terça-feira, 27 de novembro de 2012

CONCURSO - JULGADO ANULATÓRIO – EXECUÇÃO – INDEMNIZAÇÃO - VALOR EQUITATIVO



Proc. Nº 01509/09.6BEPRT-A    12 de Outubro de 2012    TCANorte

1. O afastamento ilegal de um concurso, com perda de uma oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, com repercussão remuneratória, é um bem cuja perda é indemnizável.
2. Não podendo ser efectuada com exactidão a quantificação desta perda, é de fixar a indemnização através de um juízo de equidade, em sintonia com o preceituado no nº 3 do artigo 566º do Código Civil.
3. Num caso em que o valor do lucro total expectável com a adjudicação era de 3.819,60 € (três mil oitocentos e dezanove euros e sessenta cêntimos) pelo período inicial de vigência do contrato e no período complementar, incerto, poderia ascender a 19.000,00 € (dezanove mil euros) e existindo 5 concorrentes no concurso anulado, entre eles o Exequente, mostra-se equitativo e justo fixar a este título uma indemnização de 4.000 euros (quatro mil euros), que a Entidade Executada considerou aceitável pagar

EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., veio interpor, a fls. 95 e seguintes, RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fls. 86 e seguintes, pela qual foi fixada em 10.000 € a indemnização devida pela verificação de causa legítima de inexecução da sentença proferida no âmbito do processo pré-contratual a que os presentes autos se encontram apensos, instaurado pela ora Exequente FS. …, S.A..

Invocou para tanto, em síntese, que a indemnização arbitrada é excessiva, não devendo em termos equitativos ultrapassar os 4.000 €.

A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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São estas as conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto:

1ª - A adequada ponderação das circunstâncias invocadas impõe uma redução equitativa do montante arbitrado, designadamente i) a repetição de processos judiciais, um porá cada procedimento concursal, num total de treze processos, ii) a circunstância de a exequente ter ainda assim sido contratada por repetidos períodos de tempo, em simultâneo com a tramitação dos procedimentos a cuja habilitação se candidatou;

2ª - Para tal mostra-se imprescindível que a fixação respeite padrões de equidade, moderação e comedimento;

3ª - Sob pena de a exequente alcançar com a soma dos valores ressarcitórios – em treze processos – um montante que excederia tudo o que razoavelmente pudesse estabelecer-se numa negociação;

4ª - Em padrão que a Administração entende que não deveria exceder os 50 ou 60 mil euros para o conjunto dos processos envolvendo a exequente;

5ª - A única questão a decidir é assim a de saber se é ou não justamente possível fixar o valor constante da decisão, que se afigura excessivo e inconsidera o contexto dos inúmeros processos, análogos e replicáveis instaurados pela exequente;

6ª - Ao decidir como o fez, não obstante o seu mérito geral intrínseco, violou a douta sentença recorrida os princípios da equidade e da justiça.

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Matéria de facto com relevo:

. Pela sentença proferida no âmbito do processo pré-contratual a que os presentes autos se encontram apensos, foi declarada a ilegalidade do artigo 5º, 6º e 12º do Programa do Concurso em apreço e dos correspondentes artigos da metodologia constante do anexo I, determinando-se que a R. procedesse à correcção das mesmas, face às ilegalidades de que os mesmos padeciam.

. No âmbito dos procedimentos de ajuste directo n.ºs 07/2009, 11/2009, 16/2009 e 28/2009 (procedimentos em que não eram exigidos os condicionalismos que foram declarados ilegais), a ARS convidou a Fénix a apresentar proposta para a prestação de serviços idênticos aos que estavam em causa no procedimento em causa (vigilância em algumas unidades de saúde) e as propostas apresentadas pela Exequente foram objecto de adjudicação.

. A Exequente tem vindo a executar idênticas prestações de serviço à Executada desde antes de 2006, sem que tenha sido alvo de quaisquer reparos formais.

. O preço base do procedimento em causa era de € 47.745,00 e o contrato a celebrar teria a duração de seis meses, até 31.12.2009.

. Com o procedimento em causa pretendia-se seleccionar cinco candidatos.

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O enquadramento jurídico.

Ficou definido por decisão transitada em julgado, a fls. 76-77, que ocorreu causa legítima de inexecução do julgado anulatório proferido nos autos principais e aqui dado à execução.

Não cabe por isso discutir essa questão.

Apenas se discute agora o valor indemnizatório, a fixar entre 10.000 €, como ficou definido na sentença ora impugnada e pretende a Recorrida, e 4.000 €, como defende a Recorrente.

Determina o n.º 1 do artigo 166° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“Quando o tribunal julgue procedente a oposição fundada na existência de causa legítima de execução, ordena a notificação da Administração e do exequente para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante de indemnização devida pelo facto da inexecução...”.

Na interpretação deste preceito é pacífico o entendimento de que se pretende por esta via legal assegurar ao exequente, no âmbito de um processo declarativo simplificado, uma compensação “pelo facto da inexecução”, e apenas por este facto.

“O processo executivo não podia proporcionar ao exequente a reparação de todos os possíveis danos que a actuação ilegal da Administração lhe pudesse ter causado. Não faz, por isso, sentido atribuir esse alcance ao mecanismo indemnizatório previsto neste artigo, que apenas visa compensar o exequente pelo facto de o processo executivo se ter frustrado.” - Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, página 1079.

Neste sentido também se pronunciou o Acórdão do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.12.2010, processo n.º 047579ª.

Assim, sendo declarada causa legítima de inexecução, a indemnização a fixar no âmbito do processo executivo refere-se aos danos resultantes da inexecução do julgado anulatório, em si mesma, e não aos danos que possam resultar da actuação ilegítima da Administração.

Ora a Recorrente invoca essencialmente o lucro expectável.

Invoca que previa obter, com a adjudicação da respectiva proposta no procedimento pré-contratual em causa, e a posterior celebração do contrato, uma margem de lucro não inferior a 8%, o que equivaleria a € 3.819,60 (três mil oitocentos e dezanove euros e sessenta cêntimos) pelo período inicial de vigência do contrato - sem prejuízo do montante adicional que poderia decorrer da prorrogação do contrato por parte da ARS, pelo período até 3 (três) anos e que se encontrava prevista, montante esse que, nesse período complementar, poderia ascender, tendo em consideração a mesma margem de lucro prevista, a € 19.000,00 (dezanove mil euros).

Ora, desde logo, importa reter que a execução do julgado não se traduziria na adjudicação do objecto do concurso à ora Recorrente mas apenas na renovação do procedimento com a eliminação de exigências constantes do Programa do Concurso.

O que é um elemento importante para fixar a indemnização equitativa devida.

Tendo desde logo por referência o próprio lucro expectável indicado pela Recorrente, a admiti-lo como certo.

Isto porque, como é bom de ver, não pode a indemnização pela inexecução ser igual ou superior ao lucro que a Recorrente obteria na melhor das hipóteses, incerta, de lhe ser adjudicado o objecto do concurso, sob pena de enriquecimento ilegítimo e de se tornar impraticável lançar concursos públicos face ao risco dos valores indemnizatórios a pagar na hipótese, sempre plausível face à complexidade das exigências legais, de o resultado do concurso ser anulado.

Sendo certo que a defender-se a indemnização deste “prejuízo” em valor igual ao do lucro expectável, e tendo todos os candidatos no concurso que tivessem recorrido do acto de adjudicação igual direito de indemnização, a Administração teria uma despesa com o concurso tantas vezes superior ao previsto quantos os candidatos descontentes, o que seria economicamente insuportável.

Em todo o caso, a frustração da possibilidade – que efectivamente tinha – de lhe ser adjudicado o objecto do concurso, deve ser considerada na fixação da indemnização em apreço, pela impossibilidade de execução do julgado.

Do que se trata é de determinar “uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado” (Mário Aroso de Almeida, “Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes”, pág. 821).

Como se defende no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.02.2011, no processo n.º 0891/10 (ponto III do sumário):

“Se não é já possível retomar o procedimento por a empreitada se mostrar totalmente executada, o concorrente que obteve a anulação tem direito a uma compensação pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença anulatória lhe teria proporcionado.”

Este acórdão vem aliás confirmar uma jurisprudência que se foi firmando e sintetizada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.9.2009, recurso n.º 634/09, deste modo:

“i) o afastamento ilegal de um concurso, com perda de uma oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, com repercussão remuneratória, é um bem cuja perda é indemnizável e que (ii) não podendo ser efectuada com exactidão a quantificação desta perda, é de fixar a indemnização através de um juízo de equidade, em sintonia com o preceituado no nº 3 do art. 566º do C. Civil.”

Ou, como se extrai do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.02.2009, proc. 47472-A:

“ …entendemos que a perda da situação vantajosa da exequente merece ressarcimento, tendo em conta, primeiro, que a despeito da incerteza acerca da futura obtenção do ganho, a exequente estava em situação de poder vir a alcançá-lo, isto é, estava investida de uma oportunidade real, segundo, que esta é um bem em si mesmo, um valor autónomo e actual, distinto da utilidade final que potencia, terceiro, que, por isso, a perda da oportunidade de conseguir o ganho, não é uma mera expectativa mas um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração e quarto, que a perda da situação jurídica, por causa legítima de inexecução, dá lugar a um dever objectivo de indemnizar”.

Não sendo possível determinar o valor exacto dos danos resultantes da inexecução, como é o caso, o tribunal julgará equitativamente, nos termos do disposto no artigo 566º, n.º3, do Código Civil (neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.10.2008, processo 042003ª, e de 30.09.2009, processo 634/09; e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 05.11.2009, processo n.º 00978/04.5BEBRG).

No caso concreto haverá de atender ao seguinte circunstancialismo:

1.º O valor do lucro total expectável de 3.819,60 (três mil oitocentos e dezanove euros e sessenta cêntimos) pelo período inicial de vigência do contrato e no período complementar, incerto, que poderia ascender a 19.000,00€ (dezanove mil euros).

2.º O facto de terem sido admitidos no concurso anulado 5 concorrentes, entre eles, a ora Recorrente.

3.º O tempo decorrido desde a anulação do concurso.

Face a todos estes elementos e tendo em conta, repete-se, que não está aqui em causa uma indemnização pelos prejuízos causados directamente pela prática do acto anulado, mas antes, uma indemnização pela impossibilidade de execução do julgado anulatório, mostra-se equitativo e justo fixar a este título uma indemnização de 4.000 euros (quatro mil euros), um valor superior ao lucro expectável no período inicial de vigência do contrato e também superior a de 1/5 do lucro global, expectável no somatório com período complementar.
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Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em conceder provimento ao recurso, pelo que:

A) Revogam a sentença recorrida e fixam o valor indemnizatório a pagar pela Executada à Exequente, como compensação pela inexecução do julgado anulatório em 4.000 € euros (quatro mil euros).

Custas pela Exequente.
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Porto, 12 de Outubro de 2012

Ass. Rogério Martins
Ass. João Beato Oliveira Sousa
Ass. Antero Pires Salvador

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