Proc.
Nº 09123/12 27 Setembro 2012 TCAS
I. A legalidade do ato de
exclusão de uma proposta não se pode basear no juízo comparativo com a proposta
de outra concorrente, por essa não constituir o parâmetro da legalidade
objetiva do procedimento de formação do contrato.
II. A legalidade do ato administrativo impugnado, afere-se, isso sim, pelas normas conformadoras do procedimento pré-contratual constantes das peças do procedimento – que não se mostram impugnadas em juízo –, e pelas normas legais aplicáveis.
III. Não é finalidade da instância de recurso conhecer de questões novas, anteriormente não suscitadas, já que a finalidade do recurso é a de reapreciação da decisão judicial recorrida e não um novo julgamento da causa, excluídas as questões de conhecimento oficioso.
II. A legalidade do ato administrativo impugnado, afere-se, isso sim, pelas normas conformadoras do procedimento pré-contratual constantes das peças do procedimento – que não se mostram impugnadas em juízo –, e pelas normas legais aplicáveis.
III. Não é finalidade da instância de recurso conhecer de questões novas, anteriormente não suscitadas, já que a finalidade do recurso é a de reapreciação da decisão judicial recorrida e não um novo julgamento da causa, excluídas as questões de conhecimento oficioso.
Acordam em conferência na Secção de
Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO
A A...– Seguros
Gerais, SA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor
recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de
Lisboa, datada de 10/06/2012 que, no âmbito do processo de contencioso
pré-contratual, nos termos do disposto no artº 100º e segs. do CPTA, movido
contra a Parque Escolar, EPE e a Contrainteressada, B...Limited –
Sucursal em Portugal, aí melhor identificadas, julgou a ação improcedente,
de impugnação da deliberação do Conselho de Administração da Parque Escolar, de
exclusão da proposta da autora e de adjudicação da proposta à
contrainteressada, e de condenação à prática de ato devido, a adjudicar a
prestação de serviços à proposta apresentada pela autora, no âmbito do concurso
público para prestação de serviços de seguro multirriscos escolar para as
escolas da coordenação DEL-S6.
Formula a aqui
recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 251 e segs. – paginação
referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores),
as seguintes conclusões que se reproduzem:
“1ª O presente recurso é
interposto da douta sentença proferida pelo TACL, em 10.06.2012, de fls. 215 a
238, que julgou a ação intentada pela A. A..., ora Recorrente, contra a R.
PARQUE ESCOLAR, aqui Recorrida, improcedente;
2ª A sentença recorrida
revela-se desde logo ilegal, quando o Tribunal a quo se recusou a
analisar o conteúdo da proposta da outra concorrente, aqui Contrainteressada,
com o argumento de que a A. não teria deduzido qualquer pedido de anulação da
decisão que a admitiu, pois tal juízo resulta de um manifesto erro de
interpretação do pedido e da causa de pedir, tal como foram configurados pela
A. na sua p.i.;
3ª Em rigor, a A. nunca
alegou a invalidade da proposta da outra concorrente, pois o que pretendeu (e
pretende) é a comparação do conteúdo desta com o da sua proposta para prova do
cumprimento das exigências e requisitas do concurso. Ou seja, a invocação do
conteúdo da proposta da ACE, Contrainteressada, visava a prova de que a
proposta da A..., A. e aqui Recorrente, cumpria a Lei e o Programa de Concurso,
pelo que a sentença recorrida merece censura por erro de
interpretação do pedido e da causa de pedir e, principalmente por se ter
escusado a analisar todos os argumentos deduzidos na p.i. e todos os meios de
prova oferecidos, violando, assim, o disposto nos art.° 515°, 653°, n.° 2 e
660º, n.° 2. 1ª parte do CPC (vide supra pontos 6. a 9.);
4ª No que concerne à
legalidade da proposta da A...e, por inerência, à ilegalidade do a.a. que a
excluiu, constatamos que nos autos existem elementos que o demonstram de modo
claro e evidente, que resultam:
i. do próprio conteúdo da proposta;
ii. da comparação com o conteúdo da proposta
da outra concorrente;
iii. do confronto com a conduta da entidade
adjudicante nos outros procedimentos que decorreram em simultâneo e para o
mesmo tipo de prestação de serviços.
Quanto ao conteúdo da
proposta da A...
5ª O ponto 8.1 do
Programa do Concurso – que o a.a. impugnado e a sentença recorrida consideraram
incumprido –, refere que o concorrente deve instruir a sua proposta com os
seguintes documentos:
“(...)
a. Declaração do
concorrente de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos, de acordo com o
modelo constante do ANEXO I do Código dos Contratos Públicos;
b. Declaração com
indicação do preço contratual, elaborada de acordo com o ANEXO I ao presente
Programa de Concurso;
c. Nota justificativa do
preço proposto, a qual deve conter, entre outros, os elementos referidos no
ANEXO II,
d. “Memória
Descritiva” com descrição do âmbito da prestação de serviços e a
metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato de
seguros.), e todos os aspetos técnicos ou outros que considere relevantes
para a prestação de serviços em questão.”.
6ª Sucede que a A.
cumpriu integralmente a exigência da alínea d) com a «descrição do âmbito
da prestação de serviços e a metodologia a empregar na abordagem da mesma»,
pois apresentou não só um documento específico para tal alínea, com a
descrição e apresentação da Companhia e dos serviços prestados – Vendas, Pós-vendas,
Sinistros, nomeadamente no acompanhamento comercial e de sinistros, informação
de crucial relevância no conhecimento da empresa e na sua forma de trabalhar, como
ainda assumiu expressamente todo o conteúdo do Caderno de Encargos e do
respetivo Anexo I – Especificações Técnicas, através da assinatura e entrega da
mencionada Declaração de aceitação – vide fls. 78 e 79 e 13 a 28 do
processo administrativo;
7ª Ou seja, a análise da
proposta da Recorrente A..., considerando todos os seus elementos (documentos
e atributos), evidencia que o seu conteúdo material cumpre e preenche todas as
condições e requisitos do Programa de Concurso, do Caderno de Encargos e do
Código dos Contratos Públicos, pelo que a deliberação em causa, de exclusão
da proposta da A. A...e subsequente adjudicação da proposta da “ACE”, é
manifestamente ilegal, por violação do art.° 70º e 156° do CCP e, assim,
anulável, cfr. art.° 135° do CPA (vide supra pontos 11. a 19.);
Quanto à comparação com
o conteúdo da proposta da concorrente ACE
8ª Compulsado o teor da
proposta da Contra-Interessada ACE, verifica-se que para cumprir a mencionada
alínea d) - «descrição do âmbito da prestação de serviços e a metodologia
a empregar na abordagem da mesma» - esta concorrente se limitou a
transcrever literalmente o teor do Apêndice do Anexo I - Especificações
Técnicas - do Caderno de Encargos, como se pode verificar a fls. 55 a 63
do processo administrativo, quando confrontado com o teor do referido Anexo
I a fls. 17 a 27 do mesmo processo;
9ª Pelo contrário, a
Recorrente A...apresentou como Memória Descritiva algo a mais, que inovou face
os teor das peças concursais com a descrição e apresentação da Companhia e dos
serviços prestados, fornecendo elementos que a “ACE” não forneceu, pelo que se
encontra mais completa, detalhada e informativa, cumprindo melhor o estipulado
no Programa de Concurso (vide supra pontos 20. a 23.);
Quanto à não exclusão da
Recorrente em concursos similares e simultâneos
10ª A incoerência e a
ilegalidade do a.a. impugnado é ainda mais flagrante quando se verifica que contraria
as decisões tomadas em todos os outros concursos que decorreram em simultâneo,
também promovidos pela R. PARQUE ESCOLAR, nos quais os respetivos Programas
de Concurso exigiam a junção de documento com a proposta denominado “Memória
Descritiva”, tendo a A...concorrido a todos eles e aí apresentado documento
com teor exatamente igual ao que entregou no concurso em causa nos
presentes autos;
11ª Ao invés do que
sucedeu com este concurso, as propostas apresentadas pela A...em todos os
outros concursos, que decorreram em simultâneo, foram admitidas, o que
demonstra uma disparidade de análise das propostas nos diferentes
concursos promovidos pela mesma entidade e nos critérios de exclusão que não é
admissível, por constituir violação dos Princípios da transparência, da
igualdade e da concorrência, tal como previstos no art° 1., n.° 4 do CCP (vide
supra pontos 24. a 26.);
12ª Neste contexto, a
proposta da ora Recorrente não poderia ter sido excluída, com fundamento na
violação do n.° 2 do art.° 70º, aplicável por remissão da al. o) do n.° 2 do
art. 146° e do n.° 1 do art.° 160° do CCP, pelo que a Deliberação de exclusão
da proposta da A...e de adjudicação da proposta da ACE é ilegal, logo anulável,
cfr. art.° 135° do CPA;
13ª Por tudo o exposto supra,
a sentença recorrida faz um errado julgamento da matéria de facto e aplicação
do Direito aos factos, incorrendo em erro de julgamento, com violação das
normas supra identificadas, pelo que deverá ser revogada com esses fundamentos,
proferindo-se decisão que julgue procedente a ação administrativa especial e
anule o ato administrativo, com todas as demais consequências legais.”.
Conclui, pedindo a
procedência do recurso e a anulação do ato impugnado.
*
A recorrida, Parque Escolar apresentou contra-alegações, assim tendo concluído:
“A) A Sentença
recorrida não merece censura, tendo atendido ao pedido e à causa de pedir,
devidamente identificados pela Recorrente na PI.
B) A Sentença recorrida não evidencia erro
de julgamento.
C) Também não se alcança o vício de nulidade
da Sentença, mormente com fundamento numa das causas referidas no n.° 1 do art°
668.° do CPC.
D) De todo o modo, a Recorrente não invoca a
nulidade da Sentença no Requerimento do Recurso, nos termos do n.° 2 do art.°
144.° do C.P.T.A., nem nas Conclusões do Recurso interposto, de acordo com o
n.° 4 do art.° 668.° do CPC.
E) A Memória Descritiva que instruiu a
proposta da Recorrente, não cumpre o exigido na al, d), do ponto 8.1 do
Programa do Concurso, pelo que a entidade adjudicante, ora Recorrida, não teve
alternativa para além de excluir a proposta apresentada.
F) Nos n.°s 10 a 27 das Alegações de Recurso,
a Recorrente, transcrevendo parcialmente a PI, reclama vícios do ato
administrativo em aresto, e não vícios da Sentença recorrida, olvidando os ónus
que sobre ela impendem decorrentes dos art°s 685°-A e 685.°-B do CPC, o que se
invoca com as consequências legais.
G) É manifesta a tentativa de levar o
Tribunal ad quem a reapreciar o ato administrativo que deliberou a
exclusão da proposta da Recorrente do Concurso Público, com o argumento que
deverá aquela ser comparada com a apresentada por outro concorrente, o que não
se concede.
H) Em conclusão, não pode a Recorrida
concordar que a Sentença recorrida viola “o disposto nos art.°s 515.°,
653.°, n.° 2 e 660.°, n.° 2, 1ª parte do CPC”.
Pede que o recurso seja
julgado totalmente improcedente.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 357).
*
O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO -
QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e
decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objeto do
recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos
termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex
vi artº 140º do CPTA.
As questões suscitadas,
ordenadas segundo a sua ordem lógica de conhecimento, resumem-se, em suma, em
determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1. Erro de julgamento de Direito, quanto à interpretação do pedido e da causa de pedir, ao recusar analisar todos os argumentos e todos os meios de prova (i.e. ao recusar analisar o conteúdo da proposta da contrainteressada e a comparar o conteúdo dessa proposta com a da autora) [conclusões 2ª, 3ªº e 4ª];
2. Erro de julgamento de Direito, quanto ao conteúdo da proposta da autora e quanto ao motivo de exclusão [conclusões 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª e 13ª].
1. Erro de julgamento de Direito, quanto à interpretação do pedido e da causa de pedir, ao recusar analisar todos os argumentos e todos os meios de prova (i.e. ao recusar analisar o conteúdo da proposta da contrainteressada e a comparar o conteúdo dessa proposta com a da autora) [conclusões 2ª, 3ªº e 4ª];
2. Erro de julgamento de Direito, quanto ao conteúdo da proposta da autora e quanto ao motivo de exclusão [conclusões 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª e 13ª].
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO
O Tribunal a quo
deu como assentes os seguintes factos:
“1. Por aviso publicado
na II Série do DR, em 24.5.2011, e disponibilizado pelas 17h32m, a Ré procedeu
à abertura do Concurso Público Urgente n° 183/2011, para aquisição de serviços
de seguro multirriscos escolar para as escolas da coordenação DEL-S6, nos
termos constantes a fls 45 a 47 do instrutor, aqui dados por reproduzidos na
íntegra;
2. O Caderno de Encargos
e o Programa de Procedimento, cujos respetivos conteúdos constantes
respetivamente a fls 3 a 27 e 29 a 42 do processo instrutor aqui se dão por
reproduzido na íntegra, foram disponibilizados na plataforma eletrónica de
compras da Construlink, no endereço eletrónico: http://www.compraspublicas.com;
3. O ponto 8 do Programa
de Procedimento estabeleceu os documentos que instruem a proposta,
nomeadamente, a memória descritiva, com descrição do âmbito da prestação de
serviços e a metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato
de seguros) e todos os aspetos técnicos ou outros que considere relevantes para
a prestação de serviços em questão (Ponto 8.1 al d);
4. O ponto 15.1 do
Programa de Concurso fixou como critério de adjudicação, o do preço mais baixo;
5. Em 30.5.2011, a
Autora apresentou a sua proposta ao concurso nos termos constantes a fls 78 e
seg do instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra;
6. Para instrução da
proposta, a título de “Memória Descritiva, a Autora apresentou o enunciado
constante a fls 83 a 91 do instrutor, aqui dado por reproduzido na íntegra;
7. Em 30.5.2011, a
Contra-Interessada apresentou a sua proposta ao concurso nos termos constantes
a fls 50 e seg do instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra;
8. Em 31.5.2011, a Ré
elaborou o Relatório, constante a fls 104 a 105, pelo qual propôs a exclusão da
ora Autora, com o fundamento da sua proposta não incluir na memória descrita a
descrição do âmbito da prestação de serviços e a metodologia a empregar na
abordagem da mesma, concluindo pela proposta de adjudicação à
ContraInteressada, cuja proposta cumpre todos os requisitos;
9. Em 9.6.2011, o
Conselho de Administração da Ré deliberou adjudicar o presente procedimento à
ora Contra-Interessada;
10. Em 14.6.2011, a
Autora foi notificada do Relatório e da Decisão de Adjudicação;
11. Em 21.6.2011, pelas
22h12m, a Autora enviou à Ré reclamação da Deliberação do Conselho de
Administração que decidiu adjudicar a prestação de serviços à
Contra-Interessada, nos moldes constantes a fls 146 a 151 do instrutor, aqui
dados por reproduzidos na íntegra;
12. Em 7.7.2011, o
Conselho de Administração da Ré deliberou negar provimento à reclamação
apresentada, com fundamento na sua extemporaneidade;
13. Em 7.7.2011, a Ré
notificou a Autora da decisão de negar provimento à reclamação apresentada;
14. Em 22.7.2011, a
Autora interpôs a presente ação de contencioso pré-contratual, pelo qual
impugna a decisão de adjudicação da Ré.”.
DE DIREITO
Considerada a
factualidade supra fixada, não impugnada pela recorrente, importa, agora,
entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.
1. Erro de julgamento de Direito, quanto à interpretação do pedido e da causa de pedir, ao recusar analisar todos os argumentos e todos os meios de prova (i.e. ao recusar analisar o conteúdo da proposta da contrainteressada e a comparar o conteúdo dessa proposta com a da autora) [conclusões 2ª, 3ªº e 4ª]
Nos termos da alegação
do recurso, vertida nas conclusões referidas, a sentença recorrida interpreta
de modo erróneo o pedido e a causa de pedir, pois a autora, ora recorrente não
invocou a ilegalidade da proposta da contrainteressada, antes invocou o
conteúdo da proposta da contrainteressada para efeitos comparativos, para assim
provar que a sua proposta cumpre na íntegra o estipulado no programa de
concurso.
Não foi invocado que a
proposta da contrainteressada devesse ser excluída, o que se disse é que a
proposta da autora cumpre tanto ou melhor que a proposta da contrainteressada,
não existindo fundamento para o ato impugnado.
Está em causa a
invalidade da deliberação que decidiu excluir a proposta da autora, por alegada
violação da alínea f), do nº 2 do artº 70º do CCP, por remissão da alínea o) do
nº 2 do artº 146º e do nº 1 do artº 160º do CCP e a adjudicação à única
proposta admitida.
A invocação do conteúdo
da proposta da contrainteressada visava a prova de que a proposta da autora
cumpre a lei e o programa de concurso.
Analisando.
Nos termos invocados
pela recorrente, o que está em causa saber com o presente fundamento do recurso
é se incorre a sentença recorrida na censura que lhe é dirigida – erro de
interpretação do pedido e da causa de pedir, recusando analisar todos os
argumentos e todos os meios de prova – ao recusar comparar a proposta da autora
com a da contrainteressada, com o propósito de aferir da legalidade do
fundamento de exclusão da proposta da autora, por alegado incumprimento do
disposto na alínea d), do ponto 8.1. do programa de concurso, que exige a
apresentação de uma memória descritiva, com a descrição do âmbito da prestação
dos serviços e da metodologia a aplicar na gestão do contrato de seguro.
Conformando-se a
recorrente com a matéria de facto fixada na sentença, não a impugnando, está
por isso em causa um erro de julgamento de Direito.
Resulta da sentença
impugnada, o seguinte trecho, que se passa a transcrever:
“Da factualidade
assente dos autos resulta que a Autora instruiu a sua proposta, com a “Memória
Descritiva, constante a fls 83 a 91 do instrutor.
No referido documento, a
Autora versa sobre a Missão da A...Seguros, a sua História, Princípios
Institucionais e Empresarias, Fundações constituídas, enunciação dos Serviços
Pós-Vendas e Sinistros e os Produtos disponíveis.
A questão que se coloca
é a de saber se o referido documento, com o teor plasmado a fil 83 a 89 do
processo instrutor, cumpre ou não a exigência estipulada na alínea d) do Ponto
8.1 do Programa de Procedimento. Aí se estabelece que a apresentação da
proposta, por preenchimento na plataforma eletrónica, deve-se acompanhar em
anexo pelos elementos discriminados nas alíneas a) a f), nomeadamente, a
“Memória Descritiva”, com descrição do âmbito da prestação de serviços e a
metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato de seguros) e
todos os aspetos técnicos ou outros que considere relevantes para a prestação
de serviços em questão.
Ora, da leitura atenta
do documento anexado à proposta da Autora a título de memória descritiva,
alcança-se que a mesma não contem a descrição do âmbito da prestação de
serviços em apreço, nem qualquer referência concreta à metodologia a empregar
na abordagem da mesma (gestão do contrato de seguros) e aos aspetos técnicos ou
outros que considere relevantes para aquela prestação de serviços.
Significa isto que a
Autora não cumpriu o estipulado no Ponto 8.1 al. d) do Programa de Concurso.
(…)
A Autora alega ainda que
a Contra-Interessada se cingiu, no Ponto 8.1 al d), a dar informações e a
fornecer indicações já constantes das peças concursais elaboradas pela
adjudicante, reproduzindo as Especificações Técnicas do Anexo 1 ao CE, nada
mais acrescentando. Porém, a Autora não extraiu do alegado qualquer corolário
ou sequer deduziu pedido de anulação da decisão que admitiu aquela proposta.
Pelo que não cabe ao Tribunal conhecer aquela proposta e dos documentos anexos.
Tudo visto e ponderado,
impõe-se concluir que a Autora não cumpriu a exigência prescrita no Ponto 8.1
al d) do PC, pelo que o Relatório e a Decisão de Adjudicação não merece
censura, não padecendo do vício de violação de lei por ofensa ao art 70 n° 2 al
f) do CCP, ex vi do art 146 n° 2 al o) do CCP.”.
É de sufragar, in
totum, a fundamentação antecedente, dela resultando que a sentença
recorrida interpretou corretamente, quer o pedido, quer a causa de pedir
deduzidas na petição inicial.
Tendo a autora, ora
recorrente, impugnado o ato de exclusão da sua proposta, passou a sentença
recorrida a apreciar se se verifica o fundamento invocado pela entidade
adjudicante para a referida exclusão da proposta, analisando o teor do
documento que a recorrente alega como preenchendo o requisito previsto na
alínea d), do ponto 8.1. do programa de concurso.
Concluiu a sentença que
analisado esse documento, dele não constam as exigências a que alude o programa
de concurso, designadamente o mesmo “(…) não contem a descrição do âmbito da
prestação de serviços em apreço, nem qualquer referência concreta à metodologia
a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato de seguros) e aos aspetos
técnicos ou outros que considere relevantes para aquela prestação de serviços”.
Assim, passando o
Tribunal a quo a apreciar se a entidade adjudicante havia incorrido no
vício de violação de lei invocado como causa de pedir, ao excluir a proposta da
autora, aferiu, mediante análise da documentação que integra a proposta da
autora, que a mesma efetivamente não cumpre o exigido no programa do concurso.
Tal constitui uma
correta interpretação, quer do pedido, quer da causa de pedir.
Além disso, não incorre
a sentença recorrida na recusa de apreciação de todos os meios de prova, pois
que, para a estruturação da causa, tal qual delineada pela autora na petição
inicial, isto é, baseada no pedido e da causa de pedir, não releva apurar em
que medida as propostas apresentadas ao concurso se assemelham ou não, não
incidindo a presente ação sobre a proposta apresentada pela contrainteressada.
Ainda que, porventura,
se concluísse, como a autora pretende, que as propostas apresentadas ao
concurso são idênticas, no que à exigência da alínea d) do ponto 8.1. do
programa de concurso concerne, nenhuma consequência haveria a extrair desse
facto pois existe um juízo, formulado em termos absolutos, sobre o
desrespeito dessa cláusula por parte da proposta apresentada pela autora.
Por outras palavras,
ainda que se concluísse pela semelhança do conteúdo das propostas das duas
concorrentes relativamente a tal exigência das peças do procedimento, não só
não se poderia extrair qualquer consequência em relação à contrainteressada,
por tal questão não integrar o pedido e a causa de pedir da instância, como
nenhum benefício traria à autora, atento o juízo expendido em relação à
legalidade do fundamento de exclusão.
A legalidade do ato de
exclusão não se pode basear no juízo comparativo com a proposta de outra
concorrente, por essa não constituir o parâmetro da legalidade objetiva do
procedimento de formação do contrato.
A legalidade do ato
administrativo impugnado, afere-se, isso sim, pelas normas conformadoras do
procedimento pré-contratual constantes das peças do procedimento – que não se
mostram impugnadas em juízo –, e pelas normas legais aplicáveis.
Deste modo, não tem
razão de ser a censura dirigida contra a sentença recorrida, já que na mesma se
interpreta corretamente o pedido e a causa de pedir, não deixando de apreciar
os argumentos da autora, nem limitado os meios de prova.
Improcedem, pois, as
conclusões do recurso, em análise.
2. Erro de julgamento de Direito, quanto ao conteúdo da proposta da autora e quanto ao motivo de exclusão [conclusões 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª e 13ª]
Invoca a autora que erra
a sentença sob recurso quanto à análise do conteúdo da sua proposta e que não
se verifica o fundamento para a exclusão, para o que invoca três razões: (i) o
próprio conteúdo da proposta; (ii) a comparação com o conteúdo da proposta da
outra concorrente e (iii) o confronto com a conduta da entidade adjudicante
noutros procedimentos que decorreram em simultâneo e para o mesmo tipo de
prestação de serviços.
Por outro lado, alega
ainda que “(…) nunca se tinha confrontado em sede de candidaturas a
concursos públicos, cujo objeto é a prestação de serviços de seguros, com um
documento deste género, ou seja, com uma Memória Descritiva.” (cfr. ponto
12 da alegação).
E ainda que “este
documento não se parece coadunar com a natureza dos serviços de seguros”,
mas que, não obstante “instruiu a sua proposta com este documento”,
cumprindo a alínea d) do ponto 8.1. do programa de concurso.
Mais refere que, no que
se refere à descrição do “âmbito da prestação de serviços”, ela já
constava da proposta da autora, ao assinar a declaração de aceitação de todo o
conteúdo do caderno de encargos.
Defende assim, que a sua
proposta satisfaz integralmente tal cláusula do programa do concurso.
Vejamos.
Em primeiro lugar
resulta, quer do pedido e da causa de pedir da instância, que a autora não
impugnou qualquer cláusula incluída nas peças do procedimento, não pondo em
crise a sua legalidade.
Tanto mais, que alega
que deu integral cumprimento a todas as cláusulas do procedimento, não se
verificando motivo para a exclusão da sua proposta.
Em segundo lugar,
pretende a recorrente associar a alínea d), à alínea a), do ponto 8.1. do
programa do concurso, no sentido de que, ao dar cumprimento à referida alínea
a), que se refere à “declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do
caderno de encargos, de acordo com o modelo constante do Anexo I do Código dos Contratos
Públicos”, estaria a cumprir a exigência prevista na alínea d), relativa à
apresentação de “Memória descritiva com descrição do âmbito da prestação de
serviços e a metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato
de seguros), e todos os aspetos técnicos ou outros que considere relevantes
para a prestação de serviços em questão”.
Como disse a sentença
recorrida, “Revela-se improcedente por infundada a argumentação
ensaiada pela Autora a este propósito, de desvalorização da necessidade de
repetir, noutro documento do mesmo concurso, a descrição dos serviços a
prestar, quando já subscreveu a declaração a aceitar o conteúdo do Caderno de
Encargos. Com efeito, caso se pretendesse com a apresentação da Memória
Descritiva uma mera descrição da prestação de serviços a concursos, certamente
não teria individualizado a al d) do Ponto 8.1 do PC. Se tal foi feito, essa
exigência não pode confundir nem se basta com a declaração de aceitação do
conteúdo do C.E. Exige algo mais – concretamente, a descrição do âmbito daquela
prestação de serviços, a metodologia a empregar nessa abordagem (gestão do
contrato de seguros) e seus aspetos técnicos.”, nada mais se impondo dizer
quanto a tal questão.
Em terceiro lugar, não
põe a recorrente em crise a fundamentação constante da sentença recorrida
quanto o de a sua proposta não contemplar “(…) a descrição do âmbito
da prestação de serviços em apreço, nem qualquer referência concreta à
metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato de seguros) e
aos aspetos técnicos ou outros que considere relevantes para aquela prestação
de serviços”, não refutando ou contrapondo quaisquer argumentos que
permitam outro juízo.
Pelo que, é de recusar
que o próprio conteúdo da proposta revele a sua conformidade com a cláusula d)
do ponto 8.1. do programa de concurso.
No que respeita à
comparação da proposta da autora com o conteúdo da proposta da outra
concorrente, a que se refere a razão supra identificada em (ii), remete-se para
o que anteriormente foi aduzido, no sentido de esse documento, da autoria de um
particular, concorrente, não servir de parâmetro de legalidade ao procedimento
de formação de contratos.
Por último, em relação
ao confronto com a conduta da entidade adjudicante noutros procedimentos similares,
a que se refere em (iii), alega a recorrente que apresentou também proposta
noutros concursos abertos pela entidade recorrida, os quais se mostram
identificados nos autos, e que em todos eles se referia a obrigatoriedade de
junção de documento da proposta que consistia na denominada “memória
descritiva”, tendo sido admitidas as propostas que apresentou.
Segundo a recorrente tal
revela uma disparidade na análise das propostas nos diferentes concursos e nos
critérios de exclusão, que não é admissível, por violação dos princípios da
transparência, da igualdade e da concorrência, previstos no nº 4 do artº 1º do
CCP.
Ora, esta alegação é
incompatível com outra formulada no recurso, de que a ora recorrente “(…)
nunca se tinha confrontado em sede de candidaturas a concursos públicos, cujo
objeto é a prestação de serviços de seguros, com um documento deste género, ou
seja, com uma Memória Descritiva.”, pois não pode afirmar-se uma coisa e o
seu contrário.
Por outro lado,
compulsada a petição inicial e o presente recurso, decorre que só nesta sede
veio a recorrente invocar que o comportamento da entidade adjudicante viola os
princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, previstos no nº 4
do artº 1º do CCP.
Na petição inicial, a
autora não invocou tal fundamento de ilegalidade do ato de exclusão da
proposta, pelo que, sobre o mesmo a sentença não se debruçou, nada tendo
apreciado e decidido.
Está, por isso, em
causa, a alegação de uma questão nova, não anteriormente suscitada na
instância que, por essa razão, encontra-se subtraída do âmbito do conhecimento
da presente instância de recurso, visto constituir objeto do recurso
jurisdicional a reapreciação da decisão judicial recorrida e não um novo
julgamento, com a apreciação de novos fundamentos do pedido.
Daí que, em regra, não é
possível solicitar ao Tribunal ad quem que se pronuncie e decida uma
questão que não se integra no objeto da causa, tal como foi apresentada na
primeira instância.
O objeto do recurso
delimita-se objetivamente pela parte dispositiva da sentença que for
desfavorável ao recorrente (artº 684º, nº 2, 2ª parte) ou pelo fundamento em
que a parte vencedora decaiu (artº 684º-A, nºs 1 e 2).
Pelo que, não é possível
conhecer da citada questão, por se tratar de questão nova, anteriormente não
alegada e por a mesma não consistir matéria de conhecimento oficioso, que possa
ser conhecida pelo Tribunal independentemente da alegação das partes.
Nestes termos,
improcedem as conclusões do recurso em análise.
*
Termos em que, será de improceder o presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida.
*
Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:
I. A legalidade do ato de exclusão de uma
proposta não se pode basear no juízo comparativo com a proposta de outra
concorrente, por essa não constituir o parâmetro da legalidade objetiva do
procedimento de formação do contrato.
II. A legalidade do ato administrativo
impugnado, afere-se, isso sim, pelas normas conformadoras do procedimento pré-contratual
constantes das peças do procedimento – que não se mostram impugnadas em juízo
–, e pelas normas legais aplicáveis.
III. Não é finalidade da instância de recurso
conhecer de questões novas, anteriormente não suscitadas, já que a
finalidade do recurso é a de reapreciação da decisão judicial recorrida
e não um novo julgamento da causa, excluídas as questões de conhecimento
oficioso.
*
Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida por não provados os fundamentos do recurso.
Custas pela recorrente.
(Ana Celeste Carvalho - Relatora)
(Maria Cristina Gallego
Santos)
(António Paulo
Vasconcelos)
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