sexta-feira, 12 de abril de 2013

AVALIAÇÃO DAS PROPOSTAS – PREÇO MAIS BAIXO – “DUMPING”



Proc. Nº 09611/13   TCASul    7 Fevereiro 2013  
 
I – Num concurso público urgente para a aquisição, entre outras, de uma prestação de serviços de secretariado clínico em regime de "outsourcing", para o período de seis meses [2 de Julho a 31 de Dezembro de 2012], dividida em cinco lotes, a ter lugar na área de influência da autoridade demandada, ou seja, na área da Grande Lisboa, e não na área da Península de Setúbal, embora se lhe apliquem as disposições que regulam o concurso público, não se lhe aplica o disposto em determinadas disposições daquele, nomeadamente quanto se dispõe quanto ao júri [cfr. artigo 156º, nºs 1 e 2 do CCP], o que significa que a análise e a avaliação das propostas são tarefas levadas a cabo pela entidade adjudicante.

II – A referência mais lata aos meios humanos a afectar à prestação de serviços objecto do procedimento, constante das cláusulas 1) e 2) do ponto “Responsabilidades do Adjudicatário”, que se referem aos meios humanos a afectar à prestação como “executantes” ou “colaboradores”, e não como “trabalhadores”, e da cláusula 4) do ponto “Objecto do Dever de Sigilo”, onde se prevê que “o adjudicatário é responsável pelo cumprimento do dever de sigilo por parte dos seus colaboradores, qualquer que seja a natureza jurídica do vínculo que sirva de base a essa colaboração […]”, permite concluir que para a entidade adjudicante era perfeitamente indiferente que os meios humanos disponibilizados para esse fim estivessem ligados ao adjudicatário por contrato de trabalho ou não, o que significa que a exigência dum vínculo dessa natureza não podia constituir um parâmetro base ou requisito do concurso.

III – Mas mesmo que se entendesse o contrário, também não é líquido que as contra-interessadas identificadas pela recorrente como não cumprindo parâmetros base ou requisitos do concurso devessem ver as respectivas propostas excluídas, por indícios da prática de “dumping”, em violação do disposto no artigo 57º, nº 1, alínea b) do Código dos Contratos Públicos e por violação dos montantes mínimos exigidos por força da legislação laboral em vigor, uma vez que existem outras realidades, como sejam a escolha de uma empresa de trabalho temporário ou circunstâncias previstas na legislação da Segurança Social, que podem isentar temporariamente as empresas concorrentes desse desconto [cfr., a este propósito, o disposto no DL 89/95, de 6/5], pelo que o valor/hora proposto pode meramente espelhar uma estratégia comercial do proponente sem que com isso se esteja a violar a legislação em vigor.

IV – De acordo com o disposto no artigo 4º da Lei nº 18/2003, de 11/6 [na versão anterior à redacção dada pela Lei nº 19/2012, de 8/5], “são proibidos os acordos entre empresas, as decisões das associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que se traduzem em […]”.

V – Se a recorrente não concretizou qualquer conduta, prática ou acordo entre as aludidas contra-interessadas, da qual se possa inferir a existência de uma situação de “dumping”, não basta a mera justificação de que os preços/hora propostos são inferiores ao mínimo legalmente admissível, sem cuidar de verificar se os preços se encontram ou não justificados, para justificar dessa forma a exclusão daquelas propostas, como exigido pelo artigo 70º, nº 2, alínea g) do CCP.

VI – E, no limite, sempre se dirá que, no tocante ao valor/hora proposto pelas contra-interessadas, o preço “mínimo legal” seria aquele que, nos termos do disposto no artigo 71º, nº 1 do CCP, levaria a considerar que uma proposta é de preço anormalmente baixo, ou seja, quando fosse 40 % ou mais inferior ao preço base fixado no caderno de encargos, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada, ou 50 % ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de qualquer dos restantes contratos [caso dos autos], situação totalmente aplicável ao caso vertente, na medida em que o programa do concurso fixava um preço base.

VII – Face ao valor/hora proposto pela contra-interessada “E........., SA”, tal também não ocorre, uma vez que sendo de € 7,00 o preço-base por hora fixado no Caderno de Encargos/Programa de Concurso, o preço da proposta daquela contra-interessada foi de € 3,65, ainda assim acima do valor referido no nº 1 do artigo 71º do CCP 

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
A “I…. – F…………………..– Gestão e Manutenção de Edifícios, Ldª”, com sede em Carnaxide, intentou no TAF de Sintra uma acção do contencioso pré-contratual, contra a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, na qual peticionou a anulação do relatório final elaborado pelo júri do concurso público urgente nº 1559/2012, para aquisição de uma prestação de serviços de secretariado clínico, para o período de 6 meses, para a área de influência da ARSLVT, IP – Península de Setúbal, em regime de "outsourcing", devendo em consequência ser proferido novo relatório final que decida pela exclusão das propostas das concorrentes “E-………., SA”, “A……… – Apoio ……………………………….., Ldª” e “M……………, SA” e que seleccione para efeitos de adjudicação as concorrentes que cumprem os parâmetros definidos no caderno de encargos/programa do concurso e cujas propostas não violem a lei, além de ser também anulada a deliberação de adjudicação da proposta da concorrente “E-………, SA”.
Indicou como contra-interessadas a “R…………….l – Cuidados …………, Ldª”, a “A……… – Apoio ……………………, Ldª”, a “M………….. – Soluções ……………….., Ldª”, a “T…………. – U………………., Ldª”, a “S………. .., Ldª”, a “F……………… – I…………….. e Gestão, Ldª”, a “I. A. ………….. – Prestação ……………………, Unipessoal, Ldª”, a “RH ……… – Organização ………………………., SA”, a “K………. S…………. – G………………., Ldª”, a “E-S………………., SA”, a “M………………….., SA” e a “H. P. – ………………., ……….. e ……………, Ldª”.
O TAF de Sintra, por sentença datada de 16-10-2012, julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido [cfr. fls. 182/197 dos autos].
Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
A) […];
B) Na sua douta decisão considerou a Mmª Juiz "a quo", em suma, que "Inexistem fundamentos de facto e de direito que justifiquem a exclusão da proposta da Contra-Interessada E-……………, SA, a quem foi adjudicada a presente prestação de serviços através da deliberação impugnada, tomada pelo vogal do Conselho Directivo da Autoridade Demandada";
C) E que, "Concomitantemente os demais pedidos de ser proferido novo Relatório Final que decida pela exclusão das propostas das Concorrentes A………. – Apoio ……………………………, Ldª, M………………, SA e E-………………., SA e que seleccione para efeitos de adjudicação as concorrentes que cumpram os parâmetros definidos em Caderno de Encargos/Programa de Concurso e cujas propostas não violem a lei, estão votados ao insucesso, por dependentes da procedência do pedido impugnatório, o que não ocorre";
D) A sentença do Tribunal "a quo" escusou-se a analisar quer os factos, quer os fundamentos de direito, que constituem a "causa petendi" e os respectivos pedidos, daí resultando uma decisão desfigurada da realidade subjacente e violadora dos princípios da legalidade, da cooperação e de prevenção que a lei impõe aos juízes "a quo", em abono das – sempre tão propaladas – celeridade e prontidão da justiça;
E) A Mmª Juiz "a quo" não atentou minimamente no teor e conteúdo dos factos alegados pela autora/recorrente procurando rebater os motivos apresentados por esta mas sem, contudo, fundamentar o indeferimento dos mesmos;
F) Salvo melhor opinião, não assiste qualquer razão ao Tribunal "a quo";
G) No Caderno de Encargos/Programa de Concurso, apresentado pelo recorrido Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, em sede de concurso público, nomeadamente, nos pontos 1. e 4., do Capítulo Recursos Humanos, refere-se o seguinte: "1. O Adjudicatário obriga-se ao pagamento de todas as retribuições aos profissionais contratados, incluindo responsabilidade que advier de eventuais acidentes de trabalho e de doenças profissionais do pessoal contratado; […] 4.Findo o contrato a celebrar com o adjudicatário, por caducidade ou resolução ou outra qualquer causa, o destino do pessoal e as consequências emergentes dos respectivos contratos de trabalho são da exclusiva responsabilidade do adjudicatário." [sic. sublinhado nosso].";
H) O recorrido Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, exige que os meios humanos afectos à prestação de serviços em regime de outsourcing tenham um vínculo laboral com o adjudicatário, por via da celebração de contratos de trabalho;
I) Não se alcança onde se alicerçou a Mmª Juiz "a quo" para vir dizer na sua decisão que "[…] no Caderno de Encargos/Programa de Concurso não foram definidas quaisquer condições quanto ao tipo de contratação de pessoal que deveria executar a prestação de serviços, tendo apenas sido definidas as funções de Secretariado clínico, as horas semanais por cada lote […]";
J) E, que "Donde ao contrário do que alega a autora, o Caderno de Encargos não exige que o pessoal contratado tenha um vínculo laboral com a contra-interessada, premissa da qual retira o que considera ser os «custos mínimos»".
K) Como pode a Mmª Juiz "a quo" afirmar que o Caderno de Encargos não exige existência de um vínculo laboral entre o adjudicatário e o pessoal contratado quando é uma peça do próprio concurso – o Caderno de Encargos – que exige que o adjudicatário tenha de pagar aos profissionais que contrate para a prestação de serviços todas as retribuições a que têm direito incluindo as decorrentes de acidente de trabalho ou doença profissional, o que é próprio e decorre do contrato de trabalho;
L) O Caderno de Encargos alerta o adjudicatário que findo o contrato de prestação de serviços, tudo o que respeite aos profissionais contratados e emerja do contrato de trabalho é da sua inteira e exclusiva responsabilidade, v.g., o pagamento da indemnização devida pela cessação do contrato de trabalho;
M) Inevitável é concluir que o Caderno de Encargos exige a existência de um vínculo laboral entre o adjudicatário e o profissional contratado;
N) Não se podendo concordar com a sentença na parte em que refere "A interpretação dos pontos 1 e 4 do Capítulo Recursos Humanos respeita às obrigações decorrentes após a adjudicação e aos termos em que deverá o contrato ser executado, tudo conforme as respectivas propostas, consoante o pessoal afecto à prestação de serviços, sejam eles «executante» ou «colaboradores», não necessariamente trabalhadores com vínculo à adjudicatária";
O) Procedendo à análise da proposta da recorrida E-…………., SA, verifica-se que esta apresenta um valor hora de 3,65 € para os cinco Lotes, totalizando o valor global da proposta em 73.737,30 €, o qual não cobre sequer os custos mínimos de mão-de-obra e descontos legais para a Segurança Social exigidos;
P) Para proceder à correcta forma de cálculo do valor hora de cada colaborador afecto à prestação dos serviços a contratar, deverão ser tidos em conta um conjunto de elementos necessários e legalmente exigidos, nomeadamente, o vencimento base, as férias e subsídio de férias, o subsídio de Natal, o valor correspondente à caducidade contratual e os descontos para a Segurança Social;
Q) Além destes factores existem outros que têm de ser ponderados e contribuem para a forma de cálculo, como sejam, os elementos relacionados com custos de fardamento, com subsídio de alimentação, com seguros de acidentes de trabalho, com a medicina do trabalho, com a margem comercial e outros custos;
R) Mas se apenas se tiver em conta os indicadores mínimos – vencimento base, férias e subsídio de férias, subsídio de Natal, valor correspondente à caducidade contratual e descontos para a Segurança Social – e se proceder à soma de todas estas parcelas pelos valores mínimos legais constata-se que o valor hora apresentado pela recorrida E-……………….., SA, é insuficiente para cobrir os custos de mão-de-obra, acrescido dos respectivos encargos sociais, revelando-se notória a pratica de "dumping";
S) Pois, o cálculo do valor/hora mínimo admissível decompõe-se da seguinte forma: a) vencimento base – o valor/hora é de 2,80 €, o que tendo em conta um horário médio mensal de 173,33 horas, se traduz no vencimento base mensal de 485,00 €, correspondente ao salário mínimo nacional, sendo este o valor mínimo admissível a título de vencimento base; b) férias e subsídio de férias – o valor/hora é de 0,52 € correspondente a 9,23% do vencimento base mensal; c) subsídio de Natal – o valor/hora é de 0,23 € correspondente a 8,33% do vencimento base mensal; d) caducidade do contrato – o valor/hora é de 0,16 € correspondente a 5,55% do vencimento base, conforme legalmente exigido; e e) descontos para a Segurança Social – o valor/hora é de 0,84 € correspondente a 23,75% do vencimento base, conforme legalmente exigido;
T) Da soma aritmética dos valores parciais acima mencionados resulta o valor correspondente ao valor hora mínimo: 2,80 + 0,52 + 0,23 + 0,16 + 0,84 = 4,55 €/hora;
U) Pelo que, o valor/hora apresentado pela recorrida E-…………., SA, no montante de 3,65 €, é muito inferior ao montante mínimo legalmente admissível de 4,55 €, ficando demonstrada a prática de dumping imputável à recorrida, e aceite pelo recorrido Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, por força da decisão de adjudicação que tomou;
V) É inequívoco que a recorrida E-……………., SA, não respeitou os parâmetros base e requisitos exigidos no Caderno de Encargos/Programa de Concurso, tendo violado o disposto no artigo 57º, nº 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos, bem como violou os montantes mínimos exigidos por força da legislação laboral em vigor, razão pela qual deve ser excluída do presente procedimento;
W) E, devem ser excluídas as propostas das recorridas M……………., SA, e A……….., as quais apresentam um valor/hora, respectivamente, de 3,99 €, por não respeitarem os requisitos mínimos exigidos no Caderno de Encargos/Programa de Concurso, bem como por violarem os montantes mínimos exigidos por força da legislação laboral em vigor;
X) Deve o recorrido Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, através do Júri do Concurso, proceder à elaboração de um novo Relatório Final propondo e decidindo pela exclusão das propostas das recorridas E-S………….., SA, A………… e M……………….., SA, nos termos do artigo 70º, nº 2, alíneas b) e g), do Código dos Contratos Públicos;
Y) É manifestamente evidente que as propostas das recorridas E-……………., SA, A………… e M…………………, SA, violam os parâmetros base e os requisitos mínimos do Caderno de Encargos, violando o artigo 57º, nº 1, alínea b), do Código dos Contratos Públicos e, consequentemente, da legislação laboral;
Z) A Mmª Juiz "a quo" devia ter decidido no sentido de o recorrido Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, ser obrigado a anular a deliberação de decisão de adjudicação da proposta da recorrida E-S……………., SA, em virtude desse acto padecer de vício de violação de lei;
AA) As propostas das recorridas E-S……….., SA, M……………….., SA, e A………….., infringem as regras da concorrência consignadas no Código dos Contratos Públicos e legislação laboral em vigor, sendo um exemplo claro da adopção de práticas de "dumping" no âmbito de procedimentos concursais;
BB) Contudo, a Mmª Juiz "a quo" entendeu que "[…] a Autora não concretiza qualquer conduta, prática ou acordo entre as aludidas contra-interessadas, da qual se possa inferir a existência de uma situação de dumping, não sendo justificável pela mera alegação de que os seus preços/hora são inferiores ao mínimo legalmente admissível, sem cuidar de verificar se os preços se encontram ou não justificados";
CC) E que "[…] dos elementos disponíveis nas respectivas Propostas constantes do processo administrativo apenso, não se alcança qualquer indício sequer da apontada prática de «dumping» […]";
DD) Contudo, os preços apresentados pelas recorridas concorrentes nas suas propostas são manifestamente insuficientes para suportar todos os encargos decorrentes da mão-de-obra necessária para a prestação de serviços, bem como são violadores da legislação laboral pois inviabilizam o pagamento dos encargos laborais decorrentes da contratação dos trabalhadores necessários à prestação dos serviços adjudicados, e são reveladores do pagamento abaixo dos mínimos legais estabelecidos àqueles trabalhadores;
EE) Tendo a Mmª Juiz "a quo" entendido que "[…] quanto à questão do preço «mínimo legal» refira-se que o legislador estabeleceu optou por considerar que, no âmbito do CCP, uma proposta é de preço anormalmente baixo quando seja 40% ou mais inferior ao preço base fixado no caderno de encargos, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada, ou 50% ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de qualquer dos restantes contratos […]" e "O que também não ocorre, considerando o preço base por hora fixado no Caderno de Encargos/programa de concurso [€ 7,00] e o preço da proposta da contra-interessada E-………………., SA [€ 3,65], o que nem sequer foi alegado".
FF) A recorrente discorda da Mmª Juiz "a quo" competindo-lhe esclarecer que a questão do preço mínimo legal não se prende com o preço apresentado nas propostas para a prestação de serviços e, consequentemente, com a existência ou não de um preço anormalmente baixo mas sim com o preço apresentado tendo em consideração o valor/hora;
GG) A recorrente não coloca em causa os preços das propostas das recorridas concorrentes;
HH) O que a recorrente impugna é a forma como esse preço foi obtido, nomeadamente, os valores que estiveram na sua base de cálculo, os quais incluem inevitavelmente o preço/hora a pagar aos trabalhadores que como se viu não pode ser inferior a 4,55 €/ hora;
II) Assim, mal andou o recorrido Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, ao não ter determinado a exclusão das propostas das recorridas E-S…………, SA, A……………. E M………………., SA, e ao ter proferido o acto de adjudicação impugnado, que padece de clara violação de lei, por contender com todas as disposições legais acima citadas e com o próprio conteúdo do Caderno de Encargos;
JJ) E mal andou também o Tribunal "a quo" ao considerar que essa não exclusão foi correctamente decidida pelo recorrido Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, e que, portanto, o acto impugnado não padece de qualquer vício de violação de lei;
LL) A decisão em crise desconsiderou o disposto nos artigos 57º, nº 1, alínea b) e 70º, nº 2, alíneas b) e g), todos do Código dos Contratos Públicos;
MM) Estando o acto administrativo de adjudicação do objecto do concurso à recorrida E-S............, SA, inquinado por violação de lei, impõe-se uma decisão que determine a anulação do acto de adjudicação em apreço e que condene o recorrido Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, a praticar os actos necessários à exclusão da proposta da adjudicatária, à exclusão das propostas das recorridas A……………. e M…………………, SA, e que seleccione para efeitos de adjudicação as concorrentes que cumpram os parâmetros definidos no Caderno de Encargos/Programa de Concurso e cujas propostas não violem a lei.” [cfr. fls. 213/231 dos autos].
O réu ARSLVT, IP, apresentou contra-alegações, nas quais concluiu pelo improvimento do recurso [cfr. fls. 252/444 dos autos].
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul não emitiu parecer.
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. Por deliberação datada de 28-5-2012, do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP [ARSLVT, IP], foi decidido promover a abertura de concurso público urgente, para a aquisição, entre outras, de uma prestação de serviços de secretariado clínico em regime de "outsourcing", para o período de seis meses [2 de Julho a 31 de Dezembro de 2012], cujos termos, constam de fls. 1 a 8 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
ii. Em 21-6-2012, foi publicado no DR, II Série, nº 119, o Anúncio de concurso público urgente em referência, ao qual foi atribuído o nº 105/2012, do qual se fez constar que a prestação de serviços de secretariado clínico teria lugar na área de influência da autoridade demandada – Área da Grande Lisboa – e seria dividida em cinco lotes – cfr. fls. 23 a 27 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
iii. O procedimento precedente sob o nº 1559/2012 regeu-se pelo Caderno de Encargos/Programa de Concurso juntos ao processo administrativo apenso, fls. 9 a 18, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
iv. A autoridade demandada fixou um preço-base para cada Lote nos seguintes termos:
– Lote 1 – ACES I – Lisboa Norte – preço-base de € 53.508,00, por referência ao preço unitário base/hora € 7,00, para 294 horas semanais;
– Lote 2 – ACES II – Lisboa Oriental – preço-base de € 19.110,00, por referência ao preço unitário base/hora € 7,00, para 105 horas semanais;
– Lote 3 – ACES III – Lisboa Central – preço-base de € 19.110,00, por referência ao preço unitário base/hora € 7,00, para 105 horas semanais;
– Lote 4 – ACES IV – Oeiras – preço-base de € 30.576,00, por referência ao preço unitário base/hora € 7,00, para 168 horas semanais;
- Lote 3 – ACES III – Lisboa Central – preço-base de € 19.110,00, por referência ao preço unitário base/hora € 7,00, para 105 horas semanais – cfr. fls. 18 do processo administrativo apenso;
v. Do Caderno de Encargos/Programa de Concurso destaca-se o seguinte:
[...]
Responsabilidades do Adjudicatário
1) O adjudicatário obriga-se à prestação de serviços de secretariado clínico, a realizar em qualquer das Unidades de Saúde que compõem a ACES supra identificado, num horário a definir com os Directores Executivos dos ACES, compreendido entre as 8.00 e as 20.00, todos os dias úteis, de acordo, com o total de horas semanais por Lote, devendo para o efeito afectar os seus meios humanos ["executantes" ou "colaboradores"], de acordo com a proposta adjudicada;
2) O adjudicatário obriga-se, durante o período da sua execução, à realização do conjunto de prestações, tarefas e funções que se revelem necessárias para garantir o secretariado clínico, devendo, para o efeito, afectar os seus meios humanos ["executantes" ou "colaboradores"] a essa execução;
[…]
Recursos Humanos
1. O adjudicatário obriga-se ao pagamento de todas as retribuições aos profissionais contratados, incluindo responsabilidade que advier de eventuais acidentes de trabalho e de doenças profissionais do pessoal contratado;
2. […]
3. […]
4. Findo o contrato a celebrar com o adjudicatário, por caducidade ou resolução ou qualquer outra causa, o destino do pessoal e as consequências emergentes dos respectivos contratos de trabalho são da exclusiva responsabilidade do adjudicatário.
[...]
Critério de adjudicação
1. O critério de adjudicação é o mais baixo preço [Preço = 100%]
2. A adjudicação terá sempre em conta como referência o preço unitário hora.
3. A adjudicação será efectuada por lotes.
[…]”;
vi. Ao referido procedimento apresentaram proposta os seguintes concorrentes:
- R……………………….– Cuidados ……….., Ldª;
- A………………… – Apoio Móvel ………………., Ldª;
- M……………– Soluções …………………, Ldª;
- T……………….., U……………l, Ldª;
- F……………. – Inovação ……………………., Ldª;
- E-S………………, SA;
- R………… – Organização ……………., SA;
- I. A. P………….– Prestação …………………., Unipessoal, Ldª;
- S……….. …………..Horas, Ldª;
- K …………………….. – Gestão de Processos, Ldª;
- M………………, SA;
- H…………………………, Promoção …………………, Ldª;
- ISS …………… – Gestão ………………cios, Ldª – cfr. as respectivas propostas de fls. 30 a 214 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
vii. Na sua proposta, a E-S……………, SA, propôs o Valor Global de € 73.737,30, dos quais € 27.900,60 para o Lote 1; € 9.964,50 para o Lote 2; € 9.964,50 para o Lote 3; € 15.943,20 para o Lote 4; e € 9.964,50 para o Lote 5, tendo como preço unitário/hora € 3,65 – cfr. fls. 205 a 214 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
viii. Em 26-6-2012, a ARSLVT, IP, procedeu à abertura das propostas, de acordo com a ordem de submissão das mesmas na respectiva plataforma electrónica de contratação pública, e elaborou o Relatório Final de ordenação e apreciação das respectivas propostas segundo o critério de adjudicação, propondo a adjudicação à E-S……….., SA, para os Lotes 1, 2, 3, 4 e 5 – cfr. fls. 215 a 218 do processo administrativo apenso;
ix. Após decisão de autorização da adjudicação [de 27-6-2012] – acto impugnado – à E-S………….., SA, como proposto, a autoridade demandada, em 2-7-2012, celebrou com a aquela o contrato nº 134/2012, de prestação de serviços de secretariado clínico para a área de influência da ARSLVT, IP – Área da Grande Lisboa [ACES I – Lisboa Norte; ACES II – Lisboa Oriental, ACES III – Lisboa Central; ACES IV – Oeiras; e ACES XI – Cascais], em regime de "outsourcing", pelo período de 6 meses – cfr. fls. 227 a 236 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Antes de iniciarmos a análise dos fundamentos do recurso interposto, importa precisar uma ou duas incorrecções que decorrem do teor quer da petição inicial, quer das alegações da recorrente.
Com efeito, como emerge do probatório e dos demais documentos constantes dos autos, o concurso público urgente em causa destinava-se à aquisição, entre outras, de uma prestação de serviços de secretariado clínico em regime de "outsourcing", para o período de seis meses [2 de Julho a 31 de Dezembro de 2012], dividida em cinco lotes, a ter lugar na área de influência da autoridade demandada, ou seja, na área da Grande Lisboa, e não na área da Península de Setúbal.
E, por outro lado, estando em causa um procedimento de concurso público urgente, embora se lhe apliquem as disposições que regulam o concurso público, não se lhe aplica o disposto em determinadas disposições daquele, nomeadamente quanto se dispõe quanto ao júri [cfr. artigo 156º, nºs 1 e 2 do CCP], o que significa que a análise e a avaliação das propostas são tarefas levadas a cabo pela entidade adjudicante.
Feitos estes esclarecimentos, vejamos agora o que dizer sobre o mérito do recurso interposto.
A recorrente começa por sustentar nas conclusões G) e H) da sua alegação que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por não ter concluído que no Caderno de Encargos/Programa de Concurso, apresentado pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, nomeadamente, nos pontos 1. e 4., do Capítulo Recursos Humanos, onde se refere que “1. O adjudicatário obriga-se ao pagamento de todas as retribuições aos profissionais contratados, incluindo responsabilidade que advier de eventuais acidentes de trabalho e de doenças profissionais do pessoal contratado”, e que “4. Findo o contrato a celebrar com o adjudicatário, por caducidade ou resolução ou outra qualquer causa, o destino do pessoal e as consequências emergentes dos respectivos contratos de trabalho são da exclusiva responsabilidade do adjudicatário”, se estava a exigir que os meios humanos afectos à prestação de serviços em regime de “outsourcing” tivessem um vínculo laboral com o adjudicatário, por via da celebração de contratos de trabalho.
Daí retira a conclusão de que a proposta vencedora, apresentada pela contra-interessada “E-S…………., SA” não devia ter sido admitida, por não respeitar os parâmetros base e requisitos exigidos no Caderno de Encargos/Programa de Concurso, violando desse modo o disposto no artigo 57º, nº 1, alínea b), do CCP, bem como os montantes mínimos exigidos por força da legislação laboral em vigor, sendo certo que o valor/hora proposto – € 3,65 – era insuficiente para cobrir os custos de mão-de-obra, acrescido dos respectivos encargos sociais, revelando-se notória a prática de “dumping”.
Conforme decorre do Caderno de Encargos/Programa de Concurso, com o lançamento do concurso em causa a entidade recorrida pretendia adquirir uma prestação de serviços de secretariado clínico em regime de "outsourcing", para o período de seis meses [2 de Julho a 31 de Dezembro de 2012] relativamente aos ACE I [Lisboa Norte], ACE II [Lisboa Oriental], ACE III [Lisboa Central], ACE IV [Oeiras] e ACE XI [Cascais], tendo o preço unitário base/hora para a prestação dos aludidos serviços nos diversos lotes sido fixada em € 7,00, e sendo o critério de adjudicação o do mais baixo preço.
Embora ao longo do clausulado do Caderno de Encargos/Programa do Concurso, cujo teor integral consta de fls. 37/44 dos autos, a terminologia utilizada pudesse levar a concluir pela necessidade do pessoal a afectar à prestação de serviços estar vinculado ao adjudicatário por contrato de trabalho, sendo exemplos disso o ponto referente às “Responsabilidades do Adjudicatário”, cláusula 4), alínea b), onde se refere serem obrigações do adjudicatário, entre outras, “manter vínculos laborais adequados com o seu pessoal e ao cumprimento de todas as convenções colectivas de trabalho relevantes na área dos serviços objecto do presente concurso” ou ainda o mesmo ponto, cláusula 5), alínea e), que determina que o adjudicatário deve “respeitar toda a legislação em vigor, na parte em que lhe for aplicável, devendo nomeadamente observar as prescrições legais sobre sanidade, salários mínimos, horários de trabalho, segurança e responsabilidade de trabalho […]”, ou ainda no ponto “Recursos Humanos”, cláusulas 1) e 4), onde se prevê que o “adjudicatário se obriga ao pagamento de todas as retribuições aos profissionais contratados, incluindo responsabilidade que advier de eventuais acidentes de trabalho e de doenças profissionais do pessoal contratado” e que “findo o contrato a celebrar com o adjudicatário, por caducidade ou resolução ou qualquer outra causa, o destino do pessoal e as consequências emergentes dos respectivos contratos de trabalho são da exclusiva responsabilidade do adjudicatário”, o certo é que outras cláusulas do Caderno de Encargos/Programa do Concurso permitem retirar conclusão diversa.
A título de exemplo, vejam-se as cláusulas 1) e 2) do ponto “Responsabilidades do Adjudicatário”, que se referem aos meios humanos a afectar à prestação como “executantes” ou “colaboradores”, e não como “trabalhadores”, e a cláusula 4) do ponto “Objecto do Dever de Sigilo”, onde se prevê que “o adjudicatário é responsável pelo cumprimento do dever de sigilo por parte dos seus colaboradores, qualquer que seja a natureza jurídica do vínculo que sirva de base a essa colaboração […]”. Esta referência mais lata aos meios humanos a afectar à prestação de serviços objecto do procedimento permite concluir que para a entidade adjudicante era perfeitamente indiferente que os meios humanos disponibilizados para esse fim estivessem ligados ao adjudicatário por contrato de trabalho ou não, o que significa que a exigência dum vínculo dessa natureza não podia constituir um parâmetro base ou requisito do concurso.
Mas mesmo que se entendesse o contrário, também não é líquido que as contra-interessadas identificadas pela recorrente como não cumprindo parâmetros base ou requisitos do concurso devessem ver as respectivas propostas excluídas, por indícios da prática de “dumping”, em violação do disposto no artigo 57º, nº 1, alínea b) do Código dos Contratos Públicos e por violação dos montantes mínimos exigidos por força da legislação laboral em vigor.
A recorrente parte do pressuposto de que o valor/hora de 3,65 € apresentado pela recorrida “E-S............, SA” na sua proposta não cobre sequer os custos mínimos de mão-de-obra e descontos legais para a Segurança Social exigidos [vencimento base, as férias e subsídio de férias, o subsídio de Natal, o valor correspondente à caducidade contratual e os descontos para a Segurança Social], sendo muito inferior ao montante mínimo legalmente admissível, que entende ser de 4,55 €.
Porém, como alegado pela entidade recorrida e pela contra-interessada “E-S............, SA”, e tal como considerou a decisão recorrida, existem outras realidades, como sejam a escolha de uma empresa de trabalho temporário ou circunstâncias previstas na legislação da Segurança Social, que podem isentar temporariamente as empresas concorrentes desse desconto [cfr., a este propósito, o disposto no DL 89/95, de 6/5], pelo que o valor/hora proposto pode meramente espelhar uma estratégia comercial do proponente sem que com isso se esteja a violar a legislação em vigor.
Finalmente, no que diz respeito à invocação por parte da recorrente sobre a infracção das regras da concorrência pela contra-interessada “E-S............, SA”, e da eventual prática concertada, em virtude de outras duas concorrentes, a “M…………., SA” e a “A………., Ldª”, apresentarem também valores/hora inferiores ao valor que aquela entende ser o “mínimo legalmente admissível”, ou seja, € 4,55 como valor/hora, refira-se que, tal como acertadamente considerou a decisão recorrida, a recorrente não refere qualquer facto concreto, consistente e credível que tenha sido invocado, susceptível de demonstrar a apontada prática de “dumping”.
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 4º da Lei nº 18/2003, de 11/6 [na versão anterior à redacção dada pela Lei nº 19/2012, de 8/5], “são proibidos os acordos entre empresas, as decisões das associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que se traduzem em […]”.
Porém, como salientado na sentença recorrida, a recorrente não concretizou qualquer conduta, prática ou acordo entre as aludidas contra-interessadas, da qual se possa inferir a existência de uma situação de “dumping”, não bastando a mera justificação de que os preços/hora propostos são inferiores ao mínimo legalmente admissível, sem cuidar de verificar se os preços se encontram ou não justificados, para justificar dessa forma a exclusão daquelas propostas, como exigido pelo artigo 70º, nº 2, alínea g) do CCP.
E, no limite, sempre se dirá que, no tocante ao valor/hora proposto pelas contra-interessadas, o preço “mínimo legal” seria aquele que, nos termos do disposto no artigo 71º, nº 1 do CCP, levaria a considerar que uma proposta é de preço anormalmente baixo, ou seja, quando fosse 40 % ou mais inferior ao preço base fixado no caderno de encargos, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de empreitada, ou 50 % ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de qualquer dos restantes contratos [caso dos autos], situação totalmente aplicável ao caso vertente, na medida em que o programa do concurso fixava um preço base.
Porém, analisando o valor/hora proposto pela contra-interessada “E-S............, SA”, tal também não ocorre, uma vez que sendo de € 7,00 o preço-base por hora fixado no Caderno de Encargos/Programa de Concurso, o preço da proposta daquela contra-interessada foi de € 3,65, ainda assim acima do valor referido no nº 1 do artigo 71º do CCP.
Improcedem, nos termos acima referidos, as conclusões da alegação da recorrente, pelo que o presente recurso não merece proceder.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da autora e ora recorrente.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2013

[Rui Belfo Pereira – Relator]
[Sofia David]
[Carlos Araújo]


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