quinta-feira, 8 de outubro de 2015

EMPREITADA POR PREÇO GLOBAL – SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA – VIOLAÇÃO DO PRAZO CONTRATUAL - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO



Proc. Nº  03682/08     TCASul   17  Set  2015

1. A empreitada é por preço global quando o seu preço é previamente determinado para todos os trabalhos a executar, pelo que, para a sua fixação não existem operações ulteriores, designadamente de cálculo e medição – cfr. artº 8º nº 1 a) DL 59/99, 02.03 (RJEOP/99).
2. A multa estipulada no artº 201º RJEOP/99 funciona como uma cláusula penal de natureza compulsória para a falta de cumprimento pontual do contrato no prazo fixado, imputável ao empreiteiro.
3. O acto de consignação marca, em princípio, o começo de contagem do prazo contratual dentro do qual o empreiteiro há-de executar a obra - cfr. artº 151º nº 1 RJEOP/99.
4. Sem que sejam facultados ao empreiteiro os locais onde hajam de ser executados os trabalhos e as peças escritas e desenhadas complementares do projecto necessárias para que possa proceder-se à execução, não há consignação, e, sem esta, não se inicia a contagem do prazo contratual - cfr. artº 150º RJEOP/99.
5. A impugnação em sede de recurso da matéria de facto levada ao probatório implica por parte do recorrente o ónus de “especificar obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que em sua opinião impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adoptada pela decisão recorrida” – vd. artº 685º -B, nº 1 a) e b) CPC – ónus que se impõe em igual medida sobre o recorrido quando exerça esta faculdade - vd. artºs. 684º-A nº 2 e 685-B nº 5, CPC. 


…………………………………………………, Lda e …………………………………….., Lda., ambas com os sinais nos autos, inconformadas com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dela vêm recorrer, concluindo como segue:

1. A decisão recorrida não julgou como deveria nem aplicou como devia fazer o direito à matéria de facto, bem como não aplicou em consequência o direito.
2. Naquele silogismo jurídico entre os factos e o direito, não concluiu com uma decisão coerente, lógica e de acordo com a prova produzida, acabando por prejudicar objectivamente a recorrente, porque dos factos provados não deveria ter julgado a acção totalmente improcedente.
3. O Tribunal «a quo» ao dar como provado a matéria que está nos quesitos: F, CC, DD, EE, GG, PP, RR, SS, TT, UU, W, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, HHH, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, TTT, GGGG, X, Z, V, já identificados nos pontos l a 47, tinha obrigatoriamente de condenar a Ré.
4. A Ré ao ter aprovado o projecto de execução da obra com 35 dias de atraso; ter mandado executar a estrada exterior da ETAR, que estava pronta em Janeiro de 2005 atirando a sua conclusão para Fevereiro de 2005, implicitamente prorrogaram a conclusão da obra; e os ………… não terem tido qualquer prejuízo pelo facto de a obra só ter ficado pronta em Fevereiro de 2005, uma vez que só em Maio de 2006 a ETAR entrou em funcionamento, só por si já era suficiente para o tribunal "a quo" não ter absolvido a Ré.
5. Os ……….. ordenaram a realização de trabalhos a mais sem o terem feito por escrito, em violação da lei e arrastando a Ré para a mesma situação, mas com a diferença que a Ré foi absolvida, mesmo violando a lei e por violação idêntica as AA foram as únicas prejudicadas.
6. A matéria dada como provada e o referido nas letras D) e E) teriam de levar o tribunal " a quo" a anular a multa por não haver margem para qualquer outra decisão.
7. O mesmo acontecendo com os trabalhos a mais, pois a Ré não pode ficar impune, depois de ter mandado executar as obras, estar a beneficiar delas e ter violado a lei.
8. Assim, a douta sentença impugnada enferma dos seguintes vícios: não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; os fundamentos estão em oposição com a decisão tomada; existe omissão de pronúncia sobre questões que deveria ter apreciado, tudo o que acarreta a respectiva nulidade nos termos do artº 668 nº l alíneas b), c) e d), respectivamente, do C.P.C.
9. A sentença violou ainda o disposto nos artigos 159.°, 63.° n.° 3 e 4, 198.°, 201.° n.° 3, 26.° n.° 2 e 27.°, todos do Decreto-lei 59/99.

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O Município de Sintra contra-alegou, concluindo como segue:

1. A sentença recorrida especificou a fundamentação de facto e de direito (Cfr. págs 6 a 30), concluindo na decisão tomada de forma lógica o seu raciocínio jurídico quanto à aplicação do direito aos factos e resolveu as duas questões postas ao tribunal (aplicação da multa contratual e realização de trabalhos a mais), pelo que, não padece do vicio de nulidade apontadas pelas AA/Recorrentes, não tendo violado o disposto no art° 668°, n° l, alíneas b), c) e d), do C.P.C., aplicável"ex vi"art° l° do C.P.T.A.
2. A aplicação da multa contratual é manifestamente legal à face do disposto no art° 201° do R.J.E.O.P., aprovado pelo Dec-Lei 59/99, de 2 de Março, porquanto a obra deveria ter sido acabada em 9 de Setembro de 2004, sendo que só foi concluída em 24 de Fevereiro de 2005, por motivos imputáveis às AA/Recorrentes, as quais só entregaram os últimos projectos para a execução da obra em 30/04/2004 (data em que puderam ser aprovados pelo dono da obra); só iniciaram a obra em 26/4/2004; não fizeram os estudos geotécnicos que lhes competia necessários à elaboração do projecto e execução da obra; tiveram de adaptar a maior parte do projecto de execução durante a realização e em reuniões da obra; o projecto de execução que elaboraram não era, na sua maior parte, exequível no espaço de terreno disponível o que obrigou a muitas alterações na implantação dos órgãos/equipamentos.
3. As AA/Recorrentes foram alertadas, por diversas vezes, pelos …………….. para o não cumprimento do plano de trabalhos, da carga de pessoal e de equipamento em obra durante a execução dos trabalhos, o que não permitiria cumprir o prazo definido para a empreitada.
4. A construção do traçado definitivo de acesso exterior à ETAR é uma questão menor, que não atrasou a realização da empreitada, só tendo sido efectuada em Janeiro de 2005 porque a empreitada não estava concluída
5. Apesar de a empreitada ter sido concluída em 24/2/2005 e efectuada a sua recepção provisória em 21/7/2005, as AA/Recorrentes só em 02/08/2005 apresentaram uma lista de trabalhos a mais, em absoluto desrespeito do disposto no art° 202° e ss. do DL 59/99, de 2/3, quanto à realização dos trabalhos, elaboração do respectivo auto, intervenção da fiscalização do dono da obra, etc.
6. As AA/Recorrentes também não lograram provar o valor de eventuais trabalhos adicionais da empreitada, surgindo a reclamação dos mesmos como mera "retaliação" à aplicação da multa contratual

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.


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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

A. As Autoras estão em relação de consórcio, tendo como objectivo a execução da empreitada de ampliação da ETAR - Estação de Tratamento de Águas Residuais de Montelavar, concelho de Sintra (cfr doe n° l junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea A) dos factos assentes).
B. A empreitada para «Saneamento da Bacia Norte/Nordeste - Ampliação da ETAR de Montelavar» foi adjudicada, por deliberação do Conselho de Administração dos ………………… de 15.9.2003, ao consórcio formado pelas Autoras para este efeito, através do contrato n° 21/2003, de 17.11.2003 (cfr doe n° 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea B) dos factos assentes).
C. O referido contrato foi outorgado pelo Presidente do Conselho de Administração dos ……………, em representação do Município de Sintra, por delegação de competência, nos termos do Despacho n° 31-P/2002, de 25.2 (cfr doe n° 2 junto com a petição inicial), (alínea C) dos factos assentes).
D. A empreitada foi contratada no regime de concepção/execução, por preço global de €: 562.399,13, mais IVA (cfr doe n° 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea D) dos factos assentes).
E. Com um prazo de execução de 270 dias contados a partir da data do auto de consignação dos trabalhos (cfr doe n° 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea E) dos factos assentes).
F. O auto de consignação foi assinado em 15.12.2003 (cfr doe n° 23 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea F) dos factos assentes).
G. Na sua proposta o Consórcio considerou duas soluções técnicas:
a) implantação dos órgãos a uma cota em que as paredes não ficassem enterradas, o que obrigava à construção de uma estação elevatória,
b) implantação da obra nas cotas necessárias ficando os órgãos mais enterrados (resposta ao quesito 1° da base instrutória).
H. A proposta de preço elaborada pelo Consórcio foi referida à primeira solução, implicando menor escavação, menor custo de obra e menor quantidade de materiais aplicada, (resposta ao quesito 2° da base instrutória).
I. No projecto inicial do Consórcio a câmara para o medidor de caudal estava prevista junto à obra de entrada e indicada com o n° 13 no desenho n° 3 (cfr doe n° l o junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea I) dos factos assentes).
J. O projecto inicial do Consórcio tinha previsto um arruamento periférico, por trás dos digestores (admissão por acordo e doe n° 10 junto com a petição inicial), (alínea J) dos factos assentes).
K. No desenho do projecto base posto a concurso pelos …….., à escala 1/200, apresentado em anexo com o n° 1715 a distância entre as paredes exteriores dos dois tanques de arejamento representados era de 4 metros (cfr doe n° 16 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea K) dos factos assentes).
L. O projecto inicial do Consórcio previu a distância entre as paredes exteriores dos dois tanques de arejamento de 4 metros (admissão por acordo e doe n° 10 junto com a petição inicial), (alínea L) dos factos assentes).
M. A empreitada contemplava a construção de uma estrada (interior) de acesso à ETAR (resposta ao quesito 46° da base instrutória).
N. A distância de 4 metros entre as paredes exteriores dos dois tanques de arejamento, prevista no projecto inicial do Consórcio, permitiu projectar um arruamento com 2,5 metros de largura, suficiente para a circulação de um veículo pesado junto daqueles órgãos de tratamento da ETAR (resposta ao quesito 12° da base instrutória).
O. No desenho n° 1715 que acompanhava o Caderno de Encargos o decantador primário estava representado à distância de 6 metros do decantador existente (admissão por acordo e doe n° 16 junto com a petição inicial), (alínea M) dos factos assentes).
P. No projecto inicial do Consórcio estava previsto um arruamento exterior à ETAR, com acesso à outra margem da linha de água, com o traçado indicado com os n° 14 e 16 no desenho n° 3 do doe n° 10, junto com a petição, que aqui se dá por reproduzido, (alínea N) dos factos assentes).
Q. No projecto inicial do Consórcio a localização do poço de bombagem do efluente tratado foi prevista numa posição simétrica em relação aos decantadores secundários, como se pode ver no desenho n° 3, junto como doe n° 10 com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, (alínea O) dos factos assentes).
R. Os ……… adjudicaram a solução proposta pelo Consórcio de implantação da obra nas cotas necessárias ficando os órgãos mais enterrados, evitando a construção de uma estação elevatória, (resposta ao quesito 3° da base instrutória).
S. Os ……… adjudicaram para execução a solução que eliminava o poço de bombagem do afluente e projectava a construção da nova linha de tratamento à mesma cota da existente (resposta ao quesito 34° da base instrutória).
T. A adjudicação da solução em que os órgãos estariam mais enterrados obrigou à reformulação de projectos, novo estudo de implantação dos órgãos e redimensionamento das estruturas de betão armado (resposta ao quesito 4° da base instrutória).
U. A construção da nova linha de tratamento à cota da existente implicou mais movimentação de terras, mais betão armado (resposta ao quesito 37° da base instrutória).
V. A adjudicação da solução em que os órgãos estariam mais enterrados obrigou a haver mais movimento de terras, maior volume de mão de obra, mais materiais e a partir da cota dos 3,50m, que era a cota onde terminava a primeira solução, passou a haver rocha dura, o que levou a que as escavações tivessem durado quatro meses a executar com utilização de mais e mais dispendiosos meios humanos e técnicos (resposta ao quesito 5° da base instrutória).
X. Cabia ao Consórcio a realização do estudo geotécnico necessário à elaboração do projecto e execução da obra (cfr doe nº 8 - Caderno de Encargos - junto com a petição inicial e doe n° 19 - Memória para concepção e projecto - junto com a contestação), (alínea PT) dos factos assentes).
Z. Os ……… não forneceram dados geotécnicos do terreno (resposta ao quesito 52° da base instrutória).
AA. Caso existisse necessidade de estudo geotécnico caberia ao Consórcio a sua realização, (resposta ao quesito 53° da base instrutória).
BB. Na proposta do Consórcio existe em todos os órgãos o item de transporte de terras a vazadouro, (resposta ao quesito 50° da base instrutória).
CC. O Consórcio entregou projecto de execução da obra em 27.2.2004, o projecto de electricidade em 30.3.2004, projecto de estruturas em 21.4.2004 e cópias do projecto de estabilidade do betão em 30.4.2004 (cfr doe n° 7, parte final, junto com a petição inicial e does n° 5, 6, 7 juntos com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea G) dos factos assentes).
DD. O Plano de Trabalhos e o Plano de Pagamentos foram recebidos nos ……. a 27.2.2004 e foram aprovados pelo Conselho de Administração dos ……… em 15.3.2004, que comunicou a aprovação ao Consórcio, por ofício n° 007697, em 25.3.2004 (cfr doe n° 22 junto com a petição inicial e does 15 a 18 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea H) dos factos assentes).
EE. Antes de 26.4.2004, os ……. não aprovaram formalmente o projecto de execução da obra entregue em 27.2.2004 (resposta ao quesito 6° da base instrutória).
FF. O Consórcio iniciou os trabalhos apenas com base no anteprojecto e em meras instruções verbais (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
GG. O Consórcio iniciou a obra em 26 de Abril de 2004 (resposta ao quesito 8° da base instrutória).
HH. O Consórcio iniciou a montagem do estaleiro em Abril de 2004 por só depois da comunicação da aprovação do Plano de Trabalhos em 25.3.2004 o poder fazer (resposta ao quesito 9° da base instrutória).
II. O projecto de execução entregue pelo Consórcio em 27.2.2004 teve necessidade de ser adaptado, sendo a maior parte da sua execução resolvida em reuniões de obra (resposta ao quesito 42° da base instrutória).
JJ. Em 6.5.2004, os ……… dirigiram à 1a Autora o ofício n° 012329, com o seguinte teor:
«Na sequência da reunião havida na passada sexta-feira, dia 30 de Abril onde estiveram presentes por parte da …….. a Dra Lúcia…………. e o Eng Gonçalves………..., por parte da …………. o Eng André e pelos ………. de Sintra a Eng Ana ………, Eng Paula ………. e o Técnico Prof de Construção Civil Jorge ……… e por forma a não atrasar o início das obras, ficou acordado o seguinte no que respeita ao projecto (de execução) apresentado:
- o arruamento entre arejadores terá de ter 4m e entre paredes exteriores dos tanques de arejamento terá de existir uma largura de 6m.
- Deverá ser estudado, pelo projectista, a deslocação do edifício de desidratação de lamas, ocupando dois leitos de secagem existentes por forma a possibilitar o acesso de viatura à obra de entrada e à caixa anexa ao decantador primário para descarga de carros limpa fossas.
- A alteração da localização da Estação Elevatória de águas tratadas ficando esta situada entre o tanque de arejamento e decantador secundário existentes.
- A vedação da Estação de Tratamento terá de ser executada com murete de acordo com a vedação existente.
- A rotação do decantador primário para junto do digestor por forma a facilitar os acessos.
- Que o tanque de arejamento possivelmente não precisará de escadas.
- Que o talude previsto junto à vedação não existirá, face à implantação para o novo traçado do caminho de acesso.
- Que deverá ser efectuada implantação topográfica dos vários órgãos (...)» (cfr doe n° 7 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea P) dos factos assentes).
KK. Os trabalhos apontados no ofício, n° 012329, de 6.5.2004, de deslocação do edifício de desidratação de lamas, ocupando dois leitos de secagem existentes, resultaram da necessidade de adaptar a implantação dos órgãos apresentada no projecto de execução entregue pelo Consórcio em 27.2.2004 ao espaço disponível (resposta ao quesito 26° da base instrutória).
LL. A parte do projecto de execução entregue em 27.2.2004, no que se refere ao arruamento periférico por trás dos digestores, ao edifício de desidratação de lamas (5), ao reservatório de efluente terciário (12), à câmara para medidor de caudal (13), quando implantada em obra não era exequível (resposta ao quesito 27° da base instrutória).
MM. A alteração da localização da câmara para medidor de caudal proveio de o caminho por detrás dos digestores não ser exequível (resposta ao quesito 28° da base instrutória).
NN. A câmara para medidor de caudal embora localizada em planta do desenho 3 - projecto inicial do consórcio junto como doe n° 10 com a petição inicial – e pormenor do desenho 14 - doe n° 10 junto com a contestação - não existia em medições (resposta ao quesito 29° da base instrutória).
OO. A alteração da localização do edifício de desidratação de lamas e tanque de efluente terciário resultou de o caminho de acesso por trás dos digestores não ser exequível devido às diferenças de cotas e ser necessário manter um acesso aos equipamentos montados na ETAR por viaturas (resposta ao quesito 30° da base instrutória).
PP. O Consórcio realizou alterações ao projecto de execução por si entregue em 27.2.2004, que foram ordenadas pelos ……… de Sintra em 6.5.2004, através do ofício n° 12329 (resposta ao quesito 10° da base instrutória).
QQ. Com data de 18.5.2004 a 1a Autora dirigiu aos ……… de Sintra uma carta, recebida a 20.5.2004, com o seguinte teor:
«O fabricante do equipamento a instalar no tanque de arejamento alertou-nos para a cota de funcionamento entre o nível líquido e a placa onde assenta o motoredutor ser demasiado elevada, penalizando gravemente a duração do equipamento.
Em face disto, propusemos ao n/projectista a alteração das cotas do tanque de arejamento de modo a que se adaptasse ao escoamento existente na 1a linha e que não fosse tão prejudicial ao equipamento.
Para V/ aprovação junto anexamos 3 colecções dos desenhos alterados com os n 05A - Perfil hidráulico, e 07A - Tanque de arejamento. Em que foi alterada a cota do coroamento» (cfr doe n° 11 junto com a contestação), (alínea Q) dos factos assentes).
RR. A alteração da distância entre os tanques de arejamento para 6 metros e a largura do arruamento para 4 metros exigida pelos ……… de Sintra, no ofício de 6.5.2004, teve como consequência a deslocação deste órgão a construir para uma zona de cotas mais elevadas, conduzindo a maiores volumes de escavação, de betão armado a construir e de outros trabalhos (resposta ao quesito 13° da base instrutória).
SS. A alteração da orientação e localização do decantador primário implicou maiores escavações, dado que a nova posição estava mais próxima do talude do terreno natural, a cotas mais elevadas, obrigando a executar um muro de suporte de terras e escadas de acesso, o que correspondeu também a maiores volumes de escavação, de betão e à colocação de uma caixa de visitas (resposta ao quesito 14° da base instrutória).
TT. A exigência de mudança pelos ……… do local do poço de bombagem do efluente tratado foi por não estar ainda disponibilizado o terreno onde iria ser construído o novo acesso à outra margem da linha de água e ser necessário executar um caminho provisório no local onde estava prevista a implantação do referido poço de bombagem (resposta ao quesito 15° da base instrutória).
UU. No projecto final do Consórcio a câmara para medidor de caudal ficou localizada em sítio diferente do previsto no projecto inicial do Consórcio (admissão por acordo e doe n° 11 junto com a petição inicial), (alínea T) dos factos assentes).
VV. No projecto final do Consórcio o edifício de desidratação de lamas e o reservatório de efluente terciário sofreram alteração de localização em relação ao previsto no projecto inicial do Consórcio, ocupando dois leitos de secagem existentes, que teve como consequência a necessidade de demolição desses leitos de secagem (admissão por acordo e doe n° 11 junto com a petição inicial), (alínea U) dos factos assentes).
XX. No projecto final do Consórcio o novo tanque de arejamento ficou localizado a uma distância de 6 metros (entre paredes exteriores) do tanque existente para alargar o arruamento previsto entre os tanques para 4 metros (admissão por acordo e doe n° 11 junto com a petição inicial), (alínea V) dos factos assentes).
ZZ. No projecto final do Consórcio, o decantador primário a executar ficou à distância de 14 metros do existente (admissão por acordo e doe n° 11 junto com a petição inicial), (alínea X) dos factos assentes).
AAA. A alteração da orientação e localização do decantador primário implicou a criação de um muro de suporte de terras entre o digestor existente e o tanque de bombagem do decantador primário, para vencer a diferença de cotas entre os mesmos (admissão por acordo), (alínea Z) dos factos assentes).
BBB. No projecto final do Consórcio, o poço de bombagem do efluente tratado ficou com a localização indicada no n° 4 de desenho n° 3 -A (cfr doe n° 11 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea EE) dos factos assentes).
CCC. A empreitada contemplava a construção de uma estrada de acesso a uma fábrica situada a norte da ETAR (resposta ao quesito 45° da base instrutória).
DDD. Uma vez que não estava disponibilizado o terreno onde iria ser construído o arruamento exterior à ETAR, os ………, primeiro, solicitaram ao Consórcio que o traçado do arruamento exterior à ETAR contornasse a ETAR a jusante, formando uma curva e contracurva, antes de efectuar a travessia da linha de água, nos termos que constam do n° 14 e do n° 16 do desenho n° 3 A do doe n° 11, junto com a petição, que aqui se dá por reproduzido (admissão por acordo e doe n° 11 junto com a petição inicial), (alínea AÃ) dos factos assentes).
EEE. O Consórcio desconhecia a falta de disponibilidade do terreno onde iria ser construído o novo acesso à outra margem da linha de água (resposta ao quesito 16° da base instrutória).
FFF. A alteração de traçado da estrada de acesso à outra margem da linha de água foi pedida pelos ……… já com a obra em curso (resposta ao quesito 17° da base instrutória).
GGG. Os …….. referiram ao Consórcio que se a obra estivesse concluída sem que o terreno estivesse desbloqueado ficaria como arruamento exterior à ETAR o acesso provisório (resposta ao quesito 47° da base instrutória).
HHH. Os ……… solicitaram ao Consórcio a colocação de manilhas na linha de água, a fim de ser criado o acesso provisório (admissão por acordo), (alínea BB) dos factos assentes).
III. Esta alteração do traçado do arruamento exterior à ETAR funcionou provisoriamente até estarem disponibilizados os terrenos, o que aconteceu em Janeiro de 2005 (admissão por acordo), (alínea CC) dos factos assentes).
JJJ. A solução do projecto inicial do Consórcio para o arruamento exterior da ETAR foi retomada porque, em Janeiro de 2005, quando o terreno para a sua construção ficou disponibilizado, a empreitada ainda não estava concluída (resposta ao quesito 48° da base instrutória).
KKK. Depois dessa data, os …….. solicitaram ao Consórcio a construção do traçado definitivo do arruamento exterior à ETAR, de acordo com o projecto inicial do Consórcio - traçado indicado com o n° 16 no desenho n° 3 do doe n° 10, junto com a petição (admissão por acordo), (alínea DD) dos factos assentes).
LLL. A construção provisória e a construção definitiva do arruamento exterior à ETAR implicaram um grande volume de trabalhos, com escavação para execução do acesso, transporte de terras, com fornecimento e assentamento de manilhas no pontão de acesso à fábrica, com fornecimento e assentamento de chamada de tout-venant (resposta ao quesito 18° da base instrutória.
MMM. O Consórcio teve de demolir o arruamento provisório e incluir a área por ele ocupada no recinto da ETAR, dentro da vedação (resposta ao quesito 19° da base instrutória).
NNN. A curta distância existente entre o novo decantador secundário a construir e o caminho provisório que teve de ser executado, com trânsito de pesados frequente, ali mesmo em cima da obra, criou obstáculos ao normal prosseguimento da empreitada, por não existir espaço suficiente para a colocação dos equipamentos necessários à execução da obra (betoneiras, camionetas e escavadoras), tornando difíceis as manobras dos equipamentos (resposta ao quesito 22° da base instrutória).
OOO. Em 13.8.2004 a 1a Autora solicitou aos …… uma prorrogação graciosa do prazo contratual para a conclusão da obra, nos termos constantes do doe n° 12 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. A requerida prorrogação não lhe foi concedida (cfr does n° 12 a 14 juntos com a contestação), (alínea R) dos factos assentes).
PPP. Dá-se aqui por reproduzido o conteúdo do fax, datado de 25.8.2004, junto aos autos, com a petição inicial, como doe n° 28, (alínea S) dos factos assentes).
QQQ. Os …….. solicitaram ao Consórcio, em 22.9.2004, a instalação de um novo quadro eléctrico para a ETAR e, em 23.9.2004, pediram ao Consórcio que apresentasse proposta para a instalação de um posto de transformação (PT), o que o Consórcio fez, vindo a adjudicação deste trabalho a ser efectuada em Abril de 2005 (admissão por acordo), (alínea GG) dos factos assentes).
RRR. A solicitação pelos …….. ao Consórcio para apresentação de proposta para instalação de um posto de transformação (PT) e a sua adjudicação trata-se de um processo autónomo, que em nada tem que ver com os atrasos verificados na execução da empreitada, (resposta ao quesito 54° da base instrutória).
SSS. Existe a decorrer em Tribunal um processo com o n° 1264/05.9BESNT, relativo ao quadro eléctrico (resposta ao quesito 51" da base instrutória).
TTT. A empreitada foi concluída em 24.2.2005 (cfr doe n° 3 junto com a contestação), (alínea HH) dos factos assentes).
UUU. Os ………. alertaram, por diversas ocasiões, as Autora que o não cumprimento do plano de trabalhos, da carga de pessoal e de equipamento em obra durante a execução dos trabalhos, não permitia cumprir o prazo definido para a empreitada, (resposta ao quesito 55° da base instrutória).
VVV. Em 10.5.2005 a 1a Autora recebeu o ofício n° 009553 dos …….. de Sintra, com um mapa anexo, que informava o consórcio da aplicação a este de uma multa de €: 96.863,51, com o fundamento de que o prazo contratual de execução da empreitada tinha sido excedido (cfr doc. nº 3 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea II) dos factos assentes).
XXX. Em 19.5.2005 o Consórcio apresentou defesa escrita em que requereu a revogação da multa OU a sua redução (cfr doe n° l junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea JJ) dos factos assentes).
ZZZ. Em 14.6.2005 foi proferida a comunicação de serviço dos …….. n° 2005008984 que concluiu que não existia tecnicamente nenhum motivo para a anulação da multa, no entanto e atendendo a que os trabalhos foram bem executados propôs a redução da multa para 50% do seu valor (cfr doe n° 2 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea KK) dos factos assentes).
AAAA. Em 21.7.2005 foi efectuada a recepção provisória de todos os trabalhos da obra, nos termos que constam do doe n° 4 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, (alínea LL) dos factos assentes).
BBBB. A 2.8.2005 as Autoras apresentaram aos …….. uma lista de trabalhos a mais, junta aos autos como doe n° 5 da petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, (alínea MM) dos factos assentes).
CCCC. Em 24.8.2005, por ofício n° 17056, o Presidente do Conselho de Administração dos …….. informou a 1a Autora de que na reunião do Conselho de Administração dos …….. de 16.8.2005 foi deliberado: «no que respeita à aplicação da multa, reduzir o valor da mesma para 50% do seu valor, ou seja, €: 48.431,76 (...)» (cfr doe n° 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea NN) dos factos assentes).
DDDD. Dá-se aqui por reproduzido o conteúdo do ofício n° 17773 dos ……… datado de 1.9.2005, junto aos autos, com a petição inicial, como doe n° 9, (alínea OO) dos factos assentes
EEEE. Em 19.12.2005 deu entrada no Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes o pedido de tentativa de conciliação extrajudicial (cfr doe n° l junto com a resposta das Autoras às excepções), (alínea PP) dos factos assentes).
FFFF. Em 23.3.2006 foi elaborado o auto de não conciliação, que foi enviado às Autoras em 5.4.2006 (cfr doe n° 32 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (alínea QQ) dos factos assentes).
GGGG. A ETAR ampliada, objecto da empreitada em causa, entrou em funcionamento em Maio de 2006 (resposta ao quesito 25° da base instrutória).



DO DIREITO


1. falta de fundamentação - oposição dos fundamentos com a decisão – omissão de pronúncia;

No tocante à falta de fundamentação não assiste razão às Recorrentes, sendo que se confunde falta de fundamentação da sentença com falta de especificação dos fundamentos do probatório, vícios distintos quanto ao objecto.
A violação do dever de fundamentação de facto em sede de sentença, cfr. artºs.154º e 615º nº 1 b) CPC (ex 158º e 653º nº 3), afere-se tendo por parâmetro a extensão do objecto do processo, configurado pelo pedido deduzido com referência ao direito que o Autor pretende fazer valer e à incidência material desse mesmo direito, ou seja, em última instância, com referência à causa de pedir que o substancia.
Dito de outro modo, o que configura o objecto do processo é o pedido traduzido pelo efeito jurídico que o Autor pretende ver declarado pelo Tribunal e que será declarado a partir dos factos concretos alegados na petição inicial (causa de pedir), caso esses mesmos factos sejam jurídicamente relevantes de acordo com as diversas soluções jurídicamente plausíveis no direito objectivo e resultem, feita a prova, subsumíveis na hipótese legal da norma que concretiza a solução jurídica do caso concreto.
Portanto, para que a sentença não incorra no vício de insuficiência de fundamentação de facto, o efeito jurídico declarado (seja de procedência ou improcedência) deve repousar considerando exactamente a extensão de factos relevantes alegados pelo Autor na petição inicial como fundamento do efeito jurídico pretendido.
Tendo por pressupostos que a petição não padeça de insuficiência de causa de pedir, se também não ocorrer por parte do Tribunal erro no juízo de inclusão na norma aplicada dos factos provados (erro na subsunção) nem erro na determinação da consequência definida pela norma (erro sobre a estatuição), a sentença expressar-se-á sem vícios próprios.
Consequentemente, (i) ou o Autor conseguiu provar todos os factos necessários à obtenção do efeito jurídico pretendido e obtém ganho de causa, (ii) ou, embora alegados, os factos não resultaram provados e, por insuficiência de prova, a acção naufraga.
O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, sendo que a eventual insuficiência da motivação “(..) é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. (..)” (1).
Em síntese, apenas a falta absoluta de indicação dos fundamentos de facto (ou de direito) inquina a sentença de nulidade – artº 615º nº 1 b) CPC. (2)

*
No tocante à omissão de pronúncia não assiste razão às Recorrentes.
No que respeita a esta causa de nulidade específica da sentença da alínea d) do elenco taxativo do artº 615º nº 1 do CPC a conjugar quanto ao respectivo conteúdo com o disposto no artº 608º nº 2 (ex artº 660º nº 2) do mesmo Código, cumpre, primeiro, salientar que o conceito adjectivo de questão, no que respeita à delimitação do conhecimento do Tribunal ad quem pedida pelo Recorrente, “(..) deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem (..)” (3).
Para este efeito de obstar a que a sentença fique inquinada do vício de omissão de pronúncia, temos que questões de mérito “(..) são as questões postas pelas partes (autor e réu) e as questões cujo conhecimento é prescrito pela lei (..) O juiz para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados.
Com efeito, a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia; é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio ventilado entre o autor e o réu.
E quem diz litígio entre o autor e o réu, diz questão ou questões, substanciais ou processuais, que as partes apresentam ao juiz para que ele as resolva. (..)” (4)
Em segundo lugar, cumpre salientar igualmente que não cabe confundir questões com considerações, “(..) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questões de que devia conhecer e deixar de apreciar qualquer consideração argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao Tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. (..)” (5).
Nesta matéria das “(..) nulidades da sentença por excesso ou omissão de pronúncia e ainda por conhecimento de objecto diverso do requerido, [o] fundamento da arguição destes vícios da decisão será a errada interpretação dos actos postulativos. Saber se qualquer uma destas nulidades procede supõe uma interpretação dos actos postulativos e o respectivo confronto com a decisão. (..)” (6).
Em face do teor da sentença recorrida conclui-se que o caso dos autos não é recondutível à omissão de pronúncia, pois o que a lei considera nulidade só se configura “(..) se o Tribunal não discriminar os factos que considera provados ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor (..)”. (7)

*
Por último, a invocada contradição entre os fundamentos e a decisão, no sentido de que os fundamentos considerados seriam conducentes a conclusão oposta e, como tal, diversa da exarada na decisão, implica que a sentença enferme de vício lógico. (8)
Todavia, de acordo com o corpo alegatório, a Recorrente sustenta não uma contradição com o bloco normativo que, no seu entender, é o aplicável, mas uma deficiente aplicação desse bloco normativo por parte do Tribunal a quo, o que resulta na invocação de erro de julgamento, vício distinto da invocada contradição intrínseca.
Pelo exposto, improcedem as assacadas nulidades de sentença, questões trazidas a recurso nos itens 2 a 4, 7 e 8 das conclusões.

*
Ultrapassadas as questões adjectivas, vejamos a matéria substantiva trazida a recurso.


2. empreitada por preço global – artº 8º nº 1 a) RJEOP/99; trabalhos a mais;

Diz-nos a doutrina no tocante ao disposto no artº 8º nº 1 a) RJEOP/99 que “(..) a empreitada é por preço global (ou, como também se diz, por preço único e fixo, a corpo a corpo, a forfait ou per avisionem), quando o seu preço é previamente determinado para todos os trabalhos a executar; o preço é único, está logo fixado no momento da celebração do contrato, pelo que, para a sua fixação não existem operações ulteriores, designadamente de cálculo e medição (cfr. o artº 9º). (..)
Porém, tudo isto só em princípio, já que, na realidade, o processo não pode desenvolver-se com uma rigidez total, sob pena de, injustamente, se adulterar o equilíbrio económico do contrato e conduzir a um injusto enriquecimento do dono da obra (..)” (9)
No domínio normativo do RJEOP/99 são considerados trabalhos a mais todos os susceptíveis de verificação cumulativa dos requisitos fixados no artº 26º nº 1 a) e b), independentemente de resultarem de erros ou omissões do projecto (artº 14º RJEOP) detectados após a celebração do contrato e a consignação dos trabalhos – cfr. artº 26º nº 1 a) b) do DL 59/99, 2.3. (10)
No caso concreto trazido a recurso a empreitada por preço global na modalidade concepção-execução, temos que foi consignada (artº 150º RJEOP) em 15.12.2003, alínea F) do probatório, para um prazo de 270 dias de execução, alínea E) do probatório, concluída em 24.2.2005, alínea TTT) do probatório, com recepção provisória em 21.7.2005.
Decorre do probatório que na proposta de concepção-execução apresentada pelo Consórcio constituído pelas ora Recorrentes, o projecto de execução apresentava duas soluções técnicas alternativas, a primeira descrita na alínea G-a) e a segunda na alínea G-b) do probatório, sendo que a “proposta de preço elaborada pelo Consórcio foi referida à primeira solução - alínea G-a) -, implicando menor escavação, menor custo de obra e menor quantidade de materiais aplicada”, alínea H) do probatório.
Consequentemente, em termos de preço contratual a proposta foi apresentada com um valor estimado dos trabalhos mais baixo (artº 48º nº 3 RJEOP/99).
Todavia, a entidade administrativa (dona da obra) adjudicou a segunda solução técnica apresentada, referente à execução com os “órgãos mais enterrados”, alíneas T) e G-b) do probatório.
O que “obrigou à reformulação de projectos”, “novo estudo de implantação dos órgãos” e “redimensionamento das estruturas de betão armado”, “mais movimentações de terras”, “maior volume de mão-de-obra, mais materiais e a partir da cota dos 3,50m, que era a cota onde terminava a primeira solução, passou a haver rocha dura, o que levou a que as escavações tivessem durado quatro meses a executar com utilização de mais e mais dispendiosos meios humanos e técnicos”, conforme alíneas T), U) e V) do probatório.

*
Por outro lado, nos termos das peças do concurso “Cabia ao Consórcio a realização do estudo geotécnico necessário à elaboração do projecto e execução da obra”, alínea X) do probatório, “Os …….. não forneceram dados geotécnicos do terreno”, alínea Z) do probatório, e “Caso existisse necessidade de estudo geotécnico caberia ao Consórcio a sua realização.”,vd. alínea AA) do probatório.
Na fase pré-contratual, se o dono da obra não fornecer os estudos geológicos ou geotécnicos, por não existirem, então “serão obrigatoriamente definidas pelo dono da obra as características geológicas do terreno previstas para efeitos do concurso” – cfr. artº 63º nºs. 3 e 4 do RJEOP.
Regime aplicável à empreitada na modalidade de concepção-execução como disposto no artº 62º nº 5 RJEOP -“Quando o projecto base tenha de ser elaborado pelo empreiteiro, o projecto de execução e o caderno de encargos serão substituídos pelos elementos escritos e desenhados necessários para definir com exactidão o fim e as características fundamentais da obra posta a concurso, que o dono da obra deverá patentear.”
Isto porque, como nos diz a doutrina em anotação ao artº 63º nºs. 3 e 4 RJEOP “(..) A determinação das características geológicas do solo constitui uma operação essencial na preparação da obra, tanto no que toca à concepção, como à execução. … “Este elemento indispensável a qualquer construção é, com efeito, o único que escapa a um controlo prévio total do construtor. É precisamente o objecto do reconhecimento e do estudo do solo que reduz este enigma.” (..)” (11)
Neste sentido, o Ac. do STA de 26.09.2002, in www.dgsi.pt tirado no domínio do artº 60º nºs. 3 e 4 do DL 405/93 correspondentes aos citados nºs. 3 e 4 do artº 63º RJEOP, sumaria o seguinte :
“II. Não existindo estudo geológico nem geotécnico do terreno em que deveria ser levada a cabo a execução da obra, a definição das características geológicas do terreno previstas para efeitos do concurso são obrigatoriamente definidas pelo dono da obra.
III. Em face da imperatividade deste regime, é nula a imposição ao empreiteiro feita no programa do concurso, da obrigação de apresentar prospecção geotécnica do local da obra, se interpretada com o alcance de dispensar o Réu daquela obrigação legal, e consubstanciando-se a nulidade na infracção de uma norma destinada a proteger o empreiteiro relativamente aos riscos de acréscimo de despesas de execução da obra, derivados da não correspondência entre a realidade do terreno e o considerado na sua proposta …”.
No mesmo sentido o Ac. do Tribunal de Contas de 19.12.2000 in Rev. do Tribunal de Contas, 34º, pág. 183, no respeitante a erros e omissões segundo o artº 37º nº 2 RJEOP:
“Nas empreitadas de concepção/construção a responsabilidade dos erros ou omissões do projecto só são da responsabilidade do empreiteiro se o dono da obra fornecer sem reservas todos os elementos que permitam àquele um conhecimento exaustivo da situação e características do terreno.
Uma memória descritiva que apenas chama a atenção para as características aluvionares do terreno onde irá ser implantado o edifício e para o cuidado a ter na elaboração do projecto de fundações, não fornece os dados suficientes para a elaboração de um projecto de estruturas e fundações sem margens de erro.
Nestas circunstâncias não é exigível aos concorrentes a realização de trabalhos de sondagens geotécnicas prévias à elaboração do projecto base de fundações. (..)”

*
Por último, e para o caso de se entender que os Recorrentes invocam a aceitação tácita pelo dono da obra das alterações ao projecto inicial, importa ter presentes dois aspectos fundamentais do regime jurídico do RJEOP.
Primeiro, que o empreiteiro está vinculado a “executar os trabalhos previstos no nº 1, caso lhe sejam ordenados por escrito pelo dono da obra”, vd. artº 26º nº 2 RJEOP/99.
Segundo, a estreita conjugação de exercício dos poderes de fiscalização da execução da obra com os poderes de direcção do dono da obra, e que decorre do texto dos artºs. 178º a 184º RJEOP/99, sintetizada na determinação do nº 4 do artº 178º no sentido de o fiscal de obra “dispor de poderes bastantes e estar habilitado com os elementos indispensáveis para resolver todas as questões que lhe sejam postas pelo empreiteiro para o efeito da normal prossecução dos trabalhos.”
Exactamente por estas razões, a comunicação ao empreiteiro por parte do fiscal da obra das manifestações de vontade da entidade pública no tocante aos acontecimentos mais importantes relacionados com a execução dos trabalhos, tanto na vertente técnica como vinculativa (jurídica), devem ficar registados no livro de obra ou livro de registo de obra, com referência expressa no artº 36º nº 3 RJEOP/99 e que o CCP integra na referência genérica dos livros próprios do artº 305º nº 3.
Dada a importância pública dos interesses envolvidos e prosseguidos nos contratos de empreitada - evidenciada primordialmente pela origem dos pagamentos das obras públicas assentar nos dinheiros públicos, provenientes da arrecadação fiscal e parafiscal retirada ao rendimento e património dos contribuintes residentes e não residentes -, o referido livro de registo de obra é objecto de regulação expressa nas diversas Portarias que aprovam os programas de concurso e cadernos de encargo tipos adoptados nas empreitadas de obras públicas, de que são exemplo a Portaria 428/95 de 10.Maio, revogada pela Portaria 104/2001 de 21.Fevereiro e, já no domínio do CCP, a Portaria 959/2009 de 21-Agosto.
Porque o acréscimo de valor por trabalhos a mais apenas se verifica pela medição, de acordo com as quantidades levadas a execução, a materialização do interesse público subjacente à exigência legal de observância da forma escrita no tocante às quantidades de trabalhos é bem expresso pela remissão para este requisito de forma no quadro normativo previsto para os trabalhos a mais, vd. artº 26º nº 1 a) e b) e nº 2 RJEOP/99.
Ou seja, relativamente aos trabalhos a mais ou de espécie diversa dos contratualmente previstos por estritas razões de facilidade probatória é conveniente que exista substracto documentado que permita a subsunção dos requisitos substantivos plasmados na lei; todavia, o ponto fundamental centra-se em que a sua execução tenha sido ou ordenada ou autorizada pelo dono da obra.


3. listas de preços unitários – novos preços, artº 27º nº 1 RJEOP;

A lista de preços unitários, prevista no artº 22º RJEOP/99, é organizada “(..) com base no mapa das espécies e quantidades de trabalhos [e] contém o preço unitário correspondente a cada uma das parcelas dessa lista. O preço unitário é o preço pré-estabelecido e correspondente a uma prestação ou a uma unidade de uma espécie de trabalho constante do mapa de trabalhos respeitante a uma prestação integrante do objecto do contrato. (..)” (12)
Nos procedimentos de empreitada por preço global a lista de preços unitários constitui um documento de apresentação obrigatória na instrução da proposta e a sua importância releva particularmente, entre o mais, no quadro dos artºs. 14º e 26º RJEOP em que se torna necessário proceder ao cálculo de trabalhos a mais (ou a menos) resultantes de alterações ao projecto.
Como nos diz a doutrina que vimos citando, a questão dos trabalhos a mais - noção cujos requisitos constam do já citado artº 26º nº 1 a) e b) RJEOP/99 - “(..) em rigor só se coloca na modalidade da empreitada por preço global. Com efeito, esses trabalhos são a mais que os previstos no contrato, sendo que essa previsão é que foi determinante para a fixação das obrigações e direitos do empreiteiro (execução da empreitada e recebimento do preço contratado) e correspondentes direitos e obrigações do dono da obra (..)
Os trabalhos a mais podem ser da mesma espécie ou de espécie diferente dos previstos no contrato. No primeiro caso, trata-se apenas de uma questão de quantidade de obra a executar das espécies previstas no contrato; no segundo, trata-se de uma alteração qualitativa do conteúdo da prestação do empreiteiro. Esta distinção tem importância, designadamente para fixação do custo dos trabalhos. (..) (13)
Esta diferenciação no conteúdo qualitativo das prestações por alteração do objecto do contrato implica um dever a cargo do empreiteiro, estabelecido no artº 27º nº 1 RJEOP/99, e pode implicar a abertura de um procedimento regulado nos nºs. 4 a 7 do citado artº 27º, em ordem a fixar os novos preços unitários a introduzir no contrato em razão da(s)e nova(s) espécie(s) de trabalhos a mais, na circunstância de as partes contratuais não chegarem a acordo sobre os preços da lista apresentada pelo empreiteiro.
Dispõe o artº 27º nº 1 RJEOP/99 como segue:
“O empreiteiro deverá apresentar a sua lista de preços para os trabalhos de espécie diversa dos que constam do contrato no prazo de 15 dias a contar da data de recepção da ordem de execução dos trabalhos.”.
Relacionando o conteúdo deste normativo com o antecedente artº 29º DL 405/93, diz-nos a doutrina, “(..) No nº 1, relativamente ao preceito anteriormente vigente, restringe-se o seu âmbito de aplicação aos preços unitários para os trabalhos de espécie diversa dos que constam do contrato, especificação que aquele não fazia. (..)
(..) se há alterações quanto a quantidades de trabalhos de espécies previstas no contrato, estas têm os respectivos preços previamente estabelecidos por constarem, necessariamente, da lista de preços unitários (artigo 22º). O que significa que a questão da fixação do preço só se coloca relativamente a novos preços, isto é, relativamente a preços de espécie não prevista no contrato. (..)” (14)
O que significa que se a alteração do projecto se saldar num acréscimo quantitativo de obra a executar reportado às espécies previstas no contrato, por referência ao conteúdo especificado na lista de preços unitários entregue como documento instrutor da proposta em sede de procedimento adjudicatório (artº 22º RJEOP) na medida em que se tem por subentendido o aproveitamento de elementos existentes no contrato e o consequentemente acordo das partes nessa matéria, tal significa que não se verifica a hipótese plasmada no artº 27º RJEOP/99.


4. trabalhos a mais sem ordem escrita do dono da obra;

Sobre as alterações em obra por trabalhos a mais e no tocante aos preços unitários, em sede de sentença fundamentou-se como segue:
(..) em face da matéria de facto provada, o Réu aceitou serem da sua responsabilidade as alterações que solicitou às Autoras e que deram origem aos trabalhos a mais referidos nas als. RR), TT), HHH) LLL) MMM).
Porém, logo adiantou que «as Autoras apesar da empreitada estar concluída desde 24.2.2005 e de ter sido recepcionada provisoriamente em 21.7.2005, só apresentaram uma lista de preços de trabalhos a mais em 2.8.2005, sem observância das formalidades legais previstas nos artºs 202° e segs do DL n° 59/99, de 2.3, quanto à medição dos trabalhos, elaboração do respectivo auto, intervenção da fiscalização do dono da obra, entre outras».
As partes não alegaram nem provaram nos autos que se procedeu à medição dos trabalhos em questão, à elaboração de autos de medição.
Donde não se depreende a aceitação dos respectivos trabalhos e custos tal como constantes do doe n° 5 junto com a petição inicial.
Mas, ainda assim as alterações referidas no n° 2 trouxeram um acréscimo nas quantidades dos trabalhos, que, continuando a ser da mesma espécie dos previstos na proposta contratual aceite, implicou que esses trabalhos fossem executados em condições diferentes e mais onerosas do que a proposta das Autoras apontara, por alteração da localização de órgãos (tanque de arejamento, decantador primário, poço de bombagem do efluente tratado) e arruamento exterior à ETAR (provisório e definitivo).
Sendo que tais trabalhos, não previstos ou incluídos no contrato, se destinam à realização da mesma empreitada e mostraram-se necessários por força de circunstâncias imprevistas, factos a que as Autoras são alheias, e da sua relação com a execução da empreitada.
Na empreitada por preço global o pagamento dos trabalhos a mais faz-se no regime da medição, com base nos preços unitários para o contrato (cfr. artºs 22° e 26°, n° 6 do DL n° 59/99, de 2.3.
Sendo o prazo previsto no artº 27°, n° l do DL n° 59/99, de 2.3 um prazo de caducidade (cfr art 298°, n° 2 do Código Civil), ainda que prorrogável, de acordo com o art 27°, n° 2 do DL n° 59/99, de 2.3, ou seja, trata-se de um prazo dentro do qual pode ser exercido um direito que é dele contemporâneo e que se extingue decorrido o mesmo prazo de exercício (Maria Celeste Cardona, «Prescrição da obrigação tributaria e caducidade do direito de liquidar o imposto», em ROA, n° 54°, 1994, pág 478).
Portanto, as Autoras tinham o prazo de 15 dias, contados da data de recepção da ordem de execução dos trabalhos, isto é, no caso, desde 6.5.2004, 26.4.2004 e de Janeiro de 2005, para apresentar a lista de preços para os trabalhos a mais.
Sucede que as Autoras só em 2.8.2005 apresentaram a lista de trabalhos a mais, volvidos que estavam, em muito, os 15 dias previstos no art 27°, n°l do DL n° 59/99, de 2.3 sobre a data da recepção da ordem de execução dos trabalhos, datada de 6.5.2004, depois de 26.4.2004 e de Janeiro de 2005.
Só com a abertura tempestiva desse procedimento, as Autoras poderiam pretender e alcançar que nele ou na sequência dele se terminasse pela fixação de preços novos, além do preço global contratado. O que não fizeram.
*
As Autoras nunca disseram que a acção dos autos constituía uma tentativa para fixar «judicialmente» (cfr. artº 27°, n° 5 e 6, do DL n° 59/99, de 2.3) os «preços unitários» que apresentaram e que teriam sido indevidamente recusados no procedimento administrativo referido na norma.
Assim, na medida em que não se mostra filiada num procedimento do género, a acção fica imediatamente em causa; pois deve então entender-se que o preço global contratado subsistiu durante toda a vida do contrato - pelo que o preço global manteve-se como operatório no cálculo da remuneração do empreiteiro, sem recurso ao regime de medição com base em preços unitários quanto aos trabalhos a mais efectivamente realizados.
Termos em que se decide pela improcedência do pedido de condenação do Réu a pagar às Autoras os trabalhos a mais que foram executados a pedido daquele, fora do âmbito da empreitada, porque as Autoras não reagiram tempestivamente contra as diferentes condições de execução dos trabalhos a mais, permitindo que permanecesse como preço da obra executada o preço global outorgado no contrato.
Pois, a eventual condenação do Réu no pagamento dos trabalhos a mais elencados no doc. n° 5 junto com a petição inicial - cfr al. BBBB) dos factos provados ou mesmo nos que o Tribunal considerou em cima como trabalhos a mais (as alterações referidas com o n° 2) - far-se-ia «extra et contra contractum» (cfr Ac do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.9.2007, processo n° 568/06, publicitado em http: //www.dgsi. pt/jsta).
Na verdade, se a empreitada conferira às Autoras, enquanto empreiteiro, o direito a serem remuneradas, tal remuneração tinha necessariamente de fazer-se mediante «a aplicação dos preços unitários previstos no contrato» - os «novos preços» fixados na sequência do procedimento referido no art 27° do DL n° 59/99, de 2.3 – às quantidades dos trabalhos da respectiva espécie.
Então, o ressarcimento daquilo que as Autoras gastaram para executar os trabalhos referidos nas als. RR), SS), TT), HHH), LLL), MMM, NNN) está à margem do contrato de empreitada (..)”

*
Sobre este enquadramento jurídico, no tocante à subsistência do preço global contratualizado e consequente falta de fundamento jurídico para os custos peticionados por extravasarem da economia do contrato de empreitada, as Recorrentes não se pronunciam, seja no corpo alegatório seja nas conclusões de recurso.
Pelo contrário, verifica-se a partir do teor textual do corpo alegatório, itens 42 a 47 e item 5 das conclusões, que a única questão que as Recorrentes suscitam em matéria de trabalhos a mais é a seguinte: embora sem ordem escrita do dono da obra, em contrário do disposto no artº 26º nº 2 RJEOP, devem ser pagos os trabalhos a mais efectuados pelo empreiteiro.
Como é sabido, trata-se de questão juridicamente controvertida, com posições díspares na doutrina, simplesmente não pode ser tomada em consideração no presente recurso porque na economia da causa configura questão nova.


5. questão nova – inadmissibilidade;

Da opção do legislador de atribuir aos recursos ordinários a função de permitir que o Tribunal ad quem proceda à reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, decorre que essa reapreciação se há-de mover “(..) dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.
Excluída está, por isso, a possibilidade de alegação de factos novos (ius novorum; nova) na instância de recurso, embora isso não resulte de qualquer proibição legal, as antes da ausência de qualquer permissão expressa. (..)
Embora sem aceitar a invocação de factos novos pelas partes, o recurso de apelação também se pode aproximar, numa situação específica, do modelo de recursos de reexame. Trata-se da possibilidade, prevista no artº 712º nº 3, de a Relação determinar a renovação dos meios de prova, produzidos na 1ª Instância, que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade. Nesta hipótese, o Tribunal de recurso não se limita a controlar a decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto, antes manda efectuar perante ele a prova produzida na instância recorrida. (..)”. (15)
No tocante aos recursos, dada a remissão para o regime adjectivo cível em tudo quanto não é específico da CPTA, cumpre observar o disposto nos artºs. 665º e 712º CPC [ex 715º nºs 1/2 e 712º nº 3], matéria hoje expressamente consignada no artº 149º nº 1 CPTA que deve ser aproximada do regime do artº 665º CPC [ex 715º nº 1], no artº 149º nº 2 CPTA que tem o lugar paralelo no artº 662º CPC [ex712º nº 3] e no artº 149º nº 3 CPTA tal como estatuído no artº 665º CPC [ex 715º nº 2].
Concluímos assim que, ressalvada a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, uso de poderes de substituição e de ampliação do objecto por anulação do julgado, o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Central Administrativo em via de recurso, é balizado:
1. pela matéria de facto alegada em primeira instância,
2. pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância e
3. pelo julgado na decisão proferida em primeira instância.
A não ser na circunstância de haver acordo das partes quanto à ampliação do pedido e da causa de pedir, que é possível a todo o tempo – cfr. artº 264º CPC [ex 272º].
Regime que continua a ser verdadeiro em sede de CPTA pois que, salvo o devido respeito por entendimento distinto (16) (17), não retiramos do contexto da lei, maxime da conjugação de regimes de recurso do CPC e CPTA, que a Reforma do Contencioso Administrativo tenha varrido a opção pelo modelo base de recurso de reponderação temperado pela inclusão expressa e tipificada de ritologias próprias do modelo de recurso de reexame.
À semelhança do que já vinha do direito adjectivo cível, o alargamento expresso das possibilidades cognitivas do Tribunal ad quem não implica que se tenha aberto as portas à alegação de factos novos e novos meios de prova em sede de recurso, como se a pureza do recurso de reexame tivesse obtido consagração em ordem a admitir a invocação de ius novorum e reapreciação global do objecto da causa pelo Tribunal ad quem.

*
Pelos motivos expostos, tal como no direito adjectivo cível não vem consagrada, também no CPTA não se consagrou a invocação de factos novos na instância de recurso.
É este o enquadramento que compete relativamente ao circunstancialismo, de facto e de direito, trazido a recurso nos itens 42 a 47 do corpo alegatório e item 5 das conclusões, a saber, de deverem ser pagos os trabalhos a mais efectuados pelo empreiteiro embora tais trabalhos não tenham sido ordenados por escrito pelo dono da obra, em contrário do prescrito no artº 26º nº 2 RJEOP/99.
Trata-se de matéria não articulada na petição inicial e, como tal, insusceptível de ser tomada em consideração e conhecida pelo Tribunal a quo por não participar do thema decidendum constitutivo do objecto da causa tal como os AA, ora Recorrentes, o prefiguram no articulado inicial.
O que redunda na insustentabilidade de conhecimento da matéria em sede de recurso por não ter sido alegada no momento processual próprio.
Neste sentido improcede a questão trazida a recurso no item 5 das conclusões.


6. multa por violação dos prazos contratuais – artº 201º RJEOP/99;

No caso em apreço estamos perante uma sanção pecuniária compulsória aplicada pelo dono da obra por incumprimento por parte do empreiteiro do prazo global do contrato, conforme termos vertidos no auto de multa a que se referem as alíneas VVV, ZZZ e CCCC do probatório, no valor de 48 431,76 €, junto aos autos como doc. nº 3 com a petição inicial.
De acordo com o citado auto de multa, os parâmetros temporais de execução da obra contratada são os seguintes:
§ consignação em 15.12.2003alínea F do probatório;–
§ prazo de execução de 270 dias com conclusão prevista para 09.09.2004;
§ tempo excedido de 172 dias por reporte ao termo final do prazo de execução de 270 dias;
§ obra foi concluída em 24.02.2005al. TT do probatório.

*
Na circunstância, importam ainda as seguintes datas:
§ projecto de execução entregue e recebido nos …….. pelas Recorrentes em 27.02.2004 – als. CC, DD, EE do probatório;
§ projecto de execução aprovado pelos …….. em 15.03.2004 – al. DD do probatório;
§ aprovação do projecto de execução comunicada às Recorrentes em 25.03.2004 – al. DD do probatório;
§ início da obra em 26.04.2004 – al. GG do probatório;

*
A multa contratual diária aplicada aos Recorrentes no valor de 48 431,76 € - alíneas VVV, ZZZ e CCCC ao probatório - tem previsão expressa do artº 201º nº 1 a) e b) RJEOP/99, sendo esta a base normativa expressamente declarada no auto de multa mencionado na citada alínea VVV a título de meio probatório documental, concretamente, o doc. nº 3 junto com a petição inicial.
Como nos diz a doutrina em comentário à multa estipulada no artº 201º RJEOP/99, “(..) dada a sua natureza intimidatória com relação ao pontual cumprimento do contrato pelo empreiteiro, funciona como uma cláusula penal para a falta de cumprimento do contrato no prazo para isso nele fixado, atentas as prorrogações graciosas ou legais. Mas trata-se de uma cláusula penal de natureza compulsória e não indemnizatória ou compensatória. (..) Que não tem carácter indemnizatório do incumprimento do prazo, resulta até de a lei ter limitado o seu montante máximo a 20% do valor da adjudicação. (..)” (18)
Escopo mantido em sede de CCP, cfr. artºs 329º nºs. 2 e 3 e 403º nºs. 1 e 2, na medida em que “(..) a função principal do referido poder sancionatório não é tanto a de reprimir as violações contratuais, nem a de compensar a Administração pelos prejuízos sofridos, mas sim a de obrigar o co-contratante a cumprir a prestação a que está obrigado e, dessa forma, assegurar a prossecução do interesse público subjacente ao contrato. (..)” (19)
De modo que, continuando com a doutrina da especialidade, “(..) as sanções contratuais desempenham um papel relevante enquanto incentivos ao cumprimento; desenvolvem, de forma indirecta, uma função coercitiva, de coerção ao cumprimento, constrangendo o co-contratante a cumprir as obrigações contratuais que assumiu. Expondo o co-contratante à aplicação de medidas com específica e autónoma função punitiva – independente da função de ressarcimento dos danos que o incumprimento provoca ao contraente público … importa chamar a atenção para o perfil particular das sanções pecuniárias compulsórias ou sanções contratuais por dia de atraso (correspondentes, no direito anterior, às designadas “multas contratuais diárias”): aqui, a sanção, imposta por via administrativa, com um propósito punitivo de castigar o incumprimento, cumpre, também, como fim principal, o objectivo de forçar ou constranger o co-contratante a cumprir o contrato. (..)” (20)
Seguindo com o mesmo Autor, “(..) as sanções contratuais, aplicadas na sequência do incumprimento contratual … pressupõem a verificação de uma “falta”, de um facto ilícito, imputável a título culposo, e que reclamam a tomada de uma decisão autónoma de verificação, imputação e aplicação (..)” (21)


7. acto de consignação – termo a quo do prazo de execução de obra – artºs. 150º e 151º nº 1 RJEOP/99;

Como vem mencionado no auto de multa, o acto de consignação teve lugar em 15.12.2003 – alínea F do probatório – momento que, em princípio, marca o começo de contagem do prazo contratual dentro do qual o empreiteiro há-de executar a obra - cfr. artºs. 150º e 151º nº 1 RJEOP/99.
O que se entende, pois só a partir da consignação o empreiteiro passa a dispor de todos os elementos, facultados pelo dono da obra, em ordem a dar início aos trabalhos de execução da empreitada.
No caso dos autos o probatório evidencia que a execução da obra da ETAR sofreu contínuas alterações significativas na composição quer da ETAR quer das obras no terreno envolvente, seja por adaptações introduzidas ao projecto de execução entregue pelas Recorrentes em 27.02.2004, seja por solicitação de execução de trabalhos diversos por parte do dono de obra, o ora Recorrido Município de Sintra.
A obra, embora consignada em 15.12.2003, teve início em 26.04.2004 – cfr. alíneas F e GG do probatório.
A solução de obra adjudicada obrigou à reformulação do projecto inicial das Recorrentes – cfr. alínea T do probatório
Uma vez reformulado o projecto inicial, as alterações introduzidas no projecto de execução da ETAR entregue pelas Recorrentes em 27.02.2004 ocorrem em reunião de 30.04.2004, conforme ofício do Recorrido de 06.05.2004, cfr. alíneas II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO e PP do probatório.
A partir de 18.05.2004 segue-se mais uma ampla gama de mudanças nos trabalhos inicialmente projectados para a ETAR e no traçado dos arruamentos exteriores envolventes, por decorrência das alterações introduzidas na mencionada reunião de 30.04.2004, conforme alíneas QQ, RR), SS, TT), UU, VV, XX, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, FFF, HHH do probatório.
À data das sucessivas alterações no traçado dos arruamentos exteriores à ETAR, em Janeiro/2005 a empreitada não estava concluída, conforme alíneas III, JJJ, KKK, LLL, MMM do probatório.

*
De toda esta factualidade resulta evidente que o termo a quo do prazo de 270 dias de execução de obra fixado no contrato não pode contar-se da data do acto de consignação em 15.12.2003 conforme disposto no artº 151º nº 1 RJEOP/99, em razão, primeiro, das alterações introduzidas nas peças escritas e desenhadas complementares do projecto de execução inicial entregue pelas Recorrentes objecto de reformulação, cfr. alínea T e, segundo, em função das subsequentes alterações ao segundo projecto de execução entregue em 27.02.2004, alterações decorrentes da reunião de 30.04.2004, necessariamente reflectidas nas peças escritas e desenhadas, cfr. alíneas II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO e PP do probatório, daí que a obra só tenha tido início em 26.04.2004, cfr. alíneas F e GG do probatório.

*
A propósito do termo a quo do prazo de execução de obra marcado pela data da consignação (artº 151º nº 1 RJEOP/99), diz-nos a doutrina que “(..) Já se considerou que o nº 1 deste preceito devia ressalvar as frequentes situações em que, apesar de se ter procedido à consignação, não foram ainda fornecidos ao empreiteiro todos os elementos escritos e desenhados que lhe permitam dar início aos trabalhos, caso em que o prazo contratual só se deveria contar a partir do fornecimento desses elementos (Pedro Romano Martinez e José Marçal y Pujol, Empreitada de Obras Públicas, Almedina/1995, pág.213).
Não nos parece que a censura seja pertinente, já que, sem que sejam facultados ao empreiteiro os locais onde hajam de ser executados os trabalhos e as peças escritas e desenhadas complementares do projecto necessárias para que possa proceder-se à execução (artº 150º), não há consignação, e, sem esta, não se inicia a contagem do prazo contratual. (..)” (22)


É exactamente este o enquadramento jurídico que compete ao caso dos autos.

Efectivamente, o acto de consignação de 15.12.2003 não é juridicamente operativo no tocante a determinar o termo a quo do prazo contratual de 270 dias de execução de obra, na exacta medida em que não se verificam os pressupostos de facto que, no caso concreto, determinam o desencadear de efeitos jurídicos na determinação do termo a quo do prazo contratual, a saber, a estabilidade de conteúdo das peças escritas e desenhadas que complementam o projecto de execução de obra, nos termos conjugados do disposto nos artºs. 150º e 151º nº 1 RJEOP/99.
Pelo que vem de ser dito, falha a fattispecie do ilícito sancionatório configurado na cláusula penal de natureza compulsória prevista e aplicada às Recorrentes segundo os termos do artº 201º nº 1 RJEOP/99.
E falha porque não resulta provado o termo inicial de contagem do prazo de execução de obra de 270 dias fixado no contrato, atenta a matéria de facto levada ao probatório no tocante às alterações introduzidas nas peças escritas e desenhadas complementares do projecto de execução inicial entregue pelas Recorrentes e objecto de reformulação, cfr. alínea T do probatório, e das subsequentes alterações a este segundo projecto de execução entregue em 27.02.2004, alterações decorrentes da reunião de 30.04.2004, necessariamente reflectidas nas peças escritas e desenhadas, cfr. alíneas II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO e PP do probatório; daí que a obra só tenha tido início em 26.04.2004, cfr. alíneas F e GG do probatório, e não aquando do acto de consignação de 15.12.2003.

*

Pelo exposto, por enquadramento jurídico distinto, procede a questão trazida a recurso no item 6 das conclusões.


***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores da Secção de Contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em, nos termos supra expostos, julgar parcialmente procedente o recurso.

Custas por ambas as partes, na medida do decaimento.


Lisboa, 17.SET.2015


(Cristina dos Santos) ………………………………………………………….

(António Vasconcelos) …………………………………………………………

(Paulo Gouveia) ………………………………………………………………


(1) Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra, 1981, pág. 140.
(2) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos …, págs. 221/222.
(3) Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, pág.142.
(4) Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 53/54.
(5) Autor e Obra citados na nota (2), pág. 143.
(6) Paula Costa e Silva, Acto e processo, Coimbra Editora/2003, págs. 412 e ss.
(7) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, LEX/1997, págs. 219/221.
(8) Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 141-142.
(9) Jorge Andrade da Silva, Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, 8ª ed. Almedina/2003, págs. 2/53.
(10) Oliveira Antunes, CCP – regime de erros e omissões, 3ª ed. Almedina/2010, pág.187; Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa, Almedina/2003 (reimpressão), pág. 111
(11) Jorge Andrade da Silva, Regime jurídico das empreitadas de obras públicas, 8ª ed. Almedina/2003, págs. 178-179.
(12) Jorge Andrade da Silva, Dicionário dos contratos públicos, Almedina/2010, pág.272.
(13) Jorge Andrade da Silva, Regime jurídico …, 8ª ed. Almedina/2003, págs. 75, 85-86 e 90.
(14) Jorge Andrade da Silva, Regime jurídico …, 8ª ed. Almedina/2003, pág. 99.

(15) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, LEX/1997, págs. 395/397.
(16) Mário Torres, Estudos em Homenagem a Francisco José VelozoTrês falsas ideias simples em matéria de recursos jurisdicionais no contencioso administrativo, Edição – Universidade do Minho, págs. 754 a 757
(17) Mário Aroso de Almeida, O novo regime do processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, pág. 289
(18) Jorge Andrade da Silva, Regime jurídico …, 8ª ed. Almedina/2003, págs. 564/565.
(19) Maria João Estorninho, Curso de direito dos contratos públicos, Almedina/2012, págs.498/499.
(20) Pedro Costa Gonçalves, Cumprimento e incumprimento do contrato administrativo, CEDIPRE - Estudos de contratação pública - I, Coimbra Editora/2008, págs. 589/590.
(21) Pedro Costa Gonçalves, Direito dos contratos públicos, Almedina/2015, pág.584.
(22) Jorge Andrade da Silva, Regime jurídico …, 8ª ed. Almedina/2003, pág. 455

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