sexta-feira, 20 de setembro de 2013

CONGELAMENTO DO MODELO DE AVALIAÇÃO; PREÇO-BASE ; RELATÓRIO PRELIMINAR; RELATÓRIOS FINAIS



Proc. Nº 10074/13                 TCAS                  12 Set 2013

1. A fixação de um preço-base único no caderno de encargos inviabiliza a aplicação do modelo de avaliação da proposta economicamente mais vantajosa, em que o factor-preço é sub-dividido em dois grupos de sub-factores e escalas de pontuação distintos, de acordo com o objecto do contrato a celebrar, também ele constituído por dois tipos de bens e de prestações de serviço autónomas.

2. Sendo o factor preço um atributo levado à concorrência, não é admissível o recurso a presunções por parte do júri para suprir a omissão de valoração parcelar do preço-base porque tal constitui a alteração substancial do modelo de avaliação da proposta economicamente mais vantajosa cujo parâmetro de referência é o preço-base único fixado no caderno de encargos.

3. O CCP prevê expressamente a elaboração de dois relatórios finais sempre que o júri detecte, oficiosamente ou em ponderação das respostas dos concorrentes via audiência prévia, motivos para propor a exclusão de propostas não tidos em conta aquando da fundamentação e conclusões do anterior relatório final – vd. artºs. 148º nºs 1 in fine e 2 com remissão para o artº 146º nº 2 e artº 124º nºs 1 in fine e 2 também com remissão para o artº 146º nº 2, todos do CCP


CTT Expresso – Serviços Postais e Logística, SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, dela vem recorrer, concluindo como segue:

A. Considera a Recorrente que o Júri deveria ter elaborado o Relatório Final e não o Segundo Relatório Preliminar (só admissível pelo art. 152° do CCP, na fase de negociação de propostas);
B. A douta sentença considera (ponto 2.1), que de facto o Júri deveria ter elaborado o Relatório Final e não o Segundo Relatório Preliminar. No entanto, conclui que a elaboração pelo Júri de três relatórios preliminares e a convolação do terceiro em relatório final é inócua em si mesma;
C. Fundamenta nesse sentido, que o que importa é a substância das coisas, não a questão formal da designação que o Júri dê aos seus actos e a substância das coisas, neste caso, será apurar se as alterações que determinaram a elaboração dos sucessivos relatórios preliminares tem ou não justificação objectiva, o que tem a ver com o mérito da causa, que não colheu provimento.
D. Salvo o devido respeito, nem esta questão é inócua, nem constitui uma mera questão formal, porque, este aspecto está indissociavelmente ligado ao facto da decisão de exclusão de todas as propostas não se enquadrarem nas causas de exclusão do art° 146° n° 2 do CCP, nem delas resultar uma alteração da ordenação das propostas constante do Relatório Preliminar;
E. Na verdade, o Júri já se tinha pronunciado sobre os aspectos, apreciados no Relatório Final (ponto G) dos factos provados), pronunciando-se depois pela exclusão da proposta da Recorrente, com fundamentos que previamente tinha validado, nomeadamente quanto ao critério de adjudicação e sub critérios que o compõem;
F. O Júri propôs a exclusão da proposta da Recorrente, com base nas als. c) e d) do art° 70° n° 2 do CCP (ponto M) dos factos provados);
G. O acto da Recorrida, ao consagrar a decisão de exclusão da proposta da Recorrida e a consequente decisão de não adjudicação e revogação da decisão de contratar, com os fundamentos constantes do Relatório Final, constitui uma violação expressa das normas legais em que sustenta as causas de exclusão e do dever de adjudicação a que se encontra vinculada;
H. O que não se confunde com o facto da versão do relatório final em que a proposta da ora Recorrente figurava como admitida não chegar a ser submetida à aprovação do órgão competente para contratar, não chegando a transformar-se em acto administrativo ou em acto administrativo constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos;
I. O que importa verificar é se os fundamentos invocados para a exclusão da proposta da Recorrente, aprovados pela Recorrida, têm fundamento face ao disposto nas als. c) e d) do art° 70° n° 2 do CCP;
J. Efectivamente, quanto à ai. c) do art° 70° n° 2 do CCP, a douta sentença exclui desde logo a sua verificação ao considerar que o facto da Recorrente não ter indicado na sua proposta o prazo máximo dentro do qual se propunha fazer todas as entregas não era motivo legal para a sua exclusão, conforme melhor é desenvolvido e no que se acompanha a douta decisão (cfr. ponto 2.3 - Questão
K. Quanto ao previsto na ai. d) do art° 70° n° 2 do CCP, o preço indicado no art° 19° do Caderno de Encargos refere-se ao preço global, não tendo sido definido preço máximo para cada uma das alíneas do objecto do concurso;
L. As peças procedimentais permitiam a apresentação de proposta para cada uma das alíneas do objecto do concurso, conforme n° 2 e n° 3 ai. a) do art° 9° do Programa de Concurso;
M. Tendo a Recorrente apresentado proposta apenas em relação à ai. a), não se encontrava obrigada a apresentar uma proposta global, sendo o preço que apresentou apenas relativo à prestação do objecto a contratar e abaixo do preço base fixado no concurso;
N. Desta forma, não pode a Recorrente concordar com a presunção que a douta sentença estabelece no sentido de que cada posição do concurso contribuem com igual peso (50%), para a formação do preço total das duas posições, ou seja que ambas as posições têm o mesmo valor;
O. Com o devido respeito, a Recorrente não concorda com o apreciação vertida na douta decisão de que poderia dar-se o caso de dois concorrentes apresentarem propostas, para a ai. a) e outro para a ai. b), cada um com valor igual ao preço base e a entidade adjudicante ver-se na obrigação de adjudicar ambas as propostas, o que poderia configurar um caso de enriquecimento ilícito;
P. A entidade adjudicante naquele caso, nunca poderia adjudicar propostas distintas que fossem superiores ao preço base. Assim, a proposta de preço de um concorrente e a do outro, em caso de adjudicação, teriam que estar, ambas somadas, compreendidas dentro do preço base fixado;
Q. A presunção de que ambas as posições têm um peso igual na formação do preço base, não está conforme o que se encontra fixado nas peças procedimentais, tal como resulta expressamente do n° 2 do art° 9° do Programa de Concurso e pelo n° 3 ai. a) do mesmo normativo;
R. Tanto mais que uma das posições do objecto do concurso, poderá envolver maior volume de prestação de serviço do que a outra, o que só por si desequilibraria a proporção presumida;
S. O que levaria a situações em que um dos concorrentes adjudicatário a uma das posições do concurso ficaria prejudicado face ao outro, na medida em que estaria vinculado ao limite dos 50%;
T. Face ao exposto, a decisão de exclusão da proposta da Recorrente foi errada, o que equivale à falta de fundamentação, e essa decisão de exclusão deverá ser tida por nula por violação das normas do Programa, nomeadamente do seus arts. 9° e 19°, bem como das normas legais previstas no art° 146° n° 2, art° 70 n° 2 ai. c) e d), todos do CCP.

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A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, ora Recorrida, contra-alegou, concluindo como segue:

1. A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo.
2. Improcede a invocada alegação da R. de que a sentença recorrida decidiu incorrectamente ao considerar que a questão relativa à elaboração de três relatórios preliminares é inócua e constituiu uma mera questão formal.
3. O artº 148º do CCP, no seu n.º l, determina que o júri elaborará um "relatório final fundamentado, no qual pondera as observações dos concorrentes efectuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar", mas o seu n.9 2, impõe ao júri a obrigação de proceder a nova audiência prévia, "nos termos previstos no artigo anterior, sendo subsequentemente aplicável o disposto no número anterior".
4. Decorre daqui que o júri, ao elaborar o relatório final, se entender dever efectuar alterações ao relatório preliminar, deverá proceder a nova audiência prévia e, posteriormente, em resultado dessa audiência prévia, dar cumprimento "ao disposto no número anterior" (nº l do artº 148º), ou seja, proceder à elaboração do "relatório final fundamentado".
5. A elaboração dum novo "relatório final" implicará, necessariamente, a alteração da qualificação do anterior relatório de "final" para "preliminar" sob pena de, no caso contrário, estarmos em presença de dois relatórios finais o que seria um contra-senso, atingindo os limites do absurdo. A este respeito, Jorge Andrade da Silva, in "Código dos Contratos Públicos", 1-ed-2009, em anotação ao artigo 148º, diz que só se impõe nova audiência prévia dos interessados se, no relatório, for prevista a exclusão de qualquer proposta ou de alteração da ordenação das propostas, isto é, se daí resultar afectada no procedimento a esfera jurídica de qualquer dos concorrentes. Não é pois qualquer alteração na valoração das propostas provocada pelas respostas dos concorrentes que determina a abertura de novo período de audiência prévia, mas apenas quando daí decorre a exclusão de qualquer concorrente ou a alteração da posição relativa dos vários concorrentes na sua ordenação com vista à adjudicação. Mais concretamente, a nova audiência não deve ter apenas lugar quando dessas respostas resulta a substituição da proposta classificada é ordenada em primeiro lugar, mas de qualquer alteração relativa a qualquer delas.
6. Pelo que, a aceitar-se a posição da A., concluir-se-ia que o júri, na impossibilidade de elaborar segundo ou terceiro relatório preliminar, e perante a necessidade de ter de introduzir alterações ao relatório preliminar inicial, teria de proceder à elaboração dum "relatório final" e, posteriormente, a justificarem-se alterações na sequência da nova audiência prévia, à elaboração dum segundo ou até dum terceiro relatório final o que, como se afirmou, não deixaria de ser absurdo.
7. A qualificação ou nomenclatura de determinado relatório é uma questão meramente formal, não substancial, sem relevância jurídica sobre a validade e eficácia do seu conteúdo. Determinante e juridicamente relevante é a questão de saber se o júri, em face do resultado duma nova audiência prévia, pode ou não proceder a alterações no relatório submetido a essa audiência prévia e não há dúvida alguma de que uma tal possibilidade se encontra, inquestionavelmente, prevista no citado nº 2 do artº 148º do CCP.
8. Não existe nenhuma norma que impeça o júri de alterar as suas próprias decisões desde que, obviamente, o faça dentro dos prazos legais e no exercício das suas competências.
9. Cabe ao júri a condução do processo do concurso, competindo-lhe a prática de todos os actos que se mostrem necessários ou convenientes a um correcto desenvolvimento do mesmo, só deixando este de estar sob a sua alçada quando, uma vez concluído, for remetido ao órgão competente para a decisão de contratar, nos termos do n.9 3 do art.9 148.9 do CCP.
10. Enquanto o processo se mantém sob a alçada e competência do júri, nenhum impedimento legal existe a que o mesmo possa introduzir ou revogar anteriores decisões desde que, obviamente, o faça no sentido da rectificação de eventuais erros e da reposição da legalidade, sendo certo que, tratando-se de actos preparatórios com vista à tomada de decisões finais pelo órgão competente, justificar-se-á esse tipo de procedimento por forma a evitar a inquinação legal de tais decisões.
11. O regime legal da revogação das decisões administrativas consagrado nos art.ºs 140º, 141º, 142º e 143ºdo Código do Procedimento Administrativo, permite a revogação, mesmo dos actos constitutivos de direito, quando inquinados de ilegalidade e desde que a revogação seja feita dentro dos prazos legais.
12. Consta da Deliberação de Mesa nº 346/2012, de 16 de Fevereiro, e do Relatório Final que lhe serviu de base, a decisão de não adjudicação teve por suporte legal o disposto na al.b) do nº l do artº 79º do CCP que prevê não haver lugar à adjudicação quando "todas as candidaturas ou todas as propostas tenham sido excluídas", bem como a respectiva fundamentação.
13. Estabelece a a) do nº l do artº 47º do CCP, "quando o contrato a celebrar implique o pagamento de um preço, o preço base é o preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o seu objecto, correspondendo ao mais baixo dos seguintes valores: a ) 0 valor fixado no caderno de encargos como parâmetro base do preço contratual".
14. 0 Caderno de Encargos do concurso em questão, no seu artº 19º, estabelece que "o preço base é de 2.250.000 (dois milhões, duzentos e cinquenta mil euros), não se incluindo o imposto sobre o valor acrescentado, correspondendo ao total das posições em concurso".
15. Decorre do artº lº do Programa do Concurso e do art.º lº do Caderno de Encargos, o objecto do concurso e, consequentemente, do contrato, é a "prestação de serviços de transporte, entre o Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e cada um dos estabelecimentos da sua rede de mediadores, em todo o território nacional para os seguintes bens:
16. a)Mercadorias com pesos normalmente baixos (mais de 80% terão peso inferior a 5Kg);
17. b)Lotaria ou outros valores de montante até 10.000€)".
18. Pelo que, estabelecendo o Caderno de Encargos o preço base de 2.250.000€ para o total das posições previstas nas ai. a) e b) dos art.ºs l.º do PC e do CE, mas não discriminando o valor base de cada uma destas posições, é de presumir que as mesmas teriam idêntico valor base, não se justificando, por isso, a referência individualizada a cada uma delas.
19. Só, assim, se poderá explicar a omissão das peças do procedimento quanto a este aspeto uma vez que as mesmas conferiam, aos concorrentes, a possibilidade de apresentarem proposta, apenas, para uma das posições, possibilidade esta que foi exercida pela R. ao apresentar proposta, unicamente, para a posição a) - prestação de serviços de transporte de mercadorias com pesos normalmente baixos.
20. Dentro deste pressuposto, a ilação lógica a retirar é a de que a proposta apresentada pela A. tinha como preço limite o valor de 1.125.000€ (50% de 2.250.000€) e a recorrente indicou como preço contratual o valor de 1.760.000€, ultrapassando, assim, o preço base procedimentalmente estabelecido para a prestação dos serviços previstos na ai. a) do artº 1.do PC e artº lº do CE., pelo que não podia tal proposta deixar de ser excluída, nos termos do previsto na ai. d) do nº2 do art.º 70.º do CCP.
21. a sentença recorrida não padece de quaisquer dos vícios de interpretação alegados pela recorrente, devendo, consequentemente, manter-se por correcta aplicação do direito procedimento de concurso público, com o mesmo objecto (n° 2012/CP13004), caso o pedido principal venha a obter provimento, devendo ainda a R. abster-se de praticar os actos de adjudicação e assinatura do contrato em sede do novo procedimento de concurso público" - tudo pretensões a que se opuseram a entidade demandada e a contrainteressada e que viriam a ser rejeitadas.

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A contra-interessada Urbanos – Soluções SA contra-alegou, concluindo como segue:

A. A acção no âmbito da qual foi proferida a douta decisão ora em crise foi proposta contra a Deliberação n.° 340/2012 da Mesa da Recorrida Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, de 16 de Fevereiro, que, aprovando o Relatório Final elaborado pelo Júri do Concurso público para a contratação de serviços de transporte, entre o Departamento de Jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e cada um dos estabelecimentos da sua rede de mediadores em todo o território nacional, determinou a exclusão de todos os concorrentes - entre os quais, a Recorrente e a Recorrida - e, nos termos da alínea b) do n.° l do artigo 79.° do Código dos Contratos Públicos, a não adjudicação daqueles serviços;
B. O acto impugnado não merece qualquer censura, como a não merece, igualmente, a douta sentença ora recorrida;
C. Quanto à elaboração de sucessivos "relatórios preliminares", considerando a ressalva efectuada na própria decisão recorrida, que afirma que a relevância da elaboração de sucessivos relatórios circunscrever-se-á aos casos em que não exista justificação para tanto, não diverge o Recorrente, no essencial, da posição do Tribunal: para ambos, a questão fundamental será, então, a verificação da validade do entendimento segundo o qual, em relação à proposta da Recorrente, se verificavam as invocadas causas de exclusão;
D. Com efeito, sustentando o Recorrente que há que verificar se a exclusão da Recorrente com fundamento no disposto na alínea d) do n.° 2 do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos tem fundamento legal, não se retira dos argumentos que utiliza posição diferente daquela que foi adoptada pelo Tribunal, segundo a qual a sucessiva elaboração de relatórios preliminares poderá constituir causa de invalidade do acto impugnado apenas nos casos em que a motivação do Júri não encontre, no confronto das propostas com a lei, fundamento legal;
E. Em todo o caso, a questão da elaboração de mais que um relatório preliminar é meramente terminológica e sem qualquer relevância quanto à validade dos actos praticados;
F. Admitindo-se como boa a posição sustentada pela Recorrente e agora adoptada pelo Tribunal, na douta decisão sob censura — mantendo a Recorrida, porém, o entendimento de acordo com o qual não resulta de forma verdadeiramente clara da lei, nesse caso, a designação que deverá ser dada ao relatório que é feita nas circunstâncias dos autos — , a verdade é que a questão terminológica não é, para o caso, relevante, importando, antes, verificar, por um lado, se os concorrentes apreenderam o alcance que foi dado àqueles documentos e, por outro, se foram cumpridas todas as formalidades referidas nos mencionados preceitos legais;
G. E, neste caso, não pode ser colocado em causa o cumprimento daquelas formalidades ou o facto de, na sua elaboração, terem sido invocados todos os preceitos legais ao caso aplicáveis e ter sido correctamente apreendido o seu alcance por todos os concorrentes, incluído pela Recorrente, que sempre se pronunciaram sobre as propostas de decisão neles inscritas, nunca vendo coarctado, por via da adopção de uma ou outra designação, qualquer dos direitos que a lei lhes confere;
H. Ainda que se entendesse que existe uma designação incorrecta dos segundo e terceiro relatórios preliminares, sempre a questão deveria ser analisada e interpretada à luz do princípio da admissibilidade da irrelevância dos vícios procedimentais:
I. Por outro lado, carece de qualquer fundamento o entendimento, que parece ser o da Recorrente, segundo o qual ao Júri estaria vedado, em momento posterior ao da elaboração do primeiro relatório preliminar e após pronúncia dos concorrentes em sede de audiência dos interessados, suscitar novas causas de exclusão dos concorrentes ou questões das quais pudesse resultar a alteração da ordenação das propostas;
J. Entendimento semelhante significaria o desvirtuar de qualquer efeito útil da fase de audição dos concorrentes - estes pronunciar-se-iam sobre a sua (e a dos restantes concorrentes) admissão/exclusão, sobre a sua posição relativa, mas o júri não poderia já efectuar qualquer alteração no seu projecto de decisão;
K. A questão, aqui, não se prende com a da revogabilidade das deliberações do Júri do Concurso (estas nunca consubstanciaram decisões finais, verdadeiros actos administrativos);
L. Aquilo a que procedeu o Júri, em todas as circunstâncias, nos três relatórios preliminares elaborados foi, atento o estabelecido no artigo 147.° do Código dos Contratos Públicos, à elaboração de um projecto (mera intenção) de deliberação, colocando-o à consideração dos interessados e, depois de ouvidos estes, à convolação daquele projecto de decisão em decisão final ou, considerando procedentes os argumentos apresentados pelos interessados, à alteração do sentido da decisão projectada, submetendo novo projecto de decisão a nova audiência prévia;
M. O que existiu, em todos os casos, foram meros projectos de decisão, sempre susceptíveis de revisão, considerando a fase em que se encontrava o procedimento, nunca tendo sido tomada pelo Júri qualquer deliberação cujo conteúdo não houvesse sido submetido a audição dos interessados e sem que os argumentos por estes expendidos tivessem sido objecto de estrita apreciação por parte do Júri;
N. Foi sempre integralmente cumprido o procedimento legalmente estabelecido, não podendo falar-se em alterações aleatórias de deliberações do Júri, mas no funcionamento estrito do procedimento à luz do princípio constitucional da colaboração entre os particulares e a Administração, em todas as suas vertentes;
O. Sendo decidida a exclusão de todas as propostas, esta decisão tinha, necessariamente, por consequência a decisão de não adjudicação [cfr. artigo 79.°, n.° l, alínea b), do Código dos Contratos Públicos] e a revogação da decisão de contratar (cfr. n.° l do artigo 80.° do mesmo Código);
P. Relativamente à questão de saber se a proposta para cada um dos blocos de serviços deveria estar limitada a 50% do preço base indicado no Caderno de Encargos, a resposta é necessariamente afirmativa, não merecendo censura, também nesta parte, a douta decisão recorrida;
Q. Quando abriu concurso, a entidade adjudicante comunicou aos potenciais concorrentes o valor máximo que estava disposta a pagar por todas as prestações que constituíam o objecto do concurso (preço base);
R. Sendo aquelas prestações agrupadas em dois grandes blocos, entende a Recorrente que o preço base assim estabelecido, bem como a possibilidade de apresentar proposta apenas para um dos blocos que constituem o objecto do concurso, lhe permitiam, indiferentemente, ou apresentar proposta para apenas um dos dois blocos, em montante apenas limitado pelo valor base (€2.250.000,00), ou apresentar proposta para ambos os blocos, caso em que soma dos valores que correspondiam a cada um deles não poderia ultrapassar aquele montante; será ? e o princípio da comparabilidade das propostas ?
S. Ao mesmo tempo, e contra o argumento usado na douta sentença sob censura - segundo o qual a tese da Recorrente poderia determinar que dois concorrentes que apresentassem proposta para apenas um dos blocos (mas para blocos diferentes entre si), de valores próximos do preço base vissem, ambos, as suas propostas adjudicadas e, assim, que o valor global da adjudicação ultrapassasse (ilegalmente) o preço base - , sustenta a Recorrente que, na hipótese colocada, a entidade adjudicante estaria impedida de adjudicar ambas;
T. Esta última solução aparece em plena contradição com a posição que assume: se o facto de a proposta para cada um dos blocos ser de valor superior a 50% não constitui fundamento de exclusão, nos termos do estabelecido na alínea d) do n.° 2 do artigo 70.° do Código dos Contratos Públicos, então com que fundamento se recusaria a adjudicação de duas propostas, de dois concorrentes diferentes e para blocos diferentes, em que cada uma não ultrapassasse o preço base mas, juntas, ficassem claramente além daquele valor, à luz dos fundamentos (taxativos) de não adjudicação constantes do artigo 79.° do Código?
U. Esta nunca poderia ser causa de não adjudicação dos serviços, uma vez que a lei foi construída no sentido de que qualquer possibilidade de ultrapassagem do preço base ficasse eliminada logo na decisão sobre a admissibilidade das propostas.
V. Por outro lado, fazendo a interpretação com recurso ao critério que nos é fornecido pelo artigo 236º do Código Civil, não pode concluir-se que, tendo manifestado disposição para pagar um limite de € 2.200.000,00 por todos os serviços postos a concurso, pudesse a entidade adjudicante admitir pagar, por apenas um dos dois blocos que os compunham, o mesmo preço, valor muito próximo ou mesmo qualquer quantia acima de cinquenta por cento daquele valor;
W. A Recorrente não pode retirar do facto de ter optado por não concorrer a parte dos serviços a irrelevância financeira de outros que, a serem efectivamente prestados, representariam, atentas as condições postas a concurso, um custo igual ou mesmo superior àquele em que quantifica a prestação de serviços relativa à alínea a) do mesmo preceito;
X. Não tendo ficado expressamente estabelecido nas peças concursais que o preço base havia de ser entendido como decomposto, de forma que a cada uma das componentes correspondesse 50% do preço, a interpretação que deverá ser feita, à luz do Código dos Contratos Públicos e dos princípios da proporcionalidade, justiça e boa-fé, não pode ser outra que não a de rejeitar que um concorrente que apresente proposta apenas relativamente a uma das componentes "esgote o plafond" em que se consubstancia a fixação de um preço base;
Y. Encontrava-se a Recorrida Santa Casa da Misericórdia de Lisboa obrigada a excluir a proposta da Recorrente, à luz do estabelecido na alínea d) do n.° 2 do artigo 70.° do Código dos Contratos Públicos.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

A) A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) lançou um procedimento de concurso público para a prestação de serviços de transporte entre o Departamento de Jogos e cada um dos estabelecimentos da rede de mediadores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em todo o território nacional para os seguintes bens:
a. Mercadorias com pesos normalmente baixos (mais de 80% terão peso inferior a 5 kg);
b. Lotaria ou outros valores de montante até € 10 000,00 (cfr. anúncio a fls. do PA e o Relatório Final do Júri junto a fls. 24 a 30 dos autos do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido);
B) No qual apresentaram proposta CTT - Serviços postais e Logística, S.A., Urbanos - Soluções, S.A. e Santos & Vale, Sul - Distribuição, Lda. (Relatório Final cit);
C) Sendo a proposta da Autora referente à ai. a) do objecto do concurso, isto é a mercadorias com pesos normalmente baixos (mais de 80% terão peso inferior a 5 kg) -cfr. PA;
D) E no valor de € l 700 000,00 (cfr. PA);
E) A Autora, na sua proposta, comprometeu-se a proceder à distribuição de 99,5% dos objectos recolhidos, no dia útil seguinte ao da recolha (acordo das partes);
F) A Autora não refere na sua proposta, designadamente nos cronogramas, o momento/dia em que se propõe entregar a totalidade (100%) dos pacotes recebidos (cfr. PA e artigos 36° a 43° da petição inicial);
G) No dia 20 de Setembro de 2011 o Júri elaborou um relatório preliminar no qual procedeu à análise e classificação das propostas e propunha a admissão da proposta da Autora para a prestação dos serviços previstos na ai. a) do n.° l do art.° 1° do Programa do Concurso (PC) e a exclusão das propostas dos restantes concorrentes (doe. 2 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido);
H) Em virtude do provimento da reclamação de outro concorrente em sede audiência prévia, o Júri veio a elaborar, em 19 de Dezembro de 2011, segundo relatório preliminar, admitindo as propostas do concorrente Urbanos - Soluções, S.A., anteriormente excluído, e alterando a ordenação das propostas dos concorrentes (doe. 3 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido);
I) Relatório a que a Autora respondeu em sede de audiência prévia reclamando da decisão de readmissão do referido concorrente e pedindo a manutenção da exclusão das propostas admitidas ou, caso assim se não entendesse, a exclusão da readmitida proposta quanto à ai. b) e revista a classificação da mesma proposta quanto à ai. a) isoladamente, com as demais consequências em termos de ordenação das propostas (cfr. fls. do PA e doe. 4 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido);
J) Na sequência destas alegações, o Júri elaborou, no dia 20 de Janeiro de 2012, terceiro relatório preliminar, no qual modificou as conclusões do segundo relatório preliminar (doe. 4 cit);
K) E sobre o qual a Autora se pronunciou em sede de audiência prévia, tendo requerido a revogação do terceiro relatório preliminar bem como da decisão de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar, pugnando pela manutenção da admissão da proposta da Autora para a ai. a) do objecto do concurso e exclusão das restantes propostas, com as demais consequências em termos de ordenação das propostas (cfr. fls. do PA e doe. 5 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido);
L) Na sequência, o Júri elaborou relatório final, que foi notificado à Autora juntamente com a decisão de exclusão de todas as propostas, de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar do procedimento de concurso público com a referência Processo n.° 2011/CP 11041 (doe. l junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido);
M) Do relatório final consta, nomeadamente, o seguinte:
“(..) II - Exclusão das propostas
Tendo por base os pressupostos acima expostos, o Júri deliberou manter a exclusão:
a) Da proposta do concorrente "CTT Expresso - Serviços Postais e Logística, S.A.", para a alínea a) do objecto do concurso, nos termos do disposto nas alíneas c) e d) do n.° 2 do artigo 70° por remissão da alínea o) do n.° 2 do artigo 146° do CCP;
b) Da proposta do concorrente "Urbanos - Soluções, S.A.", para as alíneas a) e b) do objecto do concurso, nos termos do disposto nas alíneas a) e c) do n.° 2 do artigo 70° por remissão da alínea o) do n.° 2 do artigo 146° do CCP;
c) Da proposta do concorrente "Santos & Vale, Sul - Distribuição, Lda.", nos termos do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 146° do CCP;
III – Conclusão
a) O Júri deliberou, pelos fundamentos referidos, convolar o terceiro Relatório Preliminar em Relatório Final, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos e que se anexa ao presente Relatório Final, fazendo dele parte integrante;
b) Mantendo-se assim a sua proposta de exclusão de todas as propostas ao presente procedimento, tal implicando a não adjudicação nos termos da alínea b) do n.° l do artigo 79º do CCP e a revogação da decisão de contratar, nos termos do artigo 80º. (..)”




DO DIREITO


No procedimento de concurso público a que se reportam os autos vem levantada a questão da admissibilidade legal da elaboração pelo júri de três relatórios preliminares, em que o último é convolado em relatório final e nele deliberado propor a revogação da decisão de contratar por força da exclusão de todas as propostas; sustenta a Recorrente que carece de fundamento legal e emissão sucessiva de relatórios preliminares além de que a existência de um segundo relatório preliminar apenas tem previsão expressa no art° 152° do CCP.
A questão suscitada passa pelo respectivo enquadramento no domínio da competência funcional do júri segundo os termos e limites positivos especificamente concedidos - na lei e peças regulamentares do concreto procedimento -, que não só individualizam o tipo de poder concedido a este órgão procedimental como enunciam os pressupostos jurídicos e extra-jurídicos de actuação, sendo que, no tocante à habilitação legal, regem os termos gerais do art° 69° CCP e, no tocante ao concurso público, o disposto nos art°s 146° a 148° CCP, com remissão para o regime do ajuste directo em sede de audiência prévia.
Convoca-se particularmente o modo de expressão procedimental das atribuições do júri, no que respeita à competência de análise e avaliação do mérito das propostas e respectiva ordenação, cfr. art°s. 69° n° l, 122° n° l e 139° n° 5 CCP, de verificação dos requisitos legais e consequente proposta de admissão e exclusão de propostas, cfr. art°s. 122° n° 2 e 146° n°s. l e 2 CCP, sendo toda esta actividade expressa em relatório preliminar sob exigência legal de "elaboração fundamentada", cfr. art°s. 122° n° l e 146° n° l CCP, na exacta medida em que a motivação e conclusões do júri nele exaradas visam a decisão administrativa final em matéria de adjudicação do contrato, decisão constitutiva de direitos e, como tal, impositiva do princípio da audiência dos interessados através da pronúncia dos concorrentes em audiência prévia, cfr. art°s. 267° n° 5,268° n° l CRP; 8° CPA; 123° n° l e 147° CCP.
Por último, em sede normativa, o âmbito da pronúncia dos concorrentes concentra-se e é delimitado por reporte às matérias efectivamente tratadas e deliberações do júri constantes do concreto relatório preliminar notificado aos concorrentes, que consubstancia o projecto da decisão final do procedimento contendo, como acima referido, as matérias nucleares do âmbito competencial do júri: análise, avaliação, admissão e exclusão das propostas e respectiva ordenação.

a. multiplicidade de relatórios; art°s. 124° n° 2 e 148° n° 2 CCP;

É indiscutível que o procedimento do concurso público apenas admite a elaboração e envio a todos os concorrentes de um relatório preliminar, segundo o regime estatuído para o ajuste directo (com apresentação de mais de uma proposta) por remissão expressa do artº 147º para o artº 123º nº 1 CCP.
Todavia, o CCP prevê expressamente a elaboração de dois relatórios finais sempre que nesta mesma fase do relatório final, tanto por ponderação e decisão sobre as questões levantadas pelos concorrentes em via de audiência prévia como por conhecimento oficioso, o júri detecte motivos para propor a exclusão de propostas não tidos em conta aquando da fundamentação e conclusões do anterior relatório final – vd. artºs. 148º nºs 1 in fine e 2 com remissão para o artº 146º nº 2 e artº 124º nºs 1 in fine e 2 também com remissão para o artº 146º nº 2, todos do CCP.
O dever jurídico de proceder a nova audiência prévia dos concorrentes interessados é a razão que impõe ao júri a elaboração do segundo relatório final, e os pressupostos desse dever jurídico de nova audiência prévia emergem da alteração do conteúdo proposto pelo júri no relatório final subsequente ao relatório preliminar, seja no âmbito da exclusão (que não houve e passou a haver e vice-versa) ou da ordenação das propostas avaliadas, alteração com reflexos na concreta posição procedimental dos concorrentes e consequente pretensão adjudicatória - vd. segunda parte dos artºs. 124º nº 2 e 148º nº 2 CCP.
Subscrevemos, assim, o entendimento doutrinário que restringe aos concorrentes interessados a segunda audiência prévia, tanto no procedimento de ajuste directo, conforme disposto no artº 124º nº 2, como no procedimento de concurso público, pese embora, aqui, o texto do artº 148º nº 2 não contenha o segmento em causa, mas atendendo a que a ratio da segunda audiência prévia é, exactamente, dar participação aos “concorrentes afectados pelo relatório final de maneira procedimentalmente relevante(1)
Neste sentido, em vista de exclusão ou de alteração da ordenação das propostas “(..) terá de haver tantas audiências prévias quantas as necessárias para que se possa dizer que, relativamente à respectiva posição no procedimento, todos os interessados tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a versão final do relatório. (..)” (2) havendo que “(..) tomar em consideração especial aqueles casos em que, mantendo-se embora a ordenação preliminar das propostas, (não se modificando o lugar que ocupavam na respectiva grelha), o aumento ou diminuição da diferença pontual que as separava para valores significativamente diferentes pode contender com a pretensão adjudicatória do respectivo concorrente. (..) Em tais hipóteses, mesmo sendo verdade que não há dever legal de dar audiência prévia, admitimos que, querendo, o júri possa decidir discricionariamente nesse sentido. (..)”. (3)
O que significa que as circunstâncias verificadas no concreto procedimento podem ir, também, além da previsão específica contida no CCP de dois relatórios finais.

*
No caso em apreço, resulta provado que do primeiro para o segundo relatório preliminar o júri alterou o âmbito de propostas excluídas, no caso de duas para uma, a ordenação das propostas no tocante ao serviço de transporte de mercadorias (art° 1° n° l alinea a) do PP) e de lotaria e outros valores (art° 1° n° l alinea b) do PP) acabando por propor a exclusão de todas as propostas no terceiro relatório preliminar a seguir convolado para relatório final.
Efectivamente, no relatório preliminar elaborado nos termos do art° 146° n° l CCP e datado de 20.09.2011 (alínea G) do probatório) no universo das 3 propostas apresentadas o júri deliberou propor a exclusão de duas (da ora contra-interessada e Recorrida e de outrem) e admitir uma (da ora Recorrente); em via de audiência prévia por parte de um dos três concorrentes ao concurso público deu origem à emissão de um segundo relatório denominado de "segundo relatório preliminar" datado de 19.12.2011 (alínea H) do probatório).
O primeiro relatório preliminar de 20.09.2011 foi enviado a todos os concorrentes "para no prazo de 5 dias se pronunciarem ao abrigo da audiência prévia, conforme previsto no artigo 147° do CCP" - vd. fls. 36 dos autos.
No segundo relatório preliminar datado de 19.12.2011 em via da resposta à audiência prévia da ora contra-interessada e Recorrida e com fundamento em parecer emitido pelo Gabinete Jurídico da ora Recorrida o júri alterou a proposta constante do relatório de 20.09.2011 no sentido de exclusão de duas propostas (dentre as quais a da ora contra-interessada e Recorrida) e admissão de uma (da ora Recorrente) e deliberou propor a exclusão de uma proposta e a admissão das outras duas (das ora Recorrente e contra-interessada Recorrida); feita a avaliação deliberou alterar a ordenação constante do primeiro relatório preliminar substituindo-a por outra em que alterou a ordenação proposta no relatório preliminar de 20.09.2011 para o art° 1° n° l alinea a) do Programa do Concurso (PP) ordenando em 1° lugar a da ora contra-interessada e Recorrida e em 2° a da ora Recorrente, e para o art° 1° n° l alínea b) do PP ficou a proposta admitida da ora contra-interessada e Recorrida, alterando assim o relatório anterior de 20.09.2011 na medida em que a ora Recorrente para esta alínea b) do n° l do art° 1° do PP não tinha apresentado proposta (alínea H) do probatório).
O segundo relatório preliminar de 19.12.2011 foi enviado para todos os concorrentes "para no prazo de 5 dias se pronunciarem ao abrigo da audiência prévia, conforme previsto no artigo 148° n° 2 do CCP" -vd. fls. 46 dos autos.
No terceiro relatório preliminar datado de 20.01.2012 em via da resposta à audiência prévia da ora Recorrente e com fundamento em parecer emitido pelo Gabinete Jurídico da ora Recorrida o júri manteve o anterior juízo de exclusão de uma proposta e deliberou propor a exclusão das outras duas propostas apresentadas (das ora Recorrente e contra-interessada Recorrida), alterando a proposta anterior constante do segundo relatório preliminar de 19.12.2011 no sentido da admissão e ordenação destas; ou seja, deliberou propor "a exclusão de todas as propostas ao presente procedimento o que implicará a não adjudicação nos termos da alínea b) do n° l do art° 79° do CCP e a revogação da decisão de contratar, nos termos só art° 80° n° l do CCP" - vd. fls. 48 e 49 dos autos (alínea J) do probatório).
O terceiro relatório preliminar de 20.01.2012 foi enviado para todos os concorrentes "para no prazo de 5 dias se pronunciarem ao abrigo da audiência prévia, conforme previsto no artigo 147° do CCP" - vd. fls. 49 dos autos.
No relatório final de 08.02.2012 por convolação do terceiro relatório preliminar de 20.01.2012 em via da resposta à audiência prévia das ora Recorrente e contra-interessada Recorrida e com fundamento em parecer emitido pelo Gabinete Jurídico da ora Recorrida, o júri deliberou que “mantendo-se, assim, a sua proposta de exclusão de todas as propostas ao presente procedimento, tal implicará a não adjudicação nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 79º do CCP e a revogação da decisão de contratar, nos termos do artº 80º nº 1 do CCP” – vd. fls. 29 e 30 dos autos (alíneas L) e M) do probatório).
De quanto vem dito se conclui que a ratio legis da audiência prévia dos concorrentes foi respeitada - tendo o júri ido além do universo dos interessados – e, consequentemente, a sucessão de relatórios é a devida, sendo juridicamente irrelevante a alteração da denominação normativa do documento que expressa o acto procedimental, pois, porventura por razões de lógica semântica, o júri atribuiu a designação de preliminar aos subsequentes relatórios antecedentes do verdadeiro final mas, sem dúvida, respeitando o conteúdo pretendido pelos dispositivos legais aplicáveis, nos termos expostos.
Pelo exposto, acompanha-se a fundamentação do Tribunal a quo sobre esta matéria e julgam-se improcedentes as questões trazidas a recurso nos itens A e E das conclusões.

b. congelamento do modelo de avaliação; preço-base;

Por deliberação de 16.02.2012 foi aprovado o relatório final de 08.02.2012, não havendo lugar à adjudicação e consequente celebração do contrato a que se reporta o procedimento por exclusão de todas as propostas, nos termos previstos do artº 79º nº 1b) CCP, mostrando-se fundamentada por referência às causas que, na circunstância concreta, levaram a essa decisão.
Questiona a ora Recorrente nos itens I a T das conclusões de recurso o entendimento do Tribunal a quo enquadrado, por síntese, como segue: (i) o artº 1º nº 1 do Programa do Procedimento (PP) especifica que o objecto do concurso público é constituído pelo transporte diferenciado de dois tipos de bens, alínea “a) Mercadorias com pesos normalmente baixos (mais de 80% terão peso inferior a 5 kg)” e alínea “b) Lotaria ou outros valores de montante até 10.000,00 euros”; (ii) conforme artº 19º do Caderno de Encargos (CE) o valor do preço-base é de 2.250.000,00 euros, não sendo discriminado “o valor de cada uma das posições previstas na al. a) e b) do artº 1º do PP e 1º do CE, que, singularmente consideradas, não têm preço base”; (iii) “Sendo assim, presume-se que cada posição contribui com igual peso (50%) para a formação do preço total das posições, ou seja, ambas as posições temo mesmo valor.”
A decisão de exclusão da proposta apresentada pela ora Recorrente fundamentou-se nas alíneas c) e d) do nº 2 do artº 70º CCP, conforme relatório final do júri (alínea M do probatório) estando o recurso limitado à alínea d) (exclusão da proposta por apresentação de preço contratual superior ao preço base), atento que a ora Recorrente apresentou proposta para transporte dos bens referidos na alínea a) do nº 1 do artº 1º do Programa do Procedimento (PP), “a) Mercadorias com pesos normalmente baixos (mais de 80% terão peso inferior a 5 kg)”, pelo valor de 1.760.000,00 euros.

*
Para além dos mencionados elementos procedimentais importa ao caso o artº 9º nº 2 do PP sob a epígrafe “Documentos que constituem a proposta”, onde se especifica que “A proposta deverá ser elaborada em partes separadas por cada alínea a que concorra, devendo, caso concorra a ambas as alíneas do nº 1do artº 1º, apresentar também uma proposta global.”
Por seu turno, o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa determinado no artº 13º do PP apresenta um modelo de avaliação dividido em factores e sub-factores com os respectivos índices de ponderação: no artº 13º nº 2 a) do PP seis sub-factores por classe de peso relativos ao preço respeitante à alínea a) do objecto do concurso [“a) Mercadorias com pesos normalmente baixos (mais de 80% terão peso inferior a 5 kg)”] e no artº 13º nº 2 b) do PP nove sub-factores por classe de peso relativos ao preço respeitante à alínea b) do objecto do concurso [“b) Lotaria ou outros valores de montante até 10.000,00 euros”].
*
Como já referido, no artº 19º do CE foi determinado o preço base no valor de 2.250.000,00 euros e a ora Recorrente apresentou proposta para transporte dos bens referidos na alínea a) do nº 1 do artº 1º do PP, “a) Mercadorias com pesos normalmente baixos (mais de 80% terão peso inferior a 5 kg)”, pelo valor de 1.760.000,00 euros.
O preço-base configura o valor máximo da obrigação de pagamento em que a entidade adjudicante se constitui pelo cumprimento de todas as prestações que constituem o objecto do contrato a celebrar – vd. artº 47º nº 1 a) CCP – funcionando, assim, como condicionante da concorrência na medida em que o preço contratual apresentado nas propostas há-de subordinar-se àquele limite máximo, sob pena de exclusão – vd. artºs. 97º nº 1 e 70º nº 2 d) CCP.
Daqui decorre um problema enfrentado pelo júri no relatório final de 08.02.2012 com fundamento no parecer emitido pelo Gabinete Jurídico da ora Recorrida.
Efectivamente, no caso concreto o preço assume a natureza de atributo das propostas e, por isso, diz respeito a um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo CE, valorizado como factor de avaliação das propostas de acordo com o elenco de factores e sub-factores que densificam o modelo de avaliação inerente ao critério de adjudicação adoptado da proposta económicamente mais vantajosa constante do PP (cfr. artºs. 56º nº 2, 74º nº 1 a), 75º nº 1 e 132º nº 1 n) CCP).
Na circunstância do caso concreto, o modelo de avaliação estabelecido no artº 13º nº 2 a) e b) do PP densifica o factor preço em sub-factores diversos por classe de peso e respectiva escala de pontuação, atendendo a cada um dos tipos de bens a transportar que constituem, no seu conjunto, o objecto do contrato a celebrar conforme artº 1º nº 1 a) e b) do PP e artº 1º nº 1 a) e b) do CE, sendo 6 os sub-factores e escala de pontuação para os bens da alínea “a) Mercadorias com pesos normalmente baixos (mais de 80% terão peso inferior a 5 kg)” e 9 os sub-factores e respectiva escala de pontuação para os bens da alínea “b) Lotaria ou outros valores de montante até 10.000,00 euros”.
A raiz do problema é esta: o objecto do contrato respeita a dois tipos distintos de bens cuja composição de preço, levado à concorrência, também é distinta, devendo os concorrentes apresentar a proposta em partes separadas por cada alínea a que concorram, conforme disposto no artº 9º nº 2 PP, mas o preço-base fixado é único.
O que significa que não é possível avaliar as propostas por reporte a cada uma das tipologias de bens, com dois modelos de avaliação do factor preço, densificado em sub-factores específicos em função de cada uma das tipologias de bens postas a concurso, uns para a alínea “a) Mercadorias com pesos normalmente baixos (mais de 80% terão peso inferior a 5 kg)” e outros para a alínea “b) Lotaria ou outros valores de montante até 10.000,00 euros” sem, todavia, saber qual é o preço-base de cada uma das alíneas que corporizam as duas tipologias de bens a concurso.
A conclusão é que a previsão de um preço-base único é incompatível com dois modelos de avaliação para preços distintos.
A omissão de preço-base para cada tipo de bens não só conflitua com os termos do artº 9º nº 2 do PP que obriga os concorrentes a apresentar a proposta em partes separadas por cada alínea a que concorram, como não permite a comparabilidade das propostas segundo um padrão comum de factores por imprecisão dos elementos constantes das peças do procedimento.
Por outro lado, não é possível a recondução administrativa das propostas a um padrão único porque, como destaca a doutrina especializada “(..) Dados os requisitos de que depende a recondução administrativa das propostas a um padrão único, já não seria de admitir uma intervenção correctiva dessas – mesmo que a respectiva incomparabilidade se deva a facto imputável à entidade adjudicante – quando isso exija a formulação de juízos de valor por parte do júri (ou a reformulação de juízos de valor por parte dos concorrentes). Aqui, porém, a solução do caso não passa pela exclusão da ou das propostas – o que só sucederia se a falta de comparabilidade fosse imputável ao concorrente – mas pela anulação do procedimento. (..)”. (4)
*
Por estas razões não se acompanha a solução adoptada no relatório final na parte em que pondera a resposta da ora Recorrente à audiência prévia na sequência do terceiro relatório preliminar e se remete para o parecer do Gabinete Jurídico da ora Recorrida.
No segmento em causa diz-se: “(..) O Caderno de Encargos é omisso quanto ao preço base para cada uma das alíneas que integram a prestação de serviços objecto do contrato mas estabelece um preço global no artº 19º do Caderno de Encargos. Assim, É de presumir, face à essencialidade da fixação de um preço base que o valor máximo de cada proposta, para cada um dos tipos de prestação de serviços que integram o objecto do contrato não pode ir além de 50% do preço base global. (..)” – vd. fls. 27 dos autos (alínea L) do probatório).
O que significa que no caso presente o júri interveio rectificando a omissão de formulação parcelar do preço-base para cada tipologia de bens constitutiva de prestações autónomas do contrato a celebrar conforme artº 1º nº 1 a) e b) do PP e artº 1º nº 1 a) e b) do CE, logo, do objecto concursal.
A intervenção do júri recorrendo à presunção de 50% sobre o valor de 2.250.000,00 € do artº 19º do CE configura uma correcção substantiva do preço-base do concurso público, introduzindo uma alteração substancial no modelo de avaliação cujo parâmetro de referência é o preço-base único de 2.250.000,00 euros - e não duas parcelas de preço-base de 1.125.000,00 € cada, em função do elenco de prestações autónomas do contrato de transporte a celebrar, atenta a tipologia de bens identificados nas alíneas a) e b) do artº 1º nº 1 do PP e artº 1º nº 1 a) e b) do CE.
Sabido que o programa do procedimento é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração, cfr. artº 41º CCP, deve conter, além do mais específicamente mencionado, o modelo de avaliação das propostas inerente ao critério da proposta economicamente mais vantajosa, cfr. artº 132º nº 1 n) CCP.
Por isso, no que importa ao factor preço levado à concorrência no concreto concurso público trazido a recurso, o modelo de avaliação há-de especificar os eventuais sub-factores em que se desdobra e os coeficientes da escala de pontuação correspondentes a cada sub-factor de modo a que, nesta matéria, resulte claro do procedimento o modo como, na razão directa dos atributos postos à concorrência, cada um dos sub-factores contribui para a classificação e ordenação final das propostas.
O dever de especificação do modelo de avaliação no programa do procedimento significa que nesta matéria vigora a regra da inalterabilidade do respectivo conteúdo nos exactos termos levados ao procedimento, regra que a doutrina designa por congelamento do modelo de avaliação, tendo por única excepção a hipótese prevista no artº 50º nº 3 CCP de, até ao termo do segundo terço do prazo fixado para apresentação de propostas, o órgão competente para a decisão de contratar proceder à rectificação de erros e omissões das peças do procedimento.
Como nos diz a doutrina, “(..) A regra da inalterabilidade dos modelos e avaliação e seus elementos resulta de, a não ser assim, ficar totalmente destituída de sentido a exigência de eles serem estabelecidos prévia e ponderadamente, pois sempre seria possível à entidade adjudicante “voltar atrás”, incluir novos critérios, factores e sub-factores, ou afastar outros e reordená-los (valorizando e desvalorizando) o peso de cada um, conforme lhe aprouvesse – o que seria intolerável em termos de concorrência. (..)”. (5)

*
Do que vem dito se conclui que, tendo em vista suprir a omissão de preço-base para cada uma das alíneas que identificam prestações autónomas do objecto do contrato a celebrar, não é admissível o recurso a presunções, seja para adaptação das propostas a um padrão comum de comparabilidade por referência aos mesmos factores, nomeadamente para ajeitar o preço-base único ao preço da proposta apresentada pela ora Recorrente para uma única alínea (das duas que integram a prestação de serviços objecto do contrato) extraindo a conclusão de que o preço contratual proposto é superior ao preço base e consequente aplicação do pressuposto de exclusão da proposta nos termos constantes dos artºs 97º nº 1 e 70º nº 2 d) CCP, seja para rectificação de omissão do caderno de encargos introduzindo parcelas no valor pecuniário do preço-base do artº 19º CE em função das prestações autónomas objecto do contrato, v.g., nas alíneas a) e b) do artº 1º nº 1 do PP e artº 1º nº 1 a) e b) do CE, seja, por último, para alterar o preço-base que constitui o parâmetro de referência do modelo de avaliação da proposta economicamente mais vantajosa, fixado no programa do concurso (cfr. artº 132º nº 1 n) CCP).
De modo que não assiste razão à ora Recorrente no sentido da manutenção da deliberação do júri inserta no primeiro relatório preliminar de 20.09.2011 em que admitiu e ordenou em 1º lugar a proposta por si apresentada aos bens identificados na alinea a) do nº 1 do art° 1°do programa do concurso, na exacta medida em que, pelas razões expostas, a determinação de um preço-base único no artº 19º do CE inviabiliza a aplicação do modelo de avaliação da proposta economicamente mais vantajosa, em que o factor-preço é sub-dividido em dois grupos de sub-factores e escalas de pontuação distintos, de acordo com o objecto do contrato a celebrar, também ele constituído por dois tipos de bens e de prestações de serviço autónomas.
Verifica-se, pois, a existência de uma causa de não adjudicação por facto imputável à entidade adjudicante, fundada na omissão de identificação no caderno de encargos do preço-base correspondente a cada tipo de bens do objecto concursal tal como definido no artº 1º nº 1 a) e b) do PP e artº 1º nº 1 a) e b) do CE, detectada após o termo do prazo de apresentação das propostas no relatório final do júri e susceptível de enquadramento no domínio das causas gerais de extinção do procedimento nos termos do artº 112º nº 1 CPA. (6)
Donde, embora por fundamentação distinta da sentença sob recurso, improcedem as questões constantes dos itens I a T das conclusões.

***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso
Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, por fundamentação distinta, confirmar a sentença proferida.
Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 12.SET.2013,


(Cristina dos Santos) …………………………………………………………………………

(António Vasconcelos) ……………………………………………………………………….

(Paulo Gouveia) ........................................................................................................................



1- Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina/2011, págs. 996, 1000; Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos – 4ª ed. revista e actualizada, Almedina/2013, pág. 411.
2- Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos – 4ª ed…. pág. 356.
3- Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos … pág. 998.
4- Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos … págs. 199/200.
5- Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos … pág. 974.
6- Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos … págs. 1041 e 145/1046.

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