quinta-feira, 14 de julho de 2016

AUSÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO EXPRESSA DE PREÇO ANORMALMENTE BAIXO



Proc. Nº 09786/13     11  Abril  2013   TCASul

1- A justificação para a apresentação de um preço que o concorrente sabe que é anormalmente baixo, tem de ser expressa, não sendo suficiente a possibilidade de concluir a justificação pela análise dos documentos.

2- O sistema de contraditório criado pelos artsº 71, 146.2.d), 57.1.d) todos do CCP, funciona da seguinte forma:
- se o concorrente não tem como saber que a sua proposta vai ser qualificada como de preço anormalmente baixo, tem de haver lugar a um contraditório posterior.
- se o concorrente sabe ou tem obrigação de saber que a sua proposta vai ser qualificada como de preço anormalmente baixo, tem de apresentar com ela a justificação; nestes casos falamos em contraditório antecipado.

3- Quando o concorrente sabe que a sua proposta vai ser de preço anormalmente baixo, a falta de justificação prévia (caso em que em lado algum o concorrente refere que está a concorrer com um preço anormalmente baixo) dispensa o contraditório posterior por parte da entidade adjudicante e importa a exclusão da proposta.
Espécie: processo pré-contratual.
Recorrente: U……– Sociedade de …………., S. A..
Recorridos: Município de Lagos e G………– Companhia …………, S. A..
Vem o presente recurso interposto da Sentença que decidiu:
“IV – Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgamos a presente ação de contencioso pré-contratual procedente e, em consequência:
a) Anula-se a deliberação n.º229/2012, de 01/08/2012, da Câmara Municipal de Lagos.
b) Condena-se a entidade demandada a abster-se de celebrar o contrato para fornecimento de refeições e lanches para Escolas E.B. 1 e Jardins de Infância com a U………. – Sociedade de ………………, S.A.
c) Condena-se o Município de Lagos, no âmbito do procedimento concursal para o Fornecimento de Refeições e Lanches para Escolas E.B.1 e jardins de infância, a emitir o ato de adjudicação do contrato a favor da autora.”
Foram as seguintes as conclusões da recorrente:
A) A sentença recorrida enferma de diversos erros de julgamento, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à aplicação do direito.
B) Quanto aos factos dados por provados, verifica-se que é essencial para a boa decisão da causa fixar como assentes os factos referidos no ponto 16 supra e que aqui se dão por reproduzidos,
C) Devendo, em consequência ser ampliada a matéria de facto nos termos requeridos.
D) Quanto à aplicação do direito aos factos, a sentença recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento, tendo violado o disposto nos artigos 57.°, n.° 1, alínea d), 70.°, n.° 2, alínea e), 71.n.° 4 e 146.n.° 2, alínea d) do CCP, bem como o artigo 111.0 da Constituição da República Portuguesa, como se demonstrará.
E) O entendimento perfilhado pela sentença recorrida faz prevalecer os requisitos de forma sobre a substância, ignora o procedimento adjudicatório como um todo e esquece que os procedimentos adjudicatórios não são um fim em si mesmo, são apenas um conjunto de regras estabelecidas para que a entidade adjudicante possa escolher a melhor proposta que o mercado tem para lhe oferecer.
F) As regras procedimentais têm de ser cumpridas, mas não de uma forma cega, que privilegie a excessiva formalidade dos procedimentos adjudicatórios em detrimento da racionalidade e eficácia na gestão dos recursos públicos e até privados.
G) Os elementos justificativos do preço anormalmente baixo constam, como muito bem apreciou o Júri do procedimento, da Nota Justificativa do Preço que instruiu a proposta da Recorrente.
H) A douta sentença em apreço incorreu em manifesto erro de julgamento ao entender que "com efeito, a possibilidade, que julgamos admissível, das justificações para o preço anormalmente baixo proposto constarem da nota justificativa do preço, não dispensa o concorrente de as indicar formalmente enquanto tais, ou seja, de referir que foram as indicações que indica, e em que termos, que permitiram o preço anormalmente baixo proposto, não se afigurando legítimo que o júri se substitua ao concorrente por sua iniciativa, sem qualquer indicação de que são determinadas circunstâncias que justificam o preço anormalmente baixo, considere as mesmas como tais, ainda que possa ser enquadradas no disposto no artigo 71.° n.° 4 do CCP." e, assim, julgar no sentido de que a proposta da Recorrente deveria ter sido excluída, por não terem sido apresentados os documentos que contenham os esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo proposto, nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 57.° do CCP e do ponto 5.1, alínea e) do Programa do Procedimento.
I) Esta posição sufragada pela sentença recorrida redunda no entendimento de que ainda que os esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo proposto não tenham de constar num documento autónomo, especificamente junto para esse efeito, e possam constar de outro documento que integra a proposta - in casu a Nota justificativa de Preço -, para que o júri possa considerar os referidos esclarecimentos como justificativos do preço anormalmente proposto, estes têm de estar expressamente identificados/ rotulados enquanto tal, sob pena de se considerar que o concorrente não apresentou os esclarecimentos como justificativos do preço anormalmente.
J) Este entendimento faz prevalecer a forma sobre a substância e cria uma situação de ilegalidade (artificial!) que não tem qualquer razão de ser, não tutela nenhum interesse ou valor relevante da contratação pública,
K) A lei não obriga a apresentar os esclarecimentos justificativos em documento à parte e autónomo dos demais documentos que instruem a proposta, nem obriga a que esses esclarecimentos sejam apelidados expressamente de "esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo", pelo que a sentença recorrida violou os artigos 57, nº 1 e 146.°, n.° 2, alínea d) do CCP.
L) A causa de exclusão não respeita à falta do documento ou da indicação formal de que determinados elementos são justificativos do preço anormalmente baixo, respeita, isso sim, à falta de elementos justificativos como aliás dispõe, inequivocamente, a alínea e) do n.° 2 do artigo 70.° do CCP.
M) O que interessa à entidade adjudicante é conhecer a justificação, saber os motivos que justificam a apresentação do preço anormalmente baixo, sendo totalmente irrelevante se esses esclarecimentos são prestados em documentos autónomos ou se estão ou não rotulados de "esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo".
N) É à entidade adjudicante, maxime ao júri do procedimento que cabe apreciar, no âmbito da discricionariedade técnica que lhe é própria, se os esclarecimentos apresentados pela Recorrente para justificar o seu preço são ou não suscetíveis de justificar o preço anormalmente baixo apresentado, como bem nota a nossa jurisprudência, de forma unânime.
O) Tal ponderação dependerá das circunstâncias de ordem técnica, económica, financeira, social e de mercado que enformam a proposta e não do simples apelidar pelo próprio concorrente de determinados aspetos como justificativos do preço anormalmente baixo proposto.
P) Neste contexto, a douta sentença recorrida, ao considerar que as justificações do preço constante da "Nota Justificativa do Preço" da Recorrente não poderiam ser valorados por iniciativa do Júri como esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo, viola o disposto no n.° 4 do artigo 71.° do CCP, bem como o princípio da separação de poderes consagrado no artigo 111.° da Constituição da República Portuguesa.
Q) Nenhum impedimento legal obstava, portanto, a que o Réu considerasse que os esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo apresentados pela Recorrente são os que constam da Nota Justificativa do Preço por si apresentada.
R) Faz todo sentido que, na Nota Justificativa de Preço em que se explica quais as condicionantes e fatores que influenciaram a formação do preço proposto, se incluam, também, as justificações destinadas a demonstrar e a explicar à entidade adjudicante a seriedade do preço anormalmente baixo proposto.
S) Tal faz ainda mais sentido quando, no procedimento em apreço, para além da Nota Justificativa do Preço, o Programa do Procedimento e o Caderno de Encargos exigiam que a proposta de preço fosse apresentada indicando o preço unitário por refeição, discriminando a matéria-prima alimentar, a matéria-prima não alimentar, os encargos com pessoal, a margem comercial e outros - cf. Ponto 5,1, alínea c) do Programa do Procedimento e alínea b) do n.° 2 do artigo 30.° do Caderno de Encargos, o que foi cumprido pela Recorrente , conforme documento intitulado "Decomposição do preço das refeições" da proposta da Recorrente, junta como documento n.° 8 com a petição inicial.
T) Donde redunda que, no presente procedimento a Nota Justificativa de Preço não tem a função de servir para explicar os custos em que se decompõe o preço unitário por refeição.
U) A Nota justificativa de Preço, destinava-se, então, a explicitar os fundamentos (económicos, financeiros, estruturais ou outros) que levaram a que cada concorrente apresentasse um determinado preço, sendo que se tal preço é anormalmente baixo, dos fundamentos aí constantes resultarão, também e por inerência, os esclarecimentos justificativos desse preço.
V) A distinção da função da Nota Justificativa do Preço e dos esclarecimentos da apresentação do preço anormalmente baixo decorre, pois, única e exclusivamente da construção artificial preconizada pela Recorrida e aceite pelo Tribunal a quo, que não tem qualquer reflexo nas peças do procedimento, nem na letra da lei.
W) O certo é que a Recorrente, na Nota Justificativa do Preço apresentada, identificou claramente os elementos justificativos do seu preço anormalmente baixo.
X) Elementos estes que foram considerados, analisados, ponderados e aceites pelo Júri, como justificativos do preço proposto pela Recorrente. - cf. alínea p) dos factos provados e pág. 29 da sentença.
Y) Mais concluiu, o Júri do concurso, no relatório final que "Por outras palavras, tanto o concorrente N.° 1 – U…..- Sociedade de …………., S.A. como [...] apresentam nas suas propostas económicas, que são compostas por várias páginas e documentos, na sua nota justificativa do preço, os esclarecimentos justificativos para a apresentação do preço anormalmente baixo, designadamente no caso do concorrente N.° 1 a referencia à «opção de compra em fontes diretas eliminando o mais possível os intermediários», considerado um esclarecimento justificativo de acordo com as alíneas a) e b) do n.° 4 do artigo 71.° do CCP" - cf. alínea p) dos factos provados e pág. 29 da sentença.
Z) Resulta patente do relatório final que o Júri não teve qualquer dúvida em considerar que os elementos constantes da Nota Justificativa de Preço da Recorrente consubstanciavam "esclarecimentos justificativos" do preço anormalmente baixo proposto, nos termos e para os efeitos do n.° 4 do artigo 71.° do CCP,
AA. A douta sentença embora aceitando que os elementos justificativos do preço anormalmente baixo proposto e a nota justificativa do preço possam constar do mesmo e único documento e tendo presente que o Júri entendeu e considerou que a proposta da Recorrente continha os esclarecimentos do preço anormalmente baixo, ponderou e aceitou esses mesmos esclarecimentos, incorreu em erro de julgamento ao considerar que, pelo simples facto de nessa mesma nota justificativa do preço não se dizer expressamente que esses são os esclarecimentos que justificam o preço anormalmente baixo, o júri não o poderia fazer.
BB. Se o preço proposto é "anormalmente baixo" e a Recorrente esclarece, na Nota Justificativa de Preço as razões e justificações do preço proposto, por inerência está a esclarece a "anormalidade" desse mesmo preço, o que aliás resultou perfeitamente claro para o júri do procedimento.
CC. O que interessa à entidade adjudicante é conhecer a justificação, saber os motivos que explicam a apresentação daquele preço, sendo totalmente irrelevante, do ponto de vista material se esses esclarecimentos são prestados em documentos autónomos ou se estão expressamente identificados como "justificações do preço anormalmente baixo".
DD. A jurisprudência é clara no sentido do princípio de favor do procedimento, dos concorrentes e das propostas nos casos em que estão em causa formalidades sem qualquer impacto material no sentido do ato e que, como tal, revestem natureza não essencial.
EE) A exclusão da Recorrente alicerçada pela não apresentação dos elementos justificativos do preço anormalmente baixo por estes não estarem rotulados como tal consubstancia a prática de um ato manifestamente desproporcional, uma verdadeira aberração do ponto de vista material e da prossecução do interesse público.
FF) O que vem dito não é posto em causa pela jurisprudência citada na decisão recorrida, mormente o douto acórdão deste Venerando Tribunal de 28.04.2011, proferido no processo n.° 07299/11, porquanto estão em causa duas realidades assaz diferentes, porquanto a nota justificava ali em apreço corresponde ao documento "Decomposição do preço das refeições" apresentado pela Recorrente no procedimento em apreço.
GG. Na apreciação dos elementos justificativos do preço anormalmente proposto, importa, também, ter em conta os concretos contornos do procedimento e, bem assim, das propostas apresentadas.
HH. As três propostas admitidas a concurso apresentam preços anormalmente baixos e muito próximos entre si, o que revela que, na realidade, preço de mercado está muito mais próximo do conceito jurídico de preço anormalmente baixo que resulta das peças do procedimento do que do preço base fixado pela entidade adjudicante, que, afinal, será "anormalmente" elevado.
II. A própria entidade adjudicante, aqui Réu, na sua contestação (cf. artigo 3.° a 20.°) propugnou pela correção do ponto 14.1 do Programa de Procedimento que considera como anormalmente baixos os preços iguais ou inferiores a 40% do preço base (€816.585,42) para 50%, uma vez que aquela percentagem de 40% é o critério legal supletivo para os procedimentos relativos à formação de contratos de empreitada (alínea a) do n.° 1 do artigo 71.° do CCP) e que apenas por lapso foi indicada no presente procedimento - cf. p. 21 e seguintes da sentença recorrida.
33. Á luz do critério legal supletivo da percentagem de 50% (alínea b) do n.° 1 do artigo 71.° do CCP), seriam de qualificar como de preço anormalmente baixo os preços iguais ou inferiores a €680,487,85, pelo que nenhuma das três propostas admitidas teria um preço anormalmente baixo.
KK. Nestas situações há uma discricionariedade técnica reforçada da entidade adjudicante/júri, que só perante a constatação de erro gravíssimo, manifestamente grosseiro ou notoriamente palmar pode ser sindicada, não sendo exigível ao concorrente afetado uma explicitação exaustiva do preço proposto nem deve ser imposto ao júri do concurso que adote uma postura de grande exigência no que concerne às explicações solicitadas.
LL. É inquestionável que o preço proposto pela Recorrente é sério e idóneo, tendo sido dados elementos à entidade adjudicante que lhe permitiram ajuizar nesse sentido.
MM. Isto mesmo decorre da análise dos vários componentes do preço proposto pela Recorrente e dos esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo proposto.
NN. Em caso de preço anormalmente baixo, nada obriga aos concorrentes alegarem condições especialmente vantajosas em todas as componentes do preço.
OO. Assim, quanto à matéria-prima não alimentar, resulta da Nota Justificativa de Preço apresentada pela Recorrente que o custo destes materiais seria repercutido no preço unitário das refeições a preço de custo, não sendo este o fator em que é mais competitiva.
PP. Quanto aos encargos com o pessoal a elasticidade é praticamente nula, pois, havendo um quadro de pessoal mínimo fixado pela entidade adjudicante e, estando os concorrentes necessariamente obriga­dos a pagar, no mínimo, os valores fixados na lei e no CCT a tendência natural do mercado é apresentar valores quase idênticos nesta componente do preço, pelo que os esclarecimentos justificativos ao remeterem para os encargos legais obrigatórios justificam-se por si e são matematicamente demonstráveis.
QQ. No que se refere à margem comercial reclamada pela Recorrente, esta é, naturalmente, o reflexo da sua estrutura de apoio composta pelos seus quadros, não sendo exigível nenhuma justificação especial pois a cifra reclamada sendo que as propostas da Recorrida, da Recorrente e da E………apresentam exatamente os mesmos valores, donde redunda que, também quanto a este ponto, não se justificaria que a Recorrente viesse justificar aquilo que se justifica por si e que não é o aspeto da sua proposta que apresenta maior competitividade relativamente aos demais operadores no mercado.
RR. O elemento distintivo da proposta da Recorrente que esta entendeu que merecia ser justificado, por ter consciência que é nesta componente do preço que tem maiores ganhos de competitividade, é a matéria-prima alimentar.
SS. Por esse motivo, a Recorrente explicou na sua proposta que opta "pela compra em fontes diretas, eliminando o mais possível os intermediários ".
TT. Este motivo, identifica-se com evidência, com os elementos justificativos expressos nas alíneas a) e b) do n.° 4 do artigo 71.° do CCP.
UU. Conforme já se deixou dito, no âmbito da discricionariedade que lhe cabe na apreciação dos esclarecimentos justificativos do peço anormalmente baixo proposto, a entidade adjudicante/júri do procedimento apreciou tecnicamente e acolheu esta justificação - cf. Relatório Final reproduzido na alínea p) dos factos provados.
VV. Conforme resulta à saciedade do que vem dito, no caso em apreço, não estamos perante um caso de manifesta falta de fundamentação ou de qualquer erro grosseiro na apreciação feita pela entidade adjudicante/Júri, o que de resto a Recorrida nem sequer alegou e, por maioria de razão não provou.
WW. Face a tudo o que vem dito, forçoso é concluir que a Recorrente apresentou os esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo proposto, que a entidade adjudicante ponderou e aceito, pelo que nenhuma razão existe para que a sua proposta fosse excluída, devendo a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a presente ação totalmente improcedente.
Sem prescindir,
XX. Mesmo que se entendesse, como faz a douta sentença recorrida, que as justificações do preço constantes da "Nota Justificativa do Preço" da Recorrente por não estarem identificadas como sendo "esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo" não poderiam ser valoradas por iniciativa do Júri como esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo - o que por mero dever de patrocínio se concebe -
YY. A consequência não seria a imediata exclusão da proposta da Recorrente porquanto, sempre o Júri do procedimento poderia solicitar à Recorrente a prestação de esclarecimentos sobre a sua proposta, nos termos do n.° 1 do artigo 72.° do CCP, uma vez que estaria em causa uma mera aclaração de elementos já constantes da sua proposta.
ZZ. Tal pedido de esclarecimento impunha-se até pelo princípio da proporcionalidade (cf. acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 23.11.2011, proc. 7914/11).
AAA. Ao coartar esta possibilidade à entidade adjudicante, a douta sentença recorrida viola o disposto no artigo 72.°, n.° 1, pelo que, também por aqui sempre deverá ser revogada.
Foram as seguintes as conclusões da recorrida G…………:
1- A douta sentença recorrida aplicou um dos princípios basilares da contratação pública, a saber, o princípio da transparência.
2- Decorre do princípio da transparência que os concorrentes devem adotar uma conduta clara, sem subterfúgios, manhas, dissimulações, trapaças ou batotas sub- reptícias e escamoteáveis.
3- Esta exigência de adoção de uma conduta clara pelos concorrentes decorre igualmente do princípio da boa-fé que impõe aos concorrentes o dever de atuar segundo as regras da boa fé perante a entidade adjudicante, não devendo adotar qualquer comportamento doloso ou que tenha em vista um aproveitamento fraudulento das regras do procedimento ou que tenha por objetivo enganar a entidade adjudicante.
4- Destes princípios, decorre que a proposta deve ser séria (elaborada com o propósito de ser mantida e cumprida), firme (feita sem cláusulas restritivas, resolutivas ou excecionais, não havendo proposta se a mesma for formulada em termos dubitativos ou hipotéticos) e certa (definir precisa e concretamente os seus atributos, termos ou condições, sem alternativas ou declarações obscuras, vagas, imprecisas, indefinidas ou indeterminadas).
5- Resultando o preço anormalmente baixo do programa do procedimento, os documentos contendo os esclarecimentos desse preço são documentos constitutivos da proposta (cf. Art.° 57°, n.° 1, al d), do CCP).
6- Um concorrente, propondo um preço anormalmente baixo, deve indicar na sua proposta, de forma clara, precisa e concreta, os motivos que lhe permitiram apresentar esse preço para que o júri (e a entidade adjudicante) possa proceder à análise desses motivos e aceitar (ou não) os mesmos como justificações legais, idóneas ou suficientes, considerando, a final, justificado (ou não) o preço anormalmente baixo proposto.
7- No caso como o dos presentes autos, em que o Programa do Procedimento exige a apresentação de dois documentos distintos, a saber, a nota justificativa do preço e o documento que contenha os esclarecimentos justificativos da apresentação do preço anormalmente baixo, e em que, por isso mesmo, tais documentos constituem realidades distintas e inconfundíveis, com funções e finalidades diferentes (a não ser assim, não se explicaria esta dupla exigência feita pela entidade adjudicante), ainda que se entenda (como o fez o tribunal a quo) que os esclarecimentos do preço anormalmente baixo possam constar fisicamente do mesmo documento onde consta a nota justificativa do preço proposto, as justificações para o preço anormalmente baixo que eventualmente o concorrente faça constar da nota justificativa do preço têm que ser por ele devidamente identificadas como tais, não bastando que as despeje indistintamente para esse documento à espera que o júri, por sua iniciativa, escolha aquelas que justificam o preço anormalmente baixo.
8- Só assim é respeitado o princípio da transparência, interpretado (ainda assim) de forma mais flexível, como foi a interpretação adotada pelo tribunal a quo.
9- Aliás, sempre se dirá que a interpretação adotada pelo tribunal a quo não deixa de ser questionável, sendo preferível, no entender da Recorrida, uma interpretação mais exigente daquele princípio, da qual resulta a imposição da apresentação das justificações do preço anormalmente baixo em documento autónomo dos demais, dado estarem em causa valores fundamentais da contratação pública, como sejam a sã concorrência e a igualdade, evitando-se assim equívocos e confusões indesejáveis num procedimento que se quer objetivo, isento e transparente.
10- Não é o júri (nem poderia, sob pena de violação do princípio da intangibilidade das propostas), perante um mesmo suporte físico que inclui dois documentos exigidos pelo programa do procedimento, com funções e finalidades distintas, adivinhar ou escolher, de entre os vários elementos declarados pelo concorrente, aqueles que justificam o preço anormalmente baixo proposto, quando o concorrente não fez essa identificação nem essa explicação.
11- O júri não pode substituir-se ao concorrente e alterar ou completar a sua proposta, declarando nela o que não foi por ele declarado e devia tê-lo sido.
12- O Júri, para considerar justificado um determinado preço anormalmente baixo, tem que saber quais as justificações que permitiram ao concorrente propor aquele preço e só o concorrente pode dizer quais são essas justificações e em que termos elas cumprem a sua função de justificar o preço.
13- Não tem aqui cabimento a solicitação de esclarecimentos ao concorrente nos termos do Art.° 72°, n.° 1, do CCP.
14- A disposição do Art.° 72° do CCP é clara no sentido de que os esclarecimentos prestados pelos concorrentes fazem parte integrante das propostas “desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinem a sua exclusão”.
15- Os esclarecimentos não podem, pois, servir para indicar na proposta aquilo que nela não foi inicialmente indicado, como é o caso da proposta da Recorrente e da contrainteressada E………que não indicaram quais as justificações apresentadas para o preço anormalmente baixo.
16- Deste modo, a douta sentença recorrida considerou - e bem - que a Recorrente e a contrainteressada E……… não deram cumprimento ao disposto no artigo 57°, n.° 1, aL d), do CCP e no ponto 5.1, alínea e), do Programa do Procedimento, pelo que deveriam ter sido excluídas nos termos do disposto no Art.° 146°, n.° 1, ai. d) do CCP.
17- Deverá, pois, a douta sentença recorrida ser integralmente mantida.
18- Ainda que assim se não entenda, e se venha a considerar que as contrainteressadas não tinham que identificar claramente quais as circunstâncias que permitiram o preço anormalmente baixo proposto, as "justificações" constantes das "notas justificativas do preço" apresentadas pela U……. e pela E…….. não cumprem as exigências exaradas no Art° 71,°, do CCP, questão que expressamente se requer ao Tribunal "ad quem" que conheça, nos termos do disposto no Art.° 684-A, n.° 1, do CPC.
19- Face à essencialidade e relevância da justificação do preço anormalmente baixo, não são quaisquer esclarecimentos que permitem aferir se o preço é ou não idóneo ou que fundamentam uma decisão de aceitação do preço, mas apenas os esclarecimentos que se reportem a causas legais, idóneas e suficientes8.
20- As "justificações" apresentadas e pela U……. e pela E…….. não preenchem as características da idoneidade e suficiência, não preenchendo, por conseguinte, os requisitos do n.° 4, do Art.° 71.°, do CCP.
21- Termos porque deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo Justiça.
A recorrente veio responder a estas alegações, dizendo:
1- Na contra-alegações de recurso apresentadas pela G…….., vem a Recorrida requerer que o Tribunal ad quem conheça, nos termos do disposto no artigo 684.°-A, n.° 1 do CPC, da questão por si invocada do suposto não cumprimento pelos esclarecimentos do preço anormalmente baixo constantes da proposta da Recorrente das "exigências exaradas no art.° 71, do CCP".
2- A Recorrente já fez constar das suas alegações de recurso os fundamentos de facto e de direito que levam a que a questão suscitada pela Recorrida tenha forçosamente de improceder, e que, por razões de economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidas.
3- Com efeito, constam já das alegações da Recorrente as razões concretas pelas quais os esclarecimentos constantes da sua proposta são idóneos para justificar o preço anormalmente baixo proposto, sendo à entidade adjudicante/júri e não ao Tribunal que cabe apreciar os mesmos no âmbito da sua discricionariedade técnica (cf., em especial, pontos 40-46, 59-61, 89 e seguintes das alegações).
4- Das alegações da Recorrente, constam, também, as particularidades que respeitam ao preço anormalmente baixo fixado peias peças do procedimento em apreço - mormente o seu distanciamento daquele que, em rigor, é o preço normal de mercado -, o que acarreta uma discricionariedade técnica reforçada da entidade adjudicante/júri na apreciação dos esclarecimentos em causa (cf. em particular os pontos 77-88 das alegações).
5- Não poderá, porém, deixar de se realçar que não merece qualquer acolhimento a alegação da Recorrida relativamente às justificações dadas pela Recorrente quanto à componente do preço matéria-prima alimentar.
6- Alega a Recorrida a tal propósito que "o potencial de compra que a U…………. tem no mercado, optando pela compra em fontes diretas eliminando o mais possível os intermediários" não assume nenhuma relevânciae que tal potencial de compra decorrente da eliminação de intermediários se trata de uma afirmação que "qualquer concorrente poderia fazer".
7- A Recorrida invoca que "qualquer empresa com uma posição relevante no mercado da restauração coletiva (como é o caso de todas as concorrentes ao procedimento em apreço) beneficia de maior potencial de compra e de mais ampla margem de negociação com os fornecedores que as demais empresas."
8- Ora, como a Recorrente não se cansa de dizer nos presentes autos, as propostas admitidas a concurso são muito semelhantes, apresentando todas elas preços anormalmente baixos.
9- Sendo que, tratando-se todas as concorrentes (cujas propostas foram admitidas) de empresas com uma posição relevante no mercado - como a própria Recorrida alega - é natural que as suas propostas não sejam muito diferentes e que apenas em pequenos aspetos se distingam.
10- Aquilo que a Recorrida apelida de "lugares comuns, formas genéricas e abstratas aplicáveis a qualquer situação e que poderiam ter sido repetidas por qualquer concorrente" é, na verdade, um facto concreto e objetivo do qual se extrai que a Recorrente beneficia de condições especiais para a prestação de serviços.
11- O facto de essas condições especiais poderem decorrer de uma "posição relevante no mercado" por parte da Recorrente em nada, rigorosamente nada, invalida as mesmas.
12- Bem pelo contrário, o facto de a Recorrente poder beneficiar de um nmaior potencial de compra e de mais ampla margem de negociação com os fornecedores que as demais empresas", em virtude da sua posição relevante no mercado, só vem reforçar a credibilidade da sua proposta.
13- Bem andou, pois, a entidade adjudicante/júri ao aceitar a justificação do preço da matéria-prima alimentar apresentado pela Recorrente baseada na opção "pela compra em fontes diretas, eliminando o mais possível intermediários".
14- Ou seja, a Recorrida só vem dar razão à Recorrente.
15- Ademais, sempre se dirá que este fator que a Recorrida reclama de "senso comum" e que alegadamente pode ser utilizado por qualquer empresa do setor, curiosamente, não foi aquele que foi apresentado por si.
16- Relativamente à componente do preço "matéria-prima alimentar", a Recorrida perfilhou uma metodologia diversa: o recurso a uma "Central de Compras".
17- Decerto o recurso utilizado pela Recorrente não será assim tão banal...
18- Ora, perante metodologias diferentes é natural que correspondam resultados diversos, ainda que próximos.
19- De resto, sempre se diga que as justificações apresentadas pela Recorrida para o preço anormalmente baixo por si proposto, do ponto de vista conceptual, em nada diferem das apresentadas pela Recorrente.
20- Em suma, tudo visto e bem visto, redunda que as justificações apresentadas pela Recorrente são idóneas para, nos temos do artigo 71.° do CCP, justificar o preço anormalmente baixo proposto, não merecendo qualquer acolhimento a tese da Recorrida.
21- Termos em que, sempre deverão as justificações apresentadas pela Recorrente ser consideradas idóneas para, nos temos do artigo 71.° do CCP justificar o preço anormalmente baixo proposto, no demais se concluindo como nas alegações de Recurso.

2. Foi a seguinte a factualidade assente pela Sentença recorrida:
a) Em 08/05/2012, foi publicado no Diário da República, II Série, o Anúncio do Procedimento nº1835/2012, através do qual se publicitou a abertura do concurso público internacional, em que é entidade adjudicante o Município de Lagos, para fornecimento de refeições e lanches para as escolas EB1 + Jardins de Infância do Município de Lagos [documento n.º1 junto com o petição inicial].
b) De acordo com o ponto 5.1 do Programa de Procedimento, “A proposta é constituída pelos seguintes documentos: a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do Anexo I ao presente Programa de Procedimento, assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar; b) Proposta de preço total, de acordo com a alínea a) do nº2 da cláusula 30ª do caderno de encargos (conforme documento disponível na plataforma eletrónica – Mapa de Quantidades); c) Proposta preço, discriminada de acordo com a alínea b) do nº2 da cláusula 30ª do caderno de encargos; d) Elementos indicados no nº2 da cláusula 30ª do caderno de encargos; e) Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, direta ou indiretamente, das peças do procedimento. (…)”. [documento n.º2 junto com o petição inicial].
c) De acordo com o ponto 10. do Programa de Procedimento, o critério de adjudicação é unicamente o do preço mais baixo [documento n.º2 junto com o petição inicial].
d) O ponto 14.1 do Programa de Procedimento tem o seguinte teor: “O preço total resultante da proposta é anormalmente baixo quando seja 40% ou mais inferior ao preço base fixado no caderno de encargos [documento n.º2 junto com a petição inicial].
e) De acordo com a cláusula 5.ª, n.º1 das Cláusulas Jurídicas do Caderno de Encargos, o preço base do contrato tem o valor de €1.360.975.70, correspondente a três períodos letivos, acrescido de IVA, se legalmente devido [documento n.º3 junto com o petição inicial].
f) Nos termos das cláusulas 18.º, n.º1 e 2 das Cláusulas Jurídicas do Caderno de Encargos, “A prestação de serviços objeto do contrato a celebrar terá a duração de um período letivo com início em setembro de 2012 até julho de 2013. 2. O contrato renovar-se-á automaticamente por mais um ou dois períodos letivos seguintes, que decorrem de setembro de 2013 até julho de 2014 e de setembro de 2014 até julho de 2015, exceto se for denunciado por qualquer dos contraentes e comunicada por carta registada com aviso de receção com uma antecedência mínima de 30 dias relativamente à data do termo do contrato” [documento n.º3 junto com o petição inicial].
g) A cláusula 30.º, nº2 do Caderno de Encargos tem o seguinte teor:
«(…)»

[documento n.º3 junto com a petição inicial]
h) Apresentaram proposta ao concurso público internacional identificado em a) as seguintes sociedades: G…– Companhia ………. e Alimentação, S.A., U…… – Sociedade …………, S.A.; E……t (Portugal) – Sociedade ……….., Lda.; I…….. – Indústria ………., S.A.; N………..– Sociedade ………., Lda.; e, N………..– Comércio e ……….., Lda. [documento n.º4 junto com o petição inicial].
i) A contrainteressada U…….. – Sociedade de ………………, S.A. instruiu a sua proposta com um documento intitulado “Nota Justificativa do Preço”, com o seguinte teor:
«(…)»

[documento nº8 junto como petição inicial].
j) A contrainteressada E……… (Portugal) – Sociedade …………, Lda. instruiu a sua proposta com um documento intitulado “Nota Justificativa”, onde consta o seguinte:
«(…)»

[documento n.º9 junto com o petição inicial].
k) A autora instruiu a sua proposta com documento intitulado “Nota Justificativa do Preço Anormalmente Baixo”, onde consta, designadamente, o seguinte:
«(…)»

[documento nº10 junto com o petição inicial].
l) No Relatório Preliminar, o júri do procedimento deliberou excluir as propostas apresentadas pelas sociedades I……. – Indústria e ……….., S.A.; N………..– Sociedade ………….., Lda.; e, N………..– Comércio e ……………., Lda. [documento n.º4 junto com o requerimento inicia].
m) No mesmo Relatório, o júri ordenou as propostas da seguinte forma: 1º. Lugar: U………… – Sociedade ………….., S.A.; 2.º Lugar: E……… (Portugal) – Sociedade ………………, Lda.; 3.º Lugar: G…….. – Companhia …………………, S.A. [documento n.º4 junto com o petição inicial].
n) Em sede de audiência prévia, a autora emitiu pronúncia insurgindo-se contra a ordenação de propostas efetuada no Relatório Preliminar [documento n.º5 junto com o petição inicial].
o) No Relatório Final, o júri deliberou não dar provimento às reclamações apresentadas pelos concorrentes E……… (Portugal) – Sociedade ………….., Lda. e G…….. – Companhia ……………, S.A. e manter a ordenação das propostas constante do Relatório Preliminar [documento n.º6 junto com o petição inicial].
p) No Relatório Final, consta, designadamente, o seguinte:
“(…)

(…)» [documento n.º6 junto com o petição inicial].
q) Em 01/08/2012, a Câmara Municipal de Lagos deliberou, por unanimidade, o seguinte: “a) aprovar todos os fundamentos e propostas referidos no relatório final; b) excluir os concorrentes N……… – Sociedade …………., Lda., I……… – Indústria e ……………., S.A. e N……….. – Comércio ……………., Lda; c) admitir os concorrentes U…………. – Sociedade ……………, S.A., E……….. (Portugal) – Sociedade …………, Lda. e G………….– Companhia ……………., S.A.; d) adjudicar o fornecimento de refeições e lanches para escola E.B.1 e Jardins de Infância à concorrente classificada em 1.º lugar – U………… – Sociedade de ……………, S.A., com o valor de 254 292.20€ (duzentos e cinquenta e quatro mil, duzentos e noventa e dois euros e vinte cêntimos), correspondente a um ano escolar, acrescido de IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado, à taxa legal em vigor e e) notificar todos os concorrentes nos termos do referido relatório final e para os efeitos legais inerentes”. [documento n.º6 junto com o petição inicial].
r) Em 16/08/2012, a autora deduziu impugnação administrativa da deliberação referida em p) [documento n.º7 junto com o petição inicial].
O M. P. foi notificado para se pronunciar sobre o mérito do recurso.
O processo foi submetido à conferência sem colher vistos, por se tratar de processo urgente.

3. São as seguintes as questões a resolver:
3.1. Deve ser ampliada a matéria de facto ?
3.2. A recorrente justificou a apresentação de um preço anormalmente baixo ?
3.3. A recorrente deveria ter sido convidada a justificar o preço anormalmente baixo ?
3.4. As justificações constantes das notas justificativas do preço apresentadas pela U…………. e pela E……… não cumprem as exigências exaradas no Art° 71 do CCP ?

4.1. Pretende a recorrente que seja dado como provado o facto apontado em 16º das suas alegações de recurso, o de que instruiu a sua proposta com um documento intitulado “decomposição do preço das refeições”, dando-se por reproduzido o seu teor.
Este documento está junto aos autos a fls. 6 do doc. 8 junto com a p. i. e o seu teor é completamente irrelevante para a correta decisão da causa, por em nada esclarecer ou contribuir para o tema decidendum, pois limita-se a distinguir os preços dos almoços dos lanches, indicar o número de dias de abertura, o número de refeições, e preços globais estimados. Não deve pois ser alterada a matéria de facto.

4.2. A classificação de um preço como anormalmente baixo pode ter três origens diferentes: pode vir fixado nas regras do concurso (ex: artsº 115.3, 132.2, 189.3, todos do CCP), pode ter origem supletiva legal (artº 71.1 do CCP), ou pode ser classificado como tal pelo júri do concurso na pendência do mesmo (artº 71.2 do CCP) - vide neste sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, ed. Almedina, 2011, pág. 937.
Nas duas primeiras o concorrente tem de apresentar com a proposta (faz parte dela) a justificação para o seu preço anormalmente baixo (artº 57.1.d. do CCP). Na terceira, a apresentação é posterior (artº 71.3. do CCP).
No caso dos autos o concorrente tinha de apresentar a justificação com a proposta. Alega que o fez quando justificou o preço, sem contudo designar a proposta de preço anormalmente baixo.
Na sentença recorrida disse-se sobre esta matéria:
“Atento o exposto, verifica-se que o júri considerou que as propostas das contrainteressadas U………. e E………. continham os esclarecimentos para o preço anormalmente baixo proposto na nota justificativa do preço e que os mesmos eram aceitáveis, razão pela qual considerou justificado o referido preço.
A autora insurge-se contra o assim decidido pelo júri do concurso por entender, em suma, que a nota justificativa do preço se distingue do documento justificativo do preço anormalmente baixo.
Com efeito, o programa do procedimento distingue os documentos referidos, sendo certo que, como alega a autora, o primeiro (nota justificativa do preço) tinha de ser apresentado por todos os concorrentes, enquanto o segundo (documentos justificativos do preço anormalmente baixo proposto) apenas tinha de o ser obrigatoriamente, sob pena de exclusão da proposta nos termos do artigo 146.º, n.º1, alínea d) do CCP, pelos concorrentes que propusessem um preço anormalmente baixo, o que significa que desempenham funções distintas no procedimento concursal.
Como pode ler-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28/04/2011, proferido no Processo n.º 07299/11, “Sucede, contudo, ao contrário do alegado pela Recorrente, que ela não justificou o preço anormalmente baixo quanto ao lote 5, ou seja, não apresentou quaisquer documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, razão pela qual a sua proposta foi excluída.
Com efeito, limitou-se aquela a apresentar uma “Nota Justificativa do Preço”, que se traduz numa nota justificativa do preço apresentado para o “Ano letivo de 2010/2011”, ou seja, do preço global, pretendendo fazer crer que a “nota justificativa do preço total” apresentada integra “ os documentos que contenham esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo “, nos termos exigidos pela al. d) do nº 1 do artigo 57º do CCP, quando, na verdade, estamos perante duas realidades distintas e inconfundíveis.
A nota justificativa do preço a que alude a al. d) do nº 2 da clausula 7ª do Programa do Concurso não se confunde com os documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo previsto na al. d) do nº 1 do artigo 57º do CCP e na al. g) do nº 1 da Clausula 8ª do Programa do Concurso, encontrando-se a A. aqui Recorrente obrigada a apresentar ambos, o que, in casu, não se verificou.
Acompanhando o entendimento jurisprudencial citado, concluímos que, numa situação como a dos autos, em que o preço anormalmente baixo resulta do programa do procedimento e em que, nessa medida, os documentos que contenham os esclarecimentos justificativos daquele preço são elemento constitutivo da proposta, a nota justificativa do preço desempenha uma função diferente dos referidos documentos justificativos, pelo que os concorrentes se encontravam adstritos a apresentar ambos, sem que o primeiro substitua ou supra a falta dos segundos.
Contudo, tal não significa, ipso facto, que os esclarecimentos relativos ao preço anormalmente baixo proposto não possam constar, fisicamente, do mesmo documento onde consta a nota justificativa do preço proposto, ou seja, a diferente função desempenhada não implica necessariamente a “separação formal e material” dos documentos.
Não obstante, atendendo a que a nota justificativa do preço se distingue das justificações para o preço anormalmente baixo proposto, mostra-se imprescindível que o concorrente identifique claramente quais as justificações apresentadas para o preço anormalmente baixo proposto, o que não sucedeu na situação dos autos.
De facto, das notas justificativas do preço apresentadas pelas contrainteressadas não resulta que a opção de “compra em fontes diretas eliminando o mais possível os intermediários”, no caso da U…….., e que “o Contrato Europeu firmado entre a empresa Johnson……….. e o Grupo C………..”, no caso da E…………., sejam apresentadas como justificação para o preço anormalmente baixo proposto, surgindo como meras justificações do preço [cfr. alíneas i) e j) dos factos provados].
Com efeito, a possibilidade, que julgámos admissível, das justificações para o preço anormalmente baixo proposto constarem da nota justificativa do preço, não dispensa o concorrente de as indicar formalmente como tais, ou seja, de referir que foram as circunstâncias que indica, e em que termos, que permitiram o preço anormalmente baixo proposto, não se afigurando legítimo que o júri se substitua ao concorrente, e por sua iniciativa, sem qualquer indicação de que são determinadas circunstâncias que justificam o preço anormalmente baixo, considere as mesmas como tais, ainda que possam ser enquadradas no disposto no artigo 71.º, n.º4 do CCP.
Nesta medida, concluímos que as contrainteressadas não deram cumprimento ao disposto no artigo 57.º, n.º1, alínea d) do CCP e no ponto 5.1, alínea e) do programa do procedimento, pelo que as suas propostas deveriam ter sido excluídas, nos termos do artigo 146.º, n.º1, alínea d) do mesmo Código, sem que houvesse lugar ao convite à prestação de esclarecimentos sobre o preço anormalmente baixo proposto pelas razões supra referidas.”
Temos de concordar integralmente com esta argumentação. A solução contrária importaria a não discriminação de uma forma clara das razões justificativas da apresentação de um preço anormalmente baixo. Por outro lado, redundaria, em última análise, na exclusão de obrigação de cumprimento prevista no artº 5.1.d) do Programa do Procedimento. É que distinguindo as regras do concurso entre a simples justificação do preço (exigida pelo artº 30.2.c. do caderno de encargos) e os “documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, direta ou indiretamente, das peças do procedimento” (artº 5.1.d. do Programa do Procedimento), aceitar que a simples justificação dos preços, por mais exaustiva e completa que seja, constitui justificação e explicação de um preço anormalmente baixo, sem que nunca designe tal preço por esse nomine, constituiria uma forma de fraude às exigências de transparência que todas as propostas têm de ter. Não se verifica assim nenhum dos erros apontados à sentença recorrida, nomeadamente violação do princípio da proporcionalidade.

4.3. Esta questão não deveria ser aqui conhecida, por se tratar de uma questão nova, já que não foi suscitada pelas partes nos articulados. Prevenindo contudo um entendimento contrário, pois pode-se entender que o tribunal deveria ter conhecido de todas as causas de não exclusão da recorrente, vejamos a mesma.
As propostas, mesmo as de preço anormalmente baixo, podem ser objeto de pedidos de esclarecimento.
O que está aqui em causa não é contudo uma mera questão de esclarecimentos, mas uma questão de contraditório sobre a justificação do preço anormalmente baixo.
O sistema de contraditório criado pelos artsº 71, 146.2.d), 57.1.d) todos do CCP, funciona da seguinte forma:
- se o concorrente não tem como saber que a sua proposta vai ser qualificada como de preço anormalmente baixo, tem de haver lugar a um contraditório posterior.
- se o concorrente sabe ou tem obrigação de saber que a sua proposta vai ser qualificada como de preço anormalmente baixo, tem de apresentar com ela a justificação; nestes casos falamos em contraditório antecipado.
No caso dos autos, o concorrente sabia, antes de apresentar a sua proposta, que ela ia ser anormalmente baixa. O contraditório sobre esta questão tem de ser então o chamado contraditório antecipado. Se não apresenta a justificação com a proposta não se pode depois colmatar esta falha, por força do artº 146.2.d) do CCP (vide no sentido deste entendimento ser conforme à jurisprudência Lombardini, João Amaral e Almeida, in “As propostas de preço anormalmente baixo”, Estudos de Contratação Pública, Coimbra Editora, Vol. III, pág. 133). Só quando o concorrente não sabe que a sua proposta vai ser considerada de preço anormalmente baixo é que a entidade adjudicante tem obrigação de o interpelar e dar lugar a um contraditório posterior.
Esta solução prejudica o conhecimento da última questão suscitada no recurso subordinado.

5. Conclusão: Por tudo quanto vem de ser exposto, Acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul em Julgar improcedente o recurso e confirmar a Douta Sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 11 de Abril de 2013
Paulo Carvalho
Ana Celeste Carvalho
Cristina dos Santos

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