quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS - MEIO DE PROVA PERICIAL

Proc. 8433/12    TCAS     23 de Fevereiro de 2012

1.A fixação no Caderno de Encargos de especificações técnicas por referência ao desempenho ou exigências funcionais dos bens impõe aos concorrentes a demonstração de que as respectivas propostas não podem ser excluídas com base em desconformidade com normas legais ou especificações normalizadas “se estas especificações corresponderem ao desempenho ou [as propostas] cumprirem as exigências funcionais fixadas no caderno de encargos” – vd. artº 49º nº 2 c) e nº 5 CCP.

2. Face ao citado normativo, o ónus de prova corre pelo concorrente, em ordem a demonstrar “de forma adequada e suficiente” que as prestações de bens ou serviços a realizar, embora em desconformidade com o estabelecido no caderno de encargos, “correspondem ao desempenho ou cumprem as exigências funcionais” fixadas pela entidade adjudicante”, ex vi artº 49º nº 6 CCP.

3. Na hipótese de o concorrente não tomar a iniciativa dessa demonstração ou nela decair será caso de exclusão da proposta – vd. artº artº 70º nº 2 b) CCP.

4. Compete o meio de prova pericial quando se trate de valorar determinada factualidade segundo juízos próprios de outras ciências que não a ciência jurídica - vd. artºs 388º C. Civil e 568º nº 1 in fine e 586 nº 1º CPC

A sociedade …………, Lda., com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. Nos presentes autos trata-se, no essencial, de decidir da invalidade do acto impugnado referente ao concurso público para a formação de Acordo Quadro para Fornecimento de Material de Bloco Operatório - Ref. 2009-08 H-MCC-BOP01 CP, a saber a Decisão de Adjudicação do R., que assenta no Relatório Final de Adjudicação - notificada à Autora, aqui Recorrente, em 17.10.2010 ("Acto de Adjudicação").
2. O Tribunal a quo em apreciação da pretensão de invalidade do Acto de Adjudicação deduzida pela Autora, aqui Recorrente, entendeu pela não verificação das ilegalidades assacadas ao mesmo.
3. A Sentença Recorrida fez um julgamento incorrecto da matéria de facto por considerar que deveria a Recorrente ter arguido a violação da Norma Europeia 13795 também a propósito da exigência de duas camadas, quando não existem produtos no mercado que cumpram aquela Norma Europeia com menos de duas camadas.
4. Pelo que, apenas a exigência de três camadas dos referidos dispositivos médicos resulta numa limitação ilegal do mercado habilitado a participar no Concurso Público aqui em questão.
5. Ainda no que respeita à apreciação feita pela Sentença de não verificação da violação da Norma Europeia 13795, errou duplamente o Tribunal a quo quando considerou estar perante "apenas um detalhe das especificações", - apesar de insistentemente invocado pela aqui Recorrente, quer em sede de petição inicial, quer em pronúncia sobre as questões prévias suscitadas, quer em alegações escritas e ainda nos articulados da providência cautelar apensa aos presentes autos - ignorando o que a Recorrente veio sempre a alegar no que respeita à inexistência de quaisquer reclamações dos seus adquirentes quanto às funcionalidades e respeito pela marcação CE e todas as Normas Europeias emitidas, sendo que a interpretação dada pela Entidade Demandada no concurso em questão (associando - mal - os efeitos pretendidos a uma determinada tecnologia ou solução de fabrico, que a Recorrente não dispõe) a consolidar-se poderá arruinar o negócio da aqui Recorrente, no que se refere àqueles produtos, apesar deste cumprir, igualmente ou ainda de melhor forma, todas as funcionalidades exigidas para o mesmo.
6. Ao contrário do sustentado na Sentença estamos perante uma questão fulcral que não pode/não deve criar precedente, sob pena de, na prática, se transformar este e eventuais futuros procedimentos concursais referentes aos dispositivos médicos em questão nos presentes autos, sob a capa legal de concurso público, em verdadeiros ajustes directos.
7. A entender-se como o Tribunal a quo entendeu permite-se que as Entidades Adjudicantes, à partida, sem que nada o justifique, seleccionem e definam o universo concorrencial, frustrando completamente o princípio da concorrência, seccionando, injustificadamente, o mercado dos dispositivos médicos em causa nos presentes autos.
8. O Tribunal a quo julgou mal quando não considerou os factos relevantes, mencionados nomeadamente no ponto 25 supra, para a decisão da causa, incorrendo, assim, em erro no julgamento de facto.
9. Enferma ainda a Sentença do mesmo erro de julgamento de facto, porquanto a aqui Recorrente não só demonstrou em sede de Concurso, através das amostras entregues à Entidade Demandada, que os seus produtos, com duas camadas, para as posições em discussão eram equivalentes aos dos seus concorrentes com três camadas, como em sede de pronúncia sobre as questões prévias suscitas a Recorrente juntou aos autos um documento - não impugnado nem pela Entidade Demandada, nem pela Contra-Interessada - que demonstra que as exigências da capacidade de absorção, da capacidade de impermeabilidade, da capacidade de criar barreira entre o doente e o campo cirúrgico e da capacidade de adaptação do campo ao doente, bem como da resistência à tracção, estão todas verificadas pelos produtos apresentados a Concurso pela Autora.
10. Igualando, em termos funcionais, os dispositivos com três camadas.
11. O que não foi apreciado pelo Tribunal a quo, que atendendo aos invocados factos conducentes à verificação de determinados fundamentos de ilegalidade, especialmente, violação dos princípios da concorrência, da imparcialidade, da igualdade e da prossecução do interesse público deveria ter deferido a prova testemunhal com vista a esclarecer as razões pelas quais assiste razão factual e legal à aqui Recorrida, na sua pretensão.
12. O que, aliás, veio a aqui Recorrente frisar novamente em sede de alegações escritas, nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 102º do CPTA (cfr., em especial, ponto 19. e III. das Conclusões daquela peça processual).
13. Também no que à matéria de Direito diz respeito, e salvo o devido respeito, não andou bem a Sentença.
14. Se bem que é verdade que a Entidade Adjudicante, no caderno de encargos, pode fixar parâmetros base a que as propostas devam ficar vinculadas, designadamente características técnicas ou funcionais, conforme defende a Sentença, o mesmo já não se pode afirmar se esse parâmetro base fixado violar o disposto no artigo 49º, nºs l, 2 e 4 do CCP - que é o caso dos presentes autos. Senão vejamos.
15. Dispõe o artigo 49º (sob a epígrafe Especificações técnicas) nº l do CCP que "As especificações técnicas, como tal definidas no anexo vi da Directiva nº 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, e no anexo xxi da Directiva nº 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, devem constar do caderno de encargos e são fixadas por norma a permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência." (sublinhado nosso)
16. Por sua vez, o Anexo VI da Directiva nº 2004/18/CE define especificação técnica nos seguintes termos: "b) "Especificação técnica", no caso de contratos públicos de fornecimento ou de serviços: uma especificação constante de um documento que define as características exigidas a um produto ou a um serviço, tais como os níveis de qualidade, os níveis de desempenho ambiental, a concepção que preencha todos os requisitos (incluindo a acessibilidade para os deficientes) e a avaliação da conformidade, a adequação de utilização, a utilização do produto, a segurança ou as dimensões, incluindo as exigências importantes aplicáveis ao produto no que se refere ao nome sob o qual é vendido, a terminologia, os símbolos, os ensaios e métodos de ensaio, a embalagem, a marcação e rotulagem, as instruções de utilização, os processos e métodos de produção e os procedimentos de avaliação da conformidade." (sublinhado e negritos nossos).
17. Não se fazendo alusão em tal definição a qualquer composição/número de camadas ou método de fabrico de um produto, porquanto não é essa característica que define se aquele obedece ou não aos requisitos essenciais e, consequente e respectivamente, é ou não conforme a determinada norma técnica nacional ou europeia obrigatória.
18. Mas sim as (características) que se referem na Conclusão XVI supra e, no caso concreto, as estipuladas no Anexo l, por remissão do artigo 3º, ambos da Norma Europeia 13795.
19. Da leitura atenta dos requisitos essenciais que os dispositivos médicos devem observar não consta a composição/número de camadas que os mesmos deverão ter.
20. Nem poderia constar, sob pena de falsear o fim da Norma Europeia 13795, o qual, nos termos do terceiro Considerando do seu preâmbulo, é o de garantir "a segurança e a protecção da saúde dos doentes, utilizadores e outras pessoas, no que respeita à utilização dos dispositivos médicos, por forma a assegurar a livre circulação dos referidos dispositivos no mercado interno" (sublinhado nosso).
21. Sendo que, o entendimento contrário - o do Tribunal a quo - conduz à necessária restrição do mercado de dispositivos que cumprem as funcionalidades/requisitos da Norma Europeia 13795, o que é vedado por esta mesma Norma.
22. Situação já, aliás, objecto de várias pronúncias jurisdicionais comunitárias, nomeadamente quanto à ilegalidade da rejeição de propostas de dispositivos médicos com marcação CE. Exemplificadamente, vide Ac. C-489-06, disponível em www.curia.europa.eu/iurisp/ no qual o TJUE defendeu que: "Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma entidade adjudicante que tenha lançado um concurso público para o fornecimento de dispositivos médicos que ostentam a marcação CE não pode, por razões relativas à protecção da saúde pública, recusar a proposta de tais produtos, imediatamente e fora do procedimento de salvaguarda previsto nos artigos 8.° e 18. ° da Directiva 93/42.(...)". (sublinhados e negritos nossos).
23. Assim, se por razões relativas a saúde pública uma entidade adjudicante está impedida, sem fazer uso do procedimento de salvaguarda, de recusar a proposta de dispositivos que ostentem marcação CE (ou seja, dispositivos que satisfaçam os requisitos essenciais das Normas Europeias), por maioria de razão, não pode uma entidade adjudicante excluir, através de exigências injustificadas impostas no caderno de encargos, propostas de produtos que obedeçam a essa marcação CE - como fez a Entidade Demandada nos presentes autos.
24. Ao contrário do sustentado na Sentença, a Entidade Demandada não observou o disposto no nº 4 do artigo 49º do CCP.
25. Andando, assim, mal a Sentença na sua apreciação, no que a este respeito julga, remetendo-se, para o efeito, para o vertido nas Conclusões IX a XII.[9 a 12]
26. Ao que acresce que, o próprio Júri do Procedimento, na acta nº 6 do procedimento concursal (junta aos autos pela própria Entidade Demandada), veio questionar da necessidade das três camadas na constituição dos dispositivos médicos nas posições em causa nos presentes autos (ou seja, campos cirúrgicos, individuais ou incluídos nas trouxas cirúrgicas), pelo que é absolutamente contraditório a conclusão do Tribunal a quo patente na Sentença, de que "No caso em apreciação, a Entidade demandada visando celebrar acordos quadro para fornecimento de material de bloco operatório, concluiu, a partir dos resultados apresentados por um grupo de trabalho constituído para o efeito, que alguns dispositivos dotados de uma terceira camada asseguravam maior conforto para os pacientes em bloco operatório (...)".
27. Não se alcançado sequer - sem nunca ter vindo a Entidade Demandada esclarecer - o que é isso de "maior conforto" para os pacientes, que resultaria alegadamente de uma terceira camada dos referidos dispositivos.
28. Nem a Entidade Demandada, nem a Contra-Interessada alguma vez alegaram que os dispositivos da Autora, aqui Recorrente, apresentados a Concurso, incumprem as funcionalidades fixadas pela primeira no seu Caderno de Encargos... E não alegaram porque sabem que seria absolutamente falso.
29. Motivo pelo qual, e ao contrário do defendido na Sentença Recorrida, o Acto de Adjudicação violou o nº 4 do artigo 49º do CCP, uma vez que foi demonstrado pela Recorrente que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem na íntegra as exigências definidas nas especificações técnicas de referência.
30. Violando, ainda, - ao contrário do que defendeu o Tribunal a quo - os princípios da concorrência, da igualdade e do interesse público, previstos no nº 4 do artigo lº do CCP e artigo 4º do CPA, porquanto a Entidade Demandada no seu Caderno de Encargos apelou expressamente a uma determinada tecnologia ou solução de fabrico dos bens a adquirir -"com três (3) camadas" - quando isso lhe seria vedado em respeito por aqueles princípios.
31. Não foi atendendo às finalidades dos dispositivos que a aqui Recorrente viu excluída a sua proposta nas posições - 04, 05, 09, 10, 11, 14, 15, 16, 18, 22, 26, 27, 31, 44, 45(SP2, SP3), 71 SP3, 73 SP2, 74 (SP3 a SP6), 75 (SP3, SP4, SP5), 76 (SP3, SP4), 78 (SP3) (esta posição apenas no Anexo I-A junto com o Relatório Final de Adjudicação), 79 (SP3, SP4, SP5), 80 (SP3), 83 (SP2), 84 (SP3, SP4, SP5), 85 (SP2, SP3, SP4), 86 (SP3), 87 (SP2, SP3, SP5) - em que se exigia que os mesmos tivessem 3 camadas, mas sim - reitera-se - à composição dos mesmos.
32. O dispositivo de duas camadas da aqui Recorrente é igual, nas suas funções, a qualquer um de três camadas, sendo a solução técnica dos dispositivos de duas camadas igualmente adequada à satisfação das necessidades do utilizador dos mesmos. Não sendo, portanto a diferenciação efectuada pela Entidade Demandada justificada.
33. Não correspondendo, consequentemente, à verdade a conclusão do Tribunal a quo na Sentença de que foi permitido a todas as empresas que fabricam os dispositivos médicos em causa acederem ao procedimento concursal.
34. Violando, assim, também o Acto de Adjudicação o princípio da imparcialidade, consagrado no nº 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e 6º do CPA.
35. A Sentença Recorrida ao julgar improcedente a pretensão deduzida pela Autora incorreu ainda em erro no julgamento do Direito por violar os princípios da boa administração e prossecução do interesse público, dispostos no artigo 4º do CPA, porquanto a proposta da aqui Recorrente era a economicamente mais vantajosa para as posições em que foi excluída, atendendo ao critério de adjudicação fixado pela Entidade Demandada.
36. Contribuindo, assim, mais este Acto de Adjudicação e entendimento do Tribunal a quo, para o já muito gravoso défice financeiro e despesismo da saúde pública portuguesa.
37. Nestes termos e ao abrigo do disposto nos artigos 685º-A, nº 2, alíneas a) e b) e 685º-B, nº l, alínea a), do ambos do CPC ex vi artigo 140º do CPTA, requer-se a revogação da Sentença por esse Venerando Tribunal.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a V. Exa. se digne dar provimento ao presente recurso, revogando a Sentença, com as legais consequências, assim se fazendo Justiça.

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A Contra-Interessada, ora Recorrida, Paul Hartmann, Lda. contra-alegou, concluindo como segue:

1. Dispondo o art. 49.2 n. 6 do CCP que " [...] cabe ao concorrente demonstrar, de forma adequada e suficiente, que a obra, o bem ou o serviço conforme com a norma corresponde ao desempenho ou cumpre as exigências funcionais fixadas pela entidade adjudicante" seria sempre extemporânea qualquer tentativa de, em sede de julgamento, fazer essa demonstração se da documentação do procedimento não resulta que durante o concurso a A. tenha procurado por qualquer meio fazer essa prova;
2. Tendo a Norma Europeia 13795 expirado em 21 de Março de 2010 conforme publicação do JOUE de 7.7.2010, fls. 26, não é correcto dizer que a mesma, como o faz a recorrente, depois de expirada, tenha "acrescido" a qualquer outra, ou seja, que a falecida norma tenha (..) incorporado uma norma vigente;
3. Tendo a Norma Europeia 13795 expirado em 21 de Março de 2010, portanto antes da publicação do anúncio do concurso, não poderia depois dessa data o Digmo. Júri do Concurso podido violá-la, porque a mesma deixara já de existir;
4. A A. tinha também o ónus de demonstrar que os produtos que propunha no concurso satisfaziam do mesmo modo as mesmas necessidades, não lhe bastando limitar-se a alegar insistentemente que tais produtos estavam em conformidade com anteriores normas técnicas, porquanto;
5. A conformidade dos produtos da A. com normas revogadas não faz presumir a sua conformidade às normas que, depois daquelas, venham a vigorar;
Pelo exposto, deverá ser julgado improcedente o recurso e mantida a douta decisão recorrida por não se vislumbrar sequer que pudesse ser diferente daquilo que é.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.
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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

“(…)”

DO DIREITO

A questão central trazida a recurso no âmbito do presente concurso público para a formação de acordo-quadro (artº 251º CCP; artº 1º nº 5 Directiva 2004/18/CE) para fornecimento de material de bloco operatório, traduz-se em saber se as especificações técnicas relativas aos bens do Anexo I do Caderno de Encargos identificados pelas posições levadas ao item 4 do probatório nos seguintes termos: “(..) em tecido com o mínimo de (3) três camadas em toda a superfície, sendo a primeira com capacidade de absorção, a segunda impermeável e a terceira de conforto para o doente, … e em conformidade com a NP EN 13795 (..)”, “cumprem exactamente as funcionalidades dos de duas camadas da ora Recorrente”, pelo que “a exigência de três camadas .. resulta numa limitação ilegal do mercado habilitado a participar no concurso público aqui em questão”, conforme afirma a ora Recorrente no corpo alegatório sob os nºs 17 e 18 e sintetiza nos nºs. 4, 9 e 10 das conclusões.
Sustenta, assim, que a sentença proferida incorre em violação primária de direito adjectivo por insuficiência de probatório decorrente da não produção de prova testemunhal sobre a alegada equivalência funcional dos ditos produtos com duas ou três camadas e, consequentemente, a violação primária de direito adjectivo no tocante ao disposto no artº 49º nºs. 1, 2 e 4 CCP.
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Antes de mais, relativamente ao requisito do “mínimo de 3 camadas em toda a superfície, sendo a primeira com capacidade de absorção, a segunda impermeável e a terceira de conforto para o doente” relativamente aos bens do Anexo I do Caderno de Encargos e identificados no item 4 do probatório, cabe precisar se estamos perante um parâmetro base ou um termo ou condição.
Isto porque, para além da diferença de substância entre uns e outros, os parâmetros base e os termos ou condições podem ser fixados pela entidade adjudicante no caderno de encargos recorrendo a limites mínimos/máximos (vd. artº 42º nºs. 4 e 5 CCP) que, sendo violados, constituem fundamento de exclusão das propostas, conforme artº 70º nº 1b) e nº 2 b) CCP.
Os parâmetros base são aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência, o que significa que configuram atributos da proposta relativos a produtos ou serviços que entidade adjudicante pretende adquirir com determinados limites mínimos ou máximos de funcionalidade ou operacionalidade; consequentemente, vinculam as propostas a respeitar a regra da conformidade com os termos regulados no caderno de encargos, observando o limite de funcionalidade mínimo, acima do qual se faz a concorrência e abaixo do qual é factor de exclusão, ou o limite máximo estabelecido, abaixo do qual se faz a concorrência, sob cominação de exclusão da proposta se aquele for ultrapassado – vd. artºs. 42º nºs 3 e 4 e 70º nº 1 b) CCP.
Em via de coerência, o recurso a parâmetros base, na medida em que configura uma técnica de aposição de limites mínimos ou máximos aos atributos das propostas tem, forçosamente, que ter tradução concreta nos factores/subfactores constitutivos da fórmula de cálculo do modelo de avaliação que enforma o critério de adjudicação (caso que apenas envolve, por razões óbvias, o critério da proposta mais vantajosa, vd. artº 74º nº 2), isto porque se a variabilidade em função dos limites é submetida à concorrência, há-de reflectir-se no modus operandi de avaliação e classificação das propostas apresentadas, vd. artº 75º nº 1CCP.
Por sua vez, os termos ou condições são aspectos da execução do contrato subtraídos à concorrência, o que significa que os limites mínimos/máximos regulados expressamente no caderno de encargos relevam como pressupostos vinculados da decisão procedimental de admissão/exclusão das propostas mas, evidentemente, que não no tocante aos pressupostos de avaliação e classificação; deste modo, os termos e condições apresentados pelos concorrentes nas propostas hão-de conter-se dentro dos limites estabelecidos no caderno de encargos - vd. artºs. 42º nº 5 e 70º nº 2 b) CCP.
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Na economia do caso em apreço, embora o modelo de avaliação não conste do probatório e, por conseguinte, deste não resulte evidência de correspondência entre os aspectos submetidos à concorrência e os factores/subfactores do critério de adjudicação, é ponto assente que da matéria de facto provada nada indica que o “mínimo de 3 camadas” de exigência seja o limite mínimo de um parâmetro base no sentido de a concorrência se fazer deste número de 3 camadas para cima, valorando-se mais a proposta consoante apresente 4, 5 etc. mais camadas.
Pelo contrário a matéria levada ao probatório nos itens 6 e 7 em sede de esclarecimento pedidos pela Recorrente e dados pelo júri concursal, conflui no sentido de que relativamente aos bens discriminados no item 4 do probatório, o “mínimo de 3 camadas” constitui uma referência adjudicatóriamente irrelevante, por isso que não conta para os critérios de avaliação e classificação das propostas, mas tão só, em caso de desconformidade com o parâmetro regulamentar do caderno de encargos, como factor de exclusão.
Neste sentido, as especificações técnicas fixadas no Caderno de Encargos e Anexo I regulando um “mínimo de 3 camadas em toda a superfície, sendo a primeira com capacidade de absorção, a segunda impermeável e a terceira de conforto para o doente” do ponto de vista concursal configuram um aspecto subtraído à concorrência descrito por aposição de um limite mínimo de 3 camadas de tecido com as funcionalidades fixadas, ou seja, assume a natureza de “termo ou condição” vinculativo para os concorrentes, ex vi artºs. 42º nº 5 e 57º nº 1 c) CCP, cuja desconformidade constitui factor de exclusão da proposta nos termos do artº 70º nº 2 b) CCP, sem prejuízo do regime especial dos termos e condições, como refere expressamente in fine este comando, prescrito no artº 49º nºs. 4 a 6 e 8 a 11, todos estes normativos aplicáveis ao acordo quadro por remissão expressa do artº 253º nº 1 CCP.
Significa a referência ao regime do artº 49º CCP que a proposta que apresente termos ou condições em desconformidade com as prescrições técnicas fixadas do Caderno de Encargos, não é passível de exclusão caso o concorrente tenha demonstrado relativamente ao produto que oferece que, “as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem de modo equivalente as exigências definidas por aquelas especificações”, isto na hipótese de o Caderno de Encargos fazer referência a especificações normalizadas, artº 49º nº 2 a) e b) e nº 4 CCP.
A fixação no Caderno de Encargos de especificações técnicas por referência ao desempenho ou exigências funcionais dos bens impõe aos concorrentes a demonstração de que as respectivas propostas não podem ser excluídas com base em desconformidade com normas legais ou especificações normalizadas “se estas especificações corresponderem ao desempenho ou [as propostas] cumprirem as exigências funcionais fixadas no caderno de encargos”, artº 49º nº 2 c) e nº 5 CCP,
Face ao citado normativo, o ónus de prova corre pelo concorrente, em ordem a demonstrar “de forma adequada e suficiente” que as prestações de bens ou serviços a realizar, embora em desconformidade com o estabelecido no caderno de encargos, “correspondem ao desempenho ou cumprem as exigências funcionais” fixadas pela entidade adjudicante”, ex vi artº 49º nº 6 CCP; na hipótese de o concorrente não tomar a iniciativa dessa demonstração ou nela decair será caso de exclusão da proposta, conforme o já citado artº 70º nº 2 b) CCP. (1)
*
Pelo que vem dito e em contrário do sustentado pela Recorrente no item 41 do corpo alegatório, a situação dos autos não é subsumível na previsão do artº 42º nºs 3 e 4 CCP na medida em que as especificações técnicas não reportam a aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência segundo parâmetros base determinativos de mínimos ou máximos a que as propostas ficam sujeitas, estabelecendo a base a partir da qual (limite mínimo) ou até à qual (limite máximo) se faz a concorrência.
Em segundo lugar, a demonstração de que o bem ou serviço “equivalente” corresponde ao desempenho ou cumpre as exigências funcionais exigidas pela entidade adjudicante, feita pelo concorrente na própria proposta, em sede de esclarecimentos ou ao abrigo do direito de audiência prévia, há-de observar, para além dos meios probatórios específicos referidos no artº 49º nº 9 CCP, as prescrições legais relativas aos meios e força probatória estabelecidas nos Códigos Civil e de Processo Civil, especialmente se a prova houver de ser feita em sede de processo judicial, como é o caso.
Dito de outro modo, compete o meio de prova pericial sempre que seja caso de recurso a lex artis que extravase o direito adjectivo e substantivo, isto é, quando se trate de valorar determinada factualidade segundo juízos próprios de outras ciências que não a ciência jurídica, vd. artºs 388º C. Civil, razão por que não procede a questão de omissão de instrução segundo a prova testemunhal oferecida, trazida a recurso no item 11 das conclusões, na medida em que o depoimento testemunhal incide sobre os factos da causa, com fundamento na razão de ciência que indicam (por ver e ouvir) a título justificativo do modo como vieram ao seu conhecimento, vd. artº 638º nº 1 CPC, não constituindo as suas declarações meio probatório idóneo para, com relevância adjectiva, emitir juízos de valoração técnica, próprios da prova pericial, expressos em relatório, vd. artºs. 568º nº 1 in fine e 586º nº 1CPC. (2)

*
Pelas razões expostas se conclui que a Recorrente não fez a prova da correspondência funcional no sentido por si afirmado nos itens 9 a 33 das conclusões de recurso, de que “os seus produtos, com duas camadas, para as posições em discussão eram equivalentes aos dos seus concorrentes com três camadas”, nem de que tais especificações são anti-concorrenciais em violação do disposto no artº 49º nº 2 CCP, correspondente ao artº 23º nº 2 e 29º Considerando da Directiva 2004/18/CE por traduzirem uma via indirecta de não “permitir o acesso dos proponentes em condições de igualdade e .. criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência”, em contrário do disposto na Directiva em matéria de especificações técnicas em termos de desempenho e exigências funcionais e de comprovação a cargo do concorrente da solução equivalente apresentada na proposta. (3)
Tratando-se, pois de uma questão de correspondência funcional de produtos apresentados em pela Recorrente em desconformidade com as especificações técnicas definidas no Caderno de Encargos - que na circunstância não se verifica pelas razões expostas -, não releva para o caso a Norma Europeia 13795 relativa a dispositivos médicos, revogada em 21.03.2010 e substituída, sucessivamente pela EN A1 de 2009 e EN 13795:2011, nos termos da fundamentação de direito da sentença proferida pelo Tribunal a quo, para os quais se remete, sendo certo que nos termos dos artºs. 211º e 249º do Tratado de Roma, na alteração introduzida pelo Tratado de Amsterdão, as recomendações são actos normativos da Comissão sem carácter vinculativo, na medida em que “(..) foram concebidas como instrumento de acção indirecta da Autoridade comunitária, visando frequentemente a aproximação das legislações nacionais ou a adaptação de uma dada regulamentação interna ao regime comunitário. (..)” (4)

***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 23.FEV.2012


(Cristina dos Santos) …………………………………………………………………………..

(António Vasconcelos) …………………………………………………………………………

(Paulo Carvalho) ………………………………………………………………………………..

(1) Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina/20011, págs. 359-363, 366-367, 588 e 932-934.
(2) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil – Anotado, 2ª ed., Coimbra Editora/1980, pág.316; Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, págs. 332-333; Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 2º, 2ª ed. Coimbra Editora/2008, págs. 522-523, 543 e 549.
(3) Cláudia Viana, Os princípios comunitários na contratação pública, Coimbra Editora/2007, págs.515-518.
(4) João e João Luiz Mota de Campos, Manual de direito comunitário, 5ª ed., Coimbra Editora/2007, págs. 82 e 377

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