Proc.
Nº 01735/11.8BEBRG 19.10.2012 TCAN
1. A notificação não se prende
com a validade do acto mas é algo externo ao acto que apenas releva em sede da
sua eficácia, e, designadamente, para o prazo de impugnação, pelo que os factos
atinentes à notificação não têm interesse para a decisão de uma acção de
contencioso pré-contratual em que se impugna a decisão de não adjudicação.
2. Estando suficientemente comprovados por documentos os factos que o Requerente linha interesse em provar e não se impondo contra provar qualquer outro, não se justifica a produção de prova testemunhal por si requerida.
3. Viola o disposto no artigo 79°, n.º 1, alínea d), do Código dos Contratos Públicos, o acto de não adjudicação de serviços para o transporte escolar de alunos, posto a concurso, em virtude de três das empresas concorrentes terem celebrado, à margem do concurso e antes de este estar aberto, um acordo para a criação de um novo título de transporte (passe estudante) no âmbito de uma concessão de que é titular uma destas empresas, e que apenas deram a conhecer no procedimento concursal depois de conhecidas as demais propostas.
4. Viola também o princípio da concorrência o acto de adjudicação praticado nestas circunstâncias pois, apesar de o acordo em causa ser externo ao concurso teve directa e imediata influência no mesmo, levando ao seu termo, em beneficio de três das concorrentes - as que celebraram o acordo - e em detrimento das demais.
2. Estando suficientemente comprovados por documentos os factos que o Requerente linha interesse em provar e não se impondo contra provar qualquer outro, não se justifica a produção de prova testemunhal por si requerida.
3. Viola o disposto no artigo 79°, n.º 1, alínea d), do Código dos Contratos Públicos, o acto de não adjudicação de serviços para o transporte escolar de alunos, posto a concurso, em virtude de três das empresas concorrentes terem celebrado, à margem do concurso e antes de este estar aberto, um acordo para a criação de um novo título de transporte (passe estudante) no âmbito de uma concessão de que é titular uma destas empresas, e que apenas deram a conhecer no procedimento concursal depois de conhecidas as demais propostas.
4. Viola também o princípio da concorrência o acto de adjudicação praticado nestas circunstâncias pois, apesar de o acordo em causa ser externo ao concurso teve directa e imediata influência no mesmo, levando ao seu termo, em beneficio de três das concorrentes - as que celebraram o acordo - e em detrimento das demais.
EM NOME DO POVO
Acordam em conferência
os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central
Administrativo Norte:
A Agência …, Lda. interpôs
o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador de 29.03.2012, a fls.114,
que dispensou a produção de prova testemunhal requerida pelas partes, e da
sentença de 06.07.2012, a fls. 176 a 187, pela qual foi julgada totalmente
improcedente a acção de contencioso pré-contratual movida contra o Município
de Fafe e R…, S.A., e outras, para declaração de invalidade da deliberação
da Câmara Municipal de Fafe, de 22.09.2011, que determinou a não adjudicação de
serviços para o transporte escolar de alunos, posto a concurso, ao abrigo do
artigo 79º, nº 1, al d) do Código dos Contratos Públicos.
Invocou para tanto e em
síntese que: ocorreu nulidade processual decorrente de omissão de pronúncia
sobre a invocada nulidade do despacho saneador; foi omitida produção de prova
indispensável para a fixação de factos relevantes; foram desconsiderados factos
relevantes controvertidos; finalmente, a sentença recorrida violou, entre
outras normas, por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, o
disposto no artigo 79º, nº 1, al d) do Código dos Contratos Públicos, ao
validar o acto impugnado que decidiu, com base neste preceito, não adjudicar o
serviço posto a concurso.
Não foram apresentadas
contra-alegações.
O Ministério Público
neste Tribunal emitiu parecer, a fls. 272-273, no sentido da improcedência do
recurso.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*
São estas as conclusões das alegações e que definem o objecto do recurso:
A - A nulidade do
despacho saneador, arguido pela Recorrente não foi objecto de decisão pelo
tribunal, ocorrendo, assim, e quanto à mesma, omissão de pronúncia.
B - A Recorrente apenas
tomou conhecimento dessa omissão com a notificação da sentença ora recorrida.
C- Sendo, à vista disso,
o presente recurso a sede própria para invocar e reagir contra a sobredita
omissão de pronúncia.
D - Porquanto ficou a
faltar a exposição completa dos factos que lhe servem de fundamento, como,
também, a apreciação de facto essenciais para a boa decisão da causa.
E - Incumprido este
requisito, volverá impraticável o uso, pelos tribunais superiores, dos seus
poderes cassatórios e anulatórios.
F - A escolha da matéria
de facto pelo tribunal a quo revela manifestas insuficiências, tendo sido
preteridos factos determinantes para a justa resolução do conflito de
interesses em questão.
G - Concretamente a
matéria factual alegada nos artigos 10º a 17º da petição inicial é essencial à
boa decisão da causa.
H - Através desses
factos, tornar-se-iam claros os pressupostos da decisão de contratar e,
concretamente, se, como, e em que medida tais premissas vieram a ser, expost
circunstancialmente alteradas.
I - A decisão de
contratar resultou da seguinte equação: necessidade de transporte especial
escolar/inexistência de carreiras públicas apropriadas à satisfação de tais
necessidades.
J - Em ordem a decidir,
no plano da justiça material, a verificação da efectiva alteração destes
pressupostos não basta a documentação constante dos autos.
L - Sendo imprescindível
apreciar os factos alegados pela autora, sujeitando-os, para tanto, em pleno, à
dinâmica da prova.
M - Sob pena de ocorrer,
como efectivamente ocorreu, omissão de produção de prova.
N - Que conduziu à
construção de uma decisão meramente formal, destituída de substância.
O - Verificou-se, assim,
a omissão de uma formalidade que, claramente, veio a influir na decisão da
causa, constituindo, por isso, uma nulidade prevista no art. 201. CPC.
P - A Recorrente ficou
impossibilitada de poder demonstrar os factos que alegou e por consequência de
igualmente provar a existência de vícios do acto administrativo.
Q - Violando, assim, o
direito de acesso à prática e a tutela jurisdicional efectiva consagrada no
artigo 20º da constituição.
R - Mormente,
constituindo, no caso sujeito, a matéria probatória em questão, condição de
procedência da pretensão da Recorrente.
S - Viola a CRP – artigo
20º - 1 a interpretação da norma dos artigos 87º-1- e 90º-1 CPTA no sentido de
que inexistindo factos provados por confissão ou documentos não é permitida a
abertura da fase instrutória.
T - O alegado acordo
celebrado entre as empresas supra identificadas no artigo 40º não satisfaz,
nunca poderia satisfazer, o pressuposto que obrigou ao lançamento do concurso.
U - Sendo certo que tal
acordo estabeleceu, somente, um passe combinado de transporte multi-empresas
para percursos já existentes à data do concurso.
V - Mas não cria, como
era exigido pelo concurso em apreço, circuitos especiais dedicados, para alunos
do ensino básico, que observem as regras do Regime Jurídico do Transporte
Colectivo de Criança e Jovens (Lei nº 13/2006 – 17-04).
X - De resto a concessão
de carreiras públicas é outorgada pelo IMTT nos termos do RTA (DL nº 37272 –
31.12.1948).
Z - A adjudicação
torna-se uma verdadeira obrigação, após o termo do prazo fixado para a
apresentação das propostas,
AA - Excepto se
sobreviverem circunstâncias que, alterando os elementos de facto e de direito,
justifiquem a não adjudicação.
AB - No caso sujeito,
não houve qualquer alteração dos pressupostos da decisão de contratar.
AC - Em Julho 2011
inexistiam carreiras públicas que garantissem os transportes dos alunos do 1º
Ciclo, havendo, por isso, necessidade de criar transporte especial com regras
específicas, nomeadamente as enunciadas supra no art.61 das alegações.
AD - Tais carreiras
foram posteriormente criadas para substituírem os lotes postos a concurso.
AE - Mormente não foram
criadas as carreiras referidas na cl. 3ª do supra identificado acordo de
transporte inter-empresas;
AF - Tal acordo
pretendia transportar crianças do ensino básico em carreiras que lhes haviam
sido outorgadas para transportar publico de passageiros em geral, sem as
exigências do cumprimento das requisitos especiais impostos pela Lei nº 13/2006
– 17-04 (RJTCCJ).
AG - O sobredito acordo
inter-empresas altera unilateralmente as condições da concessão que lhes foi
outorgada,
AH – Alteração
configurada designadamente na:
- exclusividade de
acesso a alunos do 1º Ciclo;
- modificação dos preços
dos passes mensais;
AI - Neste caso, o
acordo em questão consubstancia uma verdadeira proposta apresentada ao concurso
em apreço.
AJ - A qual foi
submetida extemporaneamente e propondo um preço total mais elevado do que o da
Recorrente.
AL - Pelo que a sua
escolha viola o princípio da concorrência.
AM - Os fundamentos da
não adjudicação têm que ser demonstrados pela Recorrida.
A decisão do tribunal a
quo violou os preceitos dos artºs. 20º-1 a 4, 208º-1, CRP, 87º-1-c, 90º-1 CPTA,
264º-3, 515, 712º CPCivil, 79º-1-d) Cód. Contratos Públicos;
O Tribunal a quo devia
ter interpretado as normas no sentido de:
- permitir a plena
produção de prova requerida, considerando procedente a nulidade arguida;
- existência do vinculo
de contratação por parte da Recorrida;
- considerar a proposta
da recorrente a mais vantajosa;
*
A) O recurso do despacho
saneador.
1. A nulidade processual
decorrente da não apreciação da invocada nulidade deste despacho.
Invoca a este propósito
a Recorrente que a nulidade do despacho saneador, arguida pela Recorrente, não
foi objecto de decisão pelo tribunal, ocorrendo, assim, e quanto à mesma,
omissão de pronúncia; ocorreu omissão de prova imprescindível apreciar os factos
alegados pela autora o que conduziu à construção de uma decisão meramente
formal, destituída de substância; verificou-se, assim, a omissão de uma
formalidade que, claramente, veio a influir na decisão da causa, constituindo,
por isso, uma nulidade prevista no artigo 201º Código de Processo Civil; a
Recorrente ficou impossibilitada de poder demonstrar os factos que alegou e por
consequência de igualmente provar a existência de vícios do acto administrativo
violando-se, assim, o direito de acesso à prática e a tutela jurisdicional
efectiva consagrada no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa;
viola este preceito a interpretação da norma dos artigos 87º, n.º1, 90º, n.º1,
Código Processo Tribunal Administrativo no sentido de que inexistindo factos
provados por confissão ou documentos não é permitida a abertura da fase
instrutória.
Vejamos.
No seu requerimento, a
fls. 132, o ora Recorrente veio invocar que deveria ter sido produzida prova e,
não o tendo sido, que foi cometida uma nulidade processual.
Sobre este requerimento
nada foi dito.
E nada havia a dizer, em
bom rigor.
Este requerimento, em
termos substantivos, traduz a afirmação de uma discordância com o despacho onde
se decidiu não produzir prova para além da documental já apresentada.
A discordância com o
despacho saneador na parte em que indeferiu a produção de prova deve
manifestar-se em recurso jurisdicional, o que, de resto, a Recorrente fez.
Por outro lado a
resposta à questão suscitada no requerimento a fls. 132 já estava contida no
próprio despacho saneador: não se mostrava necessário produzir prova para além
da prova documental já apresentada pelas partes, dado que os factos essenciais
resultavam já desta prova.
Afirmação que, como
veremos, se mostra correcta, de resto.
Não se verifica, pois, a
apontada nulidade processual.
2. A preterição de
prova.
Alegou a Recorrente
nesta parte que era relevante e essencial para a boa decisão da causa a matéria
factual alegada nos artigos 10º a 17º da petição inicial sobre a qual se impunha
produzir prova testemunhal; pelo que ocorreu omissão de produção de prova o que
conduziu à construção de uma decisão meramente formal, destituída de
substância, mostrando-se, assim, violado o direito de acesso à prática e a
tutela jurisdicional efectiva consagrada no artigo 20º da Constituição da
República Portuguesa na interpretação da norma dos artigos 87º, n.º1, e artigo
90º, n.º1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no sentido de
que a prova testemunha é facultativa e não é permitida a abertura de fase
instrutória inexistindo factos provados por confissão ou por documentos.
Mas não tem razão quanto
à necessidade de produção de prova para além da documental.
É o seguinte o teor dos
artigos que refere:
“10.- Ora, é falso que
desde 23/8/2011 tenham sido criadas carreiras públicas que substituíssem os
lotes postos a concurso, nomeadamente com os percursos e horários expressamente
estabelecidos no anexo II do caderno de encargos.
(…)
11.- Por se levantarem
dúvidas quanto ao teor da notificação que lhe foi dirigida a Autora pediu a
notificação dos seguintes elementos:
- plano de transportes
escolares para este ano lectivo.
- despacho do Presidente
da Câmara Municipal de Fafe de 25/7/2011 (decisão de contratar);
- deliberação camarária de
22/9/2011;
(…)
12.- Elementos estes que
ainda não lhe foram notificados.
13.- No entanto, e
apesar de não conhecer os motivos que levaram à alteração do pressuposto da
decisão de contratar, a Autora pode, desde já, alegar que o acto impugnado
(decisão de não adjudicação) viola o disposto no art. 79º/1/d do CCP.
14.- Dispõe esta norma
que não há lugar adjudicação quando:
“d) circunstâncias
supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das proposta,
relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem”.
15.- Ora, a decisão de
contratar teve como pressuposto a necessidade de transporte especial para os
alunos do 1º ciclo e pré-escolar com regras próprias, nomeadamente:
- lotação dos autocarros
entre 17 e 27 lugares;
- com lugares sentado e
sistemas de retenção de crianças;
- motoristas com
certificado emitido pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres,
conforme o disposto no art. 6º da lei 13/2006 de 17/4;
- necessidade de
vigilantes;
- um percurso em que se
preveja uma recolha próxima da habitação dos alunos (percorrendo várias
localidades) até às respectivas escolas;
- cumprimento das normas
da Lei nº 1372006 de 17/4.
16.- Para se substituir
este tipo de transporte teriam que ter sido licenciados novos transportes
públicos com percursos coincidentes com os do concurso público e que
obedecessem às regras especiais do Regime Jurídico do Transporte Colectivo de
Crianças e Jovens (Lei nº 13/2006, de 17/4).
O que não sucedeu.
17- Pelo que não estão
preenchidos os requisitos legais para a decisão de não adjudicação”.
Desde logo, a primeira
parte do artigo 10º onde se refere “é falso” trata-se de mera conclusão e não
um facto susceptível de qualquer tipo de prova.
Apenas se mostra
relevante, como matéria de facto, o que vem afirmado logo a seguir no artigo
10º, mas sob a forma positiva – que interessa ao Réu e Contra-Interessadas - e
não na sua formulação negativa, assim como o que consta da parte final do
artigo 16º (a negrito e sublinhado):
Desde 23/8/2011 foram
criadas carreiras públicas que substituem os lotes postos a concurso, com os
percursos e horários expressamente estabelecidos no anexo II do caderno de
encargos.
Isto porque, como a
própria Recorrente defende, trata-se de matéria cujo ónus da prova, nesta
formulação positiva, cabia à Entidade Demandada e Contra-Interessados.
E cuja formulação
negativa – do teórico interesse da Recorrente – nada acrescenta para o caso
concreto, sendo absolutamente irrelevante para o desfecho do processo.
Relevante mostra-se,
apenas, a prova – ou falta dela – daquele facto na sua formulação positiva.
Mas este facto – ou mais
precisamente a falta de prova dele - resulta da leitura dos documentos juntos
ao processo.
Não se vislumbra
qualquer relevo ao que as testemunhas poderiam dizer sobre o circuito das
carreiras, para além daquilo que os próprios documentos comprovam.
Quanto aos factos
constantes dos artigos 11º e 12º prendem-se com a notificação ao ora Recorrente
de elementos essenciais para atacar o acto impugnado.
Ora a notificação nada
tem a ver com a validade do acto – e é esse o objecto do presente processo –
mas é algo externo ao acto que apenas releva em sede da sua eficácia, e,
designadamente, para o prazo de impugnação, questão que aqui não se suscita (ver,
a propósito, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo de 02.03.2005, processo n.º 0716/04).
No que respeita à
matéria dos artigos 13º,14º, 16º, primeira parte, e 17º, trata-se de meras
conclusões e alegações de direito; não se trata, portanto, de factos sobre os
quais devesse ser produzida qualquer prova.
Finalmente o que consta
do artigo 15 prova-se, tão-só, documentalmente e, de resto, deu-se como provado
nos pontos 1 a 4 da matéria de facto alinhada na sentença, onde se deu por
reproduzido o teor do anúncio do concurso, publicado em Diário da República e o
caderno de encargos, em particular o anexo II onde se refere o tipo e
modalidades de transporte posto a concurso.
Mostra-se, portanto,
acertada a decisão de prescindir de prova testemunhal.
E não existe aqui
qualquer violação do direito de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional
efectiva, consagrada no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, na
interpretação da norma dos artigos 87º, n.º1, e artigo 90º, n.º1, do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos.
Estes preceitos apenas
impõem a realização de “diligências de prova … necessárias para o apuramento
da verdade” (citado artigo 90º).
A produção de provas
desnecessárias não só não é imposta como é vedada pelo artigo 137º do Código de
Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos.
A prática de actos
inúteis, como seja a produção de prova testemunhal dispensável no caso
concreto, também não só não tem cobertura como está vedada pelo invocado
preceito constitucional, o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa:
o direito de acesso à Justiça e à tutela jurisdicional efectiva passa também
por uma justiça célere e esta só é possível com a eliminação de actos inúteis,
incluindo a produção de prova desnecessária.
Pelo que também este
vício do despacho saneador se não verifica, improcedendo nesta parte o recurso.
B) O recurso da
sentença.
1. A matéria de facto.
A Recorrente entende
que, produzida a prova testemunhal que ofereceu, deveriam dar-se como provados
os factos articulados sob os n.ºs 10º a 17º da petição inicial.
Mantém-se aqui o que se
disse a propósito da alegada preterição de prova testemunhal: nenhum facto é
aqui alegado de relevante e o que é relevante está provado documentalmente e
foi alinhado na sentença.
Devemos, assim, ter por assentes
os seguintes factos, considerados na sentença:
1-Por despacho do
Presidente da Câmara Municipal de Fafe, de 25.07.2011, foi determinada a
abertura de concurso público tendo em vista a aquisição de serviços para o
transporte escolar de alunos para o ano lectivo de 2011/2012.
2-Pretendia-se que, no
âmbito do transporte escolar, fossem realizados os circuitos identificados na
cláusula 1ª do caderno de encargos e anexo II cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido – cfr. fls17 a 26 e 466 a 469 do PA cujo teor se dá
aqui por integralmente reproduzido.
3-Todos estes circuitos
seriam realizados de segunda a sexta-feira, nos períodos de manhã e tarde –
cfr. anexo II do caderno de encargos cujo teor se dá aqui por integralmente
reproduzido.
4-O anúncio relativo a
este procedimento foi publicado no DR a 11.08.2011 (anúncio nº 154/2011) - cfr.
fls. 39 a 42 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5-Foram apresentadas
propostas até 23.08.2011 pelos contra-interessados e pela Autora.
6-A Autora apresentou
uma proposta do circuito lote 1 - circuito 1 serviço regular especializado, ano
lectivo 2011/2012, circuito Várzea Cova – EB1 Padre Joaquim Flores (Revelhe) -,
pelo preço total de 28.906,00Euros, do circuito lote 2 pelo preço de 28.906,00
Euros, pelo circuito lote 3 pelo preço de 24.056,00 Euros e pelo circuito lote
4 pelo preço de 25.181,00 Euros e uma proposta variante para a realização da
totalidade dos lotes pelo preço total de 96.344,10 Euros – cfr. fls. 52 a 96 do
PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7-A contra-interessada
R..., SA apresentou uma proposta do circuito lote 1, pelo preço total de
25.684,41 Euros e do circuito lote 2 pelo preço total de 27.660,13 Euros – cfr.
fls 342 a 389 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8-A contra-interessada
Auto V. …, Lda. apresentou uma proposta do circuito lote 3, pelo preço total de
25.025,84 Euros – cfr. fls 301 a 341 do PA cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido.
9-A contra-interessada
AP. …, Lda. apresentou uma proposta do circuito lote 4, pelo preço total de
21.632,00 Euros – cfr. fls 172 a 300 do PA cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido.
10-A R..., SA, a AP. …,
Lda. e a Auto V. …, Lda. celebraram “Acordo Constitutivo de Titulo Combinado de
Transporte”, datado de 25 de Julho de 2011 – cfr. fls. 51 a 53 dos autos cujo
teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11-A 24 de Agosto de
2011, o Júri procedeu à abertura das propostas apresentadas.
12-Em 25.08.2011, a
empresa R…, SA, deu entrada na CM Fafe, a ofício, datado de 19.08.2011,
comunicando a criação de um novo titulo combinado de transporte em parceria com
as empresas AP. …, Lda. e Auto V. …, Lda., designado “Passe Estudante Sub /10,
Fafe” – cfr. fls. 447 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13-A 29.08.2011, reuniu
o Júri do Procedimento e elaborou relatório preliminar onde, além do mais,
propôs como intenção de adjudicação a aqui Autora, pelo valor da proposta
variante de 96.344,10 Euros - cfr. fls. 452 a 454 do PA cujo teor se dá aqui
por integralmente reproduzido.
14- A 02.09.2011, a
empresa R…, SA remeteu via e-mail uma cópia do acordo constitutivo de titulo
combinado de transportes nos termos do qual o passe mensal terá o preço de 72
Euros, com IVA, à taxa legal, incluído - cfr. fls. 448 a 451 do PA cujo teor se
dá aqui por integralmente reproduzido.
15-Em 05.09.2011, foi
elaborada informação relativa ao “passe estudante sub 10-Fafe - cfr. fls. 455
do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16-Em 07.09.2011, pelo
Departamento Administrativo Municipal foi proferido parecer - cfr. fls. 456 a
460 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17-A 12.09.2011 deu
entrada nos serviços da CM Fafe cópia do acordo constitutivo de título
combinado de transportes, nos termos do qual o passe mensal terá o preço de 72
Euros, com IVA, à taxa legal, incluído - cfr. fls. 461 a 465 do PA cujo teor se
dá aqui por integralmente reproduzido.
18-A 14.09.2011, o Júri
do Procedimento propôs a não adjudicação ao abrigo do disposto no art.º 79º, nº
1, al. d) do CCP - cfr. fls. 470 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente
reproduzido.
19-Em reunião ordinária
de 22.09.2011, a C M Fafe deliberou aprovar por unanimidade a proposta do Júri-
cfr. fls. 470 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20- A 23.09.2011, foi a
Autora notificada da deliberação da C.M. Fafe, datada de 22.09.2011, que
determinava a não adjudicação, nos termos do art.º 79º, nº 1, al. d) do CCP com
fundamento em “existência de uma modalidade que se reporta a transportes
regulares de carreiras colectivas que integram os circuitos especiais,
cumprindo com as condições de transporte especial, e enquadrável na aplicação
do DL nº 299/28 que refere a obrigatoriedade de utilização de carreiras
públicas”. – cfr. doc. nº 1 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
21-A 30.09.2011, deu
entrada na CM Fafe cópia do “Acordo Constitutivo de Título Combinado de
Transportes”, datado de 25.07.2011, assinado pelos outorgantes, nos termos do
qual o passe mensal terá o preço de 69,00 Euros, com IVA, à taxa legal,
incluído - cfr. fls. 471 a 473 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente
reproduzido.
22-Em 04.11.2011, o Júri
do Procedimento elaborou informação, dando conhecimento da versão final do
Acordo - cfr. fls. 474 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente
reproduzido.
23-O Presidente da
CMFafe determinou, a 11.11.2007, que fosse dado conhecimento à CMF.
24-As
contra-interessadas R…, SA, a AP. …, Lda. e a Auto V. …, Lda. são titulares de
concessões de serviço público no Município de Fafe.
25-A petição inicial
relativa à presente acção foi entregue, neste tribunal, a 24.10.2011.
2. O enquadramento
jurídico.
Previamente cabe referir
o seguinte:
A Recorrente termina as
suas conclusões nestes termos:
“O Tribunal a quo devia
ter interpretado as normas no sentido de:
- permitir a plena
produção de prova requerida, considerando procedente a nulidade arguida;
- existência do vínculo
de contratação por parte da Recorrida;
- considerar a proposta
da recorrente a mais vantajosa;”
Ora o Tribunal recorrido
nunca poderia decidir no sentido pretendido nos dois últimos parágrafos, de
reconhecer a existência de um vínculo de contratação e de considerar a proposta
da Recorrente como a mais vantajosa.
Pela simples razão de
que o Tribunal está tematicamente vinculado à causa de pedir e ao pedido deduzido
– alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil,
aplicável por força do disposto nos artigos 1º e 140º, ambos do Código de
Processo nos Tribunais Administrativos.
E no caso concreto o
pedido deduzido (com manifesto lapso de escrita, de resto) é o de simples
anulação do acto impugnado.
Em consonância, apenas
são invocados como causa de pedir factos que traduzem ilegalidades cometidas no
acto. Não são invocados factos dos quais se possa concluir que a única solução
possível por parte da Entidade Recorrida seria a de adjudicar o serviço à ora
Recorrente.
Pelo que se deverá
respeitar esses limites objectivos do processo, das ilegalidades do acto e do
pedido de impugnação.
Posto isto:
2.1. A violação do
disposto no artigo 79º, n.º1, alínea d), do Código dos Contratos Públicos.
Invoca a recorrente a
este propósito que: o alegado acordo celebrado entre as empresas identificadas
no artigo 40º do articulado inicial não satisfaz, nunca poderia satisfazer, o
pressuposto que obrigou ao lançamento do concurso; tal acordo estabeleceu,
somente, um passe combinado de transporte multi-empresas para percursos já
existentes à data do concurso mas não cria, como era exigido pelo concurso em
apreço, circuitos especiais dedicados, para alunos do ensino básico, que
observem as regras do Regime Jurídico do Transporte Colectivo de Criança e
Jovens (Lei nº 13/2006 – 17-04); a concessão de carreiras públicas é outorgada
pelo IMTT nos termos do RTA (DL nº 37272 – 31.12.1948); a adjudicação torna-se
uma verdadeira obrigação, após o termo do prazo fixado para a apresentação das
propostas; no caso concreto não houve qualquer alteração dos pressupostos da
decisão de contratar; em Julho 2011 inexistiam carreiras públicas que
garantissem os transportes dos alunos do 1º Ciclo, havendo, por isso,
necessidade de criar transporte especial com regras específicas; o referido
acordo pretendia transportar crianças do ensino básico em carreiras que lhes
haviam sido outorgadas para transportar público de passageiros em geral, sem as
exigências do cumprimento dos requisitos especiais impostos pela Lei nº 13/2006
– 17-04 (RJTCCJ).
Vejamos.
Importa transcrever o
teor do anúncio a que alude o ponto da matéria de facto, o anúncio n.º
4091/2011 de 11.08.2011, publicado no DR II Série, n.º 154:
“(…)
MODELO DE ANÚNCIO DO
CONCURSO PÚBLICO
1 - IDENTIFICAÇÃO E
CONTACTOS DA ENTIDADE ADJUDICANTE
NIF e designação da
entidade adjudicante:
506841561 - Município de
Fafe
506841561 - Município de
Fafe
Endereço: Av.ª 5 de
Outubro
Código postal: 4824 501
Localidade: Fafe
Telefone: 00351
253700400
Fax: 00351 253700409
Endereço Electrónico:
geral@cm-fafe.pt
2 - OBJECTO DO CONTRATO
Designação do contrato:
Concurso Público por lotes, para contratação de prestação de serviços de transporte
escolar de alunos para o ano lectivo 2011/2012 - Serviço Regular Especializado
- Circuitos 1,2,3 e 4.
Tipo de Contrato:
Aquisição de Serviços
Valor do preço base do
procedimento 134557.00 EUR
Classificação CPV
(Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)
Objecto principal
Vocabulário principal:
60130000
3 - INDICAÇÕES
ADICIONAIS
O concurso destina-se à
celebração de um acordo quadro: Não
O concurso destina-se à
instituição de um sistema de aquisição dinâmico: Não
É utilizado um leilão
electrónico: Não
É adoptada uma fase de
negociação: Não
4 - ADMISSIBILIDADE DA
APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS VARIANTES: Sim
5 - DIVISÃO EM LOTES, SE
FOR O CASO
Lote n.º 1
Designação do lote:
CIRCUITO 1 Serviço Regular Especializado - Ano Lectivo 2011/2012 - Circuito
Várzea Cova - EBI Padre Joaquim Flores (Revelhe);
Descrição sucinta do
objecto do lote: Transporte escolar Várzea Cova - Bastelo - Aboim - Lagoa -
Gontim - Pedraído - EBI Padre Joaquim Flores;
Preço base do lote:
36661.00 EUR
Classificação CPV (Vocabulário
Comum para os Contratos Públicos)
Objecto principal
Vocabulário principal:
60130000
Lote n.º 2
Designação do lote:
CIRCUITO 2 Serviço Regular Especializado - Ano Lectivo 2011/2012 - Circuito
Luilhas (S. Miguel do Monte) - EBI Padre Joaquim Flores (Revelhe);
Descrição sucinta do
objecto do lote: Transporte escolar Luilhas (S. Miguel do Monte) - Igreja
(Queimadela) - Cruzamento para St.ª Cruz (Queimadela) - Cheda (Queimadela) -
Cruzamento de Felgueiras - Ameixedo (Queimadela) - EBI Padre Joaquim Flores;
Preço base do lote:
36661.00 EUR
Classificação CPV
(Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)
Objecto principal
Vocabulário principal:
60130000
Lote n.º 3
Designação do lote:
CIRCUITO 3 Serviço Regular Especializado - Ano Lectivo 2011/2012 - Circuito
Arnozela - EBI Silvares
Descrição sucinta do
objecto do lote: Transporte escolar Arnozela - Ardegão - EBI Silvares;
Preço base do lote:
29294.00 EUR
Classificação CPV
(Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)
Objecto principal
Vocabulário principal:
60130000
Lote n.º 4
Designação do lote:
CIRCUITO 4 Serviço Regular Especializado - Ano Lectivo 2011/2012 - Circuito
Portela - EB1 / JI Ferreiros (Arões São Romão);
Descrição sucinta do
objecto do lote: Transporte escolar Capela de Sto. Antão (Rua José Dias de
Castro) - Estrada Nacional 206 - Rua do Picadouro - Rua do Assento - EB1 / JI
Ferreiros;
Preço base do lote:
31941.00 EUR
Classificação CPV
(Vocabulário Comum para os Contratos Públicos)
Objecto principal
Vocabulário principal:
60130000
6 - LOCAL DA EXECUÇÃO DO
CONTRATO
Concelho de Fafe
País: PORTUGAL
Distrito: Braga
Concelho: Fafe
Código NUTS: PT113
7 - PRAZO DE EXECUÇÃO DO
CONTRATO
Restantes contratos
Prazo contratual de 169
dias a contar da celebração do contrato
9 - ACESSO ÀS PEÇAS DO
CONCURSO E APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
9.1 - Consulta das peças
do concurso
Designação do serviço da
entidade adjudicante onde se encontram disponíveis as peças do concurso para
consulta dos interessados: Departamento de Gestão de Recursos Humanos e
Educação (DGRHE)
Endereço desse serviço:
Av.ª 5 de Outubro
Código postal: 4824 501
Localidade: Fafe
Telefone: 00351
253700400
Fax: 00351 253700409
Endereço Electrónico:
escolas@cm-fafe.pt
9.2 - Meio electrónico
de fornecimento das peças do concurso e de apresentação das propostas
Plataforma electrónica
utilizada pela entidade adjudicante: http://www.vortalgov.pt
10 - PRAZO PARA
APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS OU DAS VERSÕES INICIAIS DAS PROPOSTAS SEMPRE QUE SE
TRATE DE UM SISTEMA DE AQUISIÇÃO DINÂMICO
Até às 24 : 00 do 12 º
dia a contar da data de envio do presente anúncio
11 - PRAZO DURANTE O
QUAL OS CONCORRENTES SÃO OBRIGADOS A MANTER AS RESPECTIVAS PROPOSTAS
66 dias a contar do
termo do prazo para a apresentação das propostas
12 - CRITÉRIO DE
ADJUDICAÇÃO
Mais baixo preço
13 - DISPENSA DE
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO: Sim
14 - IDENTIFICAÇÃO E
CONTACTOS DO ÓRGÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO
Designação: Presidente
da Câmara Municipal de Fafe
Endereço: Av.ª 5 de
Outubro
Código postal: 4824 501
Localidade: Fafe
Telefone: 00351
253700400
Fax: 00351 253700409
Endereço Electrónico:
geral@cm-fafe.pt
15 - DATA DE ENVIO DO
ANÚNCIO PARA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA
2011/08/11
16 - O PROCEDIMENTO A
QUE ESTE ANÚNCIO DIZ RESPEITO TAMBÉM É PUBLICITADO NO JORNAL OFICIAL DA UNIÃO
EUROPEIA: Não
17 - OUTRAS INFORMAÇÕES
Regime de contratação:
DL nº 18/2008, de 29.01
18 - IDENTIFICAÇÃO DO
AUTOR DO ANÚNCIO
Nome: José Manuel
Martins Ribeiro
Cargo: Presidente da
Câmara Municipal de Fafe.
(…)”
Olhemos agora para o
disposto na invocada alínea d) do n.º 1do artigo 79º do Código dos Contratos
Públicos:
Aqui se dispõe que não
há lugar a adjudicação, entre outras hipóteses, quando “Circunstâncias
supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas,
relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem”.
Como referem os autores
deste Código, Sérvulo Correia & Associados, no seu Manual de
Procedimentos – Contratação Pública de Bens e Serviços (do início do
procedimento à formação do contrato), ed. 2008, páginas 43 a 46, “a
consagração de um dever legal de adjudicar assenta na lógica de que a entidade
adjudicante, quando inicia um procedimento pré-contratual, dando dele conhecimento
ao mercado (através de convite ou de anúncio), fica vinculada a essa espécie de
“oferta ao público”, não podendo, em nome do princípio da boa -fé, defraudar as
expectativas legítimas de contratar que suscitou junto dos operadores
económicos”. E, mais adiante, “como contrapartida deste dever, os
concorrentes têm o direito de recorrer a uma acção administrativa especial de
condenação à prática do acto devido para obrigar a entidade adjudicante a tomar
a decisão de adjudicação, caso se encontre ultrapassado o prazo legal de
manutenção das propostas”.
E João Henrique
Pinheiro, em “Âmbito de aplicação do Código de Contratos Públicos e
normas comuns de adjudicação”, CEDIPRE OnLine 5, Fevereiro 2012,
página 123, “esta causa de não adjudicação quando invocada pela entidade
adjudicante, impõe um dever especial de fundamentação da decisão de não
adjudicação; Deverão ser enunciados e justificados não apenas os motivos da
imprevisibilidade das alterações verificadas, como a sua repercussão em
aspectos fundamentais da contratação em curso”, entendimento que se colhe
da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, de
02.06.2005, processo n.º C-394 /02, caso Comissão vs. Grécia).
No caso concreto não
houve inércia da Administração mas um acto expresso de não adjudicação e daí a
adequação do presente meio processual, de impugnação.
Assim, como se refere na
sentença recorrida, o artigo 79º do Código dos Contratos Públicos consagra
verdadeiras causas de justificação para a decisão de não adjudicação – que determina
a revogação da decisão de contratar, nos termos do artigo 80º, nº 1, do mesmo
diploma -, fundadas em razões de interesse público e sem as quais o acto
impugnado seria ilegal por violação do princípio da boa-fé, na espécie tutela
da confiança (artigo 6º-A do Código de Procedimento Administrativo).
Vejamos por isso se se
verificam ou não “circunstâncias supervenientes … que o justifiquem”.
Em matéria de transporte
escolar e respectivos concursos, o regime legal previsto é aquele que se mostra
definido pelo Decreto-Lei n.º 299/84, de 05.09, e pela Portaria n.º 766/84.
Este regime não foi
revogado pelo novo regime jurídico em matéria de transporte colectivo de
crianças introduzido pela Lei n.º 13/2006,de 17.04, com excepção do n.º 2 do
artigo 12º, expressamente revogado pelo artigo 27ºda nova Lei.
Determina o artigo 6º do
Decreto-Lei n.º 299/84, sob a epígrafe “Meio de transporte a utilizar”:
1-Na efectivação do
transporte da população escolar serão utilizados, em princípio, os meios de
transporte colectivo (rodoviário, ferroviário ou fluvial) que sirvam os locais
dos estabelecimentos de ensino e de residência dos alunos, nos termos dos
artigos 11º a 14° deste diploma.
2-Para os efeitos
referidos no número anterior, serão considerados os meios de transporte
colectivo cujos terminais ou pontos de paragem se situem a distância não
superior a 3 km da residência dos alunos ou do estabelecimento de ensino e, bem
assim, os que não obriguem os estudantes a tempos de espera superiores a 45
minutos, ou a tempos de deslocação superiores a 60 minutos, em cada viagem
simples.
3-Sempre que os meios de
transporte colectivo não preencham as condições fixadas nos números anteriores
ou, preenchendo-as, não satisfaçam regularmente as necessidades do transporte
escolar no que se refere quer ao cumprimento dos horários quer à realização dos
desdobramentos que se revelem necessários, poderão ser utilizados veículos em
regime de aluguer ou de propriedade dos municípios para a realização de
circuitos especiais, de acordo com o disposto nos artigos 15.°a 17.º”
Por seu turno, determina
o artigo 15º deste diploma:
“1-Os circuitos
especiais podem ser efectuados directamente pelos municípios através de
veículos próprios ou adjudicados mediante concurso.
2-O concurso a que se
refere o número anterior será promovido pelas câmaras municipais até ao dia 20
de Abril e reger-se-á por normas específicas, a fixar em portaria dos
Ministérios da Administração Interna e do Equipamento Social, ouvida a
Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
(…)
4-Os veículos utilizados
na realização dos circuitos especiais deverão estar identificados nos termos da
Portaria n ° 324/82, de 25 de Março, com a redacção que lhe foi dada pela
Portaria n ° 475/83, de 22 de Abril.”
No caso concreto, a decisão
de não adjudicação fundou-se no facto de a aqui contra-interessada R…, SA -
após o prazo de aceitação de candidaturas no âmbito do concurso para
transportes escolares (circuitos especiais) – ter comunicado à Câmara Municipal
de Fafe a criação de um novo título de transporte (passe estudante sub/10), em
parceria com as também aqui contra-interessadas empresas AP. … e Auto V. ….
A questão que se coloca
desde logo é a de saber se este acordo cobre as necessidades de transporte que
se pretendiam satisfazer com o concurso em causa, ou seja, se o objecto de um e
de outro são coincidentes.
Antes de mais importa
referir que o ónus da prova da existência de uma causa justificativa para a não
adjudicação cabe à entidade demandada.
Estamos perante um acto
de conteúdo positivo, o acto que põe revoga a anterior decisão de contratar.
Ora, como nos diz Mário
Aroso de Almeida, nos Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 20, p.
48-49:
“… há que distinguir,
nesta matéria, consoante o acto impugnado é um acto de conteúdo positivo, que
exprime uma posição da Administração cujos fundamentos a ela cumpre demonstrar
pela positiva ou, pelo contrário, é um acto de conteúdo negativo, que se limita
a refutar uma pretensão que tinha sido apresentada pelo particular.
Pois consoante se trate
de um ou de outro caso, assim se diferenciam as posições em que as partes se
encontram colocadas no quadro da relação subjacente ao recurso.
Comecemos, pois, pela
hipótese, estruturalmente mais simples, do recurso de impugnação de um acto de conteúdo
positivo. É neste domínio que as partes figuram no recurso em posições
invertidas em relação àquelas que lhes pertencem no quadro da relação jurídica
substantiva.
(…)
Ora, esta diferença de
natureza substantiva deve, a nosso ver, projectar-se no plano da definição das
regras de decisão com base nas quais o tribunal deve decidir nas situações em
que nenhuma conclusão clara tiver resultado de toda a prova reunida em favor de
qualquer das partes.
a) Assim, se o
recorrente alegar o não preenchimento dos pressupostos do acto, deve recair
sobre a Administração o risco da falta de prova da respectiva verificação.”
No mesmo sentido se
pronunciou Vieira de Andrade, em “A Justiça Administrativa”, p.
271.
E, citando esta
doutrina, chegou-se à mesma conclusão nos Acórdãos deste Tribunal Central
Administrativo Norte de 07.12.2004, no recurso 00105/04, de 13.01.2011,
processo n.º 02258/05.0BEPRT, de 01.04.2011, processo n.º 461/08.0BEPRT, e de
15.04.2011, no processo n.º 00338/06.3BEMDL.
Sucede que da matéria de
facto provada não resulta que o objecto posto a concurso seja coincidente com o
objecto do acordo celebrado.
O objecto posto a
concurso foi o de transporte especial para os alunos do 1º ciclo e pré-escolar.
Este transporte tem
regras próprias, as que resultam da Lei n.º 13/2006, de 17.4, em particular:
- motoristas idóneos e
com certificado emitido pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes
Terrestres – artigos 6º e 7º;
- necessidade de
vigilantes – artigo 8º;
- lotação dos autocarros
– artigo 10º;
- lugares de sentado e
sistemas de retenção de crianças – artigo 11º;
E também a exigência do
citado artigo 6º do Decreto-Lei n.º 299/84:
- um percurso em que se
preveja uma recolha próxima da habitação dos alunos e com um período máximo de
espera.
Ora do acordo celebrado
verifica-se que não são cumpridas integralmente estas exigências.
Apenas se refere, de
forma equívoca, que “garante o direito a lugar sentado, em autocarros que
respeitem a Lei n.º 13/2006, de 17 de Abril, com excepção do n.º 2 do artigo
8º; em cada autocarro deverá ser assegurada a presença de um acompanhante”.
Foram aliás, as próprias
empresas que celebraram o contrato, em 25.07.2011 – fazendo fé no teor do
documento particular feito pelas próprias e reproduzido a fls. 51-53 e no ponto
12 dos factos provados –, que assumiram implicitamente que este acordo não
cobria as necessidades que se pretendiam satisfazer com a adjudicação em causa,
dado que também se apresentaram ao concurso, aberto por aviso de 11.08.2011,
com propostas que satisfaziam as exigências do concurso e não referiram logo a
celebração desse acordo.
Só se lembraram de o
referir depois de conhecidas todas as propostas.
Ou seja, jogando em dois
tabuleiros, o da concessão e o do concurso, as empresas que celebraram o acordo
em causa estavam em vantagem em relação às demais empresas concorrentes.
E objectivamente usaram
essa vantagem para pôr cobro ao concurso, certamente considerando mais
vantajoso o uso da concessão ou prevendo não ganhar o concurso.
O que contraria as
regras da boa-fé.
Em conclusão, ao
contrário do decidido, o acto de não adjudicação não se mostra justificado por
circunstância superveniente ao termo do prazo fixado para a apresentação das
propostas, antes se mostra objectivamente fundado em circunstâncias contrárias
aos ditames da boa-fé.
Termos em que, desde
logo, se verifica a apontada violação do artigo 79º, nº 1, al. d) do Código dos
Contratos Públicos.
2.2. A violação do
princípio da concorrência.
Alega a Recorrente neste
capítulo que: o acordo em causa, celebrado entre empresas concorrentes, altera
unilateralmente as condições da concessão que lhes foi outorgada e
consubstancia uma verdadeira proposta apresentada ao concurso em apreço
apresentada extemporaneamente e propondo um preço total mais elevado do que o
da Recorrente, pelo que a sua escolha viola o princípio da concorrência.
E também aqui tem razão.
Não estando aqui em
causa o contrato de concessão, teremos de nos centrar apenas no acto de não
adjudicação.
O princípio da concorrência
encontra-se consagrado, entre outros, nos artigos 1º, n.º4, e 16º, ambos do
Código dos Contratos Públicos.
Como refere Rodrigo
Esteves de Oliveira em “Os princípios gerais da contratação pública, nos
Estudos de Contratação Pública”, Tomo I, CEDIPRE, Coimbra Editora, 2008,
página 66, «o princípio da concorrência é actualmente a trave-mestra da
contratação pública».
Sendo uma trave mestra
da contratação pública, não se aplica apenas aos procedimentos dentro do
próprio concurso mas também, e por maioria de razão, à decisão de adjudicar ou
não adjudicar.
O princípio da
concorrência visa, além de outros objectivos, a escolha da melhor solução para
uma determinada necessidade pública. Ora esta necessidade melhor se satisfaz
com a submissão a concurso do que com a entrega a um concessionário preterindo
o concurso.
E no caso concreto é
manifesta, em nosso entender, a violação deste princípio.
Embora o acordo seja um
facto exterior ao concurso não lhe é alheio, como se reconhece na decisão
recorrida.
Mas não apenas não é
alheio como teve repercussão directa e imediata no concurso.
Desde logo é um acordo
celebrado entre candidatos ao concurso em apreço.
E serviu de fundamento à
revogação da decisão de contratar, favorecendo objectivamente as empresas que celebraram
o acordo em detrimento dos demais candidatos.
Assim, também ao
contrário do decidido, se tem por verificada a violação do princípio da
concorrência.
Ainda que tal não se
considerasse, sempre o princípio do “favor” do procedimento, dos concorrentes e
das propostas, impunha a decisão de contratar no caso concreto.
Como sustenta Rodrigo
Esteves de Oliveira, obra citada, página 113: “Se valores jurídicos
fundamentais – como o da concorrência, da transparência, da imparcialidade e da
igualdade – não funcionarem, é dizer, não impuserem a anulação do acto da
entidade adjudicante ou dos actos dos concorrentes, então deve dar-se primazia
aos valores sócio – administrativos inerentes à abertura do procedimento e aos
sacrifícios e incómodos, muitas vezes desmesurados, que apresentar uma
candidatura ou proposta envolve”.
*
Pelo exposto, os juízes
da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam
em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, pelo que:
A) Revogam a sentença
recorrida;
B) Anulam o acto
impugnado, de não adjudicação, por violação do disposto na alínea d) do n.º 1
do artigo 79º do Código dos Contratos Públicos, e do princípio da concorrência.
*
Porto, 19 de Outubro de 2012
Ass. Rogério Martins
Ass. João Beato de Sousa
Ass. Antero Salvador
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