Proc.
Nº 11999/15 TCASul 14 Maio 2015-06-01
I - A violação da máxima ou princípio da intangilidade das
propostas prevista nos artigos 70º/2-b) e 72º/2 do CCP, decorrente do
princípio da igualdade e do princípio da concorrência, conduz à exclusão das
propostas em causa (artigo 146º/1-o) do CCP).
II - Toda a Administração tem o dever sindicável de mostrar o caminho mental seguido para avaliar certa proposta ou certo atributo; só assim haverá transparência e juridicidade, só assim poderão os concorrentes fiscalizar a boa ou má atuação administrativa em causa, em defesa da justiça e da legalidade material. É um dever legal material e é uma garantia material dos concorrentes.
III - Nada disto, que tem base constitucional, foi alterado, nem podia ser, pelo Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 21-1-2014 (U.J.), Proc. Nº 01790/13 (A avaliação das propostas apresentadas num concurso tem-se por fundamentada através da valoração por elas obtida nos vários itens de uma grelha classificativa suficientemente densa).
IV – Tal Ac. tratou de um tipo de fundamentação suficiente; não tratou de desvalorizar o que acima referimos sobre este nuclear instituto do Direito Administrativo, nem de olvidar o seguinte que a fundamentação não se pode consumir na própria pontuação, pois que a pontuação é o resultado e o resultado não se pode fundamentar por si próprio.
II - Toda a Administração tem o dever sindicável de mostrar o caminho mental seguido para avaliar certa proposta ou certo atributo; só assim haverá transparência e juridicidade, só assim poderão os concorrentes fiscalizar a boa ou má atuação administrativa em causa, em defesa da justiça e da legalidade material. É um dever legal material e é uma garantia material dos concorrentes.
III - Nada disto, que tem base constitucional, foi alterado, nem podia ser, pelo Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 21-1-2014 (U.J.), Proc. Nº 01790/13 (A avaliação das propostas apresentadas num concurso tem-se por fundamentada através da valoração por elas obtida nos vários itens de uma grelha classificativa suficientemente densa).
IV – Tal Ac. tratou de um tipo de fundamentação suficiente; não tratou de desvalorizar o que acima referimos sobre este nuclear instituto do Direito Administrativo, nem de olvidar o seguinte que a fundamentação não se pode consumir na própria pontuação, pois que a pontuação é o resultado e o resultado não se pode fundamentar por si próprio.
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do
Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO
· R……. – RECOLHA ………….,
com os demais sinais nos autos, intentou Acção de contencioso pré-contratual
contra
· MUNICÍPIO DA GUARDA,
· Sendo
contra-interessadas a R……. A………, Engenharia ………., Lda., a E……………..,
Silvicultura ………….., S.A., a F…………, Serviços ……………., S.A., a L…………… – Serviços
……….., S.A., a C……….. P…….., S.A., a S…….. – Serviços ………, S.A., a R…………,
Serviços …………, S.A., a E………….., S.A., a H……… – Gestão ……….., S.A., e a L…….. –
Limpeza ……………………, S.A.
Pediu ao T.A.C. de
Castelo Branco o seguinte:
-a anulação do acto de
adjudicação do contrato de prestação de serviços de recolha e transporte de
resíduos sólidos urbanos e limpeza urbana, no concelho da Guarda, à
contra-interessada S…….. – Serviços ………………., S.A.;
-a condenação do réu a
excluir a proposta apresentada pela contra-interessada S…….. – Serviços
………………., S.A.;
-a condenação do réu a
adjudicar-lhe o contrato e
-caso o contrato já
tenha sido celebrado, a anulação do mesmo.
*
Por acórdão de
12-1-2015, o referido tribunal decidiu absolver os demandados dos pedidos.
*
Inconformada, a a.
recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua
alegação as seguintes conclusões:
a) No quadro da
solicitação de esclarecimentos pelo Júri aos concorrentes, há que distinguir
entre, por um lado, a hipotética necessidade da aclaração de um determinado
elemento da proposta cuja formulação seja menos clara ou apreensível e, por
outro, as possíveis dúvidas interpretativas que possam surgir do conteúdo das
propostas apresentadas. Em qualquer dos casos, o pedido de esclarecimento terá
sempre por fim exclusivo a estrita compreensão do conteúdo da proposta, em
obediência aos ditames do artigo 72º, nº 2 do CCP.
b) Nas situações em
que ocorram dúvidas interpretativas - como sucede com a matéria dos autos - a
interpretação, pelo Júri, das declarações que integram as propostas deverá ser
efectuada em conformidade com os preceitos constantes dos artigos 236º e
seguintes do Código Civil.
c) Sendo manifesto
que as propostas apresentadas no âmbito de um procedimento de contratação
pública constituem declarações formais, "não pode a declaração valer com
um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo
documento, ainda que imperfeitamente expresso" (artigo 238º, nº 1 do CC).
d) Ao pretender
configurar como um "lapso" a violação - que no entender da Recorrente
é manifesta - das condições vinculativas do caderno de encargos na proposta da
Contra Interessada S......., o Júri extravasou os poderes que lhe estão
atribuídos polo nº 1 do artigo 72º, desde logo porque o alegado
"lapso" não encontra, como atrás se demonstrou, a mais longínqua
correspondência verbal com o conteúdo da proposta da S……… - facto que só por si
demonstra a gritante inadmissibilidade do pedido de esclarecimentos dirigido
pelo Júri.
e) É incorrecta, com
o devido respeito, a perspectiva sustentada na Decisão em recurso, no sentido
da admissibilidade do pedido de esclarecimento formulado pelo Júri porquanto a
mesma é inadmissível face aos critérios de interpretação constantes do artigo
238 do CC e que imperativamente devem presidir às declarações que integram a
proposta da Contra-Interessada S....... , sendo consequentemente desacertada a
Decisão recorrida quando sustenta a aplicação, in casu, dos critérios interpretativos
previstos no artigo 236º do CC (págs. 5 e 6 do Douto Acórdão em recurso).
f) Ainda que, por
hipótese académica que, sem conceder, se equaciona, se considerasse aplicável o
critério interpretativo do artigo 236º como se pretende na Decisão recorrida, e
dessa forma se aplicasse à matéria dos autos o critério da impressão do
destinatário plasmada nesse preceito, ainda assim a proposta da
Contra-Interessada S....... não poderia ser interpretada nas condições
descritas na decisão em recurso.
g) Na verdade,
constata-se da análise da proposta da Contra-Interessada S....... que nela se
declara (i) afectar 1 (um) chefe de serviços (director técnico) e 1 (um)
técnico de produção (director adjunto) de acordo com o que se extrai da sua
proposta técnica (páginas 261 e 262); e (ii) se declara, no único documento em
que expressamente indica a taxa de afectação daqueles técnicos, que os mesmos
serão afectados a 5% ao serviço em concurso, como expressamente resulta do
documento designado por Mapas Financeiros e Nota Justificativa dos Preços.
h) Deste modo, e
atendendo ao conjunto dos elementos que fazem parte integrante da proposta,
assim como às deduções lógicas que se podem fazer desses elementos, afigura-se
evidente que uma pessoa razoável, normalmente atenta, não pode deixar de
concluir que a proposta da S....... afectará aqueles técnicos em 5%, e sendo
esse o único sentido possível a extrair da declaração por um destinatário
normal e "medianamente instruído e inteligente' , como se expressa na
Decisão em recurso.
i) Se a
Contra-Interessada S....... pretendesse efectivamente declarar que aquelas
taxas de afectação de 5% se referem exclusivamente aos custos operacionais
tinha forçosamente de o ter declarado de forma expressa na sua proposta - o que
manifestamente não fez em qualquer dos documentos que a integram.
j) Não colhe,
igualmente, o argumento sustentado no Douto Acórdão em recurso de que a menção
à afectação a 5% daqueles técnicos resulta do documento que a Contra
Interessada designa de "Mapas Financeiros e Nota Justificativa dos
Preços", porquanto a proposta deve ser tida como um conjunto integrado de
declarações complementares entre si, não valendo cada um autonomamente dos
restantes e muito menos isoladamente.
k) Não pode proceder,
com o devido respeito, o entendimento sufragado no Douto Acórdão em recurso
quando se afirma que "da "Proposta Técnica" consta
especificamente que será afectado a 100% um director técnico e um director
adjunto" (cfr . págs. 4 e 5 do Douto Acórdão), sendo convicção da
Recorrente que o Tribunal a quo interpretou de modo incorrecto e inadmissível a
proposta da Contra-Interessada S....... , face ao efectivo conteúdo da mesma e
dos documentos que a integram (pontos 5, 6 e 7 da matéria assente).
l) Com efeito, parte
a Decisão em recurso do pressuposto de que da Proposta Técnica da S.......
"consta especificamente que será afectado a 100% um director técnico e um
director adjunto" (realce nosso) - pressuposto esse que é manifestamente
incorrecto, face ao conteúdo da proposta em questão, da qual não se extrai nem
sequer longinquamente essa declaração.
m) Na verdade, e se
se analisar o conteúdo daquela proposta - mais concretamente o das páginas 261
e 262 da sua "Proposta Técnica" (como assinalado pela Contra
Interessada S....... na resposta aos esclarecimentos solicitados - ponto 12 da
matéria assente) - é ali que se declara afectar ao serviço concursado um
director técnico e um director adjunto (cfr. Quadro 9), sem nada se dizer ,
naquela Proposta Técnica, quanto às taxas de afectação desses técnicos, quando
essa indicação consistia num aspecto absolutamente essencial da validade da
proposta, por constituir um parâmetro vinculativo do Caderno de Encargos que
expressamente foi, naquele documento, subtraído à concorrência (cfr. art. 15º,
8 .1. do Caderno de Encargos) .
n) Consequentemente,
a Decisão recorrida sustenta-se em factos incorrectos, ausentes da matéria
assente e do conteúdo dos documentos ali elencados, não podendo deixar de se
concluir de modo inverso ao que resulta da decisão em recurso e face à
factualidade assente, que a única menção à taxa de afectação do director
técnico e do director adjunto é a que resulta do documento designado por Mapas
Financeiros e Nota Justificativa dos Preços e, bem assim, que a taxa de
afectação ali expressamente declarada é de 5%.
o) Não pode, do mesmo
modo, deixar de se concluir, pela leitura conjugada do conteúdo das páginas 261
e 262 da Proposta Técnica da Contra-Interessada S....... com o documento
"Mapas Financeiros e Nota Justificativa dos Preços", que a Contra-
Interessada S....... declarou afectar ao serviço os técnicos descritos no
Quadro 9 da sua proposta técnica com as taxas de afectação expressamente
descritas nos Mapas Financeiros e Nota Justificativa dos Preços - de 5%.
p) Os esclarecimentos
prestados pela Contra- Interessada S......., a serem aceites (o que só por
hipótese académica se admite), introduzem uma gritante incoerência na
informação constante daquele quadro, já que de acordo com o esclarecimento
prestado, se apenas a taxa de afectação do director técnico e do director
adjunto diz respeito aos respectivos custos operacionais , em relação aos
restantes técnicos a taxa de afectação ali referida já exprime o grau da sua
permanência de afectação ao serviço.
q) Não se pode pois concluir,
como na Decisão recorrida, que a Contra-Interessada se limitou a "informar
o Júri que, tendo em conta o modo como elaborou a sua proposta, a afectação
operacional dos recursos humanos não consta do documento designado por
"Mapas Financeiros e Nota Justificativa dos Preços ", pois este
documento serve apenas o propósito de demonstrar a imputação dos diferentes
custos às diferentes rubricas', como não se poderia ter concluído, face à
matéria assente, que a "afectação operacional [resulta] do documento
designado por "Proposta Técnica", pela simples e linear razão de que
rigorosamente nada se extrai da proposta técnica da S....... que permita
concluir que o director técnico e o director adjunto serão afectados a 100%.
r) Decidiu, assim, o
Douto Acórdão em recurso de modo desacertado e viciado em erro de julgamento,
face às normas legais relevantes in casu.
s) Sustenta-se ainda
no Douto Acórdão em recurso que "a Contra- Interessada S....... não
alterou nem contrariou o teor do documento designado por "Proposta
Técnica", nem contrariou o teor do documento designado por "Mapas
Financeiros e Nota Justificativa do Preço". Do mesmo modo, também não
alterou os atributos da sua proposta, pois esclareceu que o aspecto não
submetido à concorrência, previsto no artigo 15, nº 8, subponto 8. 1. do
Caderno de Encargos (CE), é integralmente respeitado (.. .)" (pág. 5 da
decisão), não podendo porem tal entendimento proceder.
t) É manifesto que
com os esclarecimentos prestados a Contra- Interessada S....... veio modificar
o conteúdo da sua proposta, neles indicando uma taxa de 100% de afectação dos
técnicos que não estava antes expressa na sua proposta e, dessa forma,
alterando manifestamente os atributos da sua proposta.
u) Dúvidas não
existem de que tal modificação é legalmente inadmissível face ao disposto no
artigo 72, nº 2 do CCP e ao princípio da imutabilidade das propostas.
v) O Douto Acórdão em
recurso de que aqui se reclama aplica incorrectamente as normas legais
relevantes à factualidade sub judíce também no que respeita aos vícios de que
padece a fundamentação do acto impugnado.
w) Contrariamente ao
que se refere na Decisão em recurso, e como se demonstrará, da grelha
classificativa que se extrai do critério de avaliação previsto no programa do
procedimento não se extraem nem se podem extrair, por si só, as concretas
razões subjacentes à pontuação atribuída.
x) Ao limitar-se a
atribuir uma pontuação quantitativa a cada uma das propostas em cada um dos
factores e subfactores que integram o critério de avaliação, o Júri vedou de
modo objectivo a compreensão, mediante a análise dos relatórios preliminar e
final, das razões em concreto da avaliação das propostas por referência ao seu
conteúdo e em função dos factores de ponderação prescritos no programa do procedimento.
y) Designadamente, da
leitura da grelha classificativa e da ordenação das propostas expressas no
relatório não se consegue compreender qual o percurso cognitivo que esteve
subjacente às pontuações atribuídas, e muito menos se compreende porque é que,
exemplificando, uma da"1"' proposta obtém a pontuação de 8 no
subfactor VT1 e outra obtém 7, ou porque é que a pontuação global de uma dada
proposta no factor "Valia Técnica" é de 7,80 e a de outra é de 7,35.
z) Mais grave ainda,
se se atentar nos intervalos de pontuação estabelecidos nas grelhas
classificativas, ainda mais imperscrutável se mostra o percurso cognitivo do
Júri quando atribui uma dada pontuação a uma proposta, e, a outra, uma diversa
pontuação superior ou inferior, apesar de ambas estarem situadas no mesmo
intervalo de pontuação.
aa) Ora, se se tiver
em conta os parâmetros classificativos que resultam do critério de avaliação em
relação a cada um dos seus factores e subfactores, é objectivamente impossível,
sobretudo sempre que as pontuações atribuídas se situam no mesmo intervalo de
pontuação, compreender quais as razões em que o Júri se baseou para atribuir
determinadas pontuações a cada uma das propostas .
bb) Pelas razões
aduzidas não pode deixar de se concluir que a avaliação das propostas não se
sustenta em fundamentação suficiente e, consequentemente , que o Douto Acórdão
em recurso fez uma errada interpretação dos factos e do Direito também quanto a
esta matéria.
cc) A Decisão
recorrida omite qualquer referência ou apreciação à doutrina uniformizada que
se extrai do Acórdão do STA nº 2/2014 (processo nº 1790/ 13 - Pleno da 1
Secção, publicado no Diário da República, 1º Série, em 21-03-2014), que
uniformizou a jurisprudência a respeito da matéria sub judice.
dd) A grelha classificativa
constante do critério de avaliação do procedimento dos autos não cumpre
manifestamente os requisitos estabelecidos naquele aresto.
ee) Como
expressamente se extrai do citado Aresto, só considerará devidamente
fundamentada a avaliação mediante a atribuição de pontuação quantitativa por
referência aos vários itens da grelha classificativa que resulta do critério de
adjudicação se aquela se mostrar "suficientemente densa" (realce
nosso).
ff) Esclarece ainda o
STA nessa mesma Decisão que "seguiríamos um terceiro modo de enfrentar o
vício de forma se devêssemos concluir que a grelha classificativa do concurso
continha insuficiências originárias que comprometiam um cabal esclarecimento,
"in fine", das classificações atribuídas às propostas', acrescentando
ainda que "o dever de fundamentar os actos administrativos cumpre funções
múltiplas, em que se sobressaem, para além do acréscimo da imparcialidade e da
transparência, o esclarecimento (auto e hetero) do processo decisório e do seu
resultado" .
gg) No caso dos
autos, é manifesto que a grelha classificativa para a avaliação dos vários
itens descritivos em que se desdobram os quatro subfactores de ponderação do
factor "Valia Técnica da Proposta" não se mostra, de modo algum,
"suficientemente densa" para permitir que a avaliação das propostas
se realize, como pretende o Júri, mediante uma mera operação de subsunção aos
diversos itens ali expressos.
hh) Contrariamente ao
que se sustenta no Douto Acórdão recorrido, não se trataria, in casu, do
recurso à "fundamentação de 2º grau" ou 'fundamentação
secundária", mas antes da verdadeira e própria fundamentação das
pontuações atribuídas, que como se demonstrou não se retira em termos
suficientes dos descritivos consagrados no critério de avaliação.
ii) Não pode, pois,
deixar de se concluir que o acto impugnado é inválido, também por vício de
fundamentação, incorrendo consequentemente a Douta Decisão cm recurso em
manifesto erro de julgamento.
*
O recorrido MUNICIPIO
contra-alegou, concluindo:
1. O douto acórdão objecto
do presente recurso não merece qualquer reparo ou censura uma vez que decidiu
de acordo com a Lei, a jurisprudência unânime e os mais consagrados princípios
de Direito.
2. O douto acórdão
recorrido não cometeu qualquer violação do disposto nos artigos 70º n°2, alínea
b), 72º e 146º nº l, alínea o) do Código dos Contratos Públicos.
3. O douto acórdão
recorrido não cometeu qualquer violação dos artigos 124º do CPA, 146º, nº l e
148° do CCP e 266º nº2 da CRP.
4. Ao presente
recurso deve ser negado provimento, mantendo-se o douto acórdão recorrido e a
douta sentença reclamada nos seus precisos termos.
*
A recorrida S.......
contra-alegou, concluindo:
« (Imagem)»
*
O Exmº representante do
Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como
previsto na lei de processo.
Cumpridos os demais
trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
*
Este tribunal tem sempre
presente o seguinte: (i) o primado do Estado democrático e social de
Direito material, num contexto de uma vida socioeconómica submetida ao bem
comum e à suprema dignidade de cada pessoa; (ii) os valores
ético-jurídicos do ponto de vista da nossa lei fundamental (1); (iii)
os princípios estruturantes do Estado de Direito (ex.: a juridicidade, a
segurança jurídica (2) e a igualdade (3)); (iv) as normas
que exijam algo de modo definitivo e ou as normas que exijam uma otimização das
possibilidades de facto e de direito existentes no caso concreto (4),
através de uma ponderação racional e justificada; e (v) a máxima da
unidade e coerência do nosso sistema jurídico (5), bem como, sempre que
possível e necessário, as máximas metódicas da igualdade e da
proporcionalidade.
*
QUESTÕES A RESOLVER
Os recursos, que devem
ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm
o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação
de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido
apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente
conhecidas).
Temos, pois, de apreciar
o seguinte contra a decisão do tribunal a quo:
1-erro de julgamento de
direito, uma vez que o ato administrativo impugnado assenta na violação da
máxima da imutabilidade das propostas concursais (cfr. artigos 70ª/2, 72º e
146º/1-o) do CC), em sede da afectação a 5% (cfr. texto do "mapa
financeiro e nota justificativa dos preços da S.......) ou a 100% (cfr.
esclarecimento solicitado à S.......) do tempo do director técnico e do
director adjunto da S.......;
2-erro de julgamento de
direito, uma vez que o ato administrativo impugnado tem fundamentação
insuficiente e assenta numa grelha pouco densa, não se podendo apreender o
percurso cognitivo do júri na avaliação das propostas.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. FACTOS PROVADOS
segundo o tribunal recorrido
«(Imagem)»
Continuemos.
II.2. APRECIAÇÃO DO
RECURSO
Aqui chegados, há
melhores condições para se compreender o recurso e para, de modo facilmente
sindicável, apreciarmos o seu mérito.
Vejamos, pois.
QUESTÃO 1 - Do erro de
julgamento de direito, uma vez que o ato administrativo impugnado assentaria na
violação da máxima da imutabilidade das propostas concursais (cfr. artigos
70ª/2, 72º e 146º/1-o) do CCP (6)), em sede da afectação a 5%
(cfr. texto do "mapa financeiro e nota justificativa dos preços" da
concorrente S.......) ou a 100% (cfr. esclarecimento solicitado à S.......) do
tempo do director técnico e do director adjunto da S.......
Cabe aqui apurar se,
após o júri falar num "lapso" supostamente existente na proposta da
S....... quanto à taxa de afectação dos directores relativamente à actividade
em causa, a S....... veio modificar ou não o conteúdo da sua proposta ao dizer
que a afectação de tais trabalhadores é a 100% e não a 5%.
O princípio da
intangibilidade das propostas impõe que com a entrega da proposta o respectivo
concorrente fique vinculado à mesma, não a podendo retirar ou alterar até que
seja proferido o acto de adjudicação, ou até decorrer o respectivo prazo de
validade. O princípio da intangibilidade das propostas apresenta-se como um
princípio fundamental dos procedimentos concorrenciais e vale em todos os
procedimentos concorrenciais.
O artigo 72º do CCP
prevê um desvio, rigoroso, ao princípio da intangibilidade, permitindo que o júri
do procedimento possa pedir aos concorrentes esclarecimentos sobre as propostas
apresentadas desde que os considere necessários para efeito da análise e da
avaliação das mesmas.
Há que ler cada proposta
concursal no seu conjunto e de acordo com a Língua Portuguesa, o bom senso e os
importantes artigos 236º ss do CC (nomeadamente o 236º e o 238º).
Ora, lendo assim a
factualidade provada, donde consta os teores escritos da "Proposta
Técnica" da S....... e do "Mapa Financeiro e Nota Justificativa dos
Preços" da S......., não se descortina o lapso que júri descortinou,
também porque a declaração formal (genérica) de aceitação do caderno de
encargos não tem aptidão a fazer surgir "lapsos" sempre que a
proposta concursal propriamente dita contrarie o caderno de encargos.
Mas, mais importante, é
que, ao contrário do esclarecimento prestado pela S....... (que não admitiu
qualquer lapso, note-se), a sua Proposta Técnica nada diz sobre a taxa de
afectação daqueles trabalhadores ser 5% ou 100%; nada. Tal tema é abordado
apenas no "mapa financeiro e nota justificativa dos preços" e de modo
muito claro e explícito pela S.......: 5% de afectação do director técnico e do
director adjunto ao serviço a adjudicar e com o valor anual total de 2160,00
euros para o director técnico. Não havia dúvida ou lapso.
Houve sim violação do nº
8.1 da Cl. 15 do C.E., que prevê a afectação a tempo integral, a 100%.
Se dúvidas houvesse, e
não há, bastaria compararmos com todos os números indicados (cfr. taxa de
afectação e preço/custo anual) para os restantes trabalhadores, menos
qualificados, para se concluir que, neste negócio formal e salvo manifesta
incoerência, a S....... escreveu e quis mesmo dizer que aqueles dois directores
estariam afectos ao serviço em 5% do tempo, custando aqueles preços
(remunerações) anuais ali indicados, que seriam notoriamente baixos (e ilegais,
com violação do salário mínimo nacional).
Portanto, o
esclarecimento dado pela S....... e aceite pelo júri, após o "lapso"
afirmado oficiosamente pelo júri e não admitido pela S......., modificou a
proposta apresentada, contrariando elementos constantes do referido "mapa
e nota justificativa": os cit. 5% passaram para 100% de taxa de afectação
ao serviço pelos referidos directores. Assim, violou-se a máxima ou princípio
da intangilidade das propostas previsto nos artigos 70º/2-b) e 72º/2 do CCP,
decorrente do princípio da igualdade e do princípio da concorrência.
Assim, a proposta
deveria ter sido excluída, ao abrigo do artigo 146º/1-o) do CCP.
Cfr. Ac. TCA-Sul de
17-3-2011, Pr. nº 07196/11; Mário/Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos…,
pp. 600 ss; J. Andrade da Silva, C.C.P., 4ª ed., 2013, anot. aos artigos
70º e 72º.
Procede, pois, este
ponto das conclusões do recurso.
QUESTÃO 2 – Do erro de
julgamento de direito, uma vez que o ato administrativo impugnado teria
fundamentação insuficiente e assentaria numa grelha pouco densa, não se podendo
apreender o percurso cognitivo do júri na avaliação das propostas
Este segundo ponto é
muito complexo, sobretudo porque se confunde muitas vezes "poderes-deveres
discricionários" com arbítrio ou com desnecessidade de fundamentação. Mas,
sobre o dever constitucional de fundamentação dos actos administrativos
concursais relevam, além do nº 3 do artigo 268º da Constituição, os artigos
124º do CPA/91 e 148º/1 do CCP.
Está aqui em causa saber
se a fundamentação da deliberação do júri do concurso foi suficiente para os
concorrentes poderem aprender como é que o júri chegou às conclusões (aqui
pontuações) a que chegou quanto a cada factor e subfactor.
Toda a A.P. tem o dever
sindicável de mostrar o caminho mental seguido para avaliar certa proposta e
certo atributo (7); só assim haverá transparência e juridicidade, só
assim poderão os concorrentes fiscalizar a boa ou má actuação administrativa em
causa, em defesa da justiça e da legalidade material. É um dever legal material
e é uma garantia material dos concorrentes.
Nada disto, que tem base
constitucional, foi alterado, nem podia ser, pelo cit. Ac. do Supremo Tribunal
Administrativo de 21-1-2014 (U.J.), Proc. nº 01790/13 (A avaliação das
propostas apresentadas num concurso tem-se por fundamentada através da
valoração por elas obtida nos vários itens de uma grelha classificativa
suficientemente densa). Este Ac. tratou de um tipo de fundamentação
suficiente; não tratou de desvalorizar algo tão óbvio como o que acima
referimos sobre este nuclear instituto do Direito Administrativo, nem de
olvidar o seguinte: «A fundamentação não se pode consumir na própria
pontuação, pois que a pontuação é o resultado e o resultado não se pode
fundamentar por si próprio» - Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de
26-10-2004, Proc. Nº 043240.
Tem de haver sempre uma
exposição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo júri. E o
júri tem sempre de explicitar, de modo suficiente, as razões concretas,
coerentes e congruentes por que atribui a pontuação de 4 ou 5 e a classificação
de bom ou mau a certo atributo concursal.
Não se confunda, por
facilitismo, aquele dever legal com uma (rara) exigência de fundamentação da
fundamentação; para isso teria de haver, previamente, a fundamentação
legalmente exigida; e esta é apenas a justificação (e eventual motivação) que
seja expressa, com exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão,
clara, coerente e completa (i.e., suficiente, embora não exaustiva).
Obtida tal fundamentação
expressa, com a exposição clara, coerente e completa dos fundamentos de facto e
de direito da decisão, então sim, é que poderá haver (i) o controlo
judicial para defesa dos princípios constitucionais da Administração Pública e (ii)
o controlo judicial contra erros (de facto ou de direito) notórios ou
grosseiros do acto administrativo.
Ora, no caso presente,
tivemos, nesta sede, dois momentos. Primeiro, o júri contentou-se em preencher
uma grelha pouco ou nada densa (facto provado nº 8), como vimos atrás, violando
nesse momento os citados requisitos legais e constitucionais do dever de
fundamentação. Depois da audiência prévia, o júri escreveu no relatório final algo
mais como texto fundamentador (facto provado nº 13-II), após aqui e ali
exemplificar (!) algumas explicações fundamentadoras. É este facto provado nº
13-II (com as suas grelhas e sinais de +/qualidade inferior, ++/qualidade média
e +++/qualidade superior) que tem de ser agora sindicado, para aferir da sua
suficiência ou completude, requisito que é posto em causa pela
autora/recorrente.
Assim, lendo tais
grelhas constantes do facto nº 13 (e sua legenda), tendo presente a explicação
para cada pontuação em cada subfactor e parâmetro através de "+/qualidade
inferior, ++/qualidade média e +++/qualidade superior", deve-se concluir
que a fundamentação é suficiente, explicando o caminho avaliativo seguido pelo
júri.
Improcede, pois, este
ponto das conclusões do recurso.
*
III. DECISÃO
Por tudo quanto vem de
ser exposto, acordam os Juizes do Tribunal Central Administrativo Sul, de
harmonia com o disposto nos artigos 202º e 205º da Constituição, em conceder
provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, em consequência da
exclusão da S......., que ficara em 1º lugar, condenar o réu a adjudicar o
contrato à concorrente que havia ficado em 2º lugar, a ora recorrente RRI.
Custas a cargo das
contestantes e contra-alegantes em ambos os tribunais.
Lisboa, 14-5-2015
(Paulo H. Pereira
Gouveia - relator)
(Nuno Coutinho)
(Carlos Araújo)
(1) Cfr. PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, Vol. I, 2013, pp. 345-355 e 432-449.
(2) Cfr. Ac. do T.C. Nº 128/2009.
(3) Cfr. Acs. do T.C. Nº 39/88, Nº 186/90, Nº 310/2000, Nº 491/2002 e Nº 187/2013.
(4) Cfr. ROBERT ALEXY, “Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade”, trad., in: revista O Direito, Ano 146º (2014), IV, Lisboa, pp. 817-834, com dogmática e exemplos jurisprudenciais.
(5) Cfr., modernamente, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 359 ss, 426 ss, 451 ss e 461 ss.
(6) E artigo 65º CCP.
(7) Atributo da proposta é aquele elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos
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