quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

ADJUDICAÇÃO DE FORNECIMENTO DE SERVIÇO - ACTO CONTENCIOSAMENTE RECORRÍVEL - CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO - PRINCÍPIO DA IGUALDADE - PROGRAMA DE CONCURSO - ANÚNCIO FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO - REFEIÇÃO

Processo nº 1024/2008   STA    2009-03-11

I - Tendo o interessado no concurso em epígrafe a expectativa de que o prazo para apresentação das propostas terminava em certa data (por referência à data da publicação de um aviso que anunciou o concurso em moldes diferentes dos enunciados num anterior aviso e que, desse modo, o passava a integrar no universo de oponentes ao concurso), e constatando que o mesmo se realizou na data referenciada ao primeiro aviso, o acto da autoridade administrativa que lhe indeferiu o pedido de anulação do concurso público com vista a proceder-se à reabertura de um novo (e, bem assim, da prorrogação do prazo para apresentação de proposta), para além de constituir um acto administrativo com eficácia externa, é dotado de um conteúdo susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos da interessada Autora da acção, e daí que, à luz do que decorre do artº 268º, nº 4, da CRP e 51º do CPTA, constitua um acto administrativo impugnável.
II - Tendo a referida decisão de indeferimento sido notificada ao interessado a 1.09.06, e tendo a acção de contencioso pré-contratual sido instaurada a 29.09.06, face ao disposto no artº 101º do CPTA, deve considerar-se tempestiva a sua propositura.
III - O concurso efectivado no condicionalismo referido em 1. (originando, objectivamente, um encurtamento do prazo de apresentação de propostas para interessados em intervir no contrato decorrente do mesmo concurso, sem qualquer fundamento ou justificação material) mostra-se inquinado de violação do núcleo essencial dos princípios da igualdade e, por via disso, também da concorrência.

 Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA):
 I. RELATÓRIO
1. A… S.A., melhor identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAFS) acção de contencioso pré-contratual contra o Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP, I.P.) e a contra-interessada B… S.A., peticionando a final:
- A anulação do acto de indeferimento da reclamação que pediu a anulação do concurso público internacional n.° AQS 20062100155, para prestação de serviços de refeições e serviço de bar para o Centro de Emprego e Formação Profissional de ...,
- A efectiva anulação do concurso publico internacional n.° AQSÇ... 20062100155,
- A anulação de todos os actos que eventualmente tenham sido praticados no âmbito do concurso, nomeadamente, o acto de abertura de propostas selecção de candidatos, o acto de apreciação de propostas hierarquização dos concorrentes e o acto final de adjudicação.
2. Corridos seus legais termos foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de acção.
3. O IEFP-IP, interpôs recurso jurisdicional do despacho saneador.
4. Prosseguindo os autos seus termos foi proferido acórdão pelo TAFS que julgou improcedente a acção, por não provada e, em consequência, absolveu a entidade pública demandada e a contra-interessada do pedido.
5. Notificada a entidade pública para, face ao teor do acórdão do TAFS, dizer se mantinha interesse no recurso referido em 3. disse que se mantinha tal interesse.
6. Do acórdão do TAFS, referido em 4., a A…, SA, interpôs recurso jurisdicional para o TCAS.
7. O TCAS, por acórdão de onze de Setembro de dois mil e oito:
- negou provimento ao recurso interposto pelo IEFP, IP, confirmando o despacho saneador recorrido;
- concedeu provimento ao recurso interposto pela A…, SA, do acórdão final, julgando procedente a acção de contencioso pré-contratual, revogando a decisão recorrida e anulando a deliberação do Conselho Directivo do IEFP, de 24/8/2006, que indeferiu a reclamação apresentada em 1/6/2006, o procedimento concursal e o acto de adjudicação à B…, SA; e em não  conhecimento do recurso subordinado do despacho saneador interposto pela B…, SA, por ilegal interposição do mesmo.
8. De tal acórdão interpuseram recurso de revista para este STA a B… e o IEFP, I.P.
8.1. A B… formulou as seguintes Conclusões:
“1. Do Programa do Concurso n.° AQS.20062100155, aprovado pelo conselho directivo do IEFP, I.P. em 16/03/2006, não consta a certificação no âmbito da HACCP como requisito de admissão.
2. Do Anúncio consta a certificação, no âmbito da HACCP como requisito de admissão.
3. O Anúncio foi rectificado, desaparecendo dele a referência à certificação, no âmbito da HACCP.
4. Entende a A… que o prazo para a apresentação das propostas devia ter sido prorrogado face à rectificação do anúncio.
5. O douto Acórdão do TAF de Sintra não deu razão à A…, considerando que, em caso de discrepância entre o programa do concurso e o anúncio, prevalecerá sempre o programa do concurso e que, no caso presente, o anúncio foi objecto de rectificação porque continha um erro material manifesto, rectificação essa legalmente permitida e que não determina a prorrogação do prazo de apresentação de propostas.
6. Por seu turno, o douto Acórdão do TCA Sul perfilha entendimento diverso considerando que não existe qualquer prevalência do Programa do Concurso sobre o anúncio e que não resulta do anúncio a existência de qualquer lapso manifesto de escrita.
7. As questões que se colocam na presente revista são, pois, as seguintes:
- Em caso de divergência entre o que consta do Anúncio e o que consta do Programa do Concurso a respeito de requisito de admissão a concurso (do anúncio consta a exigência de certificação HACCP e do programa não consta), qual deles deverá prevalecer?
- A rectificação operada no Anúncio fazendo desaparecer deste um requisito de admissão que não constava do programa do concurso determinará a prorrogação do prazo para apresentação das propostas?
8. Estas questões ultrapassam a medida habitual nas controvérsias judiciárias.
9. Envolvem uma operação exegética algo complexa em torno das normas de direito aplicáveis.
10. A resposta a estas questões prende-se com a natureza jurídica do anúncio e do Programa do Concurso, a qual não se resolve pela simples leitura das normas de direito aplicáveis.
11. Acresce que o relevo destas questões vai para além do concurso público em apreço.
12. O entendimento do TCA Sul é contrário ao entendimento expresso em dois acórdãos do STA nos termos dos quais as indicações constantes do anúncio têm carácter meramente informativo, não podendo, portanto, sobrepor-se aos elementos constantes do programa do concurso (cfr. Acórdãos do STA de 04-07- 2000, processo 045828, e de 06-07-2000, processo 045829, www.dgsi.pt).
13. A presente revista é, pois, igualmente necessária para uma melhor aplicação do direito.
14. Termos porque deverá ser admitido o presente recurso de revista nos termos do disposto no Art.° 150º n.° 1 do C.P.T.A..
15. Quanto à primeira questão, deverá entender-se, na esteira do douto Acórdão do TAF de Sintra que, em caso de divergência entre o que consta do anúncio e o que consta do programa do concurso, este deve prevalecer sobre aquele.
16.A entidade pública auto-vincula-se a comportar-se procedimentalmente tal como está no programa (cf. Art.° 89° do DL 197/99 de 8/6).
17. Assim, o anúncio deve conformar-se com o respectivo programa de concurso.
18. Conforme salientam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa, das fontes às garantias”, Almedina, p. 270, no confronto das menções do programa do concurso, as do anúncio não valem nada: a norma do programa prevalece sobre a indicação constante do anúncio.
19. Dizem estes autores que o anúncio não é um regulamento, é o anúncio de haver um regulamento e não poderia, portanto, apelar-se para ele para considerar o próprio regulamento como não escrito.
20. Acrescentam ainda estes autores que não procede o argumento de que como o anúncio é publicado no Diário da República e o programa apenas é patenteado, daquele todos terão tomado conhecimento, deste não, necessariamente. Isto porque uma forma mais solene de publicação não é factor de supremacia jurídica de um acto sobre outro publicitado por forma menos solene.
21. Por outro lado, não é verosímil que alguém se apresente a um concurso com base apenas no conhecimento do anúncio do concurso e não procure inteirar-se também do que consta do programa do concurso e do caderno de encargos que o próprio anúncio declara constituírem a base do concurso e estarem à disposição dos interessados.
22. Quanto à segunda questão, deverá entender-se, igualmente na esteira do douto Acórdão do TAF de Sintra, que a rectificação operada no anúncio não determina a prorrogação do prazo para apresentação de propostas.
23. O Anúncio de 11 de Abril de 2006 continha um mero erro de escrita: continha, por lapso, uma menção que não constava do programa do concurso.
24. Tal erro de escrita era perceptível no processo concursal através do confronto do anúncio com o programa do concurso.
25. O anúncio de 26 de Abril de 2006 rectificou tal erro de escrita, fazendo desaparecer a menção que, por lapso, constava do anúncio de 11 de Abril de 2006.
26. Salvo o devido respeito, não tem razão o douto Acórdão do TCA Sul quando entende que não resulta do primitivo anúncio que desrespeitava o fixado no programa, a existência em si mesmo, de qualquer lapso manifesto de escrita.
27. Os erros de cálculo ou de escrita podem ser revelados no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a mesma é feita (cfr. Art.° 148º do CPA e Art.° 249 do Código Civil).
28. Assim, o erro pode ser perceptível no próprio acto ou no procedimento que o antecedeu, como foi o caso do erro de escrita em causa nos presentes autos, revelado no procedimento pelo confronto do Anúncio com o Programa do Concurso (cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2 Edição, Almedina, pág. 696-697, Anotação 1 ao Art.° 148°).
29. A rectificação visou apenas corrigir uma divergência entre a vontade real do IEFP, I.P. (expressa através da deliberação do seu conselho directivo que aprovou o programa do concurso) e a vontade declarada no anúncio resultante de um erro manifesto de escrita.
30. A rectificação deste mero erro de escrita não determina obviamente a prorrogação do prazo de apresentação das propostas.
31. A rectificação caracteriza-se por corrigir apenas uma divergência entre vontade real e vontade declarada, resultante de uma irregularidade manifesta, sem que, porém, resulte dessa correcção qualquer cessação de efeitos; os efeitos que a rectificação parece fazer cessar são apenas os efeitos aparentes do acto e não os seus efeitos reais, que desde o início se produziram e não são senão reafirmados pelo acto de rectificação (cfr. Acórdão do STA de 17/02/2004, processo 0 1204/03, www.dgsi.pt)
32. Sendo certo que, perante uma divergência entre o que consta do anúncio e o que consta do programa do concurso, deverá prevalecer este último ainda que o anúncio não seja objecto de rectificação.
33. No mesmo sentido, veja-se o novo Código dos Contratos Públicos o qual estabelece que as normas do programa do concurso prevalecem sobre quaisquer indicações constantes dos anúncios com elas desconformes (cfr. Art.° 132° n.° 6).
34. Termos porque deverá o douto Acórdão do TCA SUL ser revogado, assim se fazendo a Costumada Justiça!”.
8.2. O IEFP-I.P. formulou as seguintes Conclusões:
“1ª. Para o douto Acórdão ora recorrido a tempestividade da presente acção de contencioso pré-contratual é aferida em função da data do acto de indeferimento da reclamação administrativa, apresentada pela A…, S.A. em 1.JUN.2006, o qual foi notificado a esta em 1.SET.2006.
2ª Acolhe, assim, o que já tinha sido considerado no douto despacho saneador recorrido, segundo o qual o acto administrativo sindicado nos autos é aquele acto de indeferimento da reclamação, traduzido na deliberação do Conselho Directivo do IEFP, I.P. tomada em 24 de Agosto de 2006, pese embora seja expressamente reconhecido no mesmo que a A. não podia reclamar do acto público de abertura do Concurso, por a ele não ter concorrido nem ter estado presente em tal acto.
3ª Dando-se aqui por reproduzida a matéria de facto assente constante do douto despacho saneador recorrido, sucede, porém, que a reclamação apresentada pela A. em 1.JUN.2006 vem pôr em causa a legalidade da publicação do Anúncio no Diário da República, III Série, n° 81, de 26 de Abril de 2006, que veio rectificar o Anúncio anteriormente publicado no Diário da República, III Série, n° 72, de 11 de Abril de 2006, em virtude de aquele não ter indicado a prorrogação do prazo de apresentação das propostas e ter mantido a data de realização do acto público indicada no primeiro Anúncio.
4ª De facto, tal como consta da alínea K) dos factos considerados assentes no douto despacho saneador, a A. apresentou junto do IEFP, I.P. “reclamação do acto público de abertura do concurso”, em virtude de este não se ter realizado após a pretendida prorrogação do prazo para a apresentação das propostas, tendo sido mantida a data indicada no Anúncio rectificado.
5ª Com efeito, o acto que está em crise nos presentes autos, e do qual foi apresentada reclamação em 1 de Junho de 2006, é o Anúncio de rectificação do lapso constante do Anúncio anterior e que manteve a data da realização do acto público do concurso, publicado no Diário de República, n° 81, III Série, de 26 de Abril de 2006.
6ª Por isso, o prazo para a impugnação por parte da A. do acto que reputa de ilegal começou a correr a partir da referida data da publicação do mesmo, nos termos do disposto nos art° 162°, al. a) do C.P.A. e art° 59° e 101º do C.P.T.A., atendendo a que o acto de abertura do concurso público está sujeito a publicação obrigatória, como resulta do art° 87°, n° 1 do Dec.-Lei n° 197/99, de 8 de Junho.
7ª Daí que, dado o acto posto em crise na reclamação da A. ter sido publicado em 26 de Abril de 2006, o prazo para reclamar do mesmo terminou em 18 de Maio de 2006 (cfr. art° 162°, al. a) do C.P.A.), implicando que a impugnação administrativa apresentada em 1 de Junho de 2006 é extemporânea.
8ª Ora, sucede que não só a extemporaneidade da reclamação não fica sanada pelo facto de, apesar de intempestiva, ter a mesma sido objecto de apreciação e de decisão de indeferimento.
9ª Como também a utilização extemporânea de tal meio de impugnação administrativa não permite suspender o prazo de impugnação contenciosa, nos termos e ao abrigo do que vem previsto no art° 59°, n° 4 do C.P.T.A..
10ª Não obstante isto, o douto Acórdão ora recorrido vem sufragar a tese do douto despacho saneador.
11ª Ou seja, caso se mantenha a solução preconizada no douto Acórdão ora recorrido, passará a entender-se que a utilização de meios de impugnação administrativa, ainda que extemporaneamente, mas que, apesar disso, porventura venham a ser objecto de apreciação e decisão, suspendem o prazo de impugnação contenciosa, em conformidade com o previsto no art° 59°, n° 4 do C.P.T.A..
12ª Por conseguinte, a admitir-se tal hipótese, estaria aberta a porta para a completa desconsideração dos prazos legais para a impugnação contenciosa de actos administrativos, nos termos previstos nos art°s 58°, 59° e 101º do C.P.T.A..
13ª Com efeito, mesmo a extemporânea utilização dos meios de impugnação administrativa passaria a ter a virtualidade de suspender o prazo de impugnação contenciosa dos actos administrativos, passando a aplicar-se o disposto no n° 4 do citado art° 58º mesmo à extemporânea utilização de tais meios.
14ª Assim, a decisão do douto Acórdão ora recorrido coloca a questão de saber se a suspensão do prazo de impugnação contenciosa, prevista no art° 59°, n° 4 do C.P.T.A., continua a ter lugar ainda que a utilização dos meios de impugnação administrativa seja extemporânea.
15ª O entendimento perfilhado no douto Acórdão ora recorrido vem, também, suscitar a questão de saber se o acto impugnável na acção de contencioso pré-contratual (ou, de igual modo, na acção administrativa especial) é o acto objecto da impugnação administrativa ou a decisão proferida em relação a esta, quando é certo que o indeferimento da mesma não acarreta alteração da situação jurídica do interessado, que já tinha ficado definida no acto objecto da impugnação administrativa.
16ª Ora, não se pode, ao mesmo tempo, considerar que a A. não podia reclamar do acto público de abertura do concurso, por a ele não ter concorrido e não ter estado presente em tal acto,
17ª E, por outro lado, dado a reclamação apresentada pela A. ter sido aceite e apreciada, entender que o acto administrativo impugnado via judicial seja o indeferimento de tal reclamação, a cuja data se deverá reportar o início do decurso do prazo para o exercício do direito de acção.
18ª Do supra exposto transparece, pois, com toda a evidência, a relevância jurídica e a importância fundamental das questões suscitadas pelo douto Acórdão ora recorrido
19ª Com efeito, face a tais questões, resulta a necessidade premente de uma correcta aplicação do direito às situações frequentes que decorrerão da adopção do entendimento sustentado naquele Acórdão, que em muito extravasa a situação do concurso público objecto dos presentes autos.
20ª Verifica-se, por isso, que estamos perante uma situação que justifica a admissão do presente recurso revista, nos termos do disposto no art° 150º n° 1 do C.P.T.A..
21ª Ora, salvo o elevado e devido respeito, não se pode concordar com a consideração do douto Acórdão ora recorrido no sentido de que nada mais pode relevar na apreciação da excepção invocada senão o indeferimento da reclamação administrativa por deliberação proferida em 24.AGO.2006 pelo Conselho Directivo do IEFP, I.P., a notificação desse acto à A. em 1.SET.2006 e a interposição da acção em 29.SET.2006.
22ª Com efeito, face ao entendimento expresso desta forma, o douto Acórdão ora recorrido olvida por completo que o indeferimento da reclamação apresentada pela A. em nada inova a situação jurídica desta perante o objecto daquela reclamação.
23ª Na verdade, o indeferimento da reclamação apresentada pela A. nem sequer constitui um acto autonomamente recorrível, por carecer de lesividade própria, à luz do disposto no art° 53º, al. a) do C.P.T.A..
24ª Ou seja, o referido indeferimento não tem lesividade própria e autónoma face à ilegalidade atribuída ao Anúncio publicado em 26 de Abril de 2006 por não ter indicado a pretendida prorrogação do prazo para a apresentação das propostas, pelo que não releva para aferir da tempestividade da impugnação contenciosa interposta pela A..
25ª O douto Acórdão ora recorrido também não podia abstrair-se da contradição ínsita no douto despacho saneador, quando considera que já se encontrava precludida a possibilidade da A. reclamar do acto público do concurso mas, ao mesmo tempo, aceitar a impugnação administrativa da sua realização em 25.MAI.2006, e não na data que resultasse da prorrogação do prazo para a apresentação das propostas.
26ª Ao desconsiderar que o concreto e real objecto da impugnação, quer da administrativa quer da contenciosa, é a ilegalidade do prazo fixado para a apresentação das propostas invocada pela A., defendendo, ao invés, que a caducidade do direito de acção é aferida em relação à data da decisão do meio de impugnação administrativa utilizado, o douto Acórdão ora recorrido a não só viola frontalmente o disposto no art° 59º, n° 4 do C.P.T.A.
27ª Como também abre a porta para que possa ser defraudado o legalmente estabelecido quanto à suspensão do prazo de impugnação contenciosa (art° 59°, n° 4 do C.P.T.A.) e aos prazos de impugnação (art°s 58°, 59° e 101º do C.P.T.A.).
28ª Por outro lado, o douto Acórdão ora recorrido não podia deixar de atender, sob pena de aplicação errada do disposto no art° 59°, n° 4 do C.P.T.A., à invocada extemporaneidade da apresentação da reclamação pela A., sendo certo que não é o facto de a mesma ter sido apreciada e decidida que expurga essa extemporaneidade.
29ª Assim, o douto Acórdão ora recorrido, ao decidir como decidiu o recurso jurisdicional interposto pelo IEFP, I.P. do despacho saneador, incorreu também, tal como este, numa errada aplicação das disposições legais aplicáveis, com violação do disposto nos art°s 51°, 53°, al. a), 59°, n°s 1 e 4, e 101° do C.P.T.A. e 162°, al. a) do C.P.A.
30ª Nestes termos, sob pena de nefastas consequências na aplicação do direito em sede de impugnação contenciosa de actos administrativos relativos à formação dos contratos previstos no art° 100°. n° 1 do C.P.T.A., bem como nas restantes acções administrativas especiais, urge revogar o douto Acórdão ora recorrido, julgando procedente a questão prévia da caducidade do direito de acção suscitada nos autos.
31ª Porém, mas sem jamais conceder e apenas por mera cautela e dever de patrocínio, mesmo que a invocada questão prévia da caducidade do direito de acção não obtenha ganho de causa na presente revista, ainda assim o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de Setembro de 2008, na parte em que decide dar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela A., não pode merecer a concordância do IEFP, I.P..
32ª Assim, no que concerne à revista da parte do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que concede provimento ao recurso jurisdicional interposto pela A., em obediência ao princípio da economia processual, e sempre com a devida vénia, impõe-se que se subscreva na íntegra as doutas alegações e respectivas conclusões da revista interposta pela contra-interessada B…, S.A..
33ª Com efeito, quer quanto à admissibilidade do recurso de revista, quer quanto aos fundamentos do mesmo, não se suscitam quaisquer outras questões, pelo que, ao abrigo do princípio da economia processual, subscrevem-se e dão-se aqui por reproduzidas na íntegra as alegações e respectivas conclusões apresentadas pela contra-interessada B…, S.A..
34ª Daí que, também nesta parte, deverá o douto Acórdão do TCA Sul ora recorrido ser revogado, mantendo-se inalterado o douto Acórdão do TAF de Sintra”.
8.3. Não foram apresentadas contra-alegações pela A. da acção, aqui recorrida, mas a B…, S.A., relativamente à alegação de recurso do I.E.F.P.-IP veio alegar, formulando as seguintes Conclusões:
“1. Da leitura da petição inicial da Autora decorre que o acto administrativo impugnado na presente acção é o Anúncio publicado em 26/04/2006 que procedeu à rectificação do anterior Anúncio, por não ter prorrogado o prazo de apresentação das propostas e, consequentemente, ter mantido a data da realização do acto público.
2. Nas suas contestações, quer o IEFP. I.P. quer a B…l invocaram a excepção da caducidade do direito de acção, sustentando que o verdadeiro acto administrativo impugnado era o Anúncio que procedeu à rectificação do Anúncio anterior pelo que, tendo este acto sido publicado no dia 26 de Abril de 2006, o prazo para a impugnação começou a correr a partir dessa data, tendo terminado em 26 de Maio de 2006, concluindo, assim, pela intempestividade da presente acção.
3. O douto despacho saneador proferido em 1ª instância considerou que o acto administrativo sindicado nos autos é a decisão de indeferimento da reclamação apresentada pela A. do acto público de abertura do concurso mediante deliberação proferida em 24/08/2006 pelo Conselho Directivo do IEFP, I.P. e notificada à A. em 01/09/2006, pelo que, tendo a acção dado entrada em 29/09/2006, a mesma é tempestiva.
4. O douto Acórdão do TCA Sul confirmou o douto despacho saneador do TAF de Sintra.
5. Salvo o devido respeito, a solução dada pelo douto Acórdão ora recorrido não se insere no espectro das soluções jurídicas plausíveis, configurando um clamoroso erro de julgamento.
6. O douto Acórdão recorrido procede a uma errada identificação do acto administrativo que é impugnado nos presentes autos e dá relevância a um acto (deliberação do IEFP de indeferimento da reclamação) que não a pode ter na medida em que incide sobre uma reclamação manifestamente intempestiva e legalmente inadmissível.
7. Pelo que deverá ser admitida a presente revista porque é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. Art.° 150° n.° 1 do CPTA).
Assim,
8. O acto administrativo que verdadeiramente é posto em causa na presente acção não é nem o acto público nem o acto que indeferiu a reclamação apresentada pela A. mas antes o Anúncio publicado no dia 26 de Abril de 2006.
9. Basta atentar no teor da reclamação apresentada pela Autora no dia 1 de Junho de 2006, para se perceber que a Autora não está a reclamar contra o acto público, está antes a reclamar contra o anúncio publicado no dia 26 de Abril de 2006, por não ter prorrogado o prazo de apresentação de propostas.
10. Da leitura da petição inicial da Autora decorre que o acto impugnado é o Anúncio publicado em 26/04/2006 que procedeu à rectificação do anterior Anúncio, por não ter prorrogado o prazo de apresentação das propostas e, consequentemente, ter mantido a data da realização do acto público.
11. É, pois, por referência a este acto que se deve averiguar da (in)tempestividade da presente acção.
12. O acto de abertura do concurso público está sujeito a publicação obrigatória (cf. Art.° 87° n.° 1 do DL 197/99 de 8/6);
13. O Anúncio que rectificou o lapso constante do Anúncio anterior e que não prorrogou o prazo de apresentação das propostas, mantendo a data da realização do acto público do concurso foi publicado no dia 26 de Abril de 2006.
14. O prazo para a impugnação por parte da Autora começou a correr a partir do dia 26 de Abril de 2006, tendo terminado no dia 26 de Maio de 2006 (cf. Art.° 59º n.° 1 e Art.° 101º do C.P.T.A.).
15. Quando a A. apresentou a sua reclamação no dia 1 de Junho de 2006, já tinha terminado o prazo para a impugnação contenciosa daquele anúncio!
16. Pelo que a reclamação nunca poderia suspender um prazo que já tinha terminado!
17. Salvo o devido respeito, quer o douto despacho saneador quer o douto Acórdão do TCA Sul atenderam apenas à forma da reclamação e da petição inicial apresentadas pela A. e não ao seu conteúdo, errando, consequentemente, na identificação do acto administrativo contra o qual verdadeiramente a A. se insurgiu.
18. O douto Acórdão do TCA Sul não podia ter dado relevância a um acto que decidiu uma reclamação manifestamente extemporânea.
19. O douto Acórdão do TCA SUL não podia ter dado relevância a um acto que decidiu uma reclamação que, segundo o despacho saneador, não é legalmente admissível porque a A… não concorreu ao concurso nem esteve presente no acto público.
20. Acresce que a abertura do acto público é uma deliberação do júri tomada no acto público pelo que a reclamação contra esta teria que ser apresentada no próprio acto público (cfr. art.º 99º, nº 2 al. b) do DL 197/99).
21. Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos arts. 59º nºs 1 e 4 e 101º, devendo, por isso, ser revogado, assim se fazendo JUSTIÇA”.
9. Foi proferido acórdão, ao abrigo do disposto no artº 150º, nº 5, do CPTA, que admitiu a revista.
Sem vistos mas com prévia distribuição de projecto de acórdão cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. As instâncias julgaram com base nos seguintes factos:
A. Pelo Conselho Directivo do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), I.P., ora demandado, em 16/03/2006, foi deliberado autorizar o procedimento n.° AQS.20062100155, aprovar as peças concursais e critério de adjudicação, bem como aprovar a constituição do Júri do Concurso (cfr. deliberação exarada sobre a Informação n.° 538/AF-AD/06 de 2006/03/07, doc. que integra o processo administrativo – PA – a fls. 12-14 do dossier 1/8, e cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra).
B. O concurso público internacional n.° AQS 20062100155, aberto pelo IEFP, I.P. para aquisição de Serviços de Fornecimento de Refeições e Serviço de Bar para o Centro de Formação Profissional (CFP) de , foi publicitado mediante anúncio publicado, designadamente, no DR n.° 72, III Série, de 11/04/2006, de cujo ponto III.2.3), sob a epígrafe «Capacidade técnica (…», consta, mormente, que, «Informação e formalidades necessárias para verificar o cumprimento dos requisitos: (...) d) Apresentação da metodologia para implementação da HACCP – Hazard Analysis Critical Control Point, Plano de Controlo dos Pontos Críticos, bem como a respectiva certificação, no âmbito da HACCP; (...)» (cfr. doc. que integra o PA - a fls. 177 do dossier 1/8, que aqui se dá por inteiramente reproduzido).
C. O Concurso identificado em B. foi também publicitado no Suplemento do Jornal Oficial das Comunidades Europeias 2, enviado para publicação mediante fax datado de 31/03/2006, de cujo ponto III.2.1.3), sob a epígrafe «Capacidade técnica - documentos comprovativos exigidos» (...)», consta, designadamente, que: «(...) d) Apresentação da metodologia para implementação da HACCP – Hazard Analysis Critical Control Point, Plano de Controlo dos Pontos Críticos, bem como a respectiva Certificação, no âmbito da HACCP; (...)» (cfr. docs. que integram o PA – a fls. 179-187 do dossier 1/8, que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
D. Mediante publicação no DR n.° 81, III Série, de 26/04/2006, sob a epígrafe «SECÇÃO VI: INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES», veio o IEFP, I.P. publicitar que: «VI.3) OUTRAS INFORMAÇÕES / Relativamente ao anúncio publicado no Diário da República, 3ª Série, n° 72, de 11 de Abril de 2006, destinado ao fornecimento de refeições e serviço de bar para o Centro de Formação Profissional de , com referência AQS.20062100155, no ponto n.° III.2.3), alínea d), onde se lê «Apresentação de metodologia para implementação da HACC – Hazard Analysis Critical Control Point, Plano de Controlo do Pontos Críticos, bem como a respectiva certificação, no âmbito da HACCP» deve ler-se «Apresentação da metodologia para implementação da HACCP Hazard Analysis Critical Control Point, Plano de Controlo do Pontos Críticos». /VI.5) DATA DE ENVIO DO PRESENTE ANÚNCIO: 12/04/2006.» (cfr. doc. que integra o PA – a fls. 233 do dossier 1/8).
E. O texto cujo teor se encontra supra reproduzido (na al. D.), foi enviado, pelo IEFP, para publicação no Jornal das Comunidades Europeias (JOUR), através de fax datado de 13/04/2006 (cfr. doc. que integra o processo administrativo – PA – a fls. 226-227 do dossier 1/8) no Jornal de Notícias, através de fax enviado em 13/04/2006, sobre «ASSUNTO PUBLICAÇÃO DE ANÚNCIO – Esclarecimentos/Processo: AQS.20062100155», no Jornal de Negócios, através de fax enviado na mesma data, e no Boletim Informativo, através de ofício do IEFP datado de 13/04/2006, Ref.ª 1504/AD-AS/06 (cfr. docs. que integram o processo administrativo – PA – a fls. 22-225 do dossier 1/8), bem como foi enviado à ICA Indústria de Comércio Alimentar (doc. de fls. 228-229 do PA – dossier 1/8), e foi publicado no JN de 18/04/2006 – 18/04/2006- nº. 321 (cfr. doc. de fls. 254 do PA – dossier 1/8).
F. Nos termos do ponto IV.3.4) Prazos de recepção das propostas ou dos pedidos de participação: do Anúncio do Concurso n.° AQS.20062100155, o prazo para entrega das propostas terminava em 24/05/2006, às 17 horas e, nos termos do ponto 17.3.8) Condições de abertura das propostas:, do referido Anúncio, o acto público do concurso em referência, realizava-se em 25/05/2006, às 10 horas, sendo que ao «(…) Acto público pode assistir qualquer interessado, apenas podendo nele intervir os concorrentes e seus representantes, devidamente credenciados.» (cfr. doc. de fls. 177 do PA - dossier 1/8 -, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
G. Em reunião do Júri do Concurso n° AQS. 20062100155, de 03/05/2006, foi elaborada “Acta de definição dos elementos do critério de adjudicação”, em cumprimento do disposto no n° 1 do art. 94° do Decreto-Lei n° 197/99, de 8 de Junho, que visa definir a ponderação a aplicar aos diferentes elementos que interferem no critério de adjudicação estabelecido no art. 4° do Programa de Concurso. (cfr. doc. de fls. 236-237 do PA - dossier 1/8).
H. A ora A. adquiriu “Caderno de Encargos” referente ao concurso n.° AQS 20062100155, em 11/05/2006 (cfr. “VENDA A DINHEIRO” N.° 674, datada de 11/05/06, a fls. 3493 do PA – dossier 8/8).
I. Do Programa do Concurso n.° AQS20062100155 consta, designadamente, que: «Artigo 6°/Apresentação de propostas/1 – As propostas e os documentos que as acompanham, devem ser apresentadas até às 17 horas do dia 24/05/2006, ou seja, até às 17 horas do 54º dia a contar da data do envio para a publicação do anúncio, relativo ao presente concurso no Diário da República e no Jornal Oficial da União Europeia./ 2 - (…)»; «Artigo 7° / Pedidos de esclarecimentos /1 – Os interessados podem solicitar ao Júri do Concurso esclarecimentos relativos à boa compreensão e interpretação dos elementos expostos durante o primeiro terço do prazo fixado no n.° 1 do artigo anterior./ 2 - (...) / 3 – Os esclarecimentos devem ser prestados pelo júri, por escrito, até ao fim do segundo terço do prazo fixado no n.° 1 do artigo anterior./4 - (...)»; «Artigo 9°/Documentos que acompanham a proposta/ 1 - (...) / 2 - Para avaliação da capacidade técnica e financeira, os concorrentes deverão ainda apresentar: IA) (...) / F) Apresentação da metodologia para implementação da HACCP – Hazard Analysis Critical Control Point, Plano de Controlo dos Pontos Críticos. / G) (…»; «Artigo 10° / Avaliação da Capacidade Financeira e Técnica dos concorrentes / 1. No que respeita à Capacidade Financeira: (...)/ 3. No que respeita à Capacidade Técnica: / A avaliação da capacidade técnica incidirá na: / a) Metodologia para implementação da HACCP; / b) Experiência em fornecimento de serviços similares: apresentação de pelo menos 3 clientes em que o número de refeições /mensal seja igual ou superior ao objecto desta prestação de serviços. / 4. Serão excluídos os concorrentes que não apresentem, cumulativamente, os requisitos solicitados no número anterior. / 5. (…)»; «Artigo 14° / Abertura / 1 – Pelas 10 h do dia útil imediato à data para a apresentação das propostas (25-05-2006), na Delegação Regional de Lisboa e Vale do Tejo, (...) procede-se em acto público, à abertura dos invólucros recebidos. / 2 - Por motivo justificado, pode o acto público realizar-se dentro dos 10 dias subsequentes ao indicado no número anterior, em data a determinar pela autoridade competente para autorizar a despesa. /3 – A eventual alteração da data do acto público é comunicada aos interessados que procederam ou venham proceder ao levantamento dos documentos do concurso e publicitada pelos meios que o júri entenda mais convenientes.»; «Artigo 15°/ Regras gerais do acto público/ 1 – Ao acto público pode assistir qualquer interessado, apenas podendo nele intervir os concorrentes e seus representantes, devidamente credenciados/ - Os concorrentes ou seus representantes podem, no acto:/ a) Pedir esclarecimentos; / b) Apresentar reclamações sempre que seja cometida, no próprio acto, qualquer infracção à legislação aplicável ou ao presente programa; / c) (...) / 5 – As deliberações do júri tomadas no âmbito do acto público são notificadas aos interessados, no próprio acto, não havendo lugar a qualquer outra forma de notificação, ainda que não estejam presentes ou representados no referido acto os destinatários dessas deliberações.»; «Artigo 16° - Admissão de concorrentes / 1 - São excluídos os concorrentes: (...) / 2 – São admitidos condicionalmente os concorrentes que: / a) Não entreguem a totalidade dos documentos exigidos nos termos do artigo 9º; cfr. doc. que integra o PA - a fls. 15 e segs. do dossier 1/8 – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
J. Dá-se aqui por inteiramente reproduzido o teor do clausulado no Caderno de Encargos de fls. 57 e segs. do PA - dossier 1/8.
K. O acto público do CPI n.° AQS20062100155, teve lugar em 25/05/2006, pelas 10 horas, tendo sido admitidos ao concurso os concorrentes …, S.A., … S.A., …, Lda., B…, S.A. e …, Lda., por deliberação do Júri do Concurso, bem como deliberou o Júri admitir todas as propostas apresentadas pelos concorrentes. (cfr. Acta de fls. 2871-2873 do PA – dossier 8/8 – cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra).
L. A A. não concorreu ao CPI n.° AQS.20062l00155, não tendo apresentado a respectiva proposta, nem esteve presente no acto público de concurso referenciado em K. – idem e por confissão (art.°s 3.° e 26.° da p. i.).
M. A ora A. apresentou junto do IEFP, em 01/06/2006 (via fax), reclamação do acto público de abertura do concurso identificado em B., nos termos e com os fundamentos constantes do Doc. n° 1 junto com a p.i. e que aqui se dão por reproduzidos na íntegra, requerendo, a final, a anulação do presente concurso público procedendo-se à reabertura de um novo assegurando a todos os candidatos iguais direitos procedimentais (vide também doc. constante de fls. 2984 e segs. do PA e doc. de fls. 3038 do PA - dossier 8/8).
N. Em reunião do Júri do Concurso identificado em B., de 02/06/2006, foi elaborado o “Relatório de Análise de Propostas”, constante de fls. 2887 e segs. do PA – dossier 8/8, no âmbito do qual o Júri, de acordo com o critério de adjudicação definido no art.° 4.º do Programa de Concurso, procedeu à ordenação dos concorrentes cujas propostas foram admitidas, ficando em l.° lugar a Concorrente n.° 4, a B…, SA.
O. Após realização da audiência prévia a que alude o art.° 108.° do DL n,° 197/99, de 08/06, sem que tenham sido apresentadas reclamações por parte dos concorrentes, pelo Júri do Concurso em referência foi elaborado o “Relatório Final”, em reunião de 27/07/2006, no âmbito do qual deliberou manter o projecto de decisão: (...) ii) a adjudicação do contrato para “Fornecimento de refeições e serviço de bar nas instalações do Centro de Formação Profissional de ” à empresa B…, LDA., cujo valor do preço da refeição é de 1,98, sendo o preço médio da proposta por lote de € 1,69, valores a que acresce o IVA à taxa legal em vigor. (cfr. docs. de fls. 2970 e segs. e doc, de fls. 3011 do PA - dossier 8/8).
P. Pelo IEFP foi prestada a Informação n.° 1542/AF-AD/2006, de 08/08/2006, sobre «ASSUNTO: Aquisição de Serviços para fornecimento de refeições e serviço de bar para o CFP », da qual consta, nomeadamente, que: «(...) 3 — Em 2/06/2006 veio a A... S.A apresentar reclamação do acto público de abertura de propostas, alegando em síntese que: (...) /5 – A reclamação da A… será analisada como uma reclamação nos termos gerais constantes dos Art.°s 158 seguintes do Código do Procedimento Administrativo, o que se faz nos termos e com os fundamentos seguintes: (...) / 27 – Foi dado aos concorrentes o prazo de 54 dias para apresentação de propostas, prazo acima do mínimo fixado no Art.° 95.° do Dec.-Lei n.° 197/99, de 8 de Junho e que começou a contar, sem qualquer suspensão ou interrupção, no dia imediato ao envio dos anúncios para o JOUE e DR, conforme dispõe igualmente o n.° 3 do citado dispositivo. /28 – O concorrente A… não é concorrente no presente procedimento, porquanto não apresentou proposta, sendo certo que desde o dia em que teve conhecimento do presente concurso, soube as condições em que podia concorrer, sendo livre de o fazer ou não, condições essas que se mantiveram inalteradas. / Termos em que se propõe: / - O indeferimento total do pedido formulado pela A…, devendo, após decisão, ser notificada da mesma. (…)» (cfr. Doc. n.° 2 junto com a p. i. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Q. O Conselho Directivo do IEFP deliberou, em 24/08/2006, indeferir o pedido formulado pela A…, SA, deliberação que foi notificada à ora A. através de carta registada com AR, Ofício n.° 3480/AD-AS/06, datado de 29/08/06, tendo o AR sido assinado em 01/09/06 (idem e AR de fls. 3037 do PA – dossier 8/8).
R. Sobre a Informação n.° 1568/AD-AS/06, de 11/08/2006, do IEFP, foi exarada deliberação do Conselho Directivo daquele Instituto, de 31/08/06, do seguinte teor: «Visto em reunião de CD que, face ao informado, deliberou:/ Aprovar o Relatório Final de Análise de Propostas; / Autorizar a despesa no montante de € 247.643,83 com IVA incluído, e a adjudicação à empresa “B…, S.A.; / Aprovar a minuta de contrato.» (cfr. doc. de fls. 3022 a 3024 do PA – dossier 8/8).
S. A ora A. veio intentar a presente acção de contencioso pré-contratual em 29/09/2006 (cfr. registo n.° 38146 do SITAF), nos termos e com os fundamentos constantes da p.i. (aperfeiçoada a fls. 98 e segs. do SITAF), que aqui se dão por reproduzidos na íntegra.
T. O Contrato n.° 20062100081, de Fornecimento de Refeições e Serviço de Bar no Refeitório do Centro de Formação Profissional de , foi outorgado entre o Instituto ora demandado e a adjudicatária B…, SA, em 03/10/2006, com início em 01/01/2007 e terminus em 31/12/2007 (cfr. Cláusula Segunda, 1), «2 – Sem prejuízo do referido no número anterior, o Primeiro Outorgante, nos dois anos subsequentes ao de celebração do contrato inicial, poderá recorrer ao procedimento por Ajuste Directo, para adjudicação dos serviços postos a concurso. (cfr. Cláusula Segunda) – doc. de fls. 3085 e segs. do PA – dossier 8/8.
U. Em 14/12/2006, a A. intentou processo cautelar, registado no SITAF sob o n.° 1392/06.3BESNT e que correu termos por apenso à presente acção de contencioso pré-contratual, requerendo a adopção das providências cautelares de suspensão de eficácia do concurso público internacional n.° AQS.20062100155, com suspensão de eficácia do acto final de adjudicação e, bem assim, a intimação do IEFP, o Instituto requerido, para se abster de celebrar os contratos ou impedir a sua execução no âmbito do Concurso referenciado (cfr. requerimento inicial do processo cautelar apenso aos presentes autos).
V. Em 16/02/2007 foi proferida sentença homologatória da desistência do pedido no processo cautelar identificado em U., constante de fls. 271-273 (do SITAF), com trânsito em julgado.
W. Entre a ora A. e a ora demandada, foram outorgados os contratos n.°s 100/AF-AD/04, 51/DL/2005 e 20065100063, para o fornecimento de refeições e serviço de bar no CFP de  nos anos de Set/2004, 2005 e até 31/12/2006, sendo que os dois últimos foram precedidos de procedimento por Ajuste Directo (cfr. docs. de fls. 216 e segs., fls. 397 e segs. e fls. 400 e segs., respectivamente, do SITAF, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
II.2. DO DIREITO
II.2.1. Como se viu, no despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de caducidade do direito de acção suscitada pela Administração, decisão que o acórdão recorrido manteve (cf. pontos I.2., I.3., I.4., I.5. e I.6., supra).
Importa assim começar por indagar da bondade da decisão proferida a tal respeito por tal vir censurado pela Administração, ao que adere a Recorrida Particular – demandados na acção.
Como ressalta do probatório, a A. apresentou junto do IEFP, em 01/06/2006, reclamação do acto público de abertura do concurso, requerendo, a final, a anulação do presente concurso público procedendo-se à reabertura de um novo assegurando a todos os candidatos iguais direitos procedimentais (cf. ponto K. do probatório atinente ao saneador, equivalente ao ponto M do acórdão), reclamação essa que foi indeferida (cf. ponto M do probatório do saneador a «idêntico ao ponto Q. do acórdão do TAF).
Por seu lado, a decisão de improcedência da referida excepção assentou, essencialmente, na ponderação [por parte do TAF e que o TCAS manteve] que segue:
“Considerando ainda que o acto administrativo sindicado nestes autos é a decisão de indeferimento da reclamação apresentada pela A. do acto público de abertura do concurso AQS20062100155, mediante deliberação proferida em…e que tal acto definiu a situação da A. em termos concretos produzindo efeitos na sua esfera jurídica (cfr. art.°s 120.° do CPA e 51.°, n.°1, do CPTA), cabendo ao A., por com ele não se conformar, impugná-lo no prazo legal de um mês (cfr. art.° 101º, do CPTA), que é o aplicável ao caso dos autos…
Mais considerando que a A. foi notificada do acto em crise, em 01/09/2006… o qual lhe foi notificado através de carta registada com AR datada de 29/08/2006, e que, tendo o prazo legal de um mês para intentar o presente processo de contencioso pré-contratual, veio propor a acção sub judice em 29/09/2006.
Impõe-se concluir, sem necessidade de mais considerandos, que a interposição da presente acção de contencioso pré-contratual se apresenta tempestiva, uma vez que deu entrada em juízo em 29 de Setembro de 2006, data em que o prazo de propositura da mesma ainda se encontrava em curso (sendo o dia 01/10/06, um Domingo, o prazo sempre terminaria em 02/10/06, primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo - art.° 144.º, n° 2, do CPC), como se demonstrou, pelo que não se verifica a invocada caducidade do direito de acção administrativa, improcedendo, destarte, tal excepção dilatória.
E isto, além do mais, porque:
• Pese embora a A. não pudesse reclamar do acto público de abertura do concurso identificado nos autos, por a ele não ter concorrido e não ter estado presente em tal acto, o certo é que a reclamação por ela apresentada em 01/06/2006, foi aceite e apreciada (nos termos gerais constantes dos art.°s 158.° do CPA…), vindo a ser objecto de decisão de indeferimento da pretensão nela formulada, em 24/08/2006…;
• O regime da suspensão do prazo de impugnação, por efeito da utilização de (qualquer) meio de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, nos termos previstos no art.° 59º, n.° 4, do CPTA, disposição legal subsidiariamente aplicável em sede de contencioso pré-contratual (ex vi art.° 100.º, n.°1, in fine, do CPTA - neste sentido vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, p. 513);
• O acto em crise nos presentes autos é, reitera-se, a decisão de indeferimento da reclamação da A., que pediu a anulação do concurso público internacional n.° AQS 20062100155, para prestação de serviços de refeições e serviço de bar para o Centro de Emprego e Formação Profissional de , acto esse que a A. está em prazo de impugnar contenciosamente, no termos supra expostos”.
Ou seja, e em síntese, relevaram para a decisão de improcedência da excepção de caducidade deduzida três ordens de ponderações: (i) a Administração ter aceite e apreciado a reclamação que lhe foi dirigida pela Autora, (ii) a consideração de que a utilização de qualquer meio de impugnação administrativa, como o referido, suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, nos termos previstos no art.° 59º, n.° 4, do CPTA, e que (iii) foi respeitado o prazo de impugnação contenciosa de um mês a que se refere o art.° 101.º, do CPTA), pois que, a A. foi notificada da decisão que indeferiu a reclamação a 29.08.08, e instaurou a acção a 29.09.08 (cf. pontos R. e S. do probatório).
Os recorrentes, no essencial, centram a sua impugnação ao decidido na eleição do momento a quo da reacção/reclamação a levar a efeito no caso (a qual foi deduzida a 1.06.06, sendo que a data da realização do concurso teve lugar a 25.05.06), o qual, na sua óptica, devia situar-se em data anterior à da instauração da sobredita reclamação por parte da A. – concretamente devendo corresponder à da publicitação do concurso (através do 2º aviso-cf. ponto D. dos FACTOS), que teve lugar a 26.04.06.
Daí que contestem a virtualidade de uma reclamação administrativa deduzida extemporaneamente (pese embora a sua apreciação pela entidade que procedeu à abertura do concurso), poder suspender o prazo fixado no artº. 101º do CPTA para a instauração de acção do contencioso pré-contratual.
Refira-se que a sobredita reclamação do acto público da abertura do concurso, a que se refere o ponto M. do probatório, e em que a A. da acção pediu a anulação do mesmo, fez-se radicar, essencialmente, na invocação de que o prazo para apresentação das propostas devia ter sido prorrogado, uma vez que o início da sua contagem deveria ter sido referenciado, não a 11/04/06 (data da publicação do anúncio do concurso), como foi, mas a 26.04.06 (data da publicação da alteração), em virtude da relevância dessa alteração, o que levava a que não terminasse a 24-05-06, como foi considerado, mas antes a 2 (ou 6, o que é irrelevante para o caso) de Junho, por força da interpretação conjugada dos artigos 95.°, n.° 1, 195° e 198.°, do Decreto-Lei n.° 197/99, de 08/06.
Traduziu-se tal alteração no facto de o Programa do Concurso, na versão do 1º anúncio (11/04/06), exigir aos concorrentes a certificação no âmbito do sistema HACCP (quanto a metodologia para a sua implementação), e, posteriormente (na referida data de 26 de Abril de 2006), ter sido retirada tal exigência, do que resultou que os candidatos que não a tinham e não podiam a concorrer (como a A. da acção), passaram a poder fazê-lo.
PROSSEGUINDO.
Decorre do exposto que, não tendo sido oponente ao concurso, por não caber no universo dos candidatos, passou a Autora a ser nele integrada, pelo que apenas com a realização efectiva do acto público do concurso e com o decurso do prazo para apresentação de propostas com referência à publicação do anúncio rectificativo/esclarecedor (seja ele de 54 ou 52, questão que não interessa dilucidar), a Autora soube que a Administração não considerou a contagem do referido prazo previsto nos citados artºs 95º, 195º e 198.° do DL 197/99 com referência à aludida alteração do anúncio, afirmação da A. que nenhum elemento dos autos contraria.
Atendendo ainda à referida situação não tinha que estar presente ao respectivo acto público de molde a poder ali exercer qualquer direito (cf., v.g., artºs 180º a 188º do DL 197/99), sendo ainda que, nos termos do seu artigo 189.º, sem prejuízo do regime previsto nos artigos 180.º a 183.º (recurso das deliberações dos júris tomadas no acto público), os actos proferidos no âmbito desse diploma que não sejam da autoria dos júris ou das comissões são recorríveis nos termos gerais de direito.
Assim, esse acto de indeferimento do pedido de anulação do concurso público, com vista a proceder-se à reabertura de um novo, e que lhe negou a prorrogação do prazo, para a A., encerra, ex novo, uma definição da respectiva situação jurídica.
Ou seja, a referida decisão de indeferimento por parte do IEFP, de que foi notificada a 1.09.06, para além de constituir um acto administrativo com eficácia externa, é, manifestamente, dotado de um conteúdo susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos da A., e daí que, à luz do que decorre do artº 268º, nº 4, da CRP e 51º do CPTA, constitua um acto administrativo impugnável por ser idóneo a produzir efeitos imediata, actual e efectivamente lesivos daqueles direitos ou interesses, relacionados com a possibilidade de ser oponente ao concurso. Isto independentemente do exacto alcance a atribuir ao nº 4 do artº 59º do CPTA, o que, por isso, não interessa levar a efeito Sobre o qual este STA já tomou posição, pelo menos, nos acórdão de 13-03-2007-rec. 01009/06, e de 17-12-2008- 0841/08..
Assim, e com os fundamentos acabados de enunciar, deve manter-se a decisão das instâncias no sentido da improcedência da excepção de caducidade deduzida, e considerar tempestiva a acção.
II.2.3. A Autora na presente acção de contencioso pré-contratual pediu:
- A anulação do acto de indeferimento de reclamação em que pediu a anulação do concurso publico internacional n.° AQS 20062100155, para prestação de serviços de refeições e serviço de bar para o Centro de Emprego e Formação Profissional de ;
- A efectiva anulação do concurso publico internacional n.° AQS 20062100155, e
- A anulação de todos os actos que eventualmente tenham sido praticados no âmbito do concurso nomeadamente o acto de abertura de propostas e selecção de candidatos, o acto de apreciação de propostas e hierarquização dos concorrentes e o acto final de adjudicação.
II.2.4. Recordem-se como elementos mais relevantes da causa de pedir, e julgados provados [para além do já referido a respeito da excepção de caducidade], os seguintes:
- O referido concurso público foi publicitado mediante anúncio publicado, designadamente, no DR n.° 72, III Série, de 11/04/2006, de cujo ponto III.2.3, sob a epígrafe «Capacidade técnica (…», consta, mormente, que, «Informação e formalidades necessárias para verificar o cumprimento dos requisitos: (...) d) Apresentação da metodologia para implementação da HACCP – Hazard Analysis Critical Control Point, Plano de Controlo dos Pontos Críticos, bem como a respectiva certificação, no âmbito da HACCP (cf. ponto B. dos FACTOS);
- A 26/04/2006, também no DR III Série, foi publicado que relativamente ao referido anúncio do mesmo concurso, onde se lê «Apresentação de metodologia para implementação da HACC – Hazard Analysis Critical Control Point, Plano de Controlo do Pontos Críticos, bem como a respectiva certificação, no âmbito da HACCP» deve ler-se «Apresentação da metodologia para implementação da HACCP Hazard Analysis Critical Control Point, Plano de Controlo do Pontos Críticos» (cf. ponto D dos FACTOS). Isto é, desapareceu a aludida referência à necessidade de certificação.
- O prazo para entrega das propostas relativas ao concurso terminava [segundo a Administração] em 24/05/2006, às 17 horas e, o acto público do mesmo concurso realizava-se em 25/05/2006, às 10 horas, sendo que ao «(…) Acto público pode assistir qualquer interessado, apenas podendo nele intervir os concorrentes e seus representantes, devidamente credenciados.» (cf. ponto F.).
- O acto público do concurso teve lugar em 25/05/2006, pelas 10 horas, tendo sido admitidos ao concurso os concorrentes…, não tendo a Autora apresentado proposta, nem tendo estado presente no acto público de concurso referenciado (cf. pontos K. e L.).
- por deliberação do Conselho Directivo do IEFP, de 31/08/06, foi adjudicado (à empresa “B…, S.A.) o fornecimento a que respeita o concurso em causa, tendo sido outorgado o respectivo contrato.
- a A. intentou a presente acção de contencioso pré-contratual em 29/09/2006.
II.2.5. Traduzia-se a pretensa ilegalidade, na óptica da Autora da acção, e como já se aludiu, na circunstância de ter sido publicado um anúncio (o de 26/04/2006) que teria operado uma “alteração substancial” ao Programa do Concurso (PC) com incidência no prazo de apresentação das propostas (ilegalidade que deveria ter consequenciado o alargamento desse prazo), sem o que seriam violados princípios que regem o concurso com destaque para o princípio da igualdade concursal.
II.2.6. No entanto, para o TAF, com a enunciada conduta pré-contratual não se incorreu em qualquer ilegalidade pois que, e no essencial, o aviso de abertura de concurso deve conformar-se com respectivo programa de concurso (e não o inverso), devendo manter-se inalterado durante a pendência do procedimento a que respeita, sob pena de violação do princípio da estabilidade, do que resultaria que, perante uma discrepância existente entre o PC e o anúncio que publicita a abertura do procedimento concursal, sempre prevalecerão as regras definidas no PC, ainda que o anúncio não tivesse sido objecto de rectificação, por forma a conformá-lo com as regras do concurso que, tão-somente, visa publicitar.
Impor-se-ia, assim, concluir, face ao cotejo do que constava no PC com a rectificação operada (pelo anúncio de 26/04/2006) ao respectivo Anúncio de abertura, que a mesma não buliu com as regras do Concurso, visando, apenas, corrigir uma divergência entre a vontade real (expressa na regulação do concurso-PC) e a vontade declarada no Anúncio de abertura do concurso, a qual era passível de rectificação, nos termos legais (art.° 148.° do CPA), sem que tal contendesse com os princípios da legalidade e da estabilidade concursal, pelo que, face à rectificação operada pelo falado 2º Anúncio, não deveria o prazo limite fixado para apresentação/entrega de propostas ter sido prorrogado, como propugnava a A.
II.2.7. Não foi, porém, esse o entendimento do TCA, para quem a referida conduta administrativa era susceptível de ter criado desigualdades entre os potenciais candidatos, “pois que os que não tinham a aludida certificação no âmbito do HACCP podiam afinal concorrer, condição que apenas foi anunciada em anúncios posteriores, pouco importando apurar que a recorrente já se tivesse eventualmente apercebido do lapso cometido, que não tivesse assim apresentado proposta, ou até que estivesse desinteressada no concurso, pois que as ilegalidades cometidas terão de ser apreciadas de forma objectiva, tendo assim sido violado o princípio da igualdade concursal, o disposto no art° 6°/1 do Programa do concurso, bem como os artºs 95°/1 e 3 e 98°/1 do DL nº 197/99, de 8/6, ilegalidades que contaminaram todo o procedimento concursal e o acto final de adjudicação à contra-interessada B…, SA” (do acórdão recorrido).
II.2.8. Para os recorrentes, em síntese, na esteira do decidido pelo TAF, em caso de divergência entre o que consta do anúncio e o que consta do programa do concurso, este deve prevalecer sobre aquele, como decorreria do art.° 89° do DL 197/99, para além de não ser verosímil que alguém se apresente a um concurso com base apenas no conhecimento do anúncio do concurso e não procure inteirar-se também do que consta do programa do concurso e do caderno de encargos que o próprio anúncio declara constituírem a base do concurso e estarem à disposição dos interessados.
Também, tal como decidido no TAF, o anúncio de 11 de Abril de 2006 conteria um mero erro de escrita – uma menção que não constava do programa do concurso – o qual era perceptível no processo concursal através do confronto do anúncio com o Programa do Concurso, o que o anúncio de 26 de Abril de 2006 rectificou.
E, uma tal rectificação não determina a prorrogação do prazo de apresentação das propostas.
Quid juris?
Como decorre do já exposto, o que está essencialmente em causa reconduz-se à circunstância de ter sido publicitado um concurso, regulado pelo DL 197/99, em termos que, com a inclusão (no respectivo anúncio) de um determinado requisito - certificação no âmbito da HACCP da metodologia para implementação desse mesmo sistema de HACCP -, a Autora da acção não poderia ser opositora ao mesmo concurso.
Tendo, posteriormente, sido eliminada desse anúncio (através de uma rectificação/esclarecimento daquele primeiro anúncio-cf. pontos C. e D. dos FACTOS) a exigência desse requisito, passou quem não o detinha, como era o caso da A., a poder candidatar-se ao mesmo.
E, tendo o acto público do concurso sido realizado e havendo sido estabelecido (e mantido) quanto à apresentação de propostas o respectivo prazo com referência ao aludido 1º anúncio (independentemente, pois, do esclarecimento contido no segundo anúncio referido), a única questão que se coloca é a de saber se um concurso efectivado num tal condicionalismo viola algum dos princípios que regem o concurso, concretamente se a Administração dispensou a todos os interessados um tratamento igualitário como lhe é imposto pelo bloco de legalidade a que o concurso deve obediência.
Refira-se que “não obstante os princípios constitucionais da actividade da Administração Pública e os princípios consagrados no Código do Procedimento Administrativo terem vocação para se aplicar à matéria disciplinada pelo presente diploma” (in preâmbulo do DL 197/99), o artigo 9.º deste diploma legal estabelece que, “Na formação dos contratos públicos devem proporcionar-se iguais condições de acesso e de participação dos interessados em contratar, segundo critérios que traduzam juízos de valor dos aspectos decisivos para contratar, coordenados com o objecto específico do contrato” (nº 1), e que, “Iniciado o procedimento, não pode ser feita discriminação de qualquer natureza entre os interessados em contratar nem admitir-se qualquer interpretação das regras que disciplinam a contratação que seja susceptível de determinar uma discriminação entre os concorrentes e aqueles que não apresentaram candidaturas ou propostas” (nº 2).
Convoque-se ainda o artigo 10.º do mesmo DL, o qual preceitua que, "Na formação dos contratos deve garantir-se o mais amplo acesso aos procedimentos dos interessados em contratar, e em cada procedimento deve ser consultado o maior número de interessados, no respeito pelo número mínimo que a lei imponha”.
Ora, na ausência de prova que convença que a A. teve conhecimento do que constava no Programa do Concurso (PC) a respeito do aludido requisito (pelo menos em termos de poder quanto a si ser observado prazo idêntico ao dos concorrentes ao concurso) fica prejudicada a discussão sobre a prevalência do PC relativamente ao anúncio e, bem assim, da qualificação como mero erro de escrita a apontada divergência entre ambos os referidos anúncios.
Assim, no descrito condicionalismo, impõe-se concluir que faltou ao interessado A. da acção o referido tratamento igualitário.
É que, “a vinculação da Administração pelo princípio da igualdade encontra os seus fundamentos mais relevantes [na] proibição de medidas administrativas portadoras de incidências coactivas desiguais (encargos ou sacrifícios) na esfera jurídica dos cidadãos (igualdade na repartição de encargos e deveres) …” (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP, Anotada-3ª ed., a p. 130).
Ora, no descrito condicionalismo não foram proporcionadas iguais condições de acesso e de participação a todos os interessados em intervir no contrato decorrente do concurso, verificando-se uma real discriminação de acesso entre os que detinham a aludida certificação (que podiam desde logo preparar a sua candidatura) e os que não a detinham (que apenas com o 2º aviso o podiam fazer), tudo por força de uma conduta indevida da Administração que, objectivamente, encurtou aquele prazo para os segundos.
E, como à discriminação que ocorreu não assiste qualquer fundamento ou justificação material terá a mesma que considerar-se como violadora do núcleo essencial dos princípios da igualdade e, por via disso, também da concorrência.
Mas, assim sendo, impõe-se manter o acórdão recorrido.
III. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos acordam em negar provimento à revista:
- mantendo, com a fundamentação enunciada, o julgamento de improcedência da excepção de caducidade da acção; e
- de procedência da acção (cf. I. 7.).
Custas pelos RR IEFP-IP e pela B…-SA, fixando-se a taxa de justiça, respectivamente em 10 UCS e em 8 UCS.
 Lisboa, 11 de Março de 2009
 João Manuel Belchior (Relator)
António Políbio Ferreira Henriques
Rosendo Dias José

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