terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

ACEITAÇÃO CADERNO ENCARGOS - FALTA ASSINATURA DUM DOS GERENTES - SANAÇÃO IRREGULARIDADE


Proc. Nº 323/10.0BECBR    TCAN  22.10.2010

I. Perante a detectada falta de uma assinatura necessária para obrigar a candidata subscritora da aceitação do caderno de encargos de concurso público, deveria o júri tê-la convidado a remediar a irregularidade, sendo a imediata exclusão da proposta uma decisão desproporcionada;
II. Não tendo sido advertida a irregularidade nos momentos oportunos, a celebração do respectivo contrato, de cujo conteúdo faz parte o caderno de encargos, assinado pelos legais representantes da dita sociedade candidata, acaba por sanar a irregularidade que foi cometida.

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
C… Ldª. – com sede no Parque Industrial …, em Coimbra – recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] de Coimbra – em 24.06.2010 – que condenou a Administração Regional de Saúde do Centro [ARSC] a excluir a sua proposta do concurso público para adjudicação da empreitada de execução das novas instalações da ARSC, IP, 2ª fase – a sentença recorrida foi proferida no âmbito de processo urgente do contencioso pré-contratual, no qual a autora J… Ldª demanda a ARSC e a C…, pedindo ao tribunal que anule o relatório preliminar e os actos subsequentes do concurso público em causa, de forma a excluir do mesmo a concorrente C… e a empreitada lhe ser adjudicada a ela.
Conclui assim as suas alegações:
1- A recorrente impugna a decisão do tribunal a quo que considera procedente a alegação da ilegalidade do relatório final do procedimento do concurso público, por violação dos artigos 57º nº alínea a) e nº4 e 146º nº2 alínea d) todos do CCP;
2- Considera o tribunal a quo que o facto da declaração modelar de aceitação do caderno de encargos, integrante da proposta da recorrente, estar assinada apenas por um gerente, quando, resulta do pacto social da mesma, que a sociedade só se obriga com assinatura de 2 gerentes, obriga a excluir a recorrente do concurso público, e da classificação final a proposta apresentada pela mesma;
3- Entende assim o tribunal a quo que há uma irregularidade nos documentos integrantes da proposta da C…;
4- A ré ARS, IP, na sua contestação rejeita a tese defendida pela demandante, e que veio a ser sufragada na decisão recorrida;
5- Face ao sentido da sentença recorrida, crê a ora recorrente que como ré e contra-interessada nos autos, e podendo a sentença recorrida produzir efeitos imediatos e directos na sua esfera jurídica, lhe assiste legitimidade para apresentar este recurso;
6- Salvo o devido respeito, é na identificação/concretização desta irregularidade e no entendimento que faz da contestação da mesma pela ré ARS, IP, que o tribunal a quo erra manifestamente na apreciação da prova documental dos autos, nomeadamente, do processo administrativo junto pela ré ARS, e, com a sentença recorrida foram violadas normas, e foram deficientemente interpretadas;
7- Não existe qualquer irregularidade nos documentos integrantes da proposta da C…, especificamente na declaração modelar de aceitação do caderno de encargos, mesmo que assinada apenas por um gerente;
8- É verdade que a sociedade comercial em causa apenas se obriga com duas assinaturas;
9- Mas, ao contrário do defendido pelo tribunal a quo, esta questão não se põe no caso sub judice, se atendermos à forma como a proposta foi apresentada e a quem a subscreveu;
10- A recorrente apresentou a sua proposta em estrita obediência ao artigo 170º do CCP;
11- O artigo 57º nº4 do CPP, prevê que a declaração mencionada na alínea a) do seu nº1 «deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar»;
12- A concorrente é uma sociedade comercial, tendo poderes para a representar os dois sócios-gerentes;
13- Porém, nos termos do artigo 1157º do Código Civil, pode a dita sociedade constituir mandatário para a representar em um ou mais actos com valor jurídico;
14- O que fizeram por procuração subscrita em 22.05.2009, em que constituem uma procuradora para, em nome e representação da sociedade, assinar plataformas electrónicas de contratação utilizando para o efeito o certificado digital qualificado;
15- Ora, a candidatura da recorrente foi apresentada e assinada digitalmente, pela procuradora, com poderes para o acto [R...] com recurso a certificado digital homologado por entidade competente [certificado digital que consta do processo administrativo];
16- Substituindo a assinatura digital, a assinatura manuscrita, não restam dúvidas que este requisito legal foi cumprido pela recorrente;
17- E é ao constatar que a candidatura apresentada se encontrava assinada digitalmente através de certificado digital validado por entidade credenciada, que a ré ARS, e bem, considera que o facto da declaração modelar de aceitação do cadernos de encargos estar assinada apenas por um gerente da recorrente, não constitui uma irregularidade ou um vício que obste à apreciação da candidatura da recorrente;
18- Na verdade, resulta da lei que a assinatura digital aposta na candidatura, afasta a necessidade de assinatura manuscrita em qualquer dos documentos que a compõem, supra referidos;
19- Estamos assim perante um excesso de forma, e não face a um vício de forma;
20- Nos termos do artigo 693º-B do CPC, «As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº2 do artigo 691º»;
21- Entende a recorrente que o sentido da decisão recorrida impõe a junção de declaração de entidade competente que homologou o certificado digital mediante a outorga da supra referida procuração;
22- Ao assim não entender, a sentença recorrida violou os artigos 57º nº1 alínea a) e nº4 e 146º nº2 alínea d) todos do CCP.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, com todas as consequências legais.
A J… contra-alegou, concluindo assim:
1- A recorrente e a ré ARSC já celebraram o contrato relativo ao presente concurso, pelo que a atribuição de efeito suspensivo ao recurso produzirá uma situação de facto consumado;
2- Deve, por isso, ser alterado o efeito do recurso, passando o mesmo a ser de efeito meramente devolutivo, nos termos do artigo 143º nº3 do CPTA;
3- Caso assim se não entenda, deve ser ordenado à recorrente e à ré ARSC que tomem as providências necessárias a evitar a produção de quaisquer danos à recorrida;
4- O documento junto pela recorrente é inadmissível, pois devia ter sido junto, no máximo, até ao encerramento da discussão em primeira instância, violando assim os artigos 523º nº2, 524º e 693º-B, todos do CPC;
5- A recorrente invoca erro na apreciação da prova documental dos autos, nomeadamente do processo administrativo junto aos mesmos;
6- A recorrente faz apenas um apelo genérico à prova documental constante dos autos, não especificando os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa;
7- A recorrente junta um documento que não é superveniente nem destrói a prova em que a decisão assentou;
8- O recurso deve por isso ser rejeitado por violar o disposto nos artigos 685º-B nº 1 e 712º nº1 do CPC;
9- A declaração de aceitação do caderno de encargos entregue pela recorrente na sua proposta de concurso não se encontra assinada por quem tem poderes para obrigar a sociedade, conforme exigido pelo artigo 57º nº4 do CCP;
10- A outorga, em procuração, de poderes para “assinar em plataformas electrónicas de contratação” não sana tal vício, por força do disposto no artigo 258º do Código Civil;
11- Isto porque a obrigação de assinar é expressa, não podendo ser substituída por certificado digital e os poderes referidos são para cumprimento do disposto no artigo 62º e 170º do CCP e não do artigo 57º do CCP;
12- De qualquer modo, não tendo a recorrente provado os poderes outorgados, por meio documental, será tal argumentação improcedente, pois o único documento válido, constante do processo, é a certidão do registo comercial da recorrente, não existindo outros que imponham uma decisão diversa;
13- Em conformidade, a decisão da primeira instância não padece de qualquer vício ou incongruência, ou erro de facto ou direito, devendo ser mantida, com todas as consequências legais;
14- A recorrente introduz factos novos extemporâneos, sem suporte probatório, divergindo da sentença recorrida, e apresentando elementos probatórios inadmissíveis, alegando normas legais opostas à realidade;
15- A recorrente deduz uma oposição cuja falta de fundamento não ignora, alterando a verdade dos factos e fazendo dos meios processuais uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir objectivo ilegal e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão;
16- A recorrente litiga de má-fé, devendo como tal ser condenada, bem como em multa e indemnização condignas, nos termos legais.
Termina pedindo a confirmação da sentença recorrida.
Sobre as questões suscitadas nas contra-alegações [efeito do recurso, inadmissibilidade de junção do documento apresentado com as contra-alegações, e litigância de má-fé] foi ouvida a recorrente, que se pronunciou pela sua improcedência.
O Ministério Público pronunciou-se a favor do não provimento do recurso jurisdicional [artigo 146º nº1 do CPTA].
De Facto
São os seguintes os factos considerados provados na sentença recorrida:
1- Em 16.12.2009 a ré Administração Regional de Saúde do Centro [doravante designada por ARSC] publicou em Diário da República o anúncio de procedimento de contratação pública nº5642/2009 [cujo teor consta do documento nº1 da petição inicial, que aqui se dá como reproduzido]; 2- O referido procedimento consiste num concurso público de empreitada de obras públicas cujo objecto é a realização da “Empreitada de execução das novas instalações da ARSC, IP – 2ª fase”, conforme programa de concurso e caderno de encargos [juntos como documentos 2 e 3 da petição inicial, e aqui se dados como reproduzidos];
3- O programa do concurso determinava, além do mais, que a adjudicação seria feita à proposta economicamente mais vantajosa, atendendo-se aos seguintes factores por ordem de importância:
1º Preço: 70%
2ª Valor técnico da Proposta: 30%.
4- O ponto 8.4 do programa do concurso tem o seguinte teor:
“8 — Documentos da proposta
Conteúdo obrigatório da proposta:
[…]
8.4. Programa de trabalhos, tal como definido no artigo 361º do CCP, incluindo plano de trabalhos [com indicação das principais actividades a desenvolver, seu escalonamento ao longo do prazo, mencionando expressamente quais os períodos de suspensão nele incluídos, plano de mão de obra indicando discriminadamente o número de homens-dia de cada profissão e a sua distribuição ao longo do prazo] e plano de equipamento discriminando as máquinas e equipamentos que serão utilizados na execução dos trabalhos, especificando as suas características e datas em que estarão na obra em condições operacionais;”
5- A autora e a contra-interessada C… Lda, entre outros concorrentes, apresentaram, as suas propostas;
6- De folhas 137 a 139, 140 e 141 do PA figuram, respectivamente, os documentos que a C… apresentou como integrantes da sua proposta e denominou “programa de trabalhos”, “plano de mão de obra” e “plano de equipamento”, que aqui se dão como reproduzidos;
7- De folhas 146 a 155 e 158 a 164 do PA figuram, respectivamente, os documentos que a autora apresentou como integrantes da sua proposta e denominou como “programa de trabalhos”, “plano de mão de obra” e “plano de equipamento”, que aqui se dão como reproduzidos;
8- A folha 157 e 158 do PA consta um documento que a autora apresentou como integrante da sua proposta e denominou como “plano de [Homems-Dia] Semana”, que aqui se dá como reproduzido;
9- A proposta da C… apresentava um desfasamento entre o Programa de Trabalhos e o Plano de Mão-de-Obra, de 10 dias;
10- Em data indeterminada, o júri comunicou aos concorrentes o relatório preliminar [cuja cópia é documento 4 da petição inicial e se dá como reproduzido] contendo o projecto de classificação dos concorrentes em que a contra-interessada C… figurava em 1º lugar e a autora em 2º;
11- A autora apresentou então, em 08.03.2010, a sua pronúncia sobre o relatório preliminar, nos seguintes termos:
Assunto: Pronúncia ao Relatório Preliminar do Concurso Público da Empreitada de execução das novas instalações das instalações da ARSC, IP — 2ª Fase.
[…]
- Em relação à proposta do concorrente C…, Lda.” pretendemos referir o seguinte:
1) O Plano de Trabalhos da C… apresenta em relação à J… menos detalhe e falta de coerência na relação de trabalhos:
a) A C… aplica pinturas praticamente no final da 2ª fase das instalações eléctricas, Ited [sic] e elevadores, o que, na nossa interpretação não nos parece correcto porque assim não será possível aplicar devidamente interruptores e tomadas, visto que estes deverão ser aplicados depois das pinturas para garantir o melhor acabamento.
O levantamento de alvenarias é feito no final da obra, pelo que implicará a não execução de possíveis cablagens necessárias nessas paredes.
2) Existe um desfasamento entre a duração das actividades no Plano de Trabalhos e no Plano de Mão de Obra, pelo que os trabalhos descriminados no Plano de Mão de Obra têm maior duração do que no Plano de Trabalhos, chegando a verificar-se diferenças superiores a 14 dias entre as mesmas tarefas.
3) Não existe a discriminação no Plano de Mão-de-obra do nº de homens-dia por profissão, verificando-se que existe somente o somatório do nº de homens-dia para todas as profissões [este documento é exigido no ponto 8.4 do Programa de Concurso desta empreitada].
4) No Plano de Equipamento não são descriminados os trabalhos a que cada equipamento está afecto.
5) Não existe menção no Programa de Trabalhos aos períodos de Suspensão da Obra [esta menção é exigida no ponto 8.4 do Programa de Concurso desta empreitada].
6) Existe um desfasamento entre o Plano de Trabalhos e o Plano de Pagamentos, pelo que o concorrente se propõem a facturar alguns trabalhos em meses cujos trabalhos estão parados no Plano de Trabalhos [os trabalhos de instalações estão parados nos meses 2, 3, 4, 5 e 6 no Plano de Trabalhos enquanto que no Plano de Pagamentos se pretende facturar os trabalhos de instalações durante esses meses].
7) A lista de Preços unitários não discrimina os preços por mão-de-obra e por material, tal como foi fornecido aos concorrentes nas medições contratuais.
Assim conforme o exposto, pedimos a verificação destas incongruências e consequentemente que se tome as medidas correctas. Notar bem que no ponto 3 e 5 desta pronúncia se referem falhas na proposta da C… que violam a alínea c) do nº1 do artigo 57º do Código dos Contractos Públicos, bem como nos pontos 2, 4 e 6 se referem falhas na proposta da “C…” que violam o artigo 361º do Código dos Contactos Públicos.
A violação da alínea c) do nº1 do artigo 57º bem como a violação do artigo 361º do Código dos Contractos Públicos implicam a exclusão da proposta.
Com os melhores cumprimentos;
Coimbra, 8 de Março de 2010
12- Em data desconhecida, mas seguramente posterior a 08.03.2010 e anterior a 29 seguinte [ver a folha 75], o júri elaborou e comunicou aos concorrentes o relatório final do procedimento [cuja cópia consta a folha 75-verso e seguintes dos autos, integrando o documento 6 da petição inicial] mantendo tudo o que preconizara no preliminar, sem fazer qualquer menção à pronúncia da autora, nem ao por ela alegado;
13- Conforme o pacto social, ao tempo em que a C… apresentou a sua proposta eram necessárias as assinaturas de dois gerentes para a obrigar [folhas 114 do PA e 84º-verso dos autos];
14- A declaração apresentada pela C… para efeitos do artigo 57º nº2 alínea a) do CCP estava assinada apenas por um gerente;
15- Procedendo o relatório final do júri em conformidade, por deliberação de 29.03.2010 o Conselho Directivo da ARSC, IP, adjudicou a empreitada à C….
Estes, e só estes, os factos provados.
De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.
II. A autora desta acção urgente, pediu ao TAF de Coimbra que anulasse o relatório preliminar e actos subsequentes do concurso em apreço, devendo aquele relatório ser repetido, e bem assim o relatório final, de forma a excluir dos mesmos a candidata C
.
Para o efeito, imputou às peças integrantes da proposta desta candidata uma série de insuficiências e irregularidades [desfasamento entre o plano de trabalhos e o plano de obras; falta de descriminação do plano de mão-de-obra por número de homens/dia de cada profissão; falta de discriminação de equipamentos por trabalho; falta de discriminação dos preços por mão-de-obra e material; falta de menção dos períodos de suspensão da obra, no plano de trabalhos], bem como violação dos artigos 57º nº1 alínea a) e nº4 e 146º nº2 alínea d) do CCP [Código dos Contratos Públicos aprovado pelo DL 18/2008 de 29.01], e ainda falta da devida fundamentação dos relatórios do júri.
O TAF de Coimbra julgou parcialmente procedente a acção, isto é, julgou inimpugnável o relatório preliminar [cuja anulação e repetição era pedida], julgou procedente a falta de fundamentação apontada ao relatório final [artigos 124º CPA e 148º CCP], por via desta procedência julgou prejudicado o conhecimento das irregularidades apontadas às peças integrantes da proposta apresentada pela candidata C
com excepção de uma, que julgou procedente: a violação dos artigos 57º nº1 alínea a) e nº4 e 146º nº2 alínea d) do CCP.
Nesta base, o TAF de Coimbra decidiu anular o relatório final do júri, e condenar a ARSC a repetir o procedimento de concurso a partir desse relatório final, contemplando no mesmo, para efeitos do artigo 148º nº1 do CCP, a exclusão da proposta da C
por falta de declaração de aceitação do caderno de encargos assinada por dois gerentes, nos termos dos artigos 57º nº1 alínea a) e nº4, 146º nº2 alínea d) do CCP, seguindo-se os demais termos do artigo 148º nº2 e nº4 do CCP até final.
A C
, contra-interessada na acção, e a quem tinha sido adjudicado o concurso público, enquanto recorrente vem imputar erro de julgamento à sentença no tocante à procedência da violação dos artigos 57º nº1 alínea a) e nº4, e 146º nº2 alínea d) do CCP.
Temos, pois, que não é atribuída qualquer nulidade à sentença recorrida, nem posta em causa a fidelidade ou suficiência da matéria de facto nela dada como provada. Tão pouco a recorrente reage contra a procedência do vício de falta da devida fundamentação, ou contra a falta de conhecimento das insuficiências e irregularidades apontadas às peças integradoras da proposta da candidata C
, por ter ficado prejudicado.
O objecto deste recurso reduz-se, portanto, ao conhecimento do indicado erro de julgamento de direito.
III. A concorrente C
, em ordem a cumprir o que é preceituado no artigo 57º nº1 alínea a) do CCP, juntou «Declaração de Aceitação do Caderno de Encargos» na qual R, na qualidade de representante legal da sociedade C Ldª, tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento de «Empreitada de Execução das Novas Instalações da ARS Centro - 2ª Fase», declara, sob compromisso de honra, que a sua representada se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas. E assina. [pontos 13 e 14 do provado e folhas 82 e 83 dos autos].
Nessa altura, a respectiva sociedade era integrada por 2 sócios, R
e G, que exerciam a respectiva gerência, e a sociedade obrigava-se perante terceiros pela assinatura conjunta dos dois gerentes [ver ponto 13 do provado e folha 84-verso dos autos].
O artigo 57º nº1 alínea a) do CCP diz que a proposta é constituída pelos seguintes documentos: a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao presente código, do qual faz parte integrante […], e o nº4 do mesmo artigo diz que essa declaração de aceitação deve ser assinada pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar, sendo que, aquando do relatório preliminar o júri deve propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas que, além do mais, não cumpram o disposto no número 4 daquele artigo 57º [artigo 146º nº2 alínea d) CCP], e, depois da audiência prévia [artigo 147º CCP], o júri elabora relatório final fundamentado, no qual pondera as observações dos concorrentes efectuadas ao abrigo do direito de audiência prévia, mantendo ou modificando o teor e as conclusões do relatório preliminar, podendo ainda propor a exclusão de qualquer proposta se verificar, nesta fase, a ocorrência de qualquer dos motivos previstos no nº2 do artigo 146º [artigo 148º nº1 do CCP].
No caso, apesar da dita «Declaração de Aceitação do Caderno de Encargos» se apresentar assinada apenas por um dos sócios da C
, o júri do concurso nada disse a tal respeito, quer no relatório preliminar quer no relatório final. Tão pouco a ora recorrente suscitou essa questão antes de intentar esta acção urgente. Tudo se passou, nesse aspecto, como se a «Declaração de Aceitação do Caderno de Encargos» apresentada pela C não tivesse qualquer problema. E isto, até ser proposta a presente acção.
Todavia, dando razão a essa causa de pedir da autora da acção, o TAF de Coimbra, numa altura em que a adjudicação estava feita à C
e o contrato de empreitada já com ela celebrado [esse contrato de empreitada foi celebrado entre a ARSC e a C precisamente no mesmo dia em que deu entrada em tribunal a presente acção urgente: 05.05.2010 - ver folha 1 dos autos e folha 1 do PA a eles anexo)], entendeu ter havido violação irremediável dos artigos 57º nº1 a) e nº4, e 146º nº2 d) do CCP, e, com essa base, condenou a ARSC a excluir do concurso a proposta da C.
Cremos, porém, que tudo ponderado, o fez sem razão válida.
Há que constatar, em primeiro lugar, que a declaração de aceitação que é exigida pelo artigo 57º nº1 alínea a) do CCP foi apresentada pela ora recorrente e tida como regular pelo respectivo júri do concurso, que não advertiu nem foi advertido para a necessidade da assinatura dos dois gerentes da C
.
Essa irregularidade, pois é disso mesmo que se trata, se tivesse sido oportunamente detectada pelo júri do concurso, ao qual incumbe conduzir todo o procedimento para a formação do contrato, cremos que seria susceptível de gerar um pedido de esclarecimento à concorrente sobre a necessidade ou não da intervenção dos dois gerentes para a obrigar perante terceiros [72º CCP]. Nada obstaria, em nosso entender, que face à constatação, ou à dúvida, sobre a necessidade da assinatura dos dois gerentes da sociedade, o júri, aquando do relatório preliminar ou até do relatório final, tivesse pedido esclarecimento à concorrente, ou até a convidasse a juntar declaração assinada pelos dois gerentes sob pena de ver excluída a proposta [ver, conjugadamente, os artigos 67º nº1, 70º, 72º, 146º e 148º do CCP e 56º do CPA. Sobre o tema pode consultar-se, com proveito, Rodrigo Esteves de Oliveira, Os Princípios Gerais da Contratação Pública, in Estudos da Contratação Pública - I, Coimbra Editora, 2008, páginas 51 a 113; AC TCAN de 14.06.07, Rº1657/05.1BEPRT; AC TCAN de 08.09.2010, Rº80/10.0BEAVR, e AC TCAN de 15.10.2010, Rº1328/10.7BEPRT].
Efectivamente, e sem prejuízo do regime rigoroso do artigo 72º do CCP, certo é que neste caso, o convite ao esclarecimento ou à dita correcção da proposta não é susceptível de provocar qualquer lesão nos interesses e valores em jogo.
Tratar-se-ia, apenas, de uma correcção realizada para sanação de uma irregularidade de representação da sociedade, feita de forma objectiva e transparente, sem quebra das exigências do princípio da concorrência, e sem interferência ou substituição de quaisquer juízos ou opções de mérito por parte do júri do concurso.
Assim, cremos que tal pedido de esclarecimento, ou convite à correcção, se impunha ao próprio júri, ao abrigo do princípio geral do inquisitório [artigo 56º CPA], como condutor do respectivo procedimento, e porque o artigo 72º do CCP, devidamente interpretado, e apesar do seu rigor, não o impede atentos os contornos do caso concreto. Até porque, concluir pela exclusão da proposta da C
nestas circunstâncias nos parece manifestamente desproporcional [artigos 266º nº3 da CRP e 5º nº2 do CPA].
Mas actualmente a necessidade desse esclarecimento, ou dessa correcção, parece-nos que está já ultrapassada, devido à celebração do contrato de empreitada entre a ARSC e a C
[ver a folha 1 do PA anexo aos autos].
Constata-se, na verdade, que no dia 05.05.2010, entre a ARSC e a C
, esta última representada pelos sócios gerentes R e G, foi outorgado contrato de empreitada de «Execução das Novas Instalações da ARSC, IP - 2ª fase» em cuja cláusula segunda nº1 se diz que os direitos e obrigações das partes são regulados pelo disposto neste contrato, no caderno de encargos, e nos demais elementos patentes ao procedimento, e pela proposta da segunda outorgante, os quais fazem parte integrante do presente contrato. Em tudo o omisso é aplicável o disposto no Código dos Contratos Públicos e legislação complementar.
Resulta, pois, que a sociedade C
se encontra agora validamente comprometida com o caderno de encargos, enquanto parte no contrato de empreitada que celebrou, surgindo como acto espúrio e perfeitamente inútil militar pela correcção de uma irregularidade que, fruto das circunstâncias, se encontra ultrapassada. Decorre dos termos da cláusula segunda do contrato, assim, a sanação da irregularidade que detectamos a nível da declaração de aceitação do caderno de encargos para efeitos do artigo 57º nº1 alínea a) e nº4 do CCP.
Deve, portanto, ser dado provimento ao recurso jurisdicional, e ser revogada a sentença recorrida na parte nele impugnada.
IV. Nas suas contra-alegações, a candidata J..., autora da acção, vem pedir a alteração do efeito suspensivo atribuído ao recurso pelo TAF de Coimbra, para o efeito meramente devolutivo [ao abrigo do artigo 143º nº3 CPTA], vem defender a inadmissibilidade do documento junto às alegações de recurso [folha 162 dos autos], e vem imputar litigância de má-fé à recorrente, pedindo a sua condenação em multa e indemnização.
Logo que recebido o recurso jurisdicional neste Tribunal Central, foi cumprido o contraditório relativamente a essas três questões.
De seguida, suscitou-se a oportunidade processual de proferir o respectivo acórdão, o que estamos a fazer.
Deste modo, uma vez que a alteração do efeito do recurso visava a produção de efeitos da sentença recorrida entre a sua prolação e a prolação deste acórdão, resulta totalmente prejudicado esse desiderato, motivo pelo qual, sendo acto inútil, nos dispensamos de abordar essa questão [artigo 137º do CPC ex vi 1º CPTA].
Por sua vez, com o documento junto aos autos aquando das suas alegações de recurso, pretendia a sociedade recorrente comprovar que R... possuía poderes bastantes para assinar em plataformas electrónicas de contratação, e que a junção do mesmo seria permitida por se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância [artigo 693º-B do CPC ex vi 140º do CPTA].
Ora, em primeiro lugar, e como resulta dos pontos II e III deste aresto, o referido documento não se mostrou necessário para resolver a questão que se colocava no recurso jurisdicional, e isso porque não tinha a ver com o conteúdo do julgamento de facto e de direito realizado pela 1ª instância. De facto, a questão situava-se, por inteiro, no âmbito das assinaturas necessárias na declaração de aceitação do caderno de encargos, onde constava, apenas, a assinatura de um dos dois sócios gerentes, nada tendo a ver para o caso os poderes atribuídas a R... para assinar em plataformas electrónicas de contratação.
Temos, assim, que para além de não se ter mostrado necessário a este tribunal, para decidir o recurso, consultar o documento que foi apresentado, também o mesmo não poderia ter sido admitido nos autos, por não caber na hipótese legal do artigo 693º-B do CPC [ex vi artigo 140º do CPTA].
Finalmente, entende a J
que a C deduz no presente recurso uma oposição cuja falta de fundamento não ignora, altera a verdade dos factos e faz dos meios processuais um uso que é manifestamente reprovável, com o fim de conseguir objectivo ilegal e de protelar o trânsito em julgado da decisão de 1ª instância. Por via disso imputa-lhe litigância de má-fé.
A propósito da má-fé, ALBERTO DOS REIS costumava caracterizar as lides, relativamente à conduta dos respectivos litigantes, como lides cautelosas, lides simplesmente imprudentes, lides temerárias e lides dolosas [Código de Processo Civil Anotado, volume II, páginas 254 e seguintes].
Apenas estas últimas parecem caber no conceito de litigância de má-fé, embora a atitude dolosa [dolo directo, necessário, ou eventual] deva ser estendida até ao ponto de abranger a negligência grave, que convive paredes-meias, como é sabido, com o dolo eventual.
Vem sendo este, também, o entendimento do STA, para quem a condenação por litigância de má fé pressupõe a existência de dolo, não bastando uma lide ousada ou uma conduta meramente culposa, sendo que tal conduta é sancionada apenas naqueles casos em que as partes [tendo agido com dolo ou negligência grosseira] tenham incorrido nalguma das interacções tipificadas nas alíneas do artigo 456º do CPC [ver, neste sentido, AC STA de 18.10.00, Rº46.505, AC STA de 26.09.2002, Rº0987/02. Ver, ainda, quanto ao STJ, AC de 11.04.2000, Rº212/00, AC de 20.03.2001, Rº01A3692, e AC de 02.06.2003, Rº04S004].
Assim, perante uma situação pouco definida, entre lide dolosa ou temerária, em virtude dos elementos para o efeito disponíveis serem pouco elucidativos, a condenação por litigância de má-fé não deverá ser decretada. É que o manifesto gravame jurídico-social que se lhe associa impõe que não haja dúvidas ao qualificar-se a conduta da parte como dolosa ou gravemente negligente.
No presente caso, os factos falam por si mesmos, uma vez que o recurso interposto pela C
merece o provimento deste tribunal superior. Dificilmente se poderá configurar, pois, a conduta da recorrente como dolosa ou grosseiramente negligente, de modo a justificar a procedência da imputação de má-fé que lhe faz a recorrida.
Deverão assim improceder, pelas razões expostas, as questões suscitadas nas contra-alegações da J....
DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal Central em conceder provimento ao recurso, e, em conformidade, revogar a sentença recorrida na parte em que foi posta em causa.
Custas pela recorrida que contra-alegou [J...] -
artigos 446º, 447º, 447º-C e 447º-D, todos do CPC, 189º do CPTA, 1º, 2º, 3º nº1, 6º nº2, 7º nº2, 12º nº1 alínea b) e nº2, 13º nº1, e 29º nº2, todos do RCP, bem como Tabela I-B a ele Anexa.
D.N.
Porto, 22.10.2010
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Ass. Ana Paula Soares Leite Martins Portela

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