quinta-feira, 8 de outubro de 2015

ÓNUS DE FORMULAR ALEGAÇÕES – INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE – CADUCIDADE – INTERPOSIÇÃO DO MEIO CONTENCIOSO PRINCIPAL



 Proc. Nº 11718/14    TCASul       17  Set  2015

I – A lei processual civil é, de acordo com o disposto no artigo 140º do CPTA, aplicável aos recursos das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos.
II – De acordo com o disposto nos artigos 635º e 639º CPCivil, cabe ao recorrente o ónus de delimitar o âmbito do recurso, de alegar e de formular as respectivas conclusões.
III – Só a falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso, por parte do juiz “a quo”, tal como prescreve o artigo 641º, nº 2, alínea b) do CPCivil.
IV – A falta do corpo alegatório só será causa do não conhecimento do recurso, por ineptidão do respectivo requerimento de interposição, se não for possível retirar das conclusões formuladas pelo recorrente o objectivo que este visa com o recurso e os efeitos jurídicos que pretende alcançar.
V – No caso presente, a mera leitura das conclusões formuladas permite, ainda assim, perceber quais os motivos da discordância dos recorrentes face ao decidido e qual o efeito jurídico que pretendem alcançar, pelo que, fazendo apelo ao princípio “pro actione”, genericamente previsto no artigo 7º do CPTA, não se afigura de todo impossível conhecer do mérito do recurso, mau grado os recorrentes terem intencionalmente omitido as pertinentes alegações.
VI – Incorre em erro de julgamento a decisão que não contabilizou na contagem do prazo previsto no artigo 58º, nº 2, alínea b) do CPTA, a suspensão motivada pelas férias judiciais da Páscoa, decorrente da remissão que o nº 3 daquela norma faz para o regime aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil [artigo 138º do CPCivil].
VII – Tendo a notificação da deliberação impugnada ocorrido em 2-4-2014 [cfr. ponto viii. da sentença], o prazo para a respectiva impugnação teve o seu termo inicial no dia 3-4-2014 e correu ininterruptamente até ao dia 12-4-2014, até se suspender, nos termos do artigo 5º, nº 3 do CPTA e do artigo 138º, nº 4 do CPCivil, entre os dias 13 e 21 de Abril, inclusive, por força das férias judiciais da Páscoa.
VIII – Após a aludida suspensão, a respectiva contagem foi retomada no dia 22-4-2014, tendo terminado no dia 10-7-2014 [ou seja, passados 80 dias], data em que os recorrentes, via e-mail, remeteram ao TAC de Lisboa a petição inicial da acção principal de que o presente processo depende.
IX – Tendo a acção principal dado entrada em juízo no 90º dia do prazo a que alude a alínea b) do nº 2 do artigo 58º do CPTA, ou seja, no último dia do prazo que a parte tinha para o efeito, não caducou o direito de interposição desse meio contencioso principal, não ocorrendo por conseguinte a extinção da instância cautelar, por inutilidade superveniente da lide.

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
Gonçalo ……………………………………………, com os sinais dos autos, e outros, intentaram no TAC de Lisboa, ao abrigo do artigo 132º, e da alínea a) do nº 2 do artigo 112º, ambos do CPTA, uma providência cautelar de suspensão de eficácia de acto relativo à formação de contrato contra o Município de Mafra, na qual formularam os seguintes pedidos:
a) A suspensão do procedimento de formação/celebração/execução de contrato a que se refere a Deliberação da Câmara Municipal de Mafra, de 21-3-2014 – concessão do direito de exploração do espaço de refeições e bebidas, sito na Praia de Ribeira D´Ilhas – no sentido de impedir que sejam causados danos a direitos e interesses legítimos dos requerentes;
b) A suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Mafra, de 21-3-2014, referente à concessão do direito de exploração do espaço de refeições e bebidas, sito na Praia de Ribeira D´Ilhas;
c) Decretar o direito provisório dos requerentes, até à decisão a proferir na acção principal de impugnação da referida deliberação e de norma administrativa [plano de pormenor da Ribeira D´Ilhas], a explorar as instalações construídas parcialmente na sua propriedade e a prestar os serviços referidos na deliberação, tudo nos termos constantes do regime do concurso aí previsto, devidamente adaptado às especificidades da situação e ao facto de estarmos perante uma forma de reparação do seu direito fundamental de propriedade privada e à justa indemnização devida aos requerentes pela expropriação da sua propriedade/locatários financeiros e estabelecimento comercial.
Os requerentes indicaram como contra-interessados os 14 concorrentes ao aludido concurso.
O TAC de Lisboa, por sentença datada de 3-10-2014, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide [cfr. fls. 1172/1194 dos autos].
Inconformados, os requerentes recorrem para este TCA Sul, em requerimento onde se abstiveram de apresentar alegações mas no qual formularam as seguintes conclusões:
1ª – Conforme ficou alegado e demonstrado pelos requerentes como a própria entidade requerida confirma e a sentença "sub iudice" deu como provado [cfr. facto 8 da sentença], os requerentes foram notificados do conteúdo integral da deliberação impugnada em 2-4-2014;
2ª – De facto, em 2013, os requerentes tiveram conhecimento que o requerido pretendia promover um concurso para ceder a exploração de parte das instalações que a Câmara Municipal de Mafra construiu na propriedade dos autores, pelo que em 6-3-2013 requereram ao requerido informações relativas a esse concurso – cfr. docs. 26 e 27 juntos à petição inicial;
3ª – O requerido não prestou aos autores as informações requeridas, tendo estes peticionado a este douto Tribunal a intimação do mesmo para o efeito [processo nº 770/136BELSB]. O requerido respondeu a essa petição informando que ainda não haviam sido elaborados quaisquer documentos ou praticados quaisquer actos para o efeito, pelo que nada podia disponibilizar, o que foi aceite pelos autores;
4ª – Em 30-4-2013, em 1-7-2013 e em 26-2-2014, os autores voltaram a peticionar informações relativas ao concurso que o requerido pretendia lançar relativamente à exploração das instalações construídas na propriedade dos mesmos – cfr. doc. 28 junto da petição inicial e factos 1 e 3 da Sentença;
5ª – Em resposta àquelas solicitações dos requerentes de Abril e de Julho de 2013, o requerido respondeu com os ofícios de 14-5-2013 e de 17-7-2013, assumindo aí expressamente o seguinte (i) …pelo que oportunamente será informado para proceder ao levantamento das certidões em causa…e (ii) "reiterando-se, tal como já lhe foi transmitido, que quando forem praticados os actos em causa, será emitida a certidão requerida" – cfr. factos 2 e 4 da sentença;
Deste modo, a entidade requerida assumiu e reiterou perante os requerentes que essa notificação seria efectuada logo que o acto fosse praticado. Deste modo, os requerentes legitimamente aguardaram que aquela notificação ocorresse e, na sua ausência, insistiram na mesma, que, conforme o requerido assume [artigo 8º da contestação], ocorreu no dia 2-4-2014 – cfr. doc. 1 junto à p.i. e facto 8 da sentença];
Nesta perspectiva, porque requereram expressamente a notificação desta deliberação e porque o requerido assumiu que os notificaria, os autores sempre deverão ser tidos como interessados na mesma, nos termos e para os efeitos do artigo 66º, alínea a) do CPA [e do artigo 268º, nº 3, da Constituição];
6ª – Ao contrário do que ficou decidido na sentença "sub iudice", os requerentes não deixaram de impugnar a deliberação de 21-3-2014 no prazo de 3 meses previsto para o efeito, pois fizeram-no em 10-7-2014 [cfr. facto 10 da sentença]. De facto, o prazo iniciou a sua contagem no dia 3-4-2014 e correu até ao dia 12-4-2014 [9 dias]; depois nos termos do artigo 5º, nº 3 do CPTA e do artigo 138º, nº 4 do CPC, o prazo esteve suspenso entre os dias 13 e 21 de Abril, inclusive [férias judiciais da Páscoa], retomando a sua contagem no dia 22-4-2014, tendo terminado no dia 10-7-2014 [81 dias], data em que os requerentes, por e-mail, remeteram ao Tribunal a petição inicial da acção principal de que o presente processo depende.
Isto é, na contagem do prazo de 3 meses o Tribunal, por erro, não atendeu a que esse prazo se suspende no referido período de férias judiciais [artigo 58º, nº 3 do CPTA, artigo 138º, nº 4 do CPC e artigo 28º da LOSJ];
7ª – De qualquer modo, noutra perspectiva, a notificação desta deliberação ao ……… e aos requerentes também era legalmente exigida pelo artigo 66º, alínea c) do CPA [e artigo 268º, nº 3 da Constituição] pois, relembre-se, a data em que a mesma foi proferida [e ainda hoje] o …………. era o proprietário e os autores proprietários/locatários financeiros do terreno onde as instalações em causa foram construídas, logo sempre seriam interessados no procedimento administrativo e no acto administrativo onde foi decidido constituir a favor de terceiros direitos sobre este terreno. De facto, um acto administrativo com estes efeitos [constituição a favor de terceiros direitos sobre o terreno de que o ………. era formal proprietário e os autores proprietários/locatários financeiros] cabe de pleno na previsão normativa desta alínea c) do artigo 66º do CPA [e do nº 3 do artigo 268º da Constituição]: "Interessados no acto podem não ser apenas o(s) seus destinatário(s) directo(s), devendo considerar-se também a produção de efeitos relativamente a terceiros indirectamente afectados [actos com efeitos externos, duplos ou triplos" – Gomes Canotilho – Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra Editora, págs. 935;
8ª – Assim, importa concluir, a acção administrativa especial de impugnação desta deliberação foi interposta em tempo tendo os requerentes respeitado o prazo de 3 meses previsto no artigo 58º, nº 2, alínea b) do CPTA, contado nos termos determinados no artigo 58º, nº 3 do CPTA, no artigo 138º, nº 4 do CPC e no artigo 28º da LOSJ.” [cfr. fls. 1224/1229 dos autos].
O Município de Mafra apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões:
A) Nos termos da lei processual, aos recorrentes incumbiam três ónus: (i) o ónus de delimitar o âmbito do recurso, (ii) o ónus de alegar e (iii) o ónus de, no final das alegações de recurso, formular conclusões [cfr. artigos 635º e 639º do novo CPC, aplicáveis "ex vi" artigo 140º do CPTA]; sendo que, no presente recurso os recorrentes não apresentaram alegações, "limitando-se" apenas a delimitar o âmbito do recurso e a formular conclusões, incumprindo, assim, o ónus de alegar, quando as alegações devem ser apresentadas, desde logo, conjuntamente com o requerimento de interposição de recurso.
B) Não o tendo feito, os recorrentes excederam o prazo legalmente concedido para a apresentação das alegações no âmbito de um recurso interposto de uma sentença proferida em sede cautelar, ou seja, o prazo de 15 dias [cfr. artigos 144º, nº 2 e 147º, nº 1 do CPTA], prazo, este, que terminou no dia 24 de Outubro de 2014, uma vez que a sentença recorrida se deve presumir notificada a 9 de Outubro de 2014, do que decorre não dever ser admitido o recurso e, consequentemente, não ser conhecido o respectivo objecto.
C) Apesar de os recorrentes terem delimitado o âmbito do recurso a um alegado erro sobre os pressupostos, das conclusões apresentadas o que se retira é a imputação de dois erros de julgamento à sentença recorrida: (i) erro de julgamento por o Tribunal "a quo" não ter considerado que a Deliberação da Câmara Municipal de 21-3-2014, deliberação impugnada em sede de acção administrativa principal, devia ter sido notificada aos recorrentes nos termos da alínea a) e alínea c) do artigo 66º do CPA, e (ii) erro de julgamento por o Tribunal "a quo" alegadamente não ter atendido à suspensão da contagem do prazo de 3 meses referido no artigo 58º, nº 2, alínea b) do CPTA, durante o período de férias judiciais.
D) Ora, se o acto a impugnar em sede de acção principal, se trata de uma deliberação que aprovou a abertura de procedimento concursal para a formação de contrato, então, tal acto é um acto que está sujeito a publicação obrigatória, o que no caso da aludida Deliberação ocorreu no Diário da República, 2ª Série, nº 59, de 25-3-2014.
E) E se tal acto é um acto de publicação obrigatória e o recorrido não notificou os recorrentes daquele acto, nem tão-pouco assumiu perante os mesmos a obrigação de os notificar, então não houve qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal "a quo" ao não considerar que a deliberação em causa devia ter sido notificada aos recorrentes nos termos das alíneas a) e c) do artigo 66º do CPA.
F) Conforme resulta da factualidade assente, a única obrigação assumida pelo recorrido, e porque os recorrentes assim o pediram, foi a de remeter aos recorrentes uma cópia certificada daquela deliberação, o que fez, satisfazendo, assim, a pretensão formulada pelos recorrentes.
G) Ora, nos termos do artigo 66º do CPA, a obrigação de notificar só existe nos casos ali expressamente previstos, onde não se inclui a deliberação suspendenda, na medida em que não constitui nem um acto que tenha decidido uma qualquer pretensão formulada pelos recorrentes nem um acto que tenha criado, extinguido, aumentado ou diminuído direitos ou interesses legalmente protegidos dos recorrentes.
H) Em face das conclusões dos recorrentes com relação à alínea c) do artigo 66º do CPA, sempre se dirá que têm tanto direito ou interesse em participar do procedimento concursal os recorrentes como qualquer outro administrado, não ficando "potenciado" o direito dos recorrentes pelo facto de o espaço de refeições e bebidas objecto da concessão se situar numa parcela de terreno, da qual os mesmos foram locatários – sendo que o contrato de locação financeira que titulava a qualidade dos recorrentes enquanto locatários previa a respectiva caducidade no caso de expropriação total do imóvel locado, precisamente o que ocorreu com a parcela em questão.
I) Também não houve qualquer erro de julgamento por o Tribunal "a quo" alegadamente não ter atendido à suspensão da contagem do prazo de 3 meses do artigo 58º, nº 2, alínea b) do CPTA durante o período das férias judiciais da Páscoa; aliás, nada na sentença recorrida permite concluir que o Tribunal "a quo" assim tenha feito.
J) Com efeito, e uma vez que a deliberação suspenda se trata de um acto cuja publicação é obrigatória, a contagem do aludido prazo de 3 meses iniciou-se a partir da data da publicação da mesma, ou seja, a partir do dia 25 de Março de 2014 [cfr. artigo 59º, nº 1 do CPTA].
K) Desde o dia 25 de Março até ao dia 12 de Abril de 2014 – data em que se iniciou o período de férias judiciais da Páscoa – decorreram 18 dias, acrescendo a estes 18 dias os 81 dias contabilizados desde o primeiro dia após o término das férias [dia 22 de Abril de 2014] até ao dia 10 de Julho de 2014 – data em os autores deram entrada da acção principal onde impugnaram a deliberação da Câmara de 25-3-2014; o resultado da soma destes dias [99 dias] permite concluir que, considerada a suspensão da contagem do prazo de 3 meses no período de férias, de facto, à data em que os autores intentaram a acção principal já o respectivo direito de acção tinha caducado.
L) E tendo em conta o carácter instrumental e provisório das providências cautelares, quando perante um pedido de suspensão de um acto se encontre verificada a excepção de caducidade do direito a impugnar esse acto, o prosseguimento dos autos cautelares só pode ser julgado inútil e, mais concretamente, por inutilidade superveniente da lide [cfr. artigo 277º do CPC], tal como entendeu, e bem, o Tribunal "a quo" no âmbito dos presentes autos cautelares.” [cfr. fls. 1278/1290 dos autos].
Finalmente, também o contra-interessado Ulisses ……………………………………. contra-alegou, tendo concluído no sentido do improvimento do recurso [cfr. fls. 1295/1306 dos autos].
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento [cfr. fls. 1320/1323 dos autos].
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. Em 30-4-2013, o requerente Gonçalo …………………………, na qualidade de expropriado, através do seu mandatário, solicitou à Câmara Municipal de Mafra [doravante CMM] que fossem disponibilizadas certidões, logo que fossem praticados, dos seguintes actos:
1) da decisão que determine a forma de exploração das instalações em construção na parcela expropriada nº 167;
2) da decisão de contratar prevista no artigo 36º do CCP; e,
3) da decisão de escolha do procedimento.” – cfr. fls. 440-442 dos autos, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
ii. Em resposta, por ofício da CMM, de 14-5-2013, o pedido foi deferido dando conta àquele requerente que, oportunamente, seria informado para proceder ao levantamento das certidões em causa, uma vez que ainda não tinham sido praticados os actos sobre os quais recai[u] o pedido – cfr. fls. 1098 dos autos, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
iii. Em 1-7-2013 e em 26-2-2014, para além de reiterar os pedidos referidos em i., o requerente Gonçalo …………………….. solicitou à CMM informação sobre qual o tipo de contrato que se pretende celebrar com o procedimento concursal que irá ser promovido e qual o procedimento concursal que será adoptado – cfr. fls. 443-446 e 447-450 dos autos, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
iv. Por ofício de 18-7-2013, a CMM, na sequência do pedido de 1-7-2013, informou o requerente Gonçalo ………………………… de que não houve qualquer desenvolvimento quanto à ultima informação prestada, reiterando que, tal como já lhe tinha sido transmitido, quando forem praticados os actos em causa, será emitida a certidão requerida – cfr. fls. 1099 dos autos, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
v. Em reunião de 21-3-2014, na sequência da Informação Interna nº 2014/3377 elaborada pela Área de Contratação Pública e Aprovisionamento, a CMM deliberou a abertura de procedimento por concurso público, nos termos do artigo 31º, nº 1 do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo DL nº 18/2009, de 29 de Janeiro, para a formação de contrato para a “Concessão do Direito de Exploração do Espaço de Refeições e Bebidas, sito na Praia de Ribeira D´Ilhas”, bem como a aprovação do programa de procedimento e caderno de encargos – cfr. fls. 46-66 dos autos, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
vi. Por anúncio publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 59, de 25-3-2014, o Município de Mafra abriu concurso público para formação de contrato para a concessão do direito de exploração do espaço de refeições e bebidas, sito na Praia de Ribeira D´Ilhas, Mafra – Ericeira, com o preço base de € 84.000,00 e por um prazo de 84 meses a contar da celebração do contrato – cfr. fls. 609-611 dos autos, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
vii. Do programa de procedimento [ponto 23] e do caderno de encargos extraem-se os pontos 23 e 25, respectivamente, onde se pode ler que:
Para todas as matérias não expressamente reguladas, relativas ao processo de concurso e ao cumprimento do contrato, observar-se-á o disposto no CCP e demais legislação aplicável.” – cfr. fls. 54 [verso] e 60 [verso] dos autos, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
viii. Em 2-4-2014 foi entregue aos requerentes certidão da deliberação tomada em reunião da CMM, realizada em 21-3-2014, bem como da Informação/Interna nº 2014/3377, datada de 17-3-2014, assim como do programa de procedimento de o caderno de encargos – cfr. fls. 45 a 66 dos autos, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
ix. Em 12-6-2014 os requerentes intentaram o presente processo cautelar contra a deliberação da CMM de 21-3-2014 [referida em v.] – cfr. fls. 2-3 dos autos, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
x. Por e-mail, de 10-7-2014, os requerentes remeteram ao Tribunal a acção principal de que o presente processo depende, cujo teor se considera como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – cfr. fls. 1100-1103 dos autos e fls. 6 a 35 dos autos do Processo nº 1658/14.9BELSB [em suporte de papel].

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como decorre do exposto, os recorrentes intentaram no TAC de Lisboa uma providência cautelar de suspensão de eficácia de acto relativo à formação de contrato, contra o Município de Mafra, na qual peticionaram a suspensão do procedimento de formação/celebração e execução de contrato a que se refere a deliberação da Câmara Municipal de Mafra, de 21-3-2014, e bem assim o decretamento do direito provisório dos requerentes a explorar as instalações ali referidas.
O TAC de Lisboa, por sentença datada de 3-10-2014, julgou extinta a instância cautelar por inutilidade superveniente da lide, com fundamento na verificação da excepção de caducidade do direito de interposição do meio contencioso principal [cfr. fls. 1172/1194 dos autos].
É dessa decisão que vem interposto recurso jurisdicional para este TCA Sul.
Porém, e ainda antes de se apreciar o respectivo mérito, há que emitir pronúncia sobre se o mesmo está ou não em condições de ser apreciado, uma vez que quer o Município de Mafra quer o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul suscitaram a questão da não admissibilidade do mesmo, por se mostrar destituído da respectiva motivação, embora apresente conclusões que apontam no sentido da revogação da decisão recorrida.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 140º do CPTA, a lei processual civil é, nos precisos termos ali referidos, aplicável aos recursos das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos.
Assim, face ao disposto nos artigos 635º e 639º CPCivil, cabe ao recorrente o ónus de delimitar o âmbito do recurso, de alegar e de formular as respectivas conclusões.
Porém, como sustenta António Abrantes Geraldes, na obra “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição, 2014, a págs. 122, só a falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso, por parte do juiz “a quo”, tal como prescreve o artigo 641º, nº 2, alínea b) do CPCivil. Ainda segundo o mesmo autor, “quanto ao conteúdo mínimo que deve ser respeitado, a lei apenas contém solução expressa relativamente ao segmento das conclusões, a tal circunscrevendo também a possibilidade de ser emitido despacho de aperfeiçoamento pelo relator, cujo não acatamento pode ser determinante da rejeição do recurso” [idem].
Do exposto resulta, em nosso entender, que a falta do corpo alegatório só será causa do não conhecimento do recurso, por ineptidão do respectivo requerimento de interposição, se não for possível retirar das conclusões formuladas pelo recorrente o objectivo que este visa com o recurso e os efeitos jurídicos que pretende alcançar.
Ora, no caso presente, a mera leitura das conclusões formuladas permite, ainda assim, perceber quais os motivos da discordância dos recorrentes face ao decidido e qual o efeito jurídico que pretendem alcançar, pelo que, fazendo apelo ao princípio “pro actione”, expressamente previsto no artigo 7º do CPTA, não se afigura de todo impossível conhecer do mérito do presente recurso, mau grado os recorrentes terem intencionalmente omitido as pertinentes alegações.
Por conseguinte, nada obsta ao conhecimento do mesmo, que se fará de seguida.
Como se viu, a decisão recorrida considerou que os recorrentes e requerentes da providência não tinham instaurado a acção principal de que esta depende dentro do prazo a que legalmente estavam obrigados, e previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 58º do CPTA, ou seja, no prazo de três meses após a notificação do acto cuja impugnação pretendem efectivar.
E, como tal, concluiu que ocorria uma causa de extinção da instância cautelar por inutilidade superveniente da lide, com fundamento na verificação da excepção de caducidade do direito de interposição do meio contencioso principal.
Afigura-se, porém, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, na medida em que não contabilizou na contagem do prazo previsto no artigo 58º, nº 2, alínea b) do CPTA, a suspensão motivada pelas férias judiciais da Páscoa, decorrente da remissão que o nº 3 faz para o regime aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil [cfr. o disposto no artigo 138º do CPCivil].
Disso mesmo dão nota Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, 2010, a págs. 388, em anotação ao artigo 58º, nos seguintes termos:
A remissão do preceito em análise para o nº 4 do artigo 144º do CPC [actualmente artigo 138º] implica, tal como resulta do nº 1 deste último artigo, a aplicação da regra da continuidade dos prazos e da sua suspensão em férias judiciais, "salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processo que a lei considere urgentes".
A alteração em relação ao regime anterior é significativa: o prazo mais curto [de três meses] passa a suspender-se nas férias judiciais, enquanto que o prazo mais longo [de um ano], por se encontrar abrangido pela ressalva contida na parte final do nº 1 do artigo 144º do CPC, conta-se continuamente. Deve, entretanto, entender-se que a suspensão do prazo nas férias judiciais transforma o referido prazo de três meses no prazo de 90 dias, para o efeito de nele serem descontados os dias de férias judiciais que eventualmente fiquem abrangidos”.
Deste modo, a análise da factualidade dada como assente pela decisão recorrida permite concluir, ao contrário do aí decidido, que os recorrentes não deixaram de impugnar a deliberação da CMM, de 21-3-2014, no prazo de 3 meses [rectius, 90 dias, por força da suspensão do mesmo operada pela interposição das férias judiciais da Páscoa] previsto para o efeito, na medida em que a acção principal foi interposta em 10-7-2014 [cfr. ponto x. da sentença].
Ora, tendo a notificação da deliberação impugnada ocorrido em 2-4-2014 [cfr. ponto viii. da sentença], o prazo para a respectiva impugnação teve o seu termo inicial no dia 3-4-2014 e correu ininterruptamente até ao dia 12-4-2014 [devendo ser contabilizados 10 dias e não 9, como defendem os recorrentes], até se suspender, nos termos do artigo 5º, nº 3 do CPTA e do artigo 138º, nº 4 do CPCivil, entre os dias 13 e 21 de Abril, inclusive, por força das férias judiciais da Páscoa. Após a aludida suspensão, a respectiva contagem foi retomada no dia 22-4-2014, tendo terminado no dia 10-7-2014 [ou seja, passados 80 dias], data em que os recorrentes, via e-mail, remeteram ao TAC de Lisboa a petição inicial da acção principal de que o presente processo depende.
Assim, tendo a acção principal dado entrada em juízo no 90º dia do prazo a que alude a alínea b) do nº 2 do artigo 58º do CPTA, ou seja, no último dia do prazo que a parte tinha para o efeito, é evidente que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, pois na contagem que efectuou não atendeu a que esse prazo se suspendeu no referido período de férias judiciais da Páscoa, de acordo com o previsto nos artigos 58º, nº 3 do CPTA, 138º, nº 4 do CPCivil e 28º da LOSJ.
Por conseguinte, o presente recurso é inteiramente procedente, devendo em consequência os autos baixar ao TAC de Lisboa, para aí prosseguirem, com a apreciação do mérito da providência cautelar formulada, se a tanta nada mais obstar.

IV. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao TAC de Lisboa, para aí prosseguirem, se a tanto nada mais obstar.

Custas a cargo da entidade recorrida e do contra-interessado.
Lisboa, 17 de Setembro de 2015


[Rui Belfo Pereira – Relator]


[Pedro Marchão Marques]


[Helena Canelas


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