quinta-feira, 3 de maio de 2012

ENCERRAMENTO DO PROCEDIMENTO CONCURSAL - IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE - Nº 5 DO ART. 102º CPTA


Proc. Nº 8634/12   TCAS   26 de Abril de 2012-05-03

1.A adjudicação é um ato legalmente devido – arts. 76º-1, 79º-1 e 80º CCP -, e é um ato constitutivo de direitos, ainda que à mesma se sigam outros atos antes da celebração do contrato. Pelo que só pode ser revogada por ilegalidade e no prazo legal (arts. 140º, 141º e 145º CPA).
2. Um contrato público sujeito a visto prévio do T. Contas não deve ser celebrado se tal visto for recusado, pois a recusa do visto implica a ineficácia jurídica do contrato.
3. A decisão de “encerrar o procedimento” é uma revogação da decisão de adjudicar, pois que se destinou a extinguir os efeitos do ato de adjudicar, baseada na ilegalidade detetada pelo T. Contas. Também revogou a decisão inicial de contratar, a qual é pressuposto básico da validade do procedimento e do contrato a celebrar.
4. Coloca-se, assim, a questão da impossibilidade superveniente da lide.
5. Como o A. porque o A pede licitamente, além da anulação da adjudicação, a sua readmissão ao concurso, a exclusão do concorrente vencedor e a adjudicação do contrato a ele mesmo, com base no critério do preço mais baixo, se obtiver vencimento em todas as suas pretensões neste processo especial urgente e sendo válido, como parece ser, este ato revogatório novo, o A poderá ser indemnizado em consequência do ato revogatório nos termos céleres previstos no nº 5 do art. 102º CPTA. Este ato revogatório, havendo procedência de todas as pretensões aqui deduzidas, terá trazido à satisfação dos interesses do autor a impossibilidade absoluta de que fala aquela norma.
6. Não há, assim, impossibilidade superveniente da lide

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:
I.RELATÓRIO
I.1.
· AGRUPAMENTO ……………………, LDA, e B…………….. ………………, SA (concorrente nº 1), com os sinais dos autos, intentou no T.A.C. de PONTA DELGADA acção administrativa especial de contencioso pré-contratual contra
· MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA, e
· (C-I) E…………— ………, SA (concorrente nº 2),
· (C-I) AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO POR ……, ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, LDA, AUTO …………… ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, LDA, e V………….& Ca, LDA (concorrente nº 3),
pedindo o seguinte:
a) Anulação do acto de adjudicação através do qual o Réu aceitou a proposta do concorrente n°3 (“Agrupamento ……………”), por este ser ilegal e violar o núcleo essencial dos princípios da contratação pública, a saber, o princípio da concorrência, da igualdade, da transparência, da intangibilidade das propostas e da auto-vinculação;
b) Caso já tenha sido celebrado o contrato, deverá ainda o Tribunal decretar a anulação do mesmo e bem assim de todos os novos actos que tenham sido praticados no procedimento após a ilegal adjudicação ao Concorrente n°3;
c) Ordenar-se ao Réu a readmissão do Concorrente n°1, por a sua exclusão ser ilegal, devendo o Réu proferir novo acto de adjudicação aceitando este Concorrente n°1 (ora A), por apresentar a melhor proposta a concurso, isto é, a proposta com o mais baixo preço;
d) Caso assim não se entenda, ser ordenada a exclusão do Concorrente n°3 por a proposta por este apresentada violar as peças procedimentais e o CCP nos termos acima expendidos;
e) Deverá ainda o Tribunal condenar o Réu a praticar todos os demais actos necessários à reposição da legalidade e em consequência da decisão do Tribunal, seguindo-se os ulteriores termos até final.”
Após os articulados, por despacho de 16-1-12, o referido tribunal decidiu julgar a acção extinta por impossibilidade superveniente da presente lide:
“Face à revogação do acto impugnado e do procedimento em que o mesmo foi tomado, ocorre impossibilidade superveniente da presente lide, por falta de objecto, causa de extinção da instância, como preceituado no artigo 287°, alínea e), do CPC, ex vi artigo 1° do CPTA”.
I.2.
Inconformado, o autor recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul contra tal decisão, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:
I. A decisão proferida pelo Tribunal a quo que julga extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide por falta de objecto - constitui uma decisão surpresa, violadora dos princípios do contraditório e da igualdade das partes no processo, conforme consta dos artigos 3.0 n° 3 e artigo 3.°-A do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 1.0 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na medida em que o Tribunal não permitiu ao Autor pronunciar-se, no prazo legal, sobre a requerida inutilidade.
II. O Tribunal qualifica juridicamente como revogação do procedimento concursal a decisão de encerramento do procedimento, o que constitui errada qualificação jurídica do acto jurídico praticado, sendo que quer no caso de revogação quer no caso de acto de encerramento do procedimento, ambos são ilegais à luz da lei.
III. A decisão tomada pelo Tribunal a quo constitui ainda uma violação da tutela jurisdicional efectiva dos direitos do Autor, que tinha direito a obter uma decisão de mérito (consagrado, desde logo, no artigo 20.0 da Constituição da República Portuguesa), uma vez que, sendo o critério de adjudicação escolhido pela entidade adjudicante "o do mais baixo preço", não se apresentavam espaços próprios de discricionariedade administrativa ou de margem de livre apreciação sobre as qualidades da proposta e, por isso, era admissível, em via de declaração de nulidade dos actos subsequentes ou por via da cumulação de pedidos de anulação do acto ambivalente (positivo) e de condenação na reintegração do autor no concurso a condenar a entidade administrativa no acto de adjudicação devido - cfr. arts. 40 n 1 e 2 c) e 470 no 2 a), 660 e 670 CPTA - ao Concorrente que apresente a proposta com o mais baixo preço.
IV. O Tribunal a quo ignorou que o Autor, não obstante o acto de "encerramento do procedimento", mantinha interesse na anulação do acto pré-contratual ilegal e na sua reintegração no concurso, na medida em que a declaração de ilegalidade iria constituir (i) o Autor no direito a ser-lhe adjudicado o Concurso; ou constituiria (ii) mais uma circunstância agravante para a acção de indemnização a propor contra a Entidade Adjudicante.
V. Nos termos da lei, existe uma obrigação de adjudicação por parte das Entidades Adjudicantes uma vez tomada a decisão de contratar [artigo 76. do Código dos Contratos Públicos (CCP)], sendo apenas admissível «não adjudicar» nos casos expressamente previstos no artigo 79.0 do CCP e sendo apenas possível «revogar» a decisão de contratar nos casos previstos no artigo 80. do mesmo diploma legal, inexistindo qualquer norma que admita decidir por "encerrar o procedimento do concurso público internacional", logo este acto administrativo de "encerrar o concurso" é ilegal.
VI. O que se exige à entidade adjudicante é que respeite as "as regras do jogo" de maneira a não favorecer ou prejudicar um dos concorrentes face ao outro, aplicando as normas e os critérios do procedimento objectivante, tal como foram inicialmente definidos e sem olhar a quem. (in Mário Esteves de Oliveira). Ora, o que já resultava evidente para todos foi esta semana clarificado pela Exma. Senhora Dra. ……………. Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, que afirmou publicamente que "uma das grandes preocupações da Câmara Municipal é dar as obras disponíveis, comparticipadas por fundos comunitários, às empresas de construção civil açorianas, com o objectivo, segundo referiu, de ajudar as empresas açorianas a ultrapassar as dificuldades financeiras com que se defrontam actualmente devido à crise" (vide por todos, afirmações publicas nos jornais on line na internet), sendo evidente que nenhuma empresa do Continente poderá ganhar um concurso público internacional lançado pela Edilidade, o que é, no mínimo, ilegal.
VII. Anulado o acto de adjudicação do contrato ao Agrupamento constituído pelas empresas C………. e P………., Lda., Auto ……………………, Lda. e V………. & Ca., Lda., é nulo, e não anulável, ex vi da alínea i) do n.° 2 do artigo 133.° do Código de Procedimento Administrativo, o acto subsequente de "encerrar o procedimento".
VIII. A exclusão do Concorrente n.° 1 com fundamento na impossibilidade de avaliação da proposta em virtude da forma de apresentação do preço - alínea e) do n.° 2 do artigo 12. do Programa de Concurso, na alínea c) do n.° 2 do artigo 70. e alínea o) do n.° 2 do artigo 146.0, ambos do CCP -, por a nota justificativa do preço não discriminar as rubricas tal como referido no Programa de Concurso, é ilegal e não determina a "exclusão da proposta com fundamento na falta de apresentação de um documento de apresentação obrigatória, nos termos do n°1 do artigo 570 do CCP e da al. j) do n°1 do artigo 80 do Programa de Concurso.
IX. O atributo preço da proposta do autor apresenta-se claro para a totalidade das prestações colocadas a concurso.
X. O júri do Concurso ficciona, de forma a atingir o seu ilegal objectivo, que a nota justificativa do preço por não conter todos, sem excepção, os elementos discriminativos elencados na al. j) do n°8 do Programa de concurso, deve considerar-se como não tendo sido apresentada, como não existindo nota justificativa.
XI. O júri do concurso ficciona um erro de cálculo e atreve-se a corrigi-lo oficiosamente. Como se de um mero erro de cálculo matemático se tratasse. Erro esse que não existe, e retificação essa não pretendida nem aceite pelo Concorrente e que apenas serve os propósitos de exclusão do Concorrente n°1, violando o princípio da imutabilidade das propostas e tornando este procedimento numa mascarada sem rei nem roque.
XII. A nota justificativa do preço proposto revela que os custos com os meios de reserva foram incluídos no «preço global por linha", sendo fácil de compreender o quadro elaborado pelo Concorrente n°1, tal como se explica na petição inicial nos n°s. 161.° a 214.0 da mesma.
Nas contra-alegações, o recorrido MUNICÍPIO discordou do recorrente, sem conclusões.
Nas contra-alegações, o recorrido AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO POR C…………….., ………… E P……………., LDA, AUTO …………………, LDA, e V………………. & Ca, LDA conclui assim:
1) O Recorrente, Autor no processo acima identificado, interpôs recurso da Douta Sentença que declarou a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, em face da falta de objecto, nos termos do artigo 287.° alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 1.0 do OPTA.
2) O Recorrente veio pedir a revogação e substituição da Sentença por Acórdão que anulasse o acto de adjudicação ao ora Contra-Interessado, decidisse pela inutilidade superveniente na anulação do contrato celebrado entre a Entidade Adjudicante e o ora Contra-Interessado, declarasse nulos todos os actos praticados no processo concursal posteriores ao acto de adjudicação ilegal, incluindo o acto administrativo de encerramento do procedimento concursal, ordenasse a readmissão do Concorrente n.° 1, ora Recorrente, e que a ele adjudicasse o Contrato objecto do presente concurso público. Caso assim não se entendesse, pede a anulação da Sentença proferida pelo Tribunal a quo e a descida dos autos para prolação de decisão de mérito, devendo o Tribunal a quo pronunciar-se pela nulidade do acto de encerramento do concurso praticado pela Entidade na pendência do processo em primeira instância.
3) O Recorrente não tem razão e o seu pedido não pode proceder, tendo o Tribunal a quo decidido correctamente na Douta Sentença objecto do recurso a que agora se responde.
4) Como expressamente afirma a Douta Sentença recorrida, a impossibilidade superveniente verificou-se em virtude da revogação cio acto impugnado e do procedimento em que o mesmo foi tomado assim como da resolução do contrato entretanto celebrado, tendo a acção de contencioso pré-contratual instaurada pelo Autor, ora Recorrente, ficado sem objecto.
5) A adjudicação ao Contra-Interessado do contrato de prestação de serviços de transporte de passageiros realizou-se em perfeita conformidade com a lei, tendo sido celebrado o contrato a 21 de Setembro de 2011 -
6) Nos termos legalmente previstos, o Réu, ora Recorrido, submeteu o referido contrato à Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas, para efeitos de fiscalização prévia, tendo aquela Secção recusado a emissão de visto, com base em invalidades (originárias) apontadas ao próprio conteúdo das peças do procedimento pré-contratual aberto pelo Recorrido.
7) O Recorrido não recorreu da decisão de recusa de visto e deliberou encerrar o procedimento pré-contratual em causa, tendo ainda notificado o Contra-Interessado, Adjudicatário do procedimento em crise nos presentes autos, da recusa de visto do Tribunal de Contas, da consequente ineficácia do contrato celebrado e da respectiva resolução. O Recorrido deliberou, ainda, por unanimidade, a promoção dos procedimentos necessários para abrir novo concurso público internacional.
8) Nos termos do disposto nos artigos 100.° e 102.° n.° 4 do CPTA, a acção instaurada pelo Recorrente tem por objecto o acto administrativo de adjudicação ao Contra-interessado e o correspondente contrato entretanto celebrado.
9) Atendendo à decisão da Entidade Adjudicante de encerrar o procedimento pré-contratual e de resolver o contrato entretanto celebrado, a presente acção ficou sem objecto, assim se compreendendo a decisão do Tribunal a quo ao verificar a impossibilidade superveniente da lide, por falta de objecto, e determinar a consequente extinção da instância.
10) Não se entende, pois, o motivo pelo qual ainda é requerida a anulação do acto de adjudicação e a declaração de nulidade de todos os actos praticados no procedimento concursal posteriores ao acto de adjudicação, quando houve uma decisão de encerramento de tal procedimento que pressupõe a anulação do mesmo.
11) Por outro lado, não é admissível que o Recorrente venha pedir igualmente a declaração de nulidade do acto de encerramento do procedimento concursal na presente acção, por não se enquadrar no objecto da mesma, o qual deixou de existir.
12) Não se verificam os pressupostos da modificação objectiva da instância, consagrada no artigo 63.° do CPTA, na medida em que já não existe o procedimento em que se insere o acto impugnado, no qual possam ser praticados novos actos cuja validade dependa da existência ou validade do acto impugnado.
13) No que respeita ao mecanismo previsto no artigo 65.° do CPTA e invocado pelo Recorrente nas suas Alegações, também não tem aplicação, por se reportar a unia situação de revogação do acto impugnado sem efeitos retroactivos, o que não é o caso.
14) Muito embora a Entidade Adjudicante lhe tenha chamado acto de encerramento do procedimento, trata-se verdadeiramente de uma revogação do procedimento concursal e do acto de adjudicação, com efeitos retroactivos. Outra interpretação não é aceitável, tendo em conta a decisão daquela última de tomar as providências necessárias à promoção de um novo concurso público internacional, decisão essa que só faz sentido se partirmos do pressuposto de que o anterior concurso, o anterior acto de adjudicação e o contrato entretanto celebrado, já não existem.
15) Não há, assim, lugar à aplicação do artigo 65.° do CPTA, o qual respeita à revogação do acto impugnado sem efeitos retroactivos.
16) Antes seria aplicável o disposto no artigo 64.° do CPTA que respeita à revogação do acto impugnado cone efeitos retroactivos, sendo que o Recorrente poderia ter lançado mão do mecanismo previsto neste preceito Legal, no prazo nele estabelecido, que, no caso, não poderia deixar de ser um mês, por se tratar de um processo urgente, e que já se encontra ultrapassado.
17) Não procede a argumentação apresentada pelo Recorrente de que nunca poderia a Entidade Adjudicante decidir encerrar o procedimento do concurso por se tratar de um acto ilegal e por se encontrar pendente uma decisão do Tribunal Administrativo que tinha por objecto anular o acto de adjudicação, pois, a ser assim, nunca seria possível praticar posteriormente outros actos e, nomeadamente, actos de revogação do acto impugnado, perdendo, deste modo, sentido o disposto nos artigos 64.° e 65.° do CPTA. Acresce o facto de que, a seguir este entendimento, deixaria de haver lugar a situações de impossibilidade superveniente da lide, consagradas no artigo 287.° alínea e) do CPC.
18) Não estamos perante unia situação que se enquadre nos artigos 76.0, 79.° e 80.° do CCP, não se vislumbrando assim a ilegalidade do acto de encerramento do procedimento com base nos fundamentos acima invocados.
19) Não se chega a entender de que modo o Recorrente qualifica como consequente o acto de encerramento do procedimento, para efeitos de aplicação do artigo 133.0 n.° 2 alínea i) do CPA.
20) Embora, ao determinar o encerramento do procedimento concursal e a resolução do contrato, a Entidade Adjudicante não tenha procedido à revogação expressa do acto de adjudicação, tal não implica que essa revogação não tenha ocorrido. As revogações não têm de ser expressas. Seja pela via da revogação implícita, seja pelo conceito de acto contrário, não se pode deixar de entender que o acto praticado pela Entidade Adjudicaste tem efeitos revogatórios da decisão anterior.
21) Para que se respeite o princípio da materialidade subjacente, corolário do princípio da boa fé, aplicável à Administração Pública por força do artigo 266.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 6.°-A do Código de Procedimento Administrativo, torna-se imperioso interpretar a decisão de "encerrar o procedimento concursal" proferida pela Entidade Adjudicante como uma decisão de revogação do procedimento, incluindo o acto de adjudicação.
22) O que a Entidade Adjudicante fez não foi mais do que uma revogação, com eficácia retroactiva, do procedimento concursal e, naturalmente, do acto de adjudicação, tendo em seguida resolvido o contrato.
23) É inadmissível a afirmação do Recorrente, nas suas Alegações, de que se trata de uma '`decisão política" de encerrar o procedimento, seguido de outra de que se adjudicaria novo contrato ao Concorrente n.° 3, aqui Contra-Interessado. Pelo contrário, o que foi deliberado pela Entidade Adjudicante foi exactamente «a promoção dos procedimentos necessários para abrir novo concurso público internacional e garantir, no entretanto, a continuidade da prestação daqueles serviços, pelos procedimentos administrativos legais da contratação pública».
24) É inadmissível a insinuação proferida pelo Recorrente de conluio entre a Entidade Adjudicante e o Tribunal a quo, pois o Tribunal apenas entendeu que a acção deixara de ter objecto, não tendo qualquer objectivo de beneficiar aquela entidade.
25) Foi destruído o acto de adjudicação e o correspondente contrato celebrado com o Contra-Interessado, que foi indubitavelmente o maior lesado com a decisão da Entidade Adjudicante e, com esta decisão, foram alcançados alguns dos efeitos pretendidos pelo Recorrente.
26) A existência de um direito constitucionalmente consagrado de acesso aos tribunais e de deles obter uma decisão sobre a pretensão que lhes é dirigida não implica que, sempre que se recorra a tribunal com unia determinada pretensão, se chegue a obter «ma decisão de mérito.
27) Não se vê de que modo poderia o Tribunal a quo se ter pronunciado pelo mérito da causa, quando deixou de existir o objecto da acção instaurada, acrescendo o facto de não haver lugar à continuidade do processo nos termos do artigo 65.° do CPTA.
28) O Recorrente interpôs recurso da decisão de impossibilidade superveniente da lide, pelo que o que deverá estar em causa é a verificação dos pressupostos desta decisão.
29) Não compete ao Tribunal Central Administrativo proferir uma decisão de mérito, em substituição do Tribunal Administrativo de Círculo, anulando o acto de adjudicação, o qual já não existe, declarando nulos todos os demais actos, pedido que já não tem sentido, incluindo o de encerramento do procedimento.
30) O que o Recorrente pretende é alargar o objecto do processo, não através do mecanismo devido do artigo 64.° do OPTA, mas através de interposição de recurso para o Tribunal Central Administrativo, o que não se afigura juridicamente possível.
31) Vem, ainda, o Recorrente pedir que o Tribunal Central Administrativo condene a Entidade Adjudicante a readmiti-lo no concurso e, consequentemente, que seja ele o Adjudicatário, concurso esse que já não existe.
32) Não é possível pedir ao Tribunal ad quem que se substitua ao Tribunal a quo para emitir uma decisão de mérito que este último tribunal entendeu não ser devida.
33) O Recorrente não foi impedido de utilizar o mecanismo do artigo 64.° do CPTA, prazo legalmente previsto, para reagir perante um novo enquadramento fáctico. O que não é adequado é vir fazê-lo através de recurso para o Tribunal Central Administrativo
34) Não só não houve, assim, qualquer violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.° da CRP, como também não se colocou em causa o princípio do contraditório e da igualdade de armas implícito naquele direito.
35) Em face do desaparecimento do objecto da acção intentada, o Tribunal a quo não tinha de aguardar que o Recorrente se pronunciasse, caso o quisesse fazer, quando da situação resultava evidente que a acção deixara de ter objecto.
36) O Recorrente podia sempre instaurar uma nova acção de impugnação do acto de encerramento do procedimento, não se vendo de que modo os seus direitos e garantias foram postos em causa.
37) Quanto ao direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, consagrado constitucionalmente e no artigo 2.° do CPC, não se vê como este tenha sido posto em causa, pois o Recorrente obteve puna decisão pelo Tribunal em prazo razoável, não tendo sido uma decisão de mérito porque o Tribunal a quo entendeu que a ela não havia lugar, por se verificar unia causa de extinção da instância.
38) Já no que respeita ao enquadramento fáctico que o Recorrente apresenta nas suas Alegações. se não é intenção cio Recorrente questionar a legalidade do concurso e da adjudicação realizados em 2005, não parece que a referência aos mesmos apresente qualquer relevância jurídica para o caso sub iudice.
39) Quanto à alegada exigência de dimensões específicas dos veículos, por um lado não é verdade, pois só se impunha dimensões máximas e mínimas a serem respeitadas; por outro lado, tal não consubstanciava uma arbitrariedade da Entidade Adjudicante, mas antes resultava das características específicas da cidade de Ponta Delgada, onde iria decorrer o transporte de passageiros, e que exigia limitações à dimensão dos mesmos.
40) O Concorrente n.° 1, aqui Recorrente, apresenta uma vasta experiência no domínio do transporte de passageiros, tendo inclusivamente participado e sido o adjudicatário em concurso, com um enquadramento processual semelhante, para a prestação do serviço de transporte de passageiros para a Ilha das Flores.
41) O Júri do Concurso só se encontra obrigado a prestar esclarecimentos quanto às peças do procedimento e não em relação a qualquer assunto que os concorrentes se lembrem de questionar.
42) O Recorrente não chega a explicar, nem tão pouco a provar, o interesse que a Entidade Adjudicante teria em adjudicar o Contrato ao Contra-Interessado.
43) Entre a adjudicação e a assinatura do contrato decorre tempo suficiente para que o adjudicatário disponha dos veículos necessários, o que aliás foi objecto de declarações de compromisso emitida pelo próprio Concorrente n.° 1, ora Recorrente.
44) Os concorrentes estão submetidos ao disposto nas peças do concurso e aos esclarecimentos do Júri sobre as mesmas, não lhes competindo questionar da conveniência de tais exigências, noas é à Entidade Adjudicante que compete fazer tais juízos de conveniência e oportunidade, no exercício das suas funções administrativas.
45) Já no que respeita à exclusão do Recorrente, no Primeiro Relatório Preliminar, o Contra-Interessado pronunciou-se oportunamente, deixando claro que os Concorrentes deverão obedecer às exigências impostas pelas peças do procedimento, respeitando os requisitos por elas exigidos, ainda que meramente formais.
46) Não se encontrava o Contra-Interessado, então Concorrente n.° 3, obrigado a indicar o número de motoristas; se o Concorrente n.° 1 entendeu apresentar tal número, então seria legítimo que se questionasse sobre o consequente cumprimento da legislação laboral; finalmente, o Júri do Concurso poderá pedir os esclarecimentos que entender necessários, não competindo, mais uma vez, aos concorrentes questionarem a conveniência ou oportunidade dos mesmos.
47) As propostas de exclusão do Concorrente n.° 1 pelo Júri, no Segundo Relatório Preliminar e no Relatório Final, foram devidamente justificadas e objecto de pronúncia pelos concorrentes, nomeadamente pelo Recorrente e pelo ora Contra-Interessado, o qual teve a preocupação de apontar os motivos pelos quais o Concorrente n.° 1 deveria ser excluído.
48) De referir que a decisão da Entidade Adjudicante de "encerrar o procedimento" e resolver o contrato entretanto celebrado, satisfaz em parte as pretensões do Recorrente, pois destruiu a adjudicação ao Concorrente n.° 3, tendo sido este último o verdadeiro lesado.
49) Como já foi oportunamente referido pelo Contra-Interessado, em sede de Contestação à presente acção, e sem prejuízo de tudo o que nela foi afirmado, não houve qualquer ilegalidade na decisão de exclusão do Concorrente n.° 1, aqui Recorrente.
50) Para que haja adjudicação não basta ter o mais baixo preço, é necessário que a proposta obedeça a um conjunto de requisitos formais previsto no Programa de Procedimento, o que não acontece com a proposta do Concorrente n.° 1.
51) São procedentes as causas de exclusão do Concorrente n.° 1 constantes do Relatório Final e do Segundo Relatório Preliminar, assim como a causa de exclusão do Concorrente n.° 1 constante do Primeiro Relatório Preliminar.
52) Quanto ao facto de o Recorrente não ter discriminado os custos como lhe competia, basta ler com atenção o disposto no artigo 8.° n.° 1 al. j) do Programa do Procedimento, para se perceber que o que era exigível aos concorrentes era que, nas suas propostas, apresentassem uma Nota Justificativa do preço, discriminando todos os custos e componentes diversos inerentes à formação do preço, e que, pelo menos os que vêm referidos naquele preceito, deveriam ser indicados.
53) O Recorrente não discriminou os referidos custos, nem sequer os identificados naquele preceito do PP, tendo apresentado uma Nota Justificativa como entendia que devia fazer e não como lhe era exigido pelo PP.
54) Acresce que, o documento que o Recorrente apresentou como sendo unia Nota Justificativa do Preço levanta dúvidas quanto aos valores que dele constam, de tal modo que o Concorrente n.° 1 se viu na necessidade de tentar esclarecer as dúvidas surgidas.
55) Nos termos do artigo 8.°, n.° 1 al. j) do PP, o Concorrente n.° 1 estava obrigado a apresentar uma Nota Justificativa do preço, na qual incluísse os itens referidos neste preceito. Nos termos do disposto na ai. a) do n.° 2 do artigo 12.° do PP, a não apresentação daquele documento determina a exclusão da proposta. O Recorrente não apresentou a Nota Justificativa conforme lhe era exigido e, como tal, a sua proposta devia ter sido excluída.
56) Quanto ao facto de o Recorrente não ter contabilizado os meios de reserva na Nota Justificativa do Preço, também não colhem os argumentos por ele aduzidos.
57) Verificam-se incongruências que permitem confirmar que o Concorrente n.° 1, na Nota Justificativa do Preço, não contabilizou os Meios de Reserva.
58) O preço proposto pelo Recorrente para a prestação dos serviços não coincide com a soma de todas as parcelas indicadas na sua Nota Justificativa.
59) Se é certo que a declaração referente ao preço consta da declaração emitida conforme o Anexo 11 ao PP, certo é também que não pode haver na proposta de um concorrente um documento que reflita um valor diferente pois, nesse caso, não é possível avaliar a proposta.
60) Note-se que o Júri, nos esclarecimentos prestados, considerou que as notas justificativas do preço apresentado para cada circuito fechado fazem parte integrante da proposta.
61) O Recorrente deveria ter indicado explicitamente o valor previsto para as receitas de cada linha uma vez que esta é uma componente da formação do preço.
62) Não sendo possível avaliar, em virtude da forma como foi apresentado um atributo, a proposta do Autor deve ser excluída e, ao fazê-lo, o Júri agiu correcta e legalmente.
63) No Primeiro Relatório Preliminar, o Júri propôs a exclusão do Concorrente n.° 1, ao abrigo da alínea a) do n.° 2 do artigo 12.° do PP, com fundamento no facto de ter apresentado a declaração prevista na alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do PP em desconformidade com o Anexo I do referido programa, designadamente no que se refere ao ponto n.° 4, alíneas a), f) e g).
64) Em face da pronúncia do Concorrente n.° 1, o Júri veio, no Segundo Relatório Preliminar, defender que a declaração exigida pela al. a) do n.° 1 do artigo 8.° do PP, apresentada pelo Concorrente n.° 1, não se encontra em desconformidade com o Anexo 1 daquele programa, no que se refere ao ponto n.° 4 alíneas a), 1) e g)
65) O Júri não tem razão e deveria ter mantido a decisão de excluir o Concorrente n.° 1 também com fundamento no facto de a declaração por ele apresentada não se encontrar conforme à minuta constante do Anexo I do PP, o que, segundo o disposto na alínea a) do n.° 2 do art.° 12 do PP, acarreta, inexoravelmente, a exclusão.
66) Do próprio texto do Primeiro Relatório Preliminar se conclui, sem sombra de dúvidas, que a declaração apresentada pelo Concorrente n.° 1 é distinta da constante do Anexo 1 do PP, não tendo apresentado a declaração a que estava obrigado nos termos do PC.
67) Todas as razões alegadas pelo Recorrente para, pretensamente, justificar a discrepância entre a declaração exigida pelo PP e a por si apresentada, não afastam a existência de tal discrepância, antes a confirmam.
68) A Entidade Adjudicante poderá estipular regras específicas no PP que não estejam consagradas no CCP, sendo que os concorrentes as deverão respeitar sob pena de verem a sua proposta excluída se tal estiver expressamente previsto no PP.
69) No caso, o Anexo 1 do PP previa especificamente o modelo da declaração a apresentar pelos concorrentes (ainda por cima actualizado), anexo esse que deveria ser considerado em função deste concreto concurso público. Se tal não suceder, então a proposta deve ser excluída com base na alínea a) do n.° 1 do artigo 12.° do PP.
70) Ou o concorrente apresenta os seus documentos nos termos legalmente previstos, ou a sua proposta é excluída. É verdade que, anteriormente, se dava a possibilidade aos concorrentes de suprirem omissões ou retificarem aspectos integrantes da sua proposta, mas essa possibilidade, já não se encontra expressamente prevista no actual Código.
71) Ao contrário do referido pelo Júri do Concurso a pg. 8 do Relatório Final, não se afigura defensável que tenha ocorrido "erro na declaração da vontade" do Concorrente n.° 1 nem tão pouco "erro de escrita", nos termos do disposto no artigo 249.° do Código Civil.
72) A aplicação deste preceito legal pressupõe, necessariamente, antes de mais, a existência de urna divergência entre a vontade real e a declaração (ou vontade declarada) na modalidade do erro obstáculo ou erro na declaração; para além disso, o preceito só se pode aplicar desde que o erro seja "revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita". No caso "sub-judice", nenhum destes requisitos se verifica.
73) Importa referir que, ao contrário do que se afigura ser defendido no Relatório Final, é Doutrina e Jurisprudência, praticamente, unânimes que, após a entrada em vigor do Código Civil de 1966, a desculpabilidade não é requisito de relevância do erro.
74) Daí que, mesmo que o erro fosse desculpável, o que não se concede dada a clareza das regras concursais sobre a matéria em causa, tal não apagaria a sua existência nem pode excluir as consequências legalmente estabelecidas para a não entrega da declaração nos termos exigidos.
75) A proposta apresentada pelo Concorrente n.° 1, ora Recorrente, deveria ter sido excluída do concurso com fundamento no facto de ter apresentado a declaração prevista na alínea a) do n.° 1 do artigo 8.° do PP em desconformidade com o Anexo 1 do referido programa. designadamente no que se refere ao ponto n.° 4, alíneas a), I) e (5).
76) Da ponderação de toda a argumentação aduzida no decurso do procedimento sub-judice, o Contra-Interessado entende também pela existência das seguintes outras causas de exclusão da proposta do Concorrente n.° 1:
1. Indicação de um preço que não corresponde ao custo de aquisição e, portanto, susceptível de falsear as regras da concorrência.
2. Falta do documento exigido pela al. d) do n.° 1 do art. 8.° do PP.
3. Falta da indicação do preço tal como exigida pela al. g) do n.° 1 do art. 8.° do PP.
4. Falta de indicação dos custos tal como exigida pelas als. li) e i) do n.° 1 do art. 8.° do PP.
5. Falta do documento exigido pela al. 1) do n.° 1 do art. 8.° do PP.
6. Apresentação de termos ou condições que violam aspectos da execução do contrato ou que implicam a violação de vinculações legais.
77) Por todas estas razões, deveria manter-se a decisão de exclusão do concurso do Concorrente n.° 1 e o acto de adjudicação a favor do Concorrente n.° 3.
*
I.3.
O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n. 2 do artigo 9.° do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146° n° 1 do CPTA).
Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
I.4.
O objecto do recurso jurisdicional assenta na decisão recorrida e seus fundamentos. Pelo que o âmbito do recurso, delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (conclusões necessariamente sintéticas e com a indicação das normas jurídicas violadas), apenas pode incidir sobre as questões (coisa diversa das considerações, argumentos ou juízos de valor (1)) que tenham sido apreciadas ou devessem ser anteriormente apreciadas, não se podendo confrontar o tribunal superior com questões novas (2) ou cobertas por caso julgado (logicamente, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso) – v. arts. 660º-2 e 684º-3-4 do CPC, ex vi art. 140º do CPTA.
Assim, o presente recurso incide sobre o seguinte:
i. A decisão recorrida é ilegal, por ser uma decisão-surpresa;
ii. Não houve revogação do procedimento concursal, pelo que a decisão recorrida errou;
iii. A decisão recorrida violou o art. 20º CRP, pois o A seria o concorrente escolhido, atento o critério de adjudicação;
iv. O A mantém interesse na anulação da adjudicação, pois teria direito à adjudicação (v. arts. 76 e 79 CCP) e poderia vir a ser indemnizado pelo R;
v. O ato de encerrar o procedimento é nulo, por ser consequente ao ato anulável da adjudicação do contrato (art. 133º-2-i CPA);
vi. A exclusão do A do concurso foi ilegal.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS
Não tendo o tribunal a quo elencado completa e sistematicamente os factos provados pertinentes, cabe-nos fazê-lo. Assim, está provado o seguinte:
1
Através do Anúncio de procedimento n.° 447/2011, publicado no Diário da República n.° 24, II Série, de 3 de Fevereiro de 2011, o Réu deu a conhecer que pretendia celebrar um contrato de "Prestação de Serviços de Transporte de Passageiros" - cfr. cópia de Anúncio junta como documento n.° 1 da p.i.
2
O Réu, nesse anúncio, publicitou ainda diversos outros aspectos do concurso para adjudicação do contrato a celebrar, designadamente:
-O valor base do procedimento: de EUR 1.800.000,00 (um milhão
e oitocentos mil Euros);
-Que o contrato seria executado em Ponta Delgada;
-Teria a duração de 48 meses (4 anos); e
-O critério de adjudicação seria o do "Mais baixo preço".
3
Desse anúncio resulta ainda que o regime legal aplicável à contratação é o Código dos Contratos Públicos ("CCP"), constante do Decreto-Lei n.° 18/2008 de 29 de Janeiro de 2008.
4
Após a exclusão do concorrente nº 1 (ora A) e da adjudicação do contrato ao concorrente nº 3 (AGRUPAMENTO CONSTITUÍDO POR C……………., e P…………, LDA, AUTO VIAÇÃO ………………, LDA, e V………… & Ca, LDA), a "Câmara Municipal, por proposta da Senhora Presidente, deliberou, por unanimidade, considerando a recusa do visto pela Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas, não recorrer da decisão e encerrar aquele procedimento do concurso público internacional de transporte colectivo de passageiros de Ponta Delgada. Mais deliberou, por unanimidade, a promoção dos procedimentos necessários para abrir novo concurso público e garantir, entretanto, a continuidade da prestação daqueles serviços, pelos procedimentos administrativos legais da contratação pública (...) " - cfr. ata da reunião de câmara de 9 de Janeiro de 2012, junta, em extracto, ao requerimento do MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA a solicitar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO (3)
A)
O R, após excluir o ora A (concorrente nº 1) do concurso cit. e após a adjudicação ao ora C-I concorrente nº 3, decidiu “encerrar o procedimento concursal” respetivo, por causa da recusa do visto prévio do T. de Contas (v. art. 44º-3 da L.O.P.T.C.).
O tribunal a quo, considerando haver assim uma revogação do procedimento concursal e do ato de adjudicação, concluiu que o objeto desta ação deixou de existir, pelo que haveria impossibilidade superveniente da presente lide.
O recorrente discorda deste entendimento do tribunal a quo.
Note-se que o recorrente não faz uso do previsto no art. 64º CPTA.
B)
Temos de compreender o teor deste ato administrativo de “encerrar o procedimento”.
Ora, a adjudicação, aqui já ocorrida, é um ato legalmente devido – arts. 76º-1 (4), 79º-1 (5) e 80º(6) CCP -, e é um ato constitutivo de direitos, ainda que à mesma se sigam outros atos antes da celebração do contrato. Pelo que só pode ser revogada por ilegalidade e no prazo legal (arts. 140º, 141º e 145º CPA).
O controlo prévio pelo TContas consiste no exame da legalidade e do cabimento orçamental dos atos, contratos ou outros instrumentos geradores de despesa ou representativos de responsabilidades financeiras diretas ou indiretas para as entidades da Administração Pública Central, Regional e Local. A indicação dos actos a submeter a fiscalização prévia do Tribunal de Contas, assim como a identificação das entidades que os devem remeter, encontra-se tipificada na lei do Tribunal de Contas, sendo a maior parte contratos celebrados pelas entidades públicas de montante superior a 317160 euros. O controlo prévio exerce-se mediante a concessão ou a recusa de visto. Constituem fundamento para a recusa de visto a ilegalidade dos atos que implique nulidade, encargos sem cabimento em verba orçamental própria ou violação directa de normas financeiras e a ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro. Nesta última situação o tribunal, mediante decisão fundamentada, pode conceder o visto e fazer recomendações às entidades no sentido de suprir ou evitar no futuro tais ilegalidades. Os pagamentos relativos aos atos e contratos sujeitos a fiscalização prévia não podem ser feitos antes da concessão do visto.
Um contrato, como este, sujeito a visto prévio do TContas, não deve ser celebrado se tal visto for recusado, pois a recusa do visto implica a ineficácia jurídica do contrato (assim o art. 45º-2 da L.O.P.T.Contas).
Terá sido, pois, por isto que o R tomou a decisão de “encerrar o procedimento”. Isto quis dizer que o R decidiu não celebrar o contrato, ao contrário do que decorria da adjudicação. É assim um ato de sentido oposto ao da adjudicação com o fim de contrariar os efeitos desta. Pelo que é uma revogação da decisão de adjudicar, pois que se destinou a extinguir os efeitos do ato de adjudicar, baseada na ilegalidade detetada pelo TContas.
Também revogou a decisão propulsora ou legitimadora do procedimento concursal (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et al., Concursos…, 2011, p. 775) prevista no art. 36º CCP (7), a decisão inicial de contratar, a qual é pressuposto básico da validade do procedimento e do contrato a celebrar.
C)
Ora, revogadas (por ilegalidade declarada anteriormente pelo TContas) a decisão inicial de contratar e a adjudicação, parece que este processo especial urgente fica sem objeto. Coloca-se, pois, a questão da impossibilidade superveniente da lide (quando os sujeitos ou o objeto da controvérsia desapareceram entretanto), que não o da inutilidade superveniente da lide (quando o efeito jurídico pretendido pelo A foi entretanto plenamente alcançado).
Contrapõe o recorrente que mantém interesse na anulação da adjudicação ao concorrente nº 3, porque teria direito à mesma (v. arts. 76º e 79º CCP cits.) se aqui se anulasse a adjudicação feita, caso em que poderia depois (supõe-se que no caso de manutenção das revogações cits.), por isso mesmo, vir a ser indemnizado pela não celebração do contrato imputável ao R.
Este ponto é muito importante aqui, porque o A também pede licitamente (assim AcSTA de 14-12-2005, p. nº 905/2005; MÁRIO AROSO/C. CADILHA, Comentário ao CPTA, nota 5 ao art. 100º, e jurisprudência e doutrina aí cits.), além da
i. anulação da adjudicação,
ii. a sua readmissão ao concurso,
iii. a exclusão do concorrente vencedor e
iv. a adjudicação do contrato a ele mesmo, com base no critério do preço mais baixo.
E, de facto, obtendo vencimento em todas as suas pretensões neste processo especial urgente e sendo válido, como parece ser, este ato revogatório novo, o A poderá ser indemnizado em consequência do ato revogatório nos termos céleres previstos no nº 5 do art. 102º CPTA (8). Este ato revogatório, havendo procedência de todas as pretensões aqui deduzidas, terá trazido à satisfação dos interesses do autor a impossibilidade absoluta de que fala aquela norma.
Portanto, o A mantém assim um interesse jurídico atendível neste processo, apesar da revogação ocorrida, o que confirma a tese de que a impossibilidade e inutilidade supervenientes da lide têm natureza jurídica e não material ou real (v. assim a jurisprudência referida por MÁRIO AROSO/C. CADILHA, Comentário ao CPTA, notas 4 e 5 ao art. 102º).
Pelo que a decisão recorrida violou os arts. 102º-5 CPTA e 287º-e CPC.
D)
O tribunal a quo não ouviu previamente o A sobre a matéria da decisão jurisdicional ora recorrida, questão nova que foi trazida pelo R (v. arts. 87º-1-a e 102º-1 CPTA).
A decisão recorrida é, assim, ilegal, por ser uma decisão-surpresa, i.e. resultante de uma omissão ilegal, da violação do princípio do contraditório como previsto no art. 3º-1-2-3 do CPC (9) ex vi art. 1º CPTA. Tal omissão pode influir no exame ou decisão da causa, pelo que é uma nulidade processual (art. 201º-1 CPC).
Cfr: MANUEL DE ANDRADE, NEPC, p. 379ss; ANTONIO GERALDES, Temas…, cap. I, I, nº 4; J. LEBRE DE FREITAS, Introdução…, cap. II, nº 3.2; F. M. FERREIRA DE ALMEIDA, DPC, I, 2010, p. 247-252.
E)
Quanto às restantes 2 questões do recurso ((i) a decisão recorrida violou o art. 20º CRP, pois o A seria o concorrente escolhido, atento o critério de adjudicação; (ii) a exclusão do A do concurso foi ilegal), há ainda necessidade da fase de produção de prova subsequente a despacho de saneamento e de condensação (arts. 87º a 90º CPTA), pois que os demandados impugnaram muitos dos factos contidos na p.i. e que a elas dizem respeito: v.g., entre outros, os artigos 5°, 8.°, 9.°, 11.0, 12.°, 14.° a 17.°, 19.°, 20.°, 22.° a 36.°, 38.0, 39.°, 41.° a 43.°, 47.°, 53.°, 59.°, 61.° a 80.°, 83.° a 88.°, 90.° a 99.°, 141.° a 107.0, 110.° a 118.°, 120.° a 128.°, 130.°, 131.°, 135.° a 139.°, 143.°, 145.°, 147.° a 157.°, 159.° a 165.°, 171.°, 173° a 185.°, 188.° a 219.°, 221.° a 231.°, 233.° a 251.° (v. ainda o art. 280º da Contest. do Município).
Pelo que não podem ser apreciadas neste recurso.
*
III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar o recurso procedente, revogar o despacho recorrido e determinar o prosseguimento dos autos nos termos previstos nos arts. 87ºss ex vi art. 102º-1-2-3 do CPTA.
Custas a cargo dos recorridos que contra-alegaram.
Lisboa, 26-4-2012
(Paulo Pereira Gouveia - relator) ________________________________________
(António C. da Cunha) _________________________________________________
(J. Fonseca da Paz) ___________________________________________________
(1) Até porque “de minimis non curat praetor”, pois o juiz moderno, em democracias massificadas, tem de aliar a preocupação moderada com a quantidade à preocupação com a qualidade técnico-jurídica.
Qualidade e quantidade exigem sentenças com relatórios sintéticos esclarecedores e com uma fundamentação jurídica (breve e simples ou profunda e complexa) conforme à simplicidade ou à complexidade do caso a resolver.
(2) Daqui ser essencial que se tenha presente o analisado na decisão recorrida e o invocado nos articulados.
(3) Sobre os tribunais administrativos recai o sagrado dever de fazer cumprir a lei e o Direito em toda a extensão em que a conduta da Administração se deva pautar por regras e princípios jurídicos, assim se proporcionando a adequada tutela jurisdicional. Esta é especialmente necessária numa sociedade com pouca efetividade das leis.
(4) Artigo 76.º Dever de adjudicação
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 79.º, o órgão competente para a decisão de contratar deve tomar a decisão de adjudicação e notificá-la aos concorrentes até ao termo do prazo da obrigação de manutenção das propostas.
2 - Por motivo devidamente justificado, a decisão de adjudicação pode ser tomada e notificada aos concorrentes após o termo do prazo referido no número anterior, sem prejuízo do direito de recusa da adjudicação pelo concorrente cuja proposta foi a escolhida.
3 - Quando a decisão de adjudicação seja tomada e notificada aos concorrentes após o termo do prazo referido no n.º 1, a entidade adjudicante deve indemnizar o concorrente que recuse a adjudicação pelos encargos em que comprovadamente incorreu com a elaboração da respectiva proposta.
(5) Artigo 79.º Causas de não adjudicação
1 - Não há lugar a adjudicação quando:
a) Nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum concorrente haja apresentado proposta;
b) Todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas;
c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento após o termo do prazo fixado para a apresentação das propostas;
d) Circunstâncias supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem;
e) No procedimento de ajuste direto em que só tenha sido convidada uma entidade e não tenha sido fixado preço base no caderno de encargos, o preço contratual seria manifestamente desproporcionado;
f) No procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade adjudicante.
2 - A decisão de não adjudicação, bem como os respectivos fundamentos, deve ser notificada a todos os concorrentes.
3 - No caso da alínea c) do n.º 1, é obrigatório dar início a um novo procedimento no prazo máximo de seis meses a contar da data da notificação da decisão de não adjudicação.
4 - Quando o órgão competente para a decisão de contratar decida não adjudicar com fundamento no disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1, a entidade adjudicante deve indemnizar os concorrentes, cujas propostas não tenham sido excluídas, pelos encargos em que comprovadamente incorreram com a elaboração das respectivas propostas.
(6) Artigo 80.º Revogação da decisão de contratar
1 - A decisão de não adjudicação prevista no artigo anterior determina a revogação da decisão de contratar.
2 - Quando as circunstâncias previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo anterior ocorrerem entre o início do procedimento e o termo do prazo de apresentação das propostas, a decisão de contratar também pode ser revogada.
(7) Artigo 36.º Decisão de contratar e decisão de autorização da despesa
1 - O procedimento de formação de qualquer contrato inicia-se com a decisão de contratar, a qual cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, podendo essa decisão estar implícita nesta última.
2 - Quando o contrato a celebrar não implique o pagamento de um preço pela entidade adjudicante, a decisão de contratar cabe ao órgão desta que for competente para o efeito nos termos da respectiva lei orgânica ou dos seus estatutos.
(8) “5 - Se, na pendência do processo, se verificar que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta, o tribunal não profere a sentença requerida mas convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização a que o autor tem direito, seguindo-se os trâmites previstos no artigo 45.º”
(9) 1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final

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