sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL - PRESSUPOSTOS



Proc. Nº 857/12   STA - 1ª Secção   13 de Setembro de 2012 

I - Saber se o ente público que lança um concurso e estabelece as características do serviço pretendido e as condições respectivas, pode validamente estabelecer uma cláusula que obriga os concorrentes a informar no procedimento todos os tarifários que gere para a prestação de serviços da mesma natureza, é uma questão que tem implicações com o regime geral da validade da introdução de cláusulas desta natureza nos contratos públicos à luz dos artigos 57.º n.º 1 - c) e 70.º n.º 2 - b) do CCP.
II - A decisão em revista da referida questão apresenta interesse objectivo na aclaração do regime legal em causa, que é novo, de aplicação extremamente frequente e não foi ainda objecto de pronúncia do Supremo, que importa intervir no exercício da tarefa que lhe incumbe de contribuir para uma melhor aplicação do direito

Formação de Apreciação Preliminar

Acordam em conferência na Secção do Contencioso Administrativo do STA:

I – Relatório.

A……… S.A. e

REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

Inconformados com o Acórdão do TCA Sul de 24.05.2012, que, revogando a sentença de 1.ª instancia proferida na presente acção administrativa especial, julgou procedente a acção proposta por

B………, S.A.
pedem a admissão de recurso excepcional de revista.

Para sustentar a pretensão nesta fase alega, em resumo, a A………:
O Acórdão recorrido não atendeu à definição pela Região Autónoma do conteúdo do contrato a celebrar e ao direito que lhe assiste a fazê-lo. Efectivamente, o ponto 3, al. b) do convite para apresentação de propostas determina que os concorrentes deverão incluir na proposta todos os tarifários em vigor, o que a B……… não fez pelo que foi excluída.
A questão da liberdade de actuação e dos poderes de definir os requisitos a exigir na contratação pública é matéria de importância geral e de especial complexidade. A informação exigida apresenta interesse objectivo porque o concorrente que vier a ser contratado obriga-se a aplicar um desconto comercial em todos os planos de tarifas, mesmo não incluídos no contrato - cláusula 4, n.º 2 e) e f) -, mas que venham a ser solicitados pela entidade adjudicante e o facto de não ser um elemento submetido à concorrência pelo caderno de encargos não significa que não se trate de elemento essencial do contrato a celebrar.

A Região Autónoma dos Açores para justificar a admissão alega em resumo:
- Está em causa saber se a proposta da B……… ao não apresentar os tarifários em vigor nas chamadas para outros operadores e para os serviços associados à marca C……… deveria ou não ter sido excluída, questão que é bem possível repetir-se em casos idênticos.
- O tratamento dado à questão pelas instâncias não foi unânime, o que mostra a necessidade de intervenção do Supremo.

A B……… contra alegou opõe-se à admissão do recurso por não se verificarem os pressupostos necessários.

II - Apreciação:
1. Os pressupostos do recurso de revista.
O art. 150° nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode ser admitido, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, A excepcionalidade deste recurso tem sido reiteradamente sublinhada pela jurisprudência da formação do STA encarregada de efectuar esta filtragem, referindo que, para não se banalizar, só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito.
A intervenção do STA é considerada justificada apenas em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador.
A jurisprudência desta formação tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo artigo 150º no 1 do CPTA, se verifica tanto em face de questões de direito substantivo, como de direito processual, sendo essencial que a questão atinja o grau de relevância fundamental. Nos termos da referida jurisprudência, o preenchimento do conceito indeterminado verifica-se, designadamente, quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação conjunta e harmonizada de diversos diplomas legais e institutos jurídicos, seja pelo carácter inovador, seja porque o seu tratamento suscita dúvidas sérias que fluem da jurisprudência ou da doutrina.
E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando apresente capacidade de repercussão de grande impacto na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias jurídicas tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, sendo que com este recurso não se visa primariamente a correcção de erros judiciários, antes se há-de entender a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de fazer intervir o Supremo com vista à boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo.
2. Da aplicação ao caso dos autos.
O Acórdão recorrido entendeu que a informação exigida sobre os tarifários em vigor nas chamadas para outros operadores e na C……… não fazem parte da fórmula de pontuação das propostas, pelo que não eram submetidas à concorrência. E não podiam ser introduzidas como exigência de elementos relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência, porque são uma característica do produto e não cabem na previsão do artigo 57.º n.º 1- c) do CCP.

A posição adoptada pelo TCA apresenta-se discutível, não só pelo facto de contradizer a decisão de 1.ª instancia como também por carecer de clareza e força argumentativa, entrando a interpretar o regime legal dos aspectos não submetidos à concorrência, donde retira elementos que podem relevar decisivamente para definir a vinculação a que fica obrigado o fornecedor do serviço. Saber se, nestas condições, o contratante que lança o concurso e estabelece as características do serviço pretendido e as condições respectivas, pode estabelecer validamente uma cláusula como a que o Governo Regional introduziu, é uma questão que tem implicações com o regime geral da validade da introdução de cláusulas desta natureza nos contratos públicos à luz dos artigos 57.º n.º 1 - c) e 70.º n.º 2 - b) do CCP.
Portanto, a decisão da questão central da revista pedida apresenta interesse objectivo na aclaração do regime legal em causa, que é novo, de aplicação extremamente frequente e não foi objecto de pronúncia do Supremo, que importa fazer intervir no exercício da tarefa que lhe incumbe de contribuir para uma melhor aplicação do direito.

Ou seja, conclui-se que a questão de direito assume, no caso, importância fundamental para o bom funcionamento do contencioso administrativo o que justifica a admissão da revista nos termos do n.º 1 do art.º 150.º do CPTA

III – Decisão:
Em conformidade acordam em conferencia, na formação a que se refere o n.º 5 do art.º 150.º do CPTA, em admitir a revista.
Sem custas nesta fase.

Lisboa, 13 de Setembro de 2012. - Rosendo Dias José (relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho – Luís Pais Borges

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