sexta-feira, 12 de abril de 2013

ANÁLISE COMPARATIVA DAS PROPOSTAS - QUESTÃO NOVA.



Proc. Nº 09123/12   27 Setembro 2012    TCAS

 I. A legalidade do ato de exclusão de uma proposta não se pode basear no juízo comparativo com a proposta de outra concorrente, por essa não constituir o parâmetro da legalidade objetiva do procedimento de formação do contrato.
II. A legalidade do ato administrativo impugnado, afere-se, isso sim, pelas normas conformadoras do procedimento pré-contratual constantes das peças do procedimento – que não se mostram impugnadas em juízo –, e pelas normas legais aplicáveis.
III. Não é finalidade da instância de recurso conhecer de questões novas, anteriormente não suscitadas, já que a finalidade do recurso é a de reapreciação da decisão judicial recorrida e não um novo julgamento da causa, excluídas as questões de conhecimento oficioso.

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: 

I. RELATÓRIO
A A...– Seguros Gerais, SA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 10/06/2012 que, no âmbito do processo de contencioso pré-contratual, nos termos do disposto no artº 100º e segs. do CPTA, movido contra a Parque Escolar, EPE e a Contrainteressada, B...Limited – Sucursal em Portugal, aí melhor identificadas, julgou a ação improcedente, de impugnação da deliberação do Conselho de Administração da Parque Escolar, de exclusão da proposta da autora e de adjudicação da proposta à contrainteressada, e de condenação à prática de ato devido, a adjudicar a prestação de serviços à proposta apresentada pela autora, no âmbito do concurso público para prestação de serviços de seguro multirriscos escolar para as escolas da coordenação DEL-S6.
Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 251 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“1ª O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo TACL, em 10.06.2012, de fls. 215 a 238, que julgou a ação intentada pela A. A..., ora Recorrente, contra a R. PARQUE ESCOLAR, aqui Recorrida, improcedente;
2ª A sentença recorrida revela-se desde logo ilegal, quando o Tribunal a quo se recusou a analisar o conteúdo da proposta da outra concorrente, aqui Contrainteressada, com o argumento de que a A. não teria deduzido qualquer pedido de anulação da decisão que a admitiu, pois tal juízo resulta de um manifesto erro de interpretação do pedido e da causa de pedir, tal como foram configurados pela A. na sua p.i.;
3ª Em rigor, a A. nunca alegou a invalidade da proposta da outra concorrente, pois o que pretendeu (e pretende) é a comparação do conteúdo desta com o da sua proposta para prova do cumprimento das exigências e requisitas do concurso. Ou seja, a invocação do conteúdo da proposta da ACE, Contrainteressada, visava a prova de que a proposta da A..., A. e aqui Recorrente, cumpria a Lei e o Programa de Concurso, pelo que a sentença recorrida merece censura por erro de interpretação do pedido e da causa de pedir e, principalmente por se ter escusado a analisar todos os argumentos deduzidos na p.i. e todos os meios de prova oferecidos, violando, assim, o disposto nos art.° 515°, 653°, n.° 2 e 660º, n.° 2. 1ª parte do CPC (vide supra pontos 6. a 9.);
4ª No que concerne à legalidade da proposta da A...e, por inerência, à ilegalidade do a.a. que a excluiu, constatamos que nos autos existem elementos que o demonstram de modo claro e evidente, que resultam:
i. do próprio conteúdo da proposta;
ii. da comparação com o conteúdo da proposta da outra concorrente;
iii. do confronto com a conduta da entidade adjudicante nos outros procedimentos que decorreram em simultâneo e para o mesmo tipo de prestação de serviços.
Quanto ao conteúdo da proposta da A...
5ª O ponto 8.1 do Programa do Concurso – que o a.a. impugnado e a sentença recorrida consideraram incumprido –, refere que o concorrente deve instruir a sua proposta com os seguintes documentos:
(...)
a. Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do Caderno de Encargos, de acordo com o modelo constante do ANEXO I do Código dos Contratos Públicos;
b. Declaração com indicação do preço contratual, elaborada de acordo com o ANEXO I ao presente Programa de Concurso;
c. Nota justificativa do preço proposto, a qual deve conter, entre outros, os elementos referidos no ANEXO II,
d. “Memória Descritiva” com descrição do âmbito da prestação de serviços e a metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato de seguros.), e todos os aspetos técnicos ou outros que considere relevantes para a prestação de serviços em questão.”.
6ª Sucede que a A. cumpriu integralmente a exigência da alínea d) com a «descrição do âmbito da prestação de serviços e a metodologia a empregar na abordagem da mesma», pois apresentou não só um documento específico para tal alínea, com a descrição e apresentação da Companhia e dos serviços prestados – Vendas, Pós-vendas, Sinistros, nomeadamente no acompanhamento comercial e de sinistros, informação de crucial relevância no conhecimento da empresa e na sua forma de trabalhar, como ainda assumiu expressamente todo o conteúdo do Caderno de Encargos e do respetivo Anexo I – Especificações Técnicas, através da assinatura e entrega da mencionada Declaração de aceitação – vide fls. 78 e 79 e 13 a 28 do processo administrativo;
7ª Ou seja, a análise da proposta da Recorrente A..., considerando todos os seus elementos (documentos e atributos), evidencia que o seu conteúdo material cumpre e preenche todas as condições e requisitos do Programa de Concurso, do Caderno de Encargos e do Código dos Contratos Públicos, pelo que a deliberação em causa, de exclusão da proposta da A. A...e subsequente adjudicação da proposta da “ACE”, é manifestamente ilegal, por violação do art.° 70º e 156° do CCP e, assim, anulável, cfr. art.° 135° do CPA (vide supra pontos 11. a 19.);
Quanto à comparação com o conteúdo da proposta da concorrente ACE
8ª Compulsado o teor da proposta da Contra-Interessada ACE, verifica-se que para cumprir a mencionada alínea d) - «descrição do âmbito da prestação de serviços e a metodologia a empregar na abordagem da mesma» - esta concorrente se limitou a transcrever literalmente o teor do Apêndice do Anexo I - Especificações Técnicas - do Caderno de Encargos, como se pode verificar a fls. 55 a 63 do processo administrativo, quando confrontado com o teor do referido Anexo I a fls. 17 a 27 do mesmo processo;
9ª Pelo contrário, a Recorrente A...apresentou como Memória Descritiva algo a mais, que inovou face os teor das peças concursais com a descrição e apresentação da Companhia e dos serviços prestados, fornecendo elementos que a “ACE” não forneceu, pelo que se encontra mais completa, detalhada e informativa, cumprindo melhor o estipulado no Programa de Concurso (vide supra pontos 20. a 23.);
Quanto à não exclusão da Recorrente em concursos similares e simultâneos
10ª A incoerência e a ilegalidade do a.a. impugnado é ainda mais flagrante quando se verifica que contraria as decisões tomadas em todos os outros concursos que decorreram em simultâneo, também promovidos pela R. PARQUE ESCOLAR, nos quais os respetivos Programas de Concurso exigiam a junção de documento com a proposta denominado “Memória Descritiva”, tendo a A...concorrido a todos eles e aí apresentado documento com teor exatamente igual ao que entregou no concurso em causa nos presentes autos;
11ª Ao invés do que sucedeu com este concurso, as propostas apresentadas pela A...em todos os outros concursos, que decorreram em simultâneo, foram admitidas, o que demonstra uma disparidade de análise das propostas nos diferentes concursos promovidos pela mesma entidade e nos critérios de exclusão que não é admissível, por constituir violação dos Princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, tal como previstos no art° 1., n.° 4 do CCP (vide supra pontos 24. a 26.);
12ª Neste contexto, a proposta da ora Recorrente não poderia ter sido excluída, com fundamento na violação do n.° 2 do art.° 70º, aplicável por remissão da al. o) do n.° 2 do art. 146° e do n.° 1 do art.° 160° do CCP, pelo que a Deliberação de exclusão da proposta da A...e de adjudicação da proposta da ACE é ilegal, logo anulável, cfr. art.° 135° do CPA;
13ª Por tudo o exposto supra, a sentença recorrida faz um errado julgamento da matéria de facto e aplicação do Direito aos factos, incorrendo em erro de julgamento, com violação das normas supra identificadas, pelo que deverá ser revogada com esses fundamentos, proferindo-se decisão que julgue procedente a ação administrativa especial e anule o ato administrativo, com todas as demais consequências legais.”.
Conclui, pedindo a procedência do recurso e a anulação do ato impugnado.

*

A recorrida, Parque Escolar apresentou contra-alegações, assim tendo concluído:
A) A Sentença recorrida não merece censura, tendo atendido ao pedido e à causa de pedir, devidamente identificados pela Recorrente na PI.
B) A Sentença recorrida não evidencia erro de julgamento.
C) Também não se alcança o vício de nulidade da Sentença, mormente com fundamento numa das causas referidas no n.° 1 do art° 668.° do CPC.
D) De todo o modo, a Recorrente não invoca a nulidade da Sentença no Requerimento do Recurso, nos termos do n.° 2 do art.° 144.° do C.P.T.A., nem nas Conclusões do Recurso interposto, de acordo com o n.° 4 do art.° 668.° do CPC.
E) A Memória Descritiva que instruiu a proposta da Recorrente, não cumpre o exigido na al, d), do ponto 8.1 do Programa do Concurso, pelo que a entidade adjudicante, ora Recorrida, não teve alternativa para além de excluir a proposta apresentada.
F) Nos n.°s 10 a 27 das Alegações de Recurso, a Recorrente, transcrevendo parcialmente a PI, reclama vícios do ato administrativo em aresto, e não vícios da Sentença recorrida, olvidando os ónus que sobre ela impendem decorrentes dos art°s 685°-A e 685.°-B do CPC, o que se invoca com as consequências legais.
G) É manifesta a tentativa de levar o Tribunal ad quem a reapreciar o ato administrativo que deliberou a exclusão da proposta da Recorrente do Concurso Público, com o argumento que deverá aquela ser comparada com a apresentada por outro concorrente, o que não se concede.
H) Em conclusão, não pode a Recorrida concordar que a Sentença recorrida viola “o disposto nos art.°s 515.°, 653.°, n.° 2 e 660.°, n.° 2, 1ª parte do CPC”.
Pede que o recurso seja julgado totalmente improcedente.

*

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 357).

*

O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.
As questões suscitadas, ordenadas segundo a sua ordem lógica de conhecimento, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:
1. Erro de julgamento de Direito, quanto à interpretação do pedido e da causa de pedir, ao recusar analisar todos os argumentos e todos os meios de prova (i.e. ao recusar analisar o conteúdo da proposta da contrainteressada e a comparar o conteúdo dessa proposta com a da autora) [conclusões 2ª, 3ªº e 4ª];
2. Erro de julgamento de Direito, quanto ao conteúdo da proposta da autora e quanto ao motivo de exclusão [conclusões 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª e 13ª].
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO
O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:
“1. Por aviso publicado na II Série do DR, em 24.5.2011, e disponibilizado pelas 17h32m, a Ré procedeu à abertura do Concurso Público Urgente n° 183/2011, para aquisição de serviços de seguro multirriscos escolar para as escolas da coordenação DEL-S6, nos termos constantes a fls 45 a 47 do instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra;
2. O Caderno de Encargos e o Programa de Procedimento, cujos respetivos conteúdos constantes respetivamente a fls 3 a 27 e 29 a 42 do processo instrutor aqui se dão por reproduzido na íntegra, foram disponibilizados na plataforma eletrónica de compras da Construlink, no endereço eletrónico: http://www.compraspublicas.com;
3. O ponto 8 do Programa de Procedimento estabeleceu os documentos que instruem a proposta, nomeadamente, a memória descritiva, com descrição do âmbito da prestação de serviços e a metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato de seguros) e todos os aspetos técnicos ou outros que considere relevantes para a prestação de serviços em questão (Ponto 8.1 al d);
4. O ponto 15.1 do Programa de Concurso fixou como critério de adjudicação, o do preço mais baixo;
5. Em 30.5.2011, a Autora apresentou a sua proposta ao concurso nos termos constantes a fls 78 e seg do instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra;
6. Para instrução da proposta, a título de “Memória Descritiva, a Autora apresentou o enunciado constante a fls 83 a 91 do instrutor, aqui dado por reproduzido na íntegra;
7. Em 30.5.2011, a Contra-Interessada apresentou a sua proposta ao concurso nos termos constantes a fls 50 e seg do instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra;
8. Em 31.5.2011, a Ré elaborou o Relatório, constante a fls 104 a 105, pelo qual propôs a exclusão da ora Autora, com o fundamento da sua proposta não incluir na memória descrita a descrição do âmbito da prestação de serviços e a metodologia a empregar na abordagem da mesma, concluindo pela proposta de adjudicação à ContraInteressada, cuja proposta cumpre todos os requisitos;
9. Em 9.6.2011, o Conselho de Administração da Ré deliberou adjudicar o presente procedimento à ora Contra-Interessada;
10. Em 14.6.2011, a Autora foi notificada do Relatório e da Decisão de Adjudicação;
11. Em 21.6.2011, pelas 22h12m, a Autora enviou à Ré reclamação da Deliberação do Conselho de Administração que decidiu adjudicar a prestação de serviços à Contra-Interessada, nos moldes constantes a fls 146 a 151 do instrutor, aqui dados por reproduzidos na íntegra;
12. Em 7.7.2011, o Conselho de Administração da Ré deliberou negar provimento à reclamação apresentada, com fundamento na sua extemporaneidade;
13. Em 7.7.2011, a Ré notificou a Autora da decisão de negar provimento à reclamação apresentada;
14. Em 22.7.2011, a Autora interpôs a presente ação de contencioso pré-contratual, pelo qual impugna a decisão de adjudicação da Ré.”.
DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada, não impugnada pela recorrente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Erro de julgamento de Direito, quanto à interpretação do pedido e da causa de pedir, ao recusar analisar todos os argumentos e todos os meios de prova (i.e. ao recusar analisar o conteúdo da proposta da contrainteressada e a comparar o conteúdo dessa proposta com a da autora) [conclusões 2ª, 3ªº e 4ª]
Nos termos da alegação do recurso, vertida nas conclusões referidas, a sentença recorrida interpreta de modo erróneo o pedido e a causa de pedir, pois a autora, ora recorrente não invocou a ilegalidade da proposta da contrainteressada, antes invocou o conteúdo da proposta da contrainteressada para efeitos comparativos, para assim provar que a sua proposta cumpre na íntegra o estipulado no programa de concurso.
Não foi invocado que a proposta da contrainteressada devesse ser excluída, o que se disse é que a proposta da autora cumpre tanto ou melhor que a proposta da contrainteressada, não existindo fundamento para o ato impugnado.
Está em causa a invalidade da deliberação que decidiu excluir a proposta da autora, por alegada violação da alínea f), do nº 2 do artº 70º do CCP, por remissão da alínea o) do nº 2 do artº 146º e do nº 1 do artº 160º do CCP e a adjudicação à única proposta admitida.
A invocação do conteúdo da proposta da contrainteressada visava a prova de que a proposta da autora cumpre a lei e o programa de concurso.
Analisando.
Nos termos invocados pela recorrente, o que está em causa saber com o presente fundamento do recurso é se incorre a sentença recorrida na censura que lhe é dirigida – erro de interpretação do pedido e da causa de pedir, recusando analisar todos os argumentos e todos os meios de prova – ao recusar comparar a proposta da autora com a da contrainteressada, com o propósito de aferir da legalidade do fundamento de exclusão da proposta da autora, por alegado incumprimento do disposto na alínea d), do ponto 8.1. do programa de concurso, que exige a apresentação de uma memória descritiva, com a descrição do âmbito da prestação dos serviços e da metodologia a aplicar na gestão do contrato de seguro.
Conformando-se a recorrente com a matéria de facto fixada na sentença, não a impugnando, está por isso em causa um erro de julgamento de Direito.
Resulta da sentença impugnada, o seguinte trecho, que se passa a transcrever:
Da factualidade assente dos autos resulta que a Autora instruiu a sua proposta, com a “Memória Descritiva, constante a fls 83 a 91 do instrutor.
No referido documento, a Autora versa sobre a Missão da A...Seguros, a sua História, Princípios Institucionais e Empresarias, Fundações constituídas, enunciação dos Serviços Pós-Vendas e Sinistros e os Produtos disponíveis.
A questão que se coloca é a de saber se o referido documento, com o teor plasmado a fil 83 a 89 do processo instrutor, cumpre ou não a exigência estipulada na alínea d) do Ponto 8.1 do Programa de Procedimento. Aí se estabelece que a apresentação da proposta, por preenchimento na plataforma eletrónica, deve-se acompanhar em anexo pelos elementos discriminados nas alíneas a) a f), nomeadamente, a “Memória Descritiva”, com descrição do âmbito da prestação de serviços e a metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato de seguros) e todos os aspetos técnicos ou outros que considere relevantes para a prestação de serviços em questão.
Ora, da leitura atenta do documento anexado à proposta da Autora a título de memória descritiva, alcança-se que a mesma não contem a descrição do âmbito da prestação de serviços em apreço, nem qualquer referência concreta à metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato de seguros) e aos aspetos técnicos ou outros que considere relevantes para aquela prestação de serviços.
Significa isto que a Autora não cumpriu o estipulado no Ponto 8.1 al. d) do Programa de Concurso.
(…)
A Autora alega ainda que a Contra-Interessada se cingiu, no Ponto 8.1 al d), a dar informações e a fornecer indicações já constantes das peças concursais elaboradas pela adjudicante, reproduzindo as Especificações Técnicas do Anexo 1 ao CE, nada mais acrescentando. Porém, a Autora não extraiu do alegado qualquer corolário ou sequer deduziu pedido de anulação da decisão que admitiu aquela proposta. Pelo que não cabe ao Tribunal conhecer aquela proposta e dos documentos anexos.
Tudo visto e ponderado, impõe-se concluir que a Autora não cumpriu a exigência prescrita no Ponto 8.1 al d) do PC, pelo que o Relatório e a Decisão de Adjudicação não merece censura, não padecendo do vício de violação de lei por ofensa ao art 70 n° 2 al f) do CCP, ex vi do art 146 n° 2 al o) do CCP.”.
É de sufragar, in totum, a fundamentação antecedente, dela resultando que a sentença recorrida interpretou corretamente, quer o pedido, quer a causa de pedir deduzidas na petição inicial.
Tendo a autora, ora recorrente, impugnado o ato de exclusão da sua proposta, passou a sentença recorrida a apreciar se se verifica o fundamento invocado pela entidade adjudicante para a referida exclusão da proposta, analisando o teor do documento que a recorrente alega como preenchendo o requisito previsto na alínea d), do ponto 8.1. do programa de concurso.
Concluiu a sentença que analisado esse documento, dele não constam as exigências a que alude o programa de concurso, designadamente o mesmo “(…) não contem a descrição do âmbito da prestação de serviços em apreço, nem qualquer referência concreta à metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato de seguros) e aos aspetos técnicos ou outros que considere relevantes para aquela prestação de serviços”.
Assim, passando o Tribunal a quo a apreciar se a entidade adjudicante havia incorrido no vício de violação de lei invocado como causa de pedir, ao excluir a proposta da autora, aferiu, mediante análise da documentação que integra a proposta da autora, que a mesma efetivamente não cumpre o exigido no programa do concurso.
Tal constitui uma correta interpretação, quer do pedido, quer da causa de pedir.
Além disso, não incorre a sentença recorrida na recusa de apreciação de todos os meios de prova, pois que, para a estruturação da causa, tal qual delineada pela autora na petição inicial, isto é, baseada no pedido e da causa de pedir, não releva apurar em que medida as propostas apresentadas ao concurso se assemelham ou não, não incidindo a presente ação sobre a proposta apresentada pela contrainteressada.
Ainda que, porventura, se concluísse, como a autora pretende, que as propostas apresentadas ao concurso são idênticas, no que à exigência da alínea d) do ponto 8.1. do programa de concurso concerne, nenhuma consequência haveria a extrair desse facto pois existe um juízo, formulado em termos absolutos, sobre o desrespeito dessa cláusula por parte da proposta apresentada pela autora.
Por outras palavras, ainda que se concluísse pela semelhança do conteúdo das propostas das duas concorrentes relativamente a tal exigência das peças do procedimento, não só não se poderia extrair qualquer consequência em relação à contrainteressada, por tal questão não integrar o pedido e a causa de pedir da instância, como nenhum benefício traria à autora, atento o juízo expendido em relação à legalidade do fundamento de exclusão.
A legalidade do ato de exclusão não se pode basear no juízo comparativo com a proposta de outra concorrente, por essa não constituir o parâmetro da legalidade objetiva do procedimento de formação do contrato.
A legalidade do ato administrativo impugnado, afere-se, isso sim, pelas normas conformadoras do procedimento pré-contratual constantes das peças do procedimento – que não se mostram impugnadas em juízo –, e pelas normas legais aplicáveis.
Deste modo, não tem razão de ser a censura dirigida contra a sentença recorrida, já que na mesma se interpreta corretamente o pedido e a causa de pedir, não deixando de apreciar os argumentos da autora, nem limitado os meios de prova.
Improcedem, pois, as conclusões do recurso, em análise.

2. Erro de julgamento de Direito, quanto ao conteúdo da proposta da autora e quanto ao motivo de exclusão [conclusões 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª e 13ª]
Invoca a autora que erra a sentença sob recurso quanto à análise do conteúdo da sua proposta e que não se verifica o fundamento para a exclusão, para o que invoca três razões: (i) o próprio conteúdo da proposta; (ii) a comparação com o conteúdo da proposta da outra concorrente e (iii) o confronto com a conduta da entidade adjudicante noutros procedimentos que decorreram em simultâneo e para o mesmo tipo de prestação de serviços.
Por outro lado, alega ainda que “(…) nunca se tinha confrontado em sede de candidaturas a concursos públicos, cujo objeto é a prestação de serviços de seguros, com um documento deste género, ou seja, com uma Memória Descritiva.” (cfr. ponto 12 da alegação).
E ainda que “este documento não se parece coadunar com a natureza dos serviços de seguros”, mas que, não obstante “instruiu a sua proposta com este documento”, cumprindo a alínea d) do ponto 8.1. do programa de concurso.
Mais refere que, no que se refere à descrição do “âmbito da prestação de serviços”, ela já constava da proposta da autora, ao assinar a declaração de aceitação de todo o conteúdo do caderno de encargos.
Defende assim, que a sua proposta satisfaz integralmente tal cláusula do programa do concurso.
Vejamos.
Em primeiro lugar resulta, quer do pedido e da causa de pedir da instância, que a autora não impugnou qualquer cláusula incluída nas peças do procedimento, não pondo em crise a sua legalidade.
Tanto mais, que alega que deu integral cumprimento a todas as cláusulas do procedimento, não se verificando motivo para a exclusão da sua proposta.
Em segundo lugar, pretende a recorrente associar a alínea d), à alínea a), do ponto 8.1. do programa do concurso, no sentido de que, ao dar cumprimento à referida alínea a), que se refere à “declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, de acordo com o modelo constante do Anexo I do Código dos Contratos Públicos”, estaria a cumprir a exigência prevista na alínea d), relativa à apresentação de “Memória descritiva com descrição do âmbito da prestação de serviços e a metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato de seguros), e todos os aspetos técnicos ou outros que considere relevantes para a prestação de serviços em questão”.
Como disse a sentença recorrida, Revela-se improcedente por infundada a argumentação ensaiada pela Autora a este propósito, de desvalorização da necessidade de repetir, noutro documento do mesmo concurso, a descrição dos serviços a prestar, quando já subscreveu a declaração a aceitar o conteúdo do Caderno de Encargos. Com efeito, caso se pretendesse com a apresentação da Memória Descritiva uma mera descrição da prestação de serviços a concursos, certamente não teria individualizado a al d) do Ponto 8.1 do PC. Se tal foi feito, essa exigência não pode confundir nem se basta com a declaração de aceitação do conteúdo do C.E. Exige algo mais – concretamente, a descrição do âmbito daquela prestação de serviços, a metodologia a empregar nessa abordagem (gestão do contrato de seguros) e seus aspetos técnicos.”, nada mais se impondo dizer quanto a tal questão.
Em terceiro lugar, não põe a recorrente em crise a fundamentação constante da sentença recorrida quanto o de a sua proposta não contemplar (…) a descrição do âmbito da prestação de serviços em apreço, nem qualquer referência concreta à metodologia a empregar na abordagem da mesma (gestão do contrato de seguros) e aos aspetos técnicos ou outros que considere relevantes para aquela prestação de serviços”, não refutando ou contrapondo quaisquer argumentos que permitam outro juízo.
Pelo que, é de recusar que o próprio conteúdo da proposta revele a sua conformidade com a cláusula d) do ponto 8.1. do programa de concurso.
No que respeita à comparação da proposta da autora com o conteúdo da proposta da outra concorrente, a que se refere a razão supra identificada em (ii), remete-se para o que anteriormente foi aduzido, no sentido de esse documento, da autoria de um particular, concorrente, não servir de parâmetro de legalidade ao procedimento de formação de contratos.
Por último, em relação ao confronto com a conduta da entidade adjudicante noutros procedimentos similares, a que se refere em (iii), alega a recorrente que apresentou também proposta noutros concursos abertos pela entidade recorrida, os quais se mostram identificados nos autos, e que em todos eles se referia a obrigatoriedade de junção de documento da proposta que consistia na denominada “memória descritiva”, tendo sido admitidas as propostas que apresentou.
Segundo a recorrente tal revela uma disparidade na análise das propostas nos diferentes concursos e nos critérios de exclusão, que não é admissível, por violação dos princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, previstos no nº 4 do artº 1º do CCP.
Ora, esta alegação é incompatível com outra formulada no recurso, de que a ora recorrente “(…) nunca se tinha confrontado em sede de candidaturas a concursos públicos, cujo objeto é a prestação de serviços de seguros, com um documento deste género, ou seja, com uma Memória Descritiva.”, pois não pode afirmar-se uma coisa e o seu contrário.
Por outro lado, compulsada a petição inicial e o presente recurso, decorre que só nesta sede veio a recorrente invocar que o comportamento da entidade adjudicante viola os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência, previstos no nº 4 do artº 1º do CCP.
Na petição inicial, a autora não invocou tal fundamento de ilegalidade do ato de exclusão da proposta, pelo que, sobre o mesmo a sentença não se debruçou, nada tendo apreciado e decidido.
Está, por isso, em causa, a alegação de uma questão nova, não anteriormente suscitada na instância que, por essa razão, encontra-se subtraída do âmbito do conhecimento da presente instância de recurso, visto constituir objeto do recurso jurisdicional a reapreciação da decisão judicial recorrida e não um novo julgamento, com a apreciação de novos fundamentos do pedido.
Daí que, em regra, não é possível solicitar ao Tribunal ad quem que se pronuncie e decida uma questão que não se integra no objeto da causa, tal como foi apresentada na primeira instância.
O objeto do recurso delimita-se objetivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (artº 684º, nº 2, 2ª parte) ou pelo fundamento em que a parte vencedora decaiu (artº 684º-A, nºs 1 e 2).
Pelo que, não é possível conhecer da citada questão, por se tratar de questão nova, anteriormente não alegada e por a mesma não consistir matéria de conhecimento oficioso, que possa ser conhecida pelo Tribunal independentemente da alegação das partes.
Nestes termos, improcedem as conclusões do recurso em análise.

*

Termos em que, será de improceder o presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida.

*

Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:
I. A legalidade do ato de exclusão de uma proposta não se pode basear no juízo comparativo com a proposta de outra concorrente, por essa não constituir o parâmetro da legalidade objetiva do procedimento de formação do contrato.
II. A legalidade do ato administrativo impugnado, afere-se, isso sim, pelas normas conformadoras do procedimento pré-contratual constantes das peças do procedimento – que não se mostram impugnadas em juízo –, e pelas normas legais aplicáveis.
III. Não é finalidade da instância de recurso conhecer de questões novas, anteriormente não suscitadas, já que a finalidade do recurso é a de reapreciação da decisão judicial recorrida e não um novo julgamento da causa, excluídas as questões de conhecimento oficioso.

*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida por não provados os fundamentos do recurso.
Custas pela recorrente.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)
(Maria Cristina Gallego Santos)
(António Paulo Vasconcelos)



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