa deste segundo requisito também se encontra verificada, por se encontrar geneticamente ligada à constituição do S............, na medida em que está em causa a prestação de serviços aos associados [maxime, hospitais] num regime de auto-produção, porquanto as necessidades do S............ são, como sempre foram, as necessidades dos associados, não outras;
29. Para além do exposto, a sentença recorrida ignora a sentença recorrida [o que se retira sem ambiguidades dos dois últimos parágrafos de fls. 35 da sentença recorrida] que o requisito do "essencial da actividade" do S............ não tem necessariamente que se verificar individualizadamente, mas "em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes" [sic, artigo 5º, nº 2, alínea b) do CCP], o que constitui um apodíctico erro de julgamento.
30. Estão, assim, reunidas as condições para se considerar existir uma relação "in house" entre os associados e S............, no que se refere às aquisições de bens e serviços que se enquadrem nos respectivos fins estatutários, como sucede no caso dos autos, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida.
31. É isto que explica que no âmbito das finalidades estatutárias do S............, os seus associados possam com este contratar directamente, sem sujeição aos procedimentos pré-contratuais juridíco-públicos legalmente tipificados.” [cfr. fls. 460/520 dos autos].
Também o contra-interessado “S............ – Serviço de …………………” interpôs recurso para este TCA Sul, tendo concluído que “a celebração do Protocolo não é nula, uma vez que o mesmo foi assinado, tendo por base a referida norma do CCP, não se verificando a falta/necessidade de procedimento para a formação de contrato legalmente previsto” [cfr. fls. 574/582 dos autos].
A autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do decidido [cfr. fls. 607/637 dos autos].
Neste TCA Sul o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer.
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. Em 23-12-2008 foi publicitado no Diário da República nº 247, o anúncio de procedimento nº 926/2008, relativo a concurso público para a prestação de serviços de alimentação durante o ano de 2009, aberto pela entidade adjudicante Centro Hospitalar de Setúbal, EPE – cfr. doc. 1, fls. 35 a 37 do processo cautelar.
ii. O programa de concurso [PC] referente ao concurso público nº 1C0001/9 [PC] consta de fls. 38 a 52, sendo o teor do artigo 1º o seguinte:
1. O presente processo de concurso, na modalidade de Concurso Público com o nº 1C0001/2009, é efectuado nos termos do Capítulo III, artigo 9º e seguintes das disposições transitórias do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro, sendo objecto do contrato, a celebrar na sequência da adjudicação, a aquisição do serviço de fornecimento de refeições, reforços e suplementos alimentares, durante os 12 meses subsequentes à assinatura do contrato, podendo o mesmo ser renovado ao abrigo da alínea a), ponto 1 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 18/2008 de 29 de Janeiro, nos termos e de harmonia com o disposto no caderno de encargos e respectivo anexo, bem como no disposto no procedimento interno de revisão de contratos.” – cfr. doc. 2, fls. 38 a 52 do processo cautelar.
iii. O caderno de encargos [CE] referente ao concurso público nº 1C0001/2009 consta de fls. 53 a 128, sendo o teor dos artigos 1º e 3º o seguinte:
Artigo 1º
Objecto
O contrato tem por objecto:
1. O fornecimento, por parte do adjudicatário, das refeições a seguir indicadas, devidamente confeccionadas e/ou preparadas:
a) A Doentes – Pequenos-almoços, Almoços, Jantares, Ceias e Reforços Alimentares;
b) Ao Pessoal – Almoços, Jantares e Ceias;
c) Ao Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental – UDEP [Confecção no HSB e transporte para o local, em viatura disponibilizada pelo adjudicatário]
2. A concessão de exploração dos refeitórios para o pessoal.
[...]
Artigo 3º
Prazo de vigência da prestação do serviço
1. O fornecimento do serviço, a realizar no âmbito do contrato, deverá ser executado a contar da data da assinatura do Contrato e pelo período de 12 meses;
2. No biénio subsequente podem ser celebrados contratos através do recurso ao Ajuste Directo, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 18/2008 de 29 de Janeiro.
3. A denúncia do contrato deve ser efectuada mediante a notificação à contraparte, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 60 [sessenta] dias em relação ao termo do contrato.” – cfr. doc. 3, fls. 53 a 128 do processo cautelar.
iv. Em 25-6-2009 foi celebrado entre o Centro Hospitalar de Setúbal, EPE e a ora autora o contrato de prestação de serviços de alimentação com o teor de fls. 129 a 137, do qual consta na cláusula 4ª que:
[...]
1. O fornecimento do serviço, a realizar no âmbito do contrato, terá início a 1 de Julho de 2009 e pelo período de 12 meses;
2. No biénio subsequente podem ser celebrados contratos através do recurso ao Ajuste Directo, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 18/2008 de 29 de Janeiro.
3. A denúncia do contrato deve ser efectuada mediante a notificação à contraparte, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 60 [sessenta] dias em relação ao termo do contrato.” – cfr. doc. 4, fls. 129 a 137 do processo cautelar.
v. Em 11-10-2010 foi celebrado entre o Centro Hospitalar de Setúbal, EPE e a ora autora o contrato de prestação de serviços de alimentação com o teor de fls. 139 a 146, do qual consta na cláusula 4ª e na cláusula 15ª que:
[…]
Cláusula Quarta
[Vigência]
1. O fornecimento do serviço, a realizar no âmbito do contrato, terá início a 1 de Julho de 2010 e pelo período de 12 meses;
2. A denúncia do contrato deve ser efectuada mediante a notificação à contraparte, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 60 [sessenta] dias em relação ao termo do contrato.
[…]
Cláusula Décima Quinta
[Denúncia]
A denúncia do contrato deve ser efectuada mediante a notificação à contraparte, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência mínima de 60 [sessenta] dias em relação ao termo do contrato.” – cfr. doc. 6, fls. 139 a 146 do processo cautelar.
vi. Em 17-2-2011, o Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E. comunicou à autora o seguinte:
Assunto: Cessação da Prestação de Serviços de Alimentação no CHS, EPE
Exmºs Senhores,
Vimos, por este meio comunicar a cessação da Prestação de Serviços de Alimentação, com a v/ firma e Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E. com efeitos a partir de 01 de Julho de 2011, conforme o estipulado na cláusula "Décima Quarta" do contrato datado de 11 de Outubro de 2010.
[...]” – cfr. doc. 1, fls. 21 dos autos.
vii. O ofício supra foi objecto da seguinte rectificação comunicada através de ofício datado de 4-3-2011:
[...]
Assunto: Cessação da Prestação de Serviços de Alimentação no CHS, EPE
Exmºs Senhores,
Ao nosso Ofício ref. Aprov 2011-02-17, sobre o assunto acima mencionando, faz-se a seguinte errata:
Onde se lê "...conforme o estipulado na cláusula "Décima Quarta" do contrato datado de 11 de Outubro de 2010."
Deverá ler-se: "...conforme o estipulado na cláusula "Décima Quinta" do contrato datado de 11 de Outubro de 2010. – cfr. doc. 2, fls. 22 dos autos.
viii.
Em 3-6-2011, o Serviço de Gestão Aprovisionamento e Logística elaborou a seguinte Nota de serviço dirigida ao Dr. José …………….. – Vogal Executivo do Conselho de Administração:
[...]
O contrato de prestação de serviços para o fornecimento de serviços de alimentação e dietética, em vigor até ao próximo dia 30.06.2011, foi denunciado através de ofício que se anexa à presente informação.
Entretanto, as peças do procedimento pré-contratual a lançar pelo CHS – Concurso Público – foram preparadas para garantir a contratação de novo período da prestação de serviços, incluindo-se a premissa de comprometimento, por parte do próximo adjudicatário, de colaborar com o CHS na remodelação da cozinha e implementação do sistema cook n' chill.
Contudo, dado que o concurso ainda não foi lançado, não é previsível a alteração do adjudicatário nos próximos meses, pelo que se impõe uma comunicação formal ao actual prestador de serviços dando conta da sua continuidade através de Ajustes Directos até à finalização de procedimento pré-contratual.
Desta forma garante-se a regularidade do processo de contratação, tendo em conta a actual realidade do CHS, EPE e os prazos legais associados ao Concurso Público.
[...]” – cfr. doc. 3, fls. 248 do processo cautelar.
ix. Em 8-6-2011, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Setúbal exarou o seguinte despacho na nota de serviço supra:
O CA delibera concordar e autorizar a celebração de ajuste directo para o mês de Julho, face às circunstâncias descritas.” – cfr. doc. 3, fls. 248 do processo cautelar.
x. Em 14-6-2011, a entidade requerida comunicou à ora autora o seguinte:
Assunto: Renovação de Contrato de Alimentação
Exmºs Senhores,
Informamos que, por despacho do Conselho de Administração de 8-6-2011, foi autorizada a realização de Ajuste Directo, para o mês de Julho, para a Prestação de serviços de Alimentação.” – cfr. doc. 7, fls. 147 do processo cautelar.
xi. Em 19-7-2011, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Setúbal deliberou concordar com o início do Protocolo em 10 de Agosto de 2011 – cfr. doc. 4, fls. 249 do processo cautelar e fls. 405 dos autos.
xii. Em 21-7-2011, a entidade requerida comunicou à ora autora o seguinte:
Assunto: Cessação da Prestação de Serviços de Alimentação no CHS, EPE
Serve a presente para comunicar a V. Exªs. que, na sequência de despacho exarado pelo Conselho de Administração deste Centro Hospitalar, a prestação de serviços por parte de V. Exªs encontra-se adjudicada até ao próximo dia 9-8-2011 [inclusive], terminando a partir desta data.
Informamos ainda que, com base no mesmo despacho, será o S............ a assumir esta prestação de serviços, pelo que serão contactados por esta entidade no sentido de se proceder às formalidades respectivas.
[...]” – cfr. doc. 3, fls. 23 dos autos.
xiii. Dos Estatutos do S............ – Serviço de …………………, consta:
Artigo 2º
Natureza e fins
1. O S............ é uma associação sem fins lucrativos que tem por finalidade a realização de uma missão de serviço público, contribuindo para a concretização da política da saúde e, em particular, para a eficácia e eficiência do Sistema de Saúde Português.
2. O S............ deve assumir-se, nas suas preocupações com a eficiência dos seus associados, como uma Organização que contribua significativamente para a sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde.
3. Para efeitos do número anterior, o S............ constitui um instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, encontrando-se, para o efeito, obrigado a tomar a seu cargo as iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente, libertando-os para a plena dedicação à prestação de cuidados de saúde aos utentes e proporcionando-lhes ganhos de escala, através designadamente:
a) Da gestão e prestação de assistência técnica no domínio das instalações e equipamentos;
b) Da exploração ou gestão de instalações técnicas e áreas industriais, designadamente lavandarias, cozinhas, centrais e transportes;
c) Da promoção de acções no âmbito do desenvolvimento tecnológico e da investigação, quer dos equipamentos quer das instalações, designadamente em matéria de normalização;
d) Da colaboração na formação e aperfeiçoamento profissional do pessoal enquanto utilizador dos equipamentos;
e) Da realização da generalidade dos serviços de apoio à prestação de cuidados de saúde.
[...]
Artigo 3º
Tutela
Sem prejuízo do controlo resultante dos poderes de direcção, superintendência e tutela que o membro do governo responsável pela área da saúde exerce sobre os seus associados públicos, o S............ está sujeito à tutela daquele membro do Governo competindo-lhe:
a) Nomear o Presidente e o Vice-Presidente do Conselho de Administração;
b) Homologar as deliberações da Assembleia Geral sobre a contracção de empréstimos que impliquem um nível de endividamento líquido igual ou superior a 75% dos capitais próprios apurados no exercício do ano transacto;
c) Homologar as deliberações da Assembleia Geral sobre as alterações dos estatutos;
d) Homologar as deliberações da Assembleia Geral sobre a dissolução do S............, bem como determinar o destino a dar aos seus bens, em caso de dissolução.
Artigo 5º
Relação com os associados
1. A concretização dos termos e condições da prestação dos serviços previstos no artigo 2º pode ser feita através da celebração de protocolos entre o S............ e cada associado.
2. Os protocolos a estabelecer nos termos do número anterior conterão as condições concretas de execução da prestação de serviços, designadamente o preço, prazo e demais condições específicas de cada protocolo.
3. O S............ pode ainda, em regime de concorrência e de mercado, prestar serviços a entidades públicas não associadas ou entidades privadas, nacionais ou estrangeiras, desde que, em simultâneo, se verifiquem os seguintes pressupostos:
a) Não resultar qualquer prejuízo para os associados;
b) Ser vantajoso para o S............ e para os seus associados, quer no plano económico quer em matéria de enriquecimento e valorização tecnológica.
4. A prestação de serviços resultante do disposto no nº 3 deve ter natureza acessória no contexto da actividade do S............ não devendo representar um volume de facturação superior a 20% do seu volume global anual de negócios apurados no exercício económico anterior, se outro indicador não for geralmente considerado como representativo daquela acessoriedade.
Artigo 6º
Participação em outras entidades
O S............ sempre que se mostre relevante para a prossecução do interesse público a seu cargo pode, sem prejudicar a sua natureza jurídica, instituir ou participar na constituição de outras pessoas colectivas públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, designadamente nas áreas do tratamento de resíduos hospitalares perigosos e da eficiência energética, salvaguardando a livre concorrência no exercício da actividade destas entidades.
CAPÍTULO III
Dos associados
Artigo 7º
Âmbito
1. Podem ser associados do S............ as entidades pertencentes ao sector público e social que prestem cuidados de saúde ou desenvolvam outras actividades relacionadas com a promoção e a protecção da saúde, incluindo os serviços e instituições do Ministério da Saúde ou integrados no Serviço Nacional de Saúde, bem como de outros ministérios.
2. O S............ deve assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que integrem e estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da Saúde.
Artigo 8º
Direitos
1. São direitos dos associados, através da sua participação na Assembleia Geral e da sua posição maioritária na composição do Conselho de Administração, exercer sobre a gestão do S............, estratégica e corrente, um controlo análogo ao que detêm sobre as suas próprias Instituições, designadamente as estratégias da prestação de serviços e da respectiva contrapartida remuneratória.
2. São direitos específicos dos associados;
a) Usufruir dos serviços prestados pelo S............;
[…]” – cfr. fls. 101 a 121 dos autos.
xiv. Em 27-7-2011, foi celebrado o Protocolo nº DCS/2498/01/2011 entre o Centro Hospitalar de Setúbal, EPE e o S............ – Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, que consta de fls. 342 a 404 dos autos.
xv. Na cláusula 17ª do Protocolo supra consta o preço total anual de € 1.295.289,00 e na cláusula 23ª, refere-se que o protocolo terá início em 10 de Agosto de 2011 e terminará em 9 de Agosto de 2016 – cfr. fls. supra.
xvi. Em 28-11-2011 foi proferido o Acórdão nº 70/2011 – 28 de Novembro, do Tribunal de Contas no Processo nº 1197/2011 recusou o visto ao Protocolo supra, conforme consta de fls. 267 a 315 dos autos.
xvii. Os associados do S............ são:
[…]
t) O S............ tem como associados 88 entidades públicas e particulares, entre as quais se contam serviços da administração directa do Estado, institutos públicos, entidades públicas empresariais, e instituições particulares de solidariedade social [IPSS];
u] As IPSS são 23, contando-se 20 irmandades e santas casas da misericórdia, a União das Misericórdias Portuguesas, a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré e a Fundação Aurélio Amaro Diniz;
v) O CHS é um desses 88 associados.” – cfr. Acórdão nº 70/2011, de 28 de Novembro, do Tribunal de Contas, no Processo nº 1197/2011.
xviii. O Acórdão nº 70/2011, de 28 de Novembro, do Tribunal de Contas, não transitou em julgado.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como se viu, a decisão recorrida considerou que o Protocolo nº DCS/2498/01/2011, celebrado em 27-7-2011, o Centro Hospitalar de Setúbal, EPE e o S............ – Serviço ……………….. era nulo e, consequentemente, era também nula a adjudicação efectuada pelo CHS ao S............ ao seu abrigo, pela falta de elemento essencial, ou seja, pela falta de procedimento para a formação de contrato legalmente previsto, nomeadamente pela inobservância do procedimento previsto na Parte II do Código dos Contratos Públicos, seguindo de muito perto a jurisprudência firmada no acórdão do Tribunal de Contas nº 70/2001, de 28 de Novembro, que recusou o visto ao Protocolo referido no ponto xiv. da matéria de facto assente.
Para tanto, fundamentou o decidido nos seguintes termos:
[…]
Sendo assim, atento o universo dos associados, na sua maioria não pertencentes ao sector público, não podemos acompanhar a argumentação do S............ quando afirma no 47º da douta contestação que:
"Na verdade, a actividade contratual entre o contra-interessado e os seus associados, mormente quando esta é feita no âmbito dos seus fins estatutários, situa-se num plano materialmente cooperativo, de entreajuda e fruição comum, através da qual os hospitais, seus associados, se organizam para a satisfação das suas necessidades sem recurso a entidades externas, ou seja, num "plano de auto-satisfação das necessidades", desenvolvida no interior da colectividade e para os membros desta, socorrendo-se dos meios que nela já existem, usufruindo em comum, retirando as potencialidades que é possível extrair da optimização do uso dos recurso disponíveis." [sublinhado nosso].
Em consequência, os Estatutos não demonstram que haja um controlo análogo das entidades adjudicantes sobre o S............ que se traduza numa dependência decisória que transforme a entidade adjudicatária num meio próprio ou numa estrutura interna da entidade adjudicante isolada ou conjuntamente.
No que respeita à demonstração da afectação da "destinação da actividade" do S............ às entidades adjudicantes, in casu, ao CHS, também tal não resulta dos autos.
Na verdade, a dependência do S............ da eficiência dos seus associados concretiza-se perante um universo de entidades múltiplo e de natureza díspar sendo que não se pode afirmar que o S............ "desenvolva o essencial da sua actividade em benefício directo ou por conta daquela [entidade adjudicante]" o que se traduz na "dependência económica-jurídica".
Acontece que a prova da verificação cumulativa dos requisitos previstos no artigo 5º, nº2, alíneas a) e b) do CCP, por se tratar de regime de excepção à regra geral da contratação pública incumbe às entidades beneficiárias. Igualmente, em razão de tal excepcionalidade, os requisitos devem ser objecto de interpretação restrita.
Em consequência, não resultando dos autos a demonstração da verificação de tais requisitos, não se pode considerar que a celebração do Protocolo se integre no regime de exclusão da aplicação da parte II do CCP, devendo assumir-se que se lhe aplicam as regras da contratação pública.
Na verdade, não resulta dos autos que o Protocolo se integre no domínio da auto-satisfação de interesses a que os associados podem preferir recorrer, no uso dos seus poderes de gestão, em alternativa à aquisição externa dos bens e serviços necessários ao desenvolvimento da sua actividade.
Deste modo, apenas podemos concluir que há que salvaguardar os princípios da concorrência e da imparcialidade, tendo em vista garantir a igualdade de tratamento dos operadores que pretendam contratar com a Administração que, no caso concreto, não devem ser afastados.
Apreciada a questão na presente acção principal vem esta fundamentar conclusão diversa da resultante da análise sumária efectuada no âmbito da tutela cautelar.
Importa pois concluir, que não ficou demonstrado, na presente acção, a existência dos requisitos previstos no artigo 5º, nº 2, alíneas a) e b) para a exclusão da parte II do CCP do Protocolo de fornecimento de serviços celebrado com o S.............
O Protocolo em causa constitui um contrato público de aquisição de serviços.
Sendo assim, a celebração do Protocolo é ilegal, por dever conformar-se com as regras da contratação pública, o que não aconteceu.
Em conformidade e como foi decidido no Acórdão do Tribunal de Contas que negou o visto ao Protocolo em causa, sendo contrato celebrado por um Hospital EPE, de valor superior ao referido na alínea b) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE [preço anual de € 1.295.289,00 – total pelo período de cinco anos de € 6.476.455,00], previsto na alínea b) do nº 3 do artigo 5º do CCP, é-lhe aplicável o Código dos Contratos Públicos, incluindo a parte II, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº 2, 2º, nº 2, alínea a) e 5º, nº 3, alínea b) do referido Código.
Nos termos do artigo 20º, nº 1, alínea b) do CCP, o contrato deveria ter sido precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, com publicação dos respectivos anúncios no Jornal Oficial da União Europeia.
A ausência de procedimento concursal determina a falta de um elemento essencial da adjudicação o que determina a respectiva nulidade [cfr. artigo 133º, nº 1 do CPA], determinando a nulidade do Protocolo de acordo com o artigo 283º, nº 1 do CCP.
Não obstante o acima referido, não se pode condenar a entidade demandada à abertura de novo procedimento como vem pedido porquanto a oportunidade e conveniência de tal decisão integra o poder discricionário da Administração.
Em conclusão e prejudicadas demais considerações, a presente acção deve ser julgada parcialmente procedente por provada e deve ser declarada nula a adjudicação efectuada pelo CHS ao S............ pela falta de elemento essencial, ou seja, pela falta de procedimento para a formação de contrato legalmente previsto, bem como deve ser declarada nula a celebração do Protocolo nº DCS/2498/01/2011, com as consequências legais”.
É contra este entendimento que o CHS e o S............ se insurgem.
Vejamos se com razão.
A questão de saber se os Estados Membros estão ou não sujeitos às exigências pré-contratuais das normas comunitárias e nacionais, quando uma entidade pública adquire bens ou serviços a outro ente público sob o seu controlo tem vindo a ser objecto de apreciação pelo TJCE desde os anos 90 do séc. XX.
Desde essa altura que a jurisprudência do TJCE tem vindo a construir o conceito da contratação “in house”, partindo dos princípios enformadores do direito comunitário e, em particular, dos textos das Directivas 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, e 93/36/CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993.
Como refere Cláudia Viana, até à publicação das Directivas de 2004, a celebração de contratos, entre entidades adjudicantes e entes públicos, apenas era objecto de regulação na Directiva 92/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho, que prescrevia no seu artigo 1º, alínea c) que “os prestadores de serviços são qualquer pessoa singular ou colectiva, incluindo organismos de direito público, que ofereçam serviços” [vd. Contratos Públicos “in house” – em especial, as relações contratuais entre municípios e empresas municipais e intermunicipais, Revista de Direito Regional e Local, nº 0, pág. 34]. No mesmo sentido, o nº 6 do artigo 1º da Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho, admitia que o prestador de serviços podia ser uma entidade adjudicante.
Foi, porém, no Acórdão Teckal, de 18 de Novembro de 1999 [no qual o Tribunale amministrativo regionale per l’Emília Romagna solicitou ao Tribunal de Justiça que, a título de reenvio prejudicial, se pronunciasse sobre a possibilidade de um contrato de fornecimento ser atribuído directamente pelo Conselho Municipal de Vianno a um agrupamento de municípios de Régio Emília, constituído para assegurar a gestão de serviços de energia e do ambiente, dotado de personalidade jurídica e com autonomia de gestão], que o TJCE sintetizou pela primeira vez as condições que teriam que se verificar para que um contrato deste tipo se pudesse considerar excepcionado das regras da contratação pública.
Aí se considerou que se verificaria uma relação “in house” sempre que, simultaneamente, a entidade adjudicante exerça sobre o adjudicatário um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e de essa entidade realizar o essencial da sua actividade com a entidade adjudicante que a controla.
Em tais casos, a dependência do co-contratante em relação à entidade adjudicante caracterizar-se-ia por ser, ao mesmo tempo, estrutural, através do controlo, e funcional, através da inexistência de uma liberdade de actuação [cfr., neste sentido, P. Flamme, M. Flamme, C. Dardenne, “Les marchés publiques européens et belges – L´ irresistible européanisation du droit de la commande publique”, a págs. 29 e segs.].
Assim, desde que verificados os requisitos da contratação “in house”, não haveria lugar à aplicação das regras gerais da contratação pública, pois, na realidade, tudo se processava no âmbito de uma “relação interna” de fornecimento e satisfação de necessidades da própria entidade adjudicante, em que o co-contratante era visto como uma “longa manus” desta mesma entidade, não obstante se estar perante pessoas juridicamente distintas.
De acordo com o que hoje se dispõe no artigo 5º, nº 2 do CCP, a qualificação de uma relação contratual como “in house”, determinante da não aplicação da Parte II do Código dos Contratos Públicos, depende da verificação cumulativa de dois requisitos:
a) A existência de controlo análogo, ou seja, o controlo [dependência estrutural e controlo efectivo] exercido pela entidade adjudicante sobre a entidade com a qual pretende celebrar o contrato, o qual deve ser análogo àquele que a entidade adjudicante exerce sobre os seus próprios serviços;
b) E que o essencial da actividade exercida pela adjudicatária o seja em proveito da entidade adjudicante: a entidade com a qual é celebrado o contrato deve realizar a parte substancial da sua actividade em benefício da entidade adjudicante.
Porém, os dois aludidos requisitos constantes das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do CCP, e designadamente o constante da alínea b), não são de fácil interpretação e verificação, já que integram conceitos vagos e indeterminados, cujo sentido e alcance se revela, por vezes, difícil de apreender.
Com efeito, nem sempre é fácil apurar em concreto a existência de um controlo análogo ao que a entidade adjudicante exerce sobre os seus próprios serviços, nem qualificar, seja no plano quantitativo, seja no qualitativo, quando é que o essencial da actividade da entidade adjudicatária é realizado em proveito da entidade adjudicante.
Neste particular, a jurisprudência do TJCE também veio ajudar na concretização desta tarefa de interpretação.
Com a publicação dos acórdãos “Stadt Halle”, de 11 de Janeiro de 2005, e “Parking Brixen”, de 13 de Outubro de 2005, começou a formar-se uma primeira e importante ideia para balizar a referida tarefa interpretativa.
Assim, constituindo a contratação “in house” uma excepção às regras gerais do direito comunitário, as duas condições ou requisitos que acima se deixaram enunciadas devem ser objecto de uma interpretação restritiva, recaindo sobre aquele que as invoca, o ónus da prova de que existem efectivamente circunstâncias excepcionais que justificam a derrogação das ditas regras gerais [cfr. ponto 46. do Acórdão Stadt Halle e RPL Lochau – Processo nº C-26/03 – e o ponto 63. do Acórdão Parking Brixen – Processo nº C-458/03; e, na doutrina, Bernardo Azevedo, in “Estudos de Contratação Pública – Tomo I”, Coimbra Editora, 2008, a págs. 125 e 126, para quem a interpretação restritiva dos dois requisitos, é reclamada consistentemente pelos Acórdãos Stadt Halle e RPL Lochau e Parking Brixen, em razão do seu carácter excepcional e derrogatório dos princípios gerais do Tratado, em matéria de concorrência, com especial saliência para as regras que valem em sede de contratação pública, e seguida, igualmente, pela doutrina; e também Pedro Gonçalves, Regime Jurídico das Empresas Municipais, a págs. 180].
Deste modo, e antes de mais, importa determinar em que consistem os dois requisitos atrás referidos, começando por analisar o previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 5º do CCP, ou seja, o exercício de “controlo análogo” por parte da entidade adjudicante.
Na expressão de R. Perin/D. Casalini [L’in house providing: un’impresa dimezzata, Dirito Amministrativo, 2006, citados por Bernardo Azevedo, in “Estudos de Contratação Pública – Tomo I”, Coimbra Editora, 2008] para que se possa concluir por uma relação de controlo análogo entre a Administração adjudicante e uma qualquer entidade dela distinta, sob o plano formal, é mister que, à primeira caiba um “penetrante poder de indirizzo” ou, segundo Riccardo Ursi [igualmente citado por Bernardo Azevedo, no estudo referido] um “adstringente poder de direcção” sobre a actividade da entidade sujeita ao seu poder de controlo [organização “in house”], um poder que lhe permita exercer uma influência determinante [e não apenas dominante], sobre os objectivos estratégicos e as decisões vitais, a tomar pela organização “in house”.
Ora, como se viu, o S............ – como decorre dos respectivos estatutos, cfr. artigo 2º – “é uma associação sem fins lucrativos que tem por finalidade a realização de uma missão de serviço público, contribuindo para a concretização da política de saúde e, em particular, para a eficácia e eficiência do sistema de Saúde Português”, constituindo “um instrumento de auto-satisfação das necessidades dos seus associados, encontrando-se para o efeito obrigado a tomar a seu cargo as iniciativas susceptíveis de contribuir para o funcionamento mais ágil e eficiente, libertando-os para a plena dedicação à prestação de cuidados de saúde aos utentes e proporcionando-lhes ganhos de escala”.
Por outro lado, como decorre dos artigos 7º e 8º dos respectivos estatutos, “podem ser associados do S............ as entidades pertencentes ao sector público e social que prestem cuidados de saúde ou desenvolvam outras actividades relacionadas com a promoção e a protecção da saúde, incluindo os serviços e instituições do Ministério da Saúde ou integrados no Serviço Nacional de Saúde, bem como de outros ministérios”, devendo o “S............ assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que integrem e estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da Saúde” [cfr. artigo 7º], constituindo “direitos dos associados, através da sua participação na Assembleia Geral e da sua posição maioritária na composição do Conselho de Administração, exercer sobre a gestão do S............, estratégica e corrente, um controlo análogo ao que detêm sobre as suas próprias instituições, designadamente as estratégias da prestação de serviços e da respectiva contrapartida remuneratória” [cfr. artigo 8º, nº 1 dos estatutos].
Porém, a possibilidade de serem associados entidades pertencentes ao sector social e, portanto, não públicas, o dever que passou a impender sobre o S............ de assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde, e a afirmação estatutária de que assiste aos associados o direito de exercer sobre a gestão estratégica e corrente do S............ um controlo análogo ao que detêm sobre as suas próprias instituições, constituirão fundamento suficiente para se poder considerar que o protocolo celebrado entre o CHS e o S............ – e em geral as relações contratuais estabelecidas entre o S............ e os seus associados – se enquadra no regime da contratação “in house”?
O acórdão do Tribunal de Contas nº 70/2001, de 28 de Novembro, que recusou o visto ao Protocolo referido no ponto xiv. da matéria de facto assente, teceu, a propósito da não verificação do requisito previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 5º do CCP, as seguintes considerações, com as quais se concorda inteiramente:
[…]
O S............ […] tem como associados 88 entidades públicas e particulares, sendo estas 23 instituições particulares de solidariedade social: 20 irmandades e santas casas da misericórdia, a União das Misericórdias Portuguesas, a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré e a Fundação Aurélio Amaro Diniz, sendo que estas últimas [IPSS], nos termos da doutrina e jurisprudência dominantes, são pessoas colectivas de direito privado, com autonomia, não administradas pelo Estado.
Relembre-se, mais uma vez, que a construção da teoria das relações internas [ou in house] arrancou da constatação de que a contratação inter-administrativa justificava um regime especial, na medida em que as entidades públicas podem auto-organizar-se para a satisfação das suas necessidades. Foi perante essa constatação que inicialmente foi admitido, por alguns sectores doutrinários, que a contratação entre entidades públicas poderia não ser submetida às regras da contratação pública. Mas a essa abordagem inicial, como já se viu, sucedeu-se outra com maior exigência, visando simultaneamente a observância alargada do princípio da concorrência, mas igualmente uma melhor satisfação dos interesses públicos.
Ora, se essas exigências surgiram para sujeitar, em regra, a contratação entre instituições públicas aos princípios e regras da contratação pública, como já se disse, mais sentido faz ainda sujeitar a tais princípios e regras, a contratação entre uma entidade pública (o CHS) e uma entidade não pública, como é o S.............
E quando esta – uma pessoa colectiva de direito privado, como acima se viu – tem como associados, em número não despiciendo – note-se: mais de um quarto – entidades não públicas, aquelas exigências não podem aligeirar-se, sob pena de incoerência na aplicação do direito. Deve pois manter-se uma interpretação estrita do direito aplicável.
É verdade que, em rigor, não se trata de entidades privadas. Mas manda a objectividade reconhecer que não sendo privadas, e embora podendo alegar-se que prosseguem interesses públicos, também não são públicas.
Ora, como se pode invocar que o controlo exercido pela CHS [obviamente em conjunto com as demais entidades adjudicantes] sobre o S............ é análogo ao que exerce sobre os próprios serviços, quando o S............ não só é uma pessoa colectiva de direito privado [o que não seria por si impeditivo, embora constituísse uma circunstância pertinente a considerar], como tem como associados um número relevante de entidades não públicas que notoriamente escapam aos controlos públicos.
Relembre-se que na contratação interna, a entidade adjudicatária deve poder ser considerada uma “estrutura de gestão interna de um serviço público” ou materialmente um prolongamento administrativo da entidade adjudicante. Pode considerar-se o S............, com 23 associados não públicos – com larguíssima autonomia legalmente consagrada, a maior parte dos quais erguidos no âmbito da ordem canónica, com reflexo na ordem jurídica – como uma estrutura de gestão interna do CHS e das demais entidades públicas associadas?
Ora, parece evidente que na relação entre as entidades públicas e o S............ aquelas não podem comportar-se relativamente a este como se de uma estrutura interna se tratasse. A condução dos destinos do S............ e a sua gestão – face aos próprios poderes que resultam dos estatutos – não poderão ignorar a participação de um relevante número de instituições particulares de solidariedade social.
É verdade que foi consagrado nos estatutos o dever que passou a impender sobre o S............ de assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde.
Mas tendo em conta que a observância dos princípios e regras da contratação pública mesmo na contratação entre entidades públicas devem ser observados – a já muito referida contratação inter-administrativa – tal disposição leva-nos necessariamente a afirmar que o S............ é um mero prolongamento das estruturas das entidades públicas? Não parece. É que se fosse assim, qual o “papel” desempenhado no S............ pelas entidades particulares?
21. Tal “papel” não pode ser, nem é, despiciendo. Sintoma disso é o facto de no Conselho de Administração do S............ ter assento a União das Misericórdias Portuguesas, como se assinalou na matéria de facto.
Pergunta-se: o CHS e as demais entidades sujeitas aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde relacionam-se com o S............ como se este fosse um seu prolongamento administrativo, quando no Conselho de Administração tem assento uma entidade não sujeita àqueles poderes? Não seria lógico dar-se uma resposta afirmativa a esta pergunta.
22. Mas voltemos à nova orientação constante dos estatutos de que sobre o S............ passou a impender o dever de assegurar que a maioria dos direitos de voto pertença a associados que estejam sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde. Tal disposição, pretendendo colocar em minoria na Assembleia Geral os associados do S............ que pertencem ao sector social da economia, permite considerar definitivamente que, assim, os associados que são entidades adjudicantes exercem um controlo análogo sobre o S............ como o fazem sobre os seus próprios serviços?
Relembrando que devemos fazer uma interpretação estrita das excepções consagradas na lei à observância dos procedimentos que salvaguardam os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, a resposta àquela pergunta deve ser: não.
É que, naquela matéria, muito depende da dinâmica concreta de funcionamento das assembleias gerais – das concretas presenças verificadas em cada uma, por exemplo – e do tipo de maiorias exigidas para a decisão. Assim, por exemplo, a exigência estatutária de uma maioria de ¾ para aprovação de alteração dos estatutos, permite considerar que as entidades públicas adjudicantes que são associadas do S............ se relacionam com este, como se de um seu serviço se tratasse, quando para a constituição daquela maioria poderão ter de contar com a posição dos associados que são IPSS? A resposta é de novo: não. Isto é: há especificidades no relacionamento entre as entidades adjudicantes públicas e o S............ que não permitem obter-se a conclusão, numa interpretação estrita da lei, de que este pode ser considerado uma “estrutura de gestão interna de um serviço público”.
23. Deve referir-se que aquela norma estatutária de exigência de uma maioria de ¾ para alteração dos estatutos é bem compreensível numa entidade associativa. Aliás, tal disposição vai na linha de muitas das alegações feitas a propósito dos novos estatutos do S............: estes pretendem reforçar a natureza associativa do S.............
Crê-se que se caminhou nessa direcção, por forma a vincar as finalidades altruísticas e de auto-satisfação de necessidades que o S............ configurará.
O problema é que tal orientação, fragilizando a intervenção dos poderes do Estado, reforça o papel dos associados e, de entre estes, também, o dos associados que não são entidades adjudicantes públicas, prejudicando-se assim a verificação do requisito do controlo análogo, por aquelas que o são.
A conclusão de que efectivamente as entidades adjudicantes públicas não podem exercer um controlo análogo sobre o S............, quando este tem como associados instituições do sector social, é alterada pela disposição estatutária de que “[s]ão direitos dos associados através da sua participação na Assembleia Geral e da sua posição maioritária na composição do Conselho de Administração, exercer sobre a gestão do S............, estratégica e corrente, um controlo análogo ao que detêm sobre as suas próprias Instituições”?
Não parece. Porque se trata de uma proclamação claramente feita por forma a se alegar que se verifica o pressuposto legalmente fixado na alínea a) do nº do 2 do artigo 5º do CCP. Ora, a verificação deste pressuposto deve resultar da análise de muitas circunstâncias [parte da qual já se fez] e não da aceitação indiscutida de uma disposição estatutária.
Aliás, seguindo à letra o que a disposição diz, dela resulta o seguinte: que tanto as entidades públicas como as particulares exercem sobre o S............ um controlo análogo ao que exercem sobre os seus próprios serviços. Tendo tais instituições tão diferente natureza pode tal situação – simultâneo controlo análogo – ocorrer? Não parece que possa.
25. Em conclusão: a natureza dos associados do S............ – entidades públicas e não públicas, em particular as santas casas da misericórdia, canonicamente erectas e com a autonomia que legalmente lhes está reconhecida – não milita a favor de se considerar que as relações entre CHS e o S............ sejam análogas à que aquele estabelece com os seus serviços. Assim, o facto de o S............ ser uma associação privada com associados com larga autonomia e independência face aos poderes públicos é indício de que se não pode considerar que as entidades adjudicantes públicas tenham sobre o S............ um controlo análogo ao que têm sobre os seus próprios serviços.
[…]
27. Note-se friamente: o S............ tem 88 associados, dos quais 65 são entidades adjudicantes públicas.
Face aos pressupostos legais da contratação “in house” e à doutrina e jurisprudência que sobre ela tem sido desenvolvida, podemos considerar que de facto – não só de direito – aquelas 65 entidades, através dos poderes que detêm na Assembleia Geral, exercem efectivamente sobre o S............, um controlo análogo ao que exercem sobre os seus serviços?
Poderemos de facto afirmar que o S............ é uma entidade que funciona como um prolongamento administrativo daquelas 65 entidades?
Vejamos.
28. Como acima se viu nas alíneas ii) a mm) do nº 2, o S............ é uma grande organização de natureza empresarial:
a) Com um volume de vendas previsto na ordem de 90 milhões de euros;
b) Com um negócio que envolve variadas e complexas áreas de actividade;
c) Com indicadores de actividade muito impressivos [vide a alínea ll) do nº 2];
d) Com mais de 3300 trabalhadores;
e) Participando em dois agrupamentos complementares de empresas e em duas sociedades comerciais, nas percentagens indicadas e com actividades cuja natureza confirma a complexidade empresarial da organização S.............
29. É aceitável considerar-se que uma organização com esta dimensão possa ser tida como uma “estrutura de gestão interna de um serviço público”, como um “prolongamento administrativo” das entidades adjudicantes associadas?
A esta pergunta responder-se-ia: sim, porque os associados, mediante a sua participação na Assembleia Geral, têm os poderes, nomeadamente, de apreciar e aprovar os planos estratégicos e de acção bem como o orçamento anual do S............, de apreciar e aprovar o relatório de actividades e contas do exercício do ano económico anterior, de apreciar e aprovar a estratégia de prestação de serviços e a respectiva contrapartida remuneratória, de acompanhar e controlar a gestão do S............, quer estratégica quer corrente, de deliberar sobre alterações aos estatutos e sobre a admissão de novos associados e o cancelamento de inscrições.
A esta resposta poderia contrapor-se: sim, é verdade que os estatutos assim o prevêem. Mas, deve igualmente relembrar-se que compete ao Conselho de Administração submeter anualmente à Assembleia Geral o plano de actividades, o orçamento, o relatório e contas e a estratégia de prestação de serviços e a respectiva contrapartida remuneratória; propor à Assembleia Geral alterações aos estatutos e a admissão de novos associados e cancelamento de inscrições.
É natural que assim seja, dir-se-á. Sim, de facto, é natural que numa organização com a complexidade e a dimensão do S............ o poder de iniciativa nas matérias de maior relevo da gestão estratégica e corrente repousem no executivo da organização.
Mas esta constatação, vai ao arrepio de considerar o S............ como um mero prolongamento administrativo das entidades adjudicantes.
Pelo contrário: o S............ é uma organização de apreciável dimensão e complexidade que naturalmente vive de forma autónoma relativamente aos seus associados, estando destes dependente em algumas decisões fulcrais que o executivo – o Conselho de Administração – de facto, prepara.
[…]
Em conclusão: o S............ na sua concreta dimensão e na sua concreta dinâmica de funcionamento – com relevo para o papel desempenhado pelo Conselho de Administração – não pode considerar-se como um mero prolongamento das entidades públicas adjudicantes que dele são associadas.
O S............ é uma organização empresarial complexa que funciona com larga autonomia relativamente aos seus associados.
Entre o S............ e os seus associados não existe uma relação de dependência em que se elimina a autonomia de vontade daquele e permita considerar que os instrumentos contratuais celebrados não o foram com um terceiro.
O S............ não se subordina aos associados e a cada um dos associados: o S............ negoceia com os associados. E os instrumentos contratuais celebrados são um encontro de vontades autónomas.
Evidente sinal disso é o que o próprio CHS refere a propósito da prorrogação do protocolo e que se revela acertado, enquanto posição defensiva dos seus interesses: “[r]eitera-se, ainda, que o CHS não está vinculado a aceitar as condições propostas pelo S............, nem tão-pouco se prevê uma renovação automática do Protocolo por qualquer período” e “a decisão de renovação do Protocolo […] será precedida por uma aferição das condições susceptíveis de serem propostas pelos operadores económicos privados, apenas sendo renovado o Protocolo caso as condições então propostas pelo S............ forem substancialmente vantajosas para o CHS”.
32. Mas há um outro aspecto essencial a ter em conta em toda esta avaliação: a questão da observância de princípios.
Não percamos de vista que os procedimentos de contratação pública existem para salvaguardar a observância de princípios consagrados no direito interno [quer no plano constitucional, quer no do direito ordinário] e no direito comunitário.
As excepções legalmente consagradas à observância dos procedimentos de formação dos contratos – designadamente nas situações de contratação in house – fundam-se na constatação de que tal observância, nessas situações não está em causa.
E de entre esses princípios destacam-se os da igualdade, da imparcialidade e da concorrência, com consagração na Constituição e no CCP e no direito comunitário originário e derivado.
A excepção consagrada para a contratação in house – de dispensa de observância de procedimentos contratuais legalmente fixados – funda-se na constatação de que não sendo verdadeira contratação – ou sendo, numa abordagem substancial e não formal, uma “contratação interna” ou uma “contratação consigo mesmo” – não está em causa a observância daqueles princípios.
A obrigatoriedade de observância dos princípios mantém-se, simplesmente naquele caso a excepção não os belisca.
Por isso, entendeu o legislador fixar os pressupostos de aplicação da excepção. Por isso, a jurisprudência advoga que na sua aplicação se sigam critérios estritos de interpretação.
Já vimos que
· a natureza das instituições envolvidas na celebração do protocolo,
· a natureza das entidades que, como associados, participam na entidade adjudicatária do protocolo [o S............],
· a concreta dimensão e complexidade da entidade adjudicatária,
· os efectivos poderes de gestão estratégica e corrente da entidade adjudicatária se centram no seu órgão executivo [o Conselho de Administração],
não militam a favor de se considerar que se está no âmbito da contratação “in house”, por não se verificar o primeiro pressuposto legalmente fixado.
33. Mas embora as seguintes constatações não pesem, na economia do presente acórdão, para se retirarem conclusões, devemos observar ainda o seguinte: de entre os associados do S............, como vimos, contam-se 65 entidades do sistema público de saúde. De entre elas, contam-se as maiores unidades hospitalares do país: por exemplo, os Centros Hospitalares de Lisboa Central, de Lisboa Norte, de Lisboa Ocidental, de São João, o Centro Hospitalar do Porto, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, o Hospital Garcia de Horta, o Hospital Professor Doutor Fernando da Fonseca, os IPO de Lisboa e do Porto. Contam-se ainda todas as ARS, IP do país.
Admitir que a contratação estabelecida entre o S............ e todas estas entidades – e as demais – ainda que só nas áreas de actividade daquele, é uma mera contratação interna, é retirar parte significativa dos mercados públicos da área da saúde da observância dos princípios da igualdade, da transparência e da concorrência.
Ora, só com tal observância, nos termos constitucionais, legais e comunitários, é possível às administrações públicas obter as melhores propostas, aos melhores preços. Só com tal observância é possível que funcione um mercado concorrencial e respeitador de todos os operadores económicos.
E diga-se ainda: só com observância de tais princípios o próprio S............ poderá progredir, na procura das melhores soluções, em termos de economia, de eficácia e de eficiência.
34. Nesta linha atenda-se ainda ao seguinte: como se fixou na matéria de facto, o nº 3 do artigo 5º dos estatutos do S............ prevê que este “pode ainda, em regime de concorrência e de mercado, prestar serviços a entidades publicas não associadas ou entidades privadas, nacionais ou estrangeiras […]”, devendo tal actividade, nos termos do nº 4, “ter natureza acessória no contexto da actividade do S............ não devendo representar um volume de facturação superior a 20% do seu volume global anual de negócios apurados no exercício económico anterior […]”.
Se se admitir que a contratação realizada entre o S............ e as entidades adjudicantes associadas é contratação interna, e portanto não sujeita aos procedimentos concorrenciais de contratação, conduzir-se-ia a uma situação em que o S............ pode, à partida, contar com um segmento muito significativo dos mercados públicos de saúde – o correspondente ao dos seus associados que, como se viu, são dos mais relevantes no país – em que sem concorrência se desenvolve e, por essa via, obter vantagens muito apreciáveis, quando por via daquela disposição estatutária, concorre com outros operadores económicos para a produção de bens ou prestação de serviços noutros segmentos.
Admitir-se esta situação era também permitir-se uma nova distorção no funcionamento equilibrados dos mercados públicos.
35. Diga-se a propósito que as alegações feitas a propósito das vantagens da contratação directa com o S............ feitas pelo CHS e que acima se retomaram, só se poderiam confirmar se as concretas propostas do S............ fossem avaliadas em regime de concorrência. Noutra situação, trata-se de mera suposição que precisa de ser demonstrada”.
Como se referiu no recente acórdão do TJUE, proferido no processo C-480/06 [Comissão vs. República Federal da Alemanha], pode admitir-se que as autoridades públicas prossigam as suas missões de serviço público com base em instrumentos organizativos de natureza cooperativa, sem submissão às regras da contratação pública, mas “desde que a realização desta cooperação seja regida unicamente por considerações e exigências próprias à prossecução de objectivos de interesse público e que o princípio da igualdade de tratamento dos interessados consagrado na Directiva […] seja garantido”.
Não sendo esse o caso, e pese embora os actuais estatutos do S............, a respectiva alteração não garante a subordinação exclusiva da sua gestão a objectivos de interesse público e a contratação directa do S............ pelos seus associados nem sempre conduzirá à mera partilha e utilização de serviços comuns, num modelo de auto-satisfação, como sustentam os recorrentes.
Improcedem, deste modo, todas as conclusões das alegações dos recorrentes CHS e S.............
Donde, e em consequência, podemos extrair as seguintes conclusões:
i. Estabelecendo o protocolo celebrado entre o CHS e o S............ um contrato público de aquisição de serviços, efectuado após a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, e celebrado por entidade que reveste a forma de Entidade Pública Empresarial [o Centro Hospitalar de Setúbal], e de valor superior ao referido na alínea b) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE48, o mesmo não está abrangido por qualquer excepção à aplicação do regime da contratação pública, pelo que lhe é inteiramente aplicável o Código dos Contratos Públicos, mormente a sua parte II, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº 2, 2º, nº 2, alínea a), e 5º, nº 3, alínea b), do referido Código.
ii. Assim, de acordo com o estipulado no artigo 20º, nº 1, alínea b) do CCP, o protocolo/contrato em causa deveria ter sido precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, com publicação dos respectivos anúncios no Jornal Oficial da União Europeia.
iii. Deste modo, não tendo sido realizado nenhum destes procedimentos, resulta do citado normativo que o protocolo/contrato não podia ter sido celebrado, pelo que a ausência do concurso, obrigatório no caso, implica a falta de um elemento essencial da adjudicação, o que determina a respectiva nulidade, nos termos do artigo 133º, nº 1 do CPA, originando também a nulidade do contrato, nos termos do estabelecido no artigo 283º, nº 1 do CCP, tal como concluiu a decisão recorrida.
IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul em negar provimento aos recursos interpostos pelo CHS e pelo S............, confirmando deste modo a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
Lisboa, 26 de Abril de 2012
[Rui Belfo Pereira – Relator]
[Paulo Gouveia]
[António Coelho da Cunha]

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