quinta-feira, 8 de outubro de 2015

PROVIDÊNCIA CAUTELAR – FORMAÇÃO DE CONTRATOS – REQUISITOS DE CONCESSÃO



Proc. Nº  10783/14   TCASul   28  Ago  2015


I – O artigo 132º do CPTA estabelece um conjunto de disposições que configuram um regime normativo específico para as situações em que esteja em causa a adopção de providências cautelares dirigidas a assegurar a utilidade de processos de impugnação de actos unilaterais praticados no âmbito de procedimentos relativos à formação de contratos [os chamados actos pré-contratuais], sejam esses processos de impugnação acções administrativas especiais, sejam processos urgentes, intentados no âmbito do contencioso pré-contratual, previsto e regulado nos artigos 100º a 103º [cfr. artigo 46º, nº 3 do CPTA].
II – A “ratio” deste regime especial contido no artigo 132º do CPTA teve por fim incorporar no Código o regime do DL nº 134/98, de 15/5, na parte em que se referia à adopção de providências cautelares [cfr. artigo 5º], com vista a assegurar a adequada transposição das Directivas do Conselho nº 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, e nº 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro, para a ordem jurídica portuguesa.
III – No caso particular da providência relativa a procedimentos de formação de contratos, não sendo evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, destaca-se o requisito contido no nº 6 do artigo 132º do CPTA, nos termos do qual “a concessão da providência depende do juízo de probabilidade do Tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências”.
IV – Como decorre do teor da 2ª parte do nº 6 do artigo 132º, ao juiz cabe fazer um juízo de prognose, à semelhança do preconizado no nº 2 do artigo 120º, em que são avaliados os resultados de cada uma das soluções possíveis “[…] contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência envolveria para o interesse público [e para interesses privados contrapostos] com a magnitude dos danos que a sua recusa com toda a probabilidade poderia trazer ao requerente”.
V – Ao contrário do que, em geral, resulta das alíneas b) e c) do artigo 120º, nº 1, o “periculum in mora” e o “fumus boni iuris” não são instituídos, neste domínio específico, como critérios de cuja apreciação autónoma dependa a concessão das providências"

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

Margarete………………………………. e Hirondina……………………………….., com os sinais dos autos, intentaram no TAF de Loulé, ao abrigo do disposto no artigo 132º do CPTA, uma providência cautelar relativa a procedimento de formação de contratos contra a Agência Portuguesa do Ambiente, IP, na qual peticionaram a suspensão do procedimento concursal nº 1/DRHL/2010, bem como a eficácia do acto da autoria da mesma Agência, que decidiu pela “não concretização da intenção de anulação do procedimento concursal nº 1/DRHL/2010, tendente à atribuição de título de utilização privativa do domínio público marítimo Praia do Garrão-Nascente, por insubsistência dos fundamentos expressos no nosso ofício nº S10997-201112-DRHL”.

O TAF de Loulé, por sentença datada de 8-11-2013 [certamente por lapso, escreveu-se 8 de Novembro de 2011], indeferiu a providência cautelar em causa [cfr. fls. 547/570 dos autos].

Inconformadas, as requerentes interpuseram recurso jurisdicional para este TCA Sul, no qual formularam as seguintes conclusões:
1. A sentença ora recorrida é nula por conter fundamentos ambíguos e obscuros determinantes da ininteligibilidade da decisão, bem como por ter omitido a pronúncia devida sobre questões que se lhe impunha conhecer, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alíneas b) e c) do CPC;
2. Com efeito, a verificação do critério de concessão da presente providência, patente no artigo 120º, nº 1, alínea a), por força do previsto no artigo 132º, nºs 3 e 6, todos do CPTA, assenta no juízo formulado pelo juiz sobre a evidência do carácter bem fundado do direito invocado pelo requerente, o qual se deverá ater, inelutavelmente, na análise dos vícios imputados pelo requerente a uma determinada actuação ilegal, demonstrativos – ou não – da probabilidade séria de tal pretensão vir a ser julgada procedente no processo principal – proposto ou a propor;
3. Sucede que, conforme facilmente se extrai da análise do aresto recorrido, tal análise inexiste, pura e simplesmente, no caso em juízo, tendo-se o Tribunal "a quo" limitado a fazer uma apreciação, incorrecta, quanto ao fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, sem se ater naquele que consubstancia o verdadeiro objecto da sua análise: a manifesta ilegalidade do acto e do concurso impugnados na acção principal já proposta pelas ora recorrentes;
4. Sendo certo que a conclusão que o aresto sob censura hasteia quanto à improcedência da pretensão das ora recorrentes formulada no processo principal respectivo não se atém em qualquer apreciação, sequer indirecta ou perfunctória, dos diversos vícios e ilegalidades que inquinam a decisão de não concretização da intenção de anulação do procedimento concursal nº 1/DHRL/2010 e, por consequência, o próprio procedimento concursal;
5. Donde, e sem mais, deverá a sentença recorrida ser declarada nula, com as legais consequências;
6. O entendimento vertido no aresto ora recorrido no que toca ao preenchimento dos requisitos de que a lei faz depender a concessão da presente providência cautelar padece de flagrante erro de julgamento, na medida em que conclui pela improcedência da presente providência com base na falta de verificação de critérios que não são, nos termos propugnados, aplicáveis à providência cautelar em apreço nos autos;
7. Com efeito, estando em causa uma providência cautelar relativa a procedimento de formação de contrato, a mesma terá, necessariamente de observar a disciplina estabelecida no artigo 132º do CPTA e, por conseguinte, a sua válida concessão depende, quase em exclusivo, da ponderação de interesses em presença, em termos muito semelhantes aos que são exigidos no artigo 120º, nº 2, do CPTA;
8. Assim, quer a apreciação do "periculum in mora", na formulação patente nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, quer a ponderação acerca da chamada aparência de bom direito ou "fumus boni iuris", excepto nos casos em que se esteja perante uma situação enquadrável no disposto no artigo 120º, nº 1, alínea a), do CPTA, foram consciente e deliberadamente afastadas pelo legislador no que diz respeito às providências relativas a procedimentos de formação de contratos;
9. Razão pela qual, jamais poderia o aresto sob censura ter fundamentado, como o fez erroneamente, a decisão de não concessão da presente providência cautelar, na falta de verificação – ainda que incorrectamente apreciada – nos critérios definidos no artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), do CPTA: a saber a aparência do bom direito e o "periculum in mora";
10. Do mesmo modo, e pelas razões expostas, assentes no nº 6 do artigo 132º do CPTA, jamais, pela sua essencialidade para o decretamento de uma providência cautelar de formação de contrato, poderia ter-se por inútil ou desnecessária a apreciação do critério da ponderação de interesses, nos termos exigidos e configurados no nº 6 do artigo 132º do CPTA;
11. Pelo que se torna por demais evidente o erro de julgamento que inquina o entendimento professado pelo Tribunal "a quo" e que impõe a revogação da sentença recorrida, o que desde já se requer para os devidos efeitos;
12. Deverá a sentença recorrida ser revogada, com as legais consequências, atento o facto de perpetrar um flagrante erro de julgamento quanto à falta de verificação do requisito do "periculum in mora", no âmbito e para os efeitos de preenchimento do principal critério da ponderação de interesses, consagrado no nº 6 do artigo 132º do CPTA;
13. De facto, resulta de tudo o exposto que a não determinação da suspensão do procedimento concursal em causa sempre originaria prejuízos de difícil reparação para as ora recorrentes, na medida em que a conclusão do concurso nos termos propostos irá provocar às ora recorrentes inúmeros e irreparáveis danos, não apenas por afectar a sustentabilidade económica da empresa, como também ao nível da imagem e credibilidade da mesma no mercado em causa;
14. Não sendo tal situação de facto consumado de paralisação das actividades desenvolvidas afastada por uma eventual reposição da situação agora existente, se a acção principal vier a proceder, desde logo pelo próprio risco de demolição das instalações onde se situa o restaurante das ora recorrentes;
15. Na verdade, é certo que com a prossecução do presente procedimento concursal, se constituirá uma situação de facto consumado, uma vez que, se afigura como altamente provável que, na altura da decisão final do processo principal, a construção em causa já esteja demolida, o que, só por si, seria susceptível de comprometer a subsistência das ora recorrentes e da sua actividade comercial;
16. Por outro lado, decorre do exposto que a não concessão imediata de tais títulos de utilização privativa do DPM, em nada irá prejudicar o serviço de apoio aos utilizadores da praia do Garrão-Nascente já existente, pois que os citados equipamentos existem e funcionam regularmente, podendo continuar a ser utilizados nos mesmos termos que o têm vindo a ser até aqui, até que sejam apreciadas as ilegalidades detectadas, na sede impugnatória descrita;
17. Desse modo, é inevitável concluir que não existe qualquer urgência imperiosa na concessão de tais títulos, por meio da realização do concurso, que não se compadeça com a obtenção de uma decisão definitiva no âmbito da acção principal a intentar;
18. Ao que acresce o facto de se extrair facilmente dos factos expostos que o decretamento da presente providência cautelar é a única solução que pode, verdadeiramente, beneficiar o interesse público prosseguido pela entidade adjudicante, concretamente em caso de procedência da acção principal a intentar;
19. Termos em que, se torna manifesto que os danos que resultarão da providência não são superiores aos prejuízos que poderão resultar da sua não adopção, razão pela qual se mostra, de modo manifesto, demonstrado o preenchimento do requisito previsto no nº 6 do artigo 132º do CPTA e, em consequência, a verificação do pressuposto de que a lei faz depender, em exclusivo, a concessão da presente providência cautelar;
20. E, por conseguinte, se revela, assim, à saciedade, o erro de julgamento em que incorre o Tribunal "a quo" e que impõe a revogação da sentença recorrida, com as legais consequências.”[cfr. fls. 577/613 dos autos].

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso merece provimento [cfr. fls. 645 dos autos].

Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. Em 15-4-2010 foi emitida a Licença de Utilização dos Recursos Hídricos para Apoio de Praia nº 06/2010-DRHL em nome das requerentes, na qual, quanto ao respectivo prazo, se refere o seguinte:
Esta licença é válida até ao dia 16 de Abril de 2011, sendo revogada caso a conclusão do procedimento de concurso limitado determinado pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura/Vila Real de Santo António e com o consequente licenciamento para a execução da obra pelo concorrente vencedor ocorra antes do término do prazo da licença. Com a caducidade desta licença o concessionário será notificado para proceder à entrega do título de utilização junto desta ARH e à demolição das instalações objecto desta licença.” – cfr. doc. nº 2 da pi;
ii. Pelo ofício de 26-7-2010, a entidade requerida formulou junto das requerentes “convite para apresentação de proposta ao procedimento concursal acima indicado” – cfr. doc. nº 13 da pi;
iii. Em 30-9-2010, as requerentes apresentaram a sua proposta ao concurso limitado nº 1/DRHL/2010 – Referência UB 1 para atribuição de título de utilização privativa do domínio público marítimo de apoio de praia simples com equipamento associado na praia do Garrão nascente – cfr. doc. nº 21 da pi;
iv. Em 18-11-2010, a entidade requerida enviou às requerentes um ofício com o seguinte teor:
O Relatório de Avaliação das Propostas ao Concurso supramencionado, informando que, de acordo com o mesmo, o candidato vencedor à referência UB1 [Apoio de Praia Simples com Equipamento associado] é "……………………….., Ldª" e o candidato vencedor à referência UB2 [Apoio de Praia Completo com Equipamento associado] é "………………………….., Ldª".
Ao abrigo do disposto nos códigos 100º e 101º do Código do Procedimento Administrativo, fica V. Exª notificado para, querendo, dizer por escrito, o que considerar conveniente.” – cfr. doc. nº 23 da pi;
v. No ofício de 16-12-2011, que a entidade requerida enviou às requerentes e aos outros candidatos ao concurso, pode ler-se designadamente o seguinte:
[…] mostrando-se aconselhável repetir o procedimento de audiência prévia, comunica-se a V Exª que é intenção desta ARH anular o procedimento concursal identificado em epígrafe em vista da impossibilidade de aplicação do critério a.2.2. previsto no Programa de Concurso, por incomparabilidade das propostas apresentadas.” – cfr. fls. do PA não numeradas;
vi. Na Informação nº 100097-2013, de 10-1-2013, da entidade requerida, pode ler-se designadamente o seguinte:
No âmbito do direito de audiência prévia, promovida pelo ofício nº S10997-201112-DRHL, de 16-12-2011, vêm os interessados abaixo identificados reagir relativamente à intenção destes Serviços de anular o concurso limitado nº 1/DRHL/2010, aberto para atribuição de duas concessões em DPM na Praia do Garrão, nos termos e para aplicação do POOC Vilamoura – Vila Real de Santo António às estruturas que nessa praia se encontram implantadas.
[…]
II – Da relevância do critério a.2.2.
O critério a.2.2. surge pois com o específico objectivo de garantir o acesso pela generalidade dos utentes a um conjunto de produtos de consumo comum a preços acessíveis, como forma de evitar uma eventual segregação em razão da capacidade económica.
[…] coloca-se à superior consideração de V. Exª a não concretização da intenção de anulação do procedimento concursal por insubsistência dos fundamentos expressos no nosso ofício nº S10997-201112-DRHL.” – cfr. fls. 1 a 6 do doc. nº 1 da pi;
vii. Na acta de reunião do Júri de 18-1-2013, pode ler-se designadamente o seguinte:
Na sequência do despacho do Director do Departamento de Recursos Hídricos do Litoral explanado na Informação nº 100097-2013-GJ do gabinete jurídico, o júri procedeu a uma melhor análise e discussão da aplicação do critério acima indicado e concluiu conseguir proceder a uma avaliação equilibrada das propostas dos concorrentes e atribuir um valor às mesmas.” – cfr. fls. 7 do doc. nº 1 da pi;
viii. Na acta referida em vii. foi exarado, em 21-1-2013, despacho do Director de Departamento de Recursos Hídricos do Litoral, nestes termos:
Visto. Perante a presente deliberação do júri deve ser dado seguimento ao procedimento concursal […].” – cfr. fls. 7 do doc. nº 1 da pi.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
– A nulidade da sentença recorrida, por conter fundamentos ambíguos e obscuros determinantes da ininteligibilidade da decisão, bem como por ter omitido a pronúncia devida sobre questões que se lhe impunha conhecer, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alíneas b) e c) do CPC [conclusões 1. a 5. da alegação das recorrentes]; e,
– O erro de julgamento na apreciação dos requisitos de que depende a concessão da providência, previstos no artigo 132º do CPTA [conclusões 6. a 20. da alegação das recorrentes].
Comecemos pela invocada nulidade da sentença.
No que aqui releva, sustentam as recorrentes que a verificação do critério de concessão da presente providência, patente no artigo 120º, nº 1, alínea a), por força do previsto no artigo 132º, nºs 3 e 6, todos do CPTA, assenta no juízo formulado pelo juiz sobre a evidência do carácter bem fundado do direito invocado pelo requerente, o qual se deverá ater, inelutavelmente, na análise dos vícios imputados pelo requerente a uma determinada actuação ilegal, demonstrativos – ou não – da probabilidade séria de tal pretensão vir a ser julgada procedente no processo principal – proposto ou a propor, pelo que, conforme facilmente se extrai da análise do aresto recorrido, tal análise inexiste, pura e simplesmente, no caso em juízo, tendo-se o Tribunal "a quo" limitado a fazer uma apreciação, incorrecta, quanto ao fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, sem se ater naquele que consubstancia o verdadeiro objecto da sua análise: a manifesta ilegalidade do acto e do concurso impugnados na acção principal já proposta pelas ora recorrentes.
Vejamos.
A nulidade da sentença, prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil, só ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz devam, logicamente conduzir a resultado oposto ou diverso do exposto na sentença [cfr., entre muitos outros, o Acórdão do STA, de 29-1-2009, proferido no âmbito do recurso nº 0966/08, para cuja doutrina se remete]. Ora, considerando que os fundamentos aduzidos na sentença sob recurso não determinam decisão diferente da tomada, não sendo possível decifrar uma quebra na estrutura lógica da mesma, antes pelo contrário, a decisão não poderia ser outra, atentos os fundamentos em que se baseou, pelo que se conclui não se verificar a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil.
De igual modo se diga quanto à invocada nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão.
Com efeito, o artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPCivil comina com a nulidade a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Porém, essa nulidade da sentença só se verifica nos casos de absoluta omissão de motivação e não naqueles outros em que a mesma seja, porventura, deficiente ou errada, casos em que o que poderá ocorrer é o erro de julgamento [cfr. Alberto dos Reis, in “Código do Processo Civil Anotado”, tomo V, a págs. 140].
Da leitura do respectivo teor, resulta que a sentença especifica os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, não sendo a mesma absolutamente desprovida de motivação, pois, para além de elencar os factos que considera provados, procede, depois, ao seu enquadramento em confronto com as normas legais que considerou aplicáveis e retirou as conclusões que entendeu serem devidas.
A discordância sobre as conclusões a que chegou a Senhora Juíza “a quo” respeita, como é bom de ver, ao mérito da decisão, e não à sua validade formal, uma vez que também não se verifica a alegada contradição com a decisão, a qual se enquadra na sequência lógica dos fundamentos apontados.
Donde e em consequência, improcedem as invocadas nulidades da sentença e com elas as conclusões 1. a 5. da alegação das recorrentes.
Isto dito, resta apreciar o mérito do recurso interposto.
Embora as recorrentes tenham referido expressamente no intróito do requerimento inicial que pretendiam instaurar uma providência cautelar relativa a procedimento de formação de contratos, prevista no artigo 132º do CPTA, a Senhora Juíza do TAF de Loulé analisou e decidiu a pretensão formulada como se de uma vulgar providência cautelar se tratasse, nomeadamente por referência aos requisitos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 120º do CPTA.
Mas erradamente, como se procurará demonstrar.
De acordo com o disposto no artigo 132º do CPTA, quando esteja em causa, designadamente, a anulação de actos administrativos relativos à formação de contratos, a lei adjectiva admite que possam ser requeridas quaisquer providências [conservatórias ou antecipatórias], nelas se incluindo a providência de suspensão do procedimento de formação do contrato [cfr. artigo 132º, nº 1 do CPTA], aplicando-se aqui as regras relativas aos processos cautelares comuns [artigos 112º e segs. do CPTA – cfr. nº 3], com as ressalvas constantes dos nºs 4 a 7 do artigo 132º. Assim, a plenitude da tutela cautelar requerida no âmbito do artigo 132º do CPTA, está delimitada, tal como sucede com o processo cautelar comum, pela referida natureza instrumental, provisória e sumária, própria da tutela cautelar.
A “ratio” deste regime especial contido no artigo 132º do CPTA teve por fim incorporar no Código o regime do DL nº 134/98, de 15/5, na parte em que se referia à adopção de providências cautelares [cfr. artigo 5º], com vista a assegurar a adequada transposição das Directivas do Conselho nº 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, e nº 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro, para a ordem jurídica portuguesa.
No entanto, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 132º do CPTA, só podem ser admitidas as providências cautelares que tenham correspondência com a causa de pedir e pedido formulados ou a formular no processo principal, e que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença que venha a ser proferida naquele processo. Daí que os critérios de decisão sejam, quanto a estas providências, os constantes do artigo 120º, nº 1, alínea a), por ressalva expressa do nº 6 do artigo 132º e, bem assim, do nº 6 deste ultimo preceito legal, que assume particular relevância.
De acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, as providências cautelares podem ser adoptadas pelo Tribunal quando “seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal […];”. Assim, quando for evidente a procedência da pretensão principal, designadamente, por estar em causa a impugnação de um acto manifestamente ilegal – cfr. alínea a) do nº 1 – o “fumus boni iuris” é o único critério determinante da decisão.
No caso particular da providência relativa a procedimentos de formação de contratos, não sendo evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, destaca-se o requisito contido no nº 6 do artigo 132º do CPTA, nos termos do qual “a concessão da providência depende do juízo de probabilidade do Tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências”.
Por conseguinte, como decorre do teor da 2ª parte do nº 6 do artigo 132º, ao juiz cabe fazer um juízo de prognose, à semelhança do preconizado no nº 2 do artigo 120º, em que são avaliados os resultados de cada uma das soluções possíveis “[…] contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência envolveria para o interesse público [e para interesses privados contrapostos] com a magnitude dos danos que a sua recusa com toda a probabilidade poderia trazer ao requerente” [neste sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição, 2004, pág. 94], mas com exclusão dos juízos sobre o “fumus boni iuris” e sobre o “periculum in mora”, segundo os critérios definidos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, que aqui são afastados [cfr. ob. cit., a págs. 319 e segs.].
Está assim em causa ponderar os prejuízos reais resultantes da adopção ou da recusa [total ou parcial], da providência requerida, mediante a previsão da duração da medida cautelar e atentas as circunstâncias do caso concreto, sendo certo que o que releva para a concessão da providência cautelar são os danos que advêm ao requerente da sua não concessão.
Este juízo de proporcionalidade vem do direito processual civil e assume-se como uma característica da nova tutela cautelar “[…] que implica a ponderação de todos os interesses em jogo, de forma a fazer depender a própria decisão sobre a concessão, ou não, da providência cautelar dos interesses preponderantes no caso concreto, sempre que não seja evidente a procedência ou improcedência da pretensão formulada” [cfr., neste sentido, J. C. Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, 7ª edição, Almedina, a págs. 337].
Assim, é possível concluir que o artigo 132º do CPTA estabelece um conjunto de disposições que configuram um regime normativo específico para as situações em que esteja em causa a adopção de providências cautelares dirigidas a assegurar a utilidade de processos de impugnação de actos unilaterais praticados no âmbito de procedimentos relativos à formação de contratos [os chamados actos pré-contratuais], sejam esses processos de impugnação acções administrativas especiais, sejam processos urgentes, intentados no âmbito do contencioso pré-contratual, previsto e regulado nos artigos 100º a 103º [cfr. artigo 46º, nº 3 do CPTA].
Reafirmando o que acima se deixou dito, a concessão das providências, neste domínio, depende, assim, quase exclusivamente da ponderação dos interesses em presença, em moldes sensivelmente idênticos àqueles em que ela se encontra prevista no artigo 120º, nº 2, e não, como sustentado na sentença impugnada, na verificação dos requisitos ínsitos na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, “maxime” o do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”.
Daí que, por erro de julgamento na apreciação dos pressupostos de que depende o tipo de providência cautelar requerida, a sentença recorrida não possa manter-se, o que impõe que este TCA Sul reaprecie o mérito do pedido cautelar formulado pelas requerentes, ao abrigo dos poderes conferidos pelo nº 3 do artigo 149º do CPTA.
Quando esteja em causa a adopção de providências cautelares dirigidas a assegurar a utilidade de processos de impugnação de actos unilaterais praticados no âmbito de procedimentos relativos à formação de contratos, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha referem, no Comentário ao CPTA, 3ª edição, a págs. 883 e segs., que “a solução explica-se porque a eventual extensão a este domínio dos critérios do artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), poderia ser vista como podendo conduzir a resultados concretos mais restritivos na concessão das providências cautelares do que aqueles que resultariam da pura aplicação do critério da ponderação de interesses que se encontra previsto nas Directivas, com o consequente risco de se vir a entender que o Estado Português não tinha procedido, neste domínio, à adequada transposição das Directivas – tanto mais que a consagração dessa solução envolveria uma relevante alteração ao critério que, nos estritos termos das Directivas, já anteriormente se encontrava consagrado no artigo 5º, nº 4, do Decreto-Lei nº 134/98.
Ao contrário do que, em geral, resulta das alíneas b) e c) do artigo 120º, nº 1, o "periculum in mora" e o "fumus boni iuris" não são, pois, instituídos, neste domínio específico, como critérios de cuja apreciação autónoma dependa a concessão das providências”.
Porém, como salientam os autores citados, há que efectuar duas ressalvas.
A primeira é para assinalar que, também neste domínio, não poderão deixar de intervir, ainda que indirectamente, considerações atinentes ao “periculum in mora” e ao “fumus boni iuris”, embora em moldes diferentes daqueles que decorreriam da aplicação das alíneas b) e c) do artigo 120º, nº 1 do CPTA, na medida em que quando o nº 6 do artigo 132º do CPTA exige que, na ponderação dos “interesses susceptíveis de serem lesados”, se atenda aos prejuízos que podem resultar da não adopção da providência, é evidente que ele pressupõe a eminência do requerente da providência correr o risco de sofrer prejuízos se a providência não for adoptada. Ou seja, não haverá utilidade na providência se o requerente não estiver na eminência de suportar um risco associado à demora do processo principal, sucedendo apenas que “a lei não ignora o prejuízo mas limita-se a fazer uma referência genérica, abstendo-se de qualificar a sua gravidade”.
Por outro lado, o nº 6 do artigo 132º do CPTA, ao ressalvar a aplicabilidade, neste domínio, do artigo 120º, nº 1, alínea a), faz com que entre os dois preceitos se estabeleça o mesmo tipo de relação que, nos outros domínios, se estabelece entre a alínea a) do nº 1 e o nº 2 do artigo 120º. Significa isto que, quando o tribunal considere evidente que a pretensão do requerente da providência irá ser julgada procedente no processo principal, deve conceder a providência sem proceder a qualquer ponderação de interesses. Ou seja, o tribunal deve abandonar, nesse caso, o critério da ponderação de interesses [que resulta do artigo 132º, nº 6] para atender [com base no artigo 120º, nº 1, alínea a)] à evidência do bom direito do requerente.
No caso dos autos, sustentam as recorrentes a manifesta ilegalidade do procedimento concursal cuja suspensão requerem – e, bem assim, do acto que decidiu pela não concretização da intenção de anulação do mesmo –, traduzida na ilegalidade do Programa do Concurso, por incluir, enquanto critério de adjudicação, o factor “experiência do concorrente”, e também pela ausência de menção ao valor económico do contrato, em violação do disposto no artigo 164º, nº 1, alínea i) do CCP.
Vejamos se lhes assiste razão.
O decretamento de providências relativas a procedimentos de formação de contratos está sujeito, num primeiro momento, ao preenchimento dos pressupostos fixados na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
Nela se prevêem as situações de providências dirigidas contra actos ou normas manifestamente ilegais, por si ou por referência a actos ou normas idênticos já anteriormente anulados, declarados nulos ou inexistentes e contra actos de aplicação de normas já anulados.
Em tais casos, o respectivo decretamento é quase automático, na medida em que assenta em requisitos objectivos, fazendo apelo a um critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público [sob a forma do princípio da legalidade - a Administração não deve praticar tais actos] e a tutela dos interesses privados [o particular tem direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada].
O critério legal ali definido tem seu cerne na expressão “evidente procedência da pretensão” enquanto reportada à invocada posição jurídica subjectiva alegada ou a alegar no processo principal, sendo que o julgador cautelar é convocado para a emissão dum juízo procedência ou concludência sobre a mesma sem que isso envolva, ainda assim, uma decisão sobre o mérito da causa.
Pese embora a demonstração do direito em termos cautelares se bastar com o “fumus”, enquanto juízo de verosimilhança que sumariamente ressume da factualidade alegada, o CPTA, ao introduzir e exigir ao juízo cautelar o atributo qualificado da evidência da “procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal”, acaba no fundo por aproximar o juízo cautelar do juízo de mérito da acção principal.
E, por ser assim, o grau de exigência colocado na sua decretação, que quase antecipa na decisão cautelar a decisão principal quanto a um juízo de mérito, só em casos manifestos e excepcionais se poderá afirmar, com segurança, que a procedência da acção principal é de tal modo evidente que não há razão para deixar de conceder a providência.
Tal juízo de evidência faz apelo a uma ideia de clareza, inequívoca para um qualquer jurista, juízo esse expresso nas três situações enunciadas na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, reveladoras de situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na acção principal se revela ou se afirma, no caso, como patente, notório, visível e com forte ou intenso grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva/grosseira da ilegalidade cometida.
Esta é, aliás, a interpretação que quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm vindo a atribuir à expressão “evidente procedência da pretensão” [cfr., a título de exemplo, o acórdão do Pleno do STA, de 11-12-2007, proferido no âmbito do Processo nº 0210/07, onde se decidiu que “o acento tónico na «evidência» da «procedência da pretensão» formulada ou a formular no processo principal … deve ser notória e visível sem necessidade de qualquer elaborada indagação. Só pode ser considerado evidente, como nele se escreveu, o «que se constata de maneira imediata e manifesta. Há uma diferença irredutível entre captar imediatamente uma evidência e realizar uma demonstração tendente a captá-la, pois esta supõe o recurso a definições, divisões ou argumentações que possibilitem e suportem a captação de uma realidade que não era patente». […] … o preceito em questão «sugere logo que o deferimento imediato do meio cautelar, aí previsto, há de resultar de ilegalidades patentes e flagrantes, capazes de convencer primo conspectu, e sem necessidade de um laborioso discurso coadjuvante, da procedência da acção principal»”. E, no mesmo sentido, os acórdãos do STA, de 24-9-2009 – Processo nº 0821/09, de 9-12-2009 – Processo nº 0799/09, de 18-3-2010 – Processo nº 0105/10, de 25-8-2010 – Processo nº 0637/10, de 27-7-2011 – Processo nº 0520/11, de 25-9-2012 – Processo nº 0588/12, 26-9-2012 – Processo nº 0720/12, de 6-11-2012 – Processo nº 0855/12, de 30-1-2013 – Processo nº 01253/12, de 20-3-2014 – Processo nº 0148/14, de 26-6-2014 – Processo nº 0500/14, de 25-9-2014 – Processo nº 0799/14, de 23-10-2014 – Processo nº 0725/14, e de 28-5-2015 – Processo nº 01536/14].
Revertendo ao caso dos autos, mas sem olvidar os considerandos de enquadramento quanto ao critério de decisão sob apreciação, temos que, face à alegação aduzida pelas requerentes cautelares no seu articulado inicial, mormente, os fundamentos de ilegalidade assacados ao acto suspendendo ao longo de cerca de 100 artigos [artigos 58º a 156º do requerimento inicial] [i) insuficiente fundamentação do acto de não concretização da intenção de anulação do procedimento concursal nº 1/DRHL/2010, tendente à atribuição de título de utilização privativa do domínio público marítimo Praia do Garrão-Nascente; ii) violação dos princípios da transparência, da imparcialidade e da boa-fé; iii) ilegalidade do Programa do Concurso, por incluir, enquanto critério de adjudicação, o factor “experiência do concorrente”; e iv) violação do disposto no artigo 164º, nº 1, alínea i) do CCP, por ausência de menção ao valor económico do contrato], não é possível concluir, sem margem para dúvidas, que existe manifesta ou evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

Com efeito, na apreciação sumária que nesta sede cabe efectuar, não se descortina que o acto cuja suspensão se pretende obter padeça de ilegalidades que sejam manifestas ou inequivocamente evidentes no sentido de conduzirem à “evidente procedência da acção principal”, visto não só as mesmas se revelarem controvertidas entre as partes, mas também porque a sua apreciação ou verificação se afigura complexa, não resultando o juízo de ilegalidade como inequívoco, visto envolver, pela natureza das questões de facto e de direito em discussão, um juízo de percepção por parte do juiz cautelar que não é unívoco no seu segmento decisório.
Daí que a sede própria para discutir as ilegalidades assacadas ao acto suspendendo seja a acção principal e não apresente providência cautelar.
Adquirido que o acto em crise não padece, de forma ostensiva, das ilegalidades que lhe são assacadas, resta analisar se o juízo de ponderação a que alude o nº 6 do artigo 132º do CPTA, enquanto critério de concessão da providência requerida, é favorável à pretensão das requerentes.
Vejamos então a factualidade relevante.
Como decorre dos autos, as recorrentes são titulares da Licença de Utilização dos Recursos Hídricos para Apoio de Praia nº 06/2010-DRHL, emitida em 15-4-2010, através da qual exploram um estabelecimento de apoio de praia e de restauração na Praia do Garrão-Nascente.
Com a publicação do Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura/VRSA – cfr. Resolução do Conselho de Ministros nº 103/05, de 27 de Junho – a Administração da Região Hidrográfica do Algarve, IP endereçou às recorrentes e a outros interessados, um “convite para apresentação de proposta ao procedimento concursal acima indicado” – concurso limitado para atribuição de título de utilização privativa do domínio público marítimo na praia do Garrão nascente – tendo estas apresentado proposta em 30-9-2010, para atribuição de título de utilização privativa do domínio público marítimo de apoio de praia simples com equipamento associado [refª UB1].
Em 18-11-2010, a entidade requerida enviou às requerentes um ofício informando que de acordo com o Relatório de Avaliação das Propostas ao concurso em causa, o candidato vencedor à referência UB1 [apoio de praia simples com equipamento associado] era “………………………., Ldª”, e o candidato vencedor à referência UB2 [apoio de praia completo com equipamento associado] era “……………………………………., Ldª”.
Porém, em posterior ofício datado de 16-12-2011, a entidade requerida deu conhecimento de que era sua intenção “…anular o procedimento concursal identificado em epígrafe em vista da impossibilidade de aplicação do critério a.2.2. previsto no Programa de Concurso, por incomparabilidade das propostas apresentadas”, tendo ficado suspensa a tramitação do concurso em causa.
Face a essa intenção, alguns interessados no procedimento reagiram, tendo os serviços da entidade recorrida elaborado a Informação nº 100097-2013, datada de 10-1-2013, na qual se colocava à superior consideração a não concretização da intenção de anulação do procedimento concursal por insubsistência dos fundamentos expressos no ofício nº S10997-201112-DRHL, e que mereceu despacho favorável do Director de Departamento de Recursos Hídricos do Litoral, a determinar o reenvio ao júri do concurso, para apreciação [cfr. fls. 59/64 dos autos].
Finalmente, o júri do concurso, na reunião de 18-1-2013, após ter procedido a “[…] uma melhor análise e discussão da aplicação do critério acima indicado […], concluiu conseguir proceder a uma avaliação equilibrada das propostas dos concorrentes e atribuir um valor às mesmas”, o que determinou que o Director de Departamento de Recursos Hídricos do Litoral da entidade recorrida tivesse determinado, por despacho de 21-1-2013, que fosse dado seguimento ao procedimento concursal, acto esse cuja suspensão de eficácia vem requerida, juntamente com a suspensão do procedimento concursal nº 1/DRHL/2010 [cfr. fls. 65 dos autos].
Como acima já tivemos oportunidade de referir, não sendo evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, a concessão da providência dependerá, nos termos expressos no nº 6 do artigo 132º do CPTA, “do juízo de probabilidade do Tribunal quanto a saber se, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da adopção da providência são superiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências”.
Por conseguinte, como decorre do teor da 2ª parte do nº 6 do artigo 132º, ao juiz cautelar caberá fazer um juízo de prognose, à semelhança do preconizado no nº 2 do artigo 120º, em que são avaliados os resultados de cada uma das soluções possíveis “[…] contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência envolveria para o interesse público [e para interesses privados contrapostos] com a magnitude dos danos que a sua recusa com toda a probabilidade poderia trazer ao requerente”, mas com exclusão dos juízos sobre o “fumus boni iuris” e sobre o “periculum in mora”, segundo os critérios definidos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, que aqui são afastados [neste sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição, 2004, a págs. 94 e 319 e segs.].
Está assim em causa ponderar os prejuízos reais resultantes da adopção ou da recusa [total ou parcial], da providência requerida, mediante a previsão da duração da medida cautelar e atentas as circunstâncias do caso concreto, sendo certo que o que releva para a concessão da providência cautelar são os danos que advêm às requerentes da sua não concessão.
Como resulta do teor da Licença de Utilização dos Recursos Hídricos para Apoio de Praia nº 06/2010-DRHL, de que as recorrentes são titulares, a mesma “[…] é válida até ao dia 16 de Abril de 2011, sendo revogada caso a conclusão do procedimento de concurso limitado determinado pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura/Vila Real de Santo António e com o consequente licenciamento para a execução da obra pelo concorrente vencedor ocorra antes do término do prazo da licença. Com a caducidade desta licença o concessionário será notificado para proceder à entrega do título de utilização junto desta ARH e à demolição das instalações objecto desta licença”.
Significa isto que não sendo o procedimento concursal suspenso, como peticionam as recorrentes, a licença de que são titulares caducará [será revogada] e, uma vez que a respectiva proposta não foi a vencedora, não verão ser-lhes adjudicada a nova concessão, pelo que terão de providenciar a demolição das instalações existentes na praia do Garrão-Nascente.
Muito embora a sentença recorrida não tenha fixado a factualidade relevante, nomeadamente no que tange ao valor das instalações onde as recorrentes exercem a actividade que vinha sendo titulada pela Licença de Utilização dos Recursos Hídricos para Apoio de Praia nº 06/2010-DRHL, não é difícil concluir que a respectiva demolição lhes acarretará prejuízos difíceis de reparar, não só pela perda do investimento efectuado ao longo dos anos, mas sobretudo pela situação de facto consumado que dessa demolição irá resultar, nomeadamente em caso de êxito na acção principal a propor/já proposta.
É que em tal caso – se no termo do novo procedimento concursal expurgado dos vícios que as recorrentes lhe assacam lhes vier a ser reconhecida razão e a sua proposta vier a ser classificada em primeiro lugar –, já não existirá estabelecimento para dar continuidade à exploração da concessão do domínio público marítimo na praia do Garrão-Nascente, o que releva para a antever a dimensão dos prejuízos que as recorrentes suportarão caso a providência requerida não venha a ser decretada.
Contrapostos os interesses das recorrentes ao interesse público e aos restantes interesses privados subjacentes [nomeadamente os dos contra-interessados], afigura-se manifesto que os danos que resultarão da adopção da providência são manifestamente inferiores aos prejuízos que podem resultar da sua não adopção.
Com efeito, o interesse público consistente na existência dum apoio de praia no Garrão-Nascente não é beliscado pelo decretamento da providência, uma vez que esse apoio de praia se mantém, continuando apenas e tão só a ser explorado pelas ora recorrentes. E, por outro lado, o interesse dos contra-interessados, nomeadamente aqueles que tinham a expectativa de vencer a concessão, não lhes trará nenhum prejuízo, na medida em que apenas verão retardado o início da exploração da mesma – caso se mantenha o resultado da avaliação do júri –, sem que tenham necessidade de efectuar qualquer investimento, mormente com a construção de novas instalações.
Assim sendo, e porque não se afigura que a lesão do interesse das recorrentes possa ser evitada ou atenuada pela adopção de outras providências, é mister concluir que nada obsta à concessão da providência requerida, pelo que o presente recurso merece provimento.

IV. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os juízes do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e decretar a providência requerida.
Custas a cargo da entidade recorrida e dos contra-interessados que deduziram oposição.
Lisboa, 28 de Agosto de 2015


[Rui Belfo Pereira – relator]


[Cristina Santos]


[Lurdes Toscano]

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