sexta-feira, 23 de novembro de 2012

PROVIDÊNCIA CAUTELAR CONSERVATÓRIA - FUMUS BONI JURIS - ACÇÃO PRINCIPAL - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA



Proc. Nº 437/12    STA    11 de Setembro de 2012

I - O requisito do fumus boni iuris ou da aparência do bom direito basta-se com um juízo perfunctório, necessariamente sumário e sempre provisório, quanto à procedência da acção principal.
II - É que, como decorre do artº112º, nº1, in fine, do CPTA, a adopção de providências cautelares, sejam conservatórias, sejam antecipatórias, visa apenas assegurar a utilidade da sentença a proferir na acção principal e não antecipar a decisão a proferir nessa acção.
III - Tratando-se de providências conservatórias, para que se dê por verificado o fumus boni iuris basta que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento do mérito ( cf. artº120º, nº1, b), in fine, do CPTA- fumus boni iuris, na sua formulação negativa).
IV - A procedência ou a improcedência da acção principal é manifesta, para efeitos da al. a) e da al. b) do nº1 do artº120º do CPTA, quando não ofereça quaisquer dúvidas quanto à legalidade ou ilegalidade do acto, podendo ser facilmente detectada face aos elementos constantes do processo e pela simples leitura e interpretação elementar da lei aplicável, sem necessidade de outras averiguações ou ponderações. Na verdade, o que é manifesto, é líquido, salta à vista, não oferece dúvida.
V - O que não acontece, quando as questões suscitadas na acção principal, geraram abundante e divergente jurisprudência, levando à alteração, pela Lei nº62/2011, de 12.12, das normas do Estatuto do Medicamento, aos abrigo das quais os actos de AIMs impugnados foram praticados, sendo que vem arguida a inconstitucionalidade material daquelas normas, bem como do artº9º, nº1 da citada Lei que lhes atribui natureza interpretativa
Acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo:

I - RELATÓRIO

A……… (“A………”), com os sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a fls. 1468 e segs., que negou provimento ao recurso interposto, pela ora recorrente, da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, proferida a fls. 984 e segs., que lhe indeferiu o presente pedido cautelar.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1. A apreciação da aplicação ou desaplicação da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro tem que conduzir à conclusão de que o presente recurso excepcional de revista reveste uma utilidade jurídica fundamental dada (i) a dificuldade que suscitam as operações exegéticas necessárias à decisão das questões ora colocadas a este tribunal e a (ii) probabilidade de tais questões serem colocadas em litígios futuros.
2. O presente recurso jurisdicional diz respeito a questões de relevância jurídica e social fundamental, que revestem importância jurídica excepcional por envolverem princípios, normas e direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica nacional e supranacional.
3. A Lei nº 62/2011 não tem qualquer relevância para a questão que nos ocupa, e não devia ter sido aplicada pelo Tribunal a quo ao caso vertente, por carência dos pressupostos para a sua aplicação.
4. Os pedidos formulados na acção principal fundamentam-se, além do mais, na circunstância de a AIM, bem como a aprovação de PVP, terem por objecto mediato uma actividade – a comercialização dos medicamentos genéricos da Contra-interessada – violadora dos direitos de patentes da Requerente, ora Recorrente, que constituem um direito fundamental de natureza análoga à dos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artº17º da Constituição, considerada pela lei como um crime.
5. Nessa acção não se defende que a AIM ou a aprovação de PVP em causa sejam, per se, violadores dos direitos de patente invocados pela ora Recorrente.
6. Na acção principal a Recorrente invocou a nulidade dos actos de concessão de AIM destes autos com base nos dispositivos do artigo 133º, nº2, alíneas c) e d) do artigo 135º, ambos do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), por tais actos serem violadores do conteúdo essencial do seu direito fundamental emergente da patente e certificado complementar de protecção dos autos e porque a actividade por eles licenciada é uma actividade criminosa, punida como tal pelo artigo 321º do Código de Propriedade Industrial.
7. Mais invocou que o mesmo acto era inválido, nos termos do artº135º do CPA, por ter como única finalidade a de permitir uma prática comercial ofensiva de vinculações que para o Estado derivam dos efeitos que a lei atribui a um acto administrativo desse mesmo Estado que lhe era anterior, ofendendo, nomeadamente, o artigo 18º da Constituição que tem aplicação directa.
8. A Lei nº62/2011 não revogou nem modificou as normas dos artigos 133º e 135º do CPA e, por isso, dela não pode decorrer que a acção principal deva ser julgada improcedente.
9. O que se pretende, em suma, na acção principal, é a verificação da ilegalidade do acto administrativo de concessão da AIM e do PVP e não a sindicância da observância de regras procedimentais pelo INFARMED ou pela DGAE, respectivamente.
10. A nova forma do artigo 23º-A do Estatuto do Medicamento não impede a declaração de ilegalidade de uma AIM pelos Tribunais com base na violação de direitos de patente decorrente da comercialização de um medicamento por ela consentida e, mesmo imposta.
11. As normas dos artigos 25º, nº2 e 179º, nº1 do Estatuto do Medicamento, com a redacção que lhes foi dada pela Lei nº62/2011, têm de ser entendidas como contendo uma proibição procedimental de o INFARMED sindicar a existência de direitos de propriedade industrial no contexto de processos de concessão de AIMs, mas não como uma revogação dos artigos 133º e 135º do CPA nem um impedimento de os Tribunais apreciarem a validade dos actos praticados pelo INFARMED à luz desta disposições.
12. As referidas normas não têm, assim, a virtualidade de impedir que os Tribunais sindiquem a validade de uma AIM que, com violação dos preceitos constitucionais e das normas gerais aplicáveis ao procedimento administrativo, licencie a comercialização de medicamentos violadores de patentes de terceiros.
13. Se, porém, tais normas forem entendidas – o que não deriva do seu texto – como contendo uma proibição absoluta de que o INFARMED aprecie, no contexto daquele acto administrativo, a eventual avaliação da violação direitos de propriedade industrial, tais disposições serão inconstitucionais, por violação nomeadamente do artigo 18º da Constituição, por falta de uma protecção mínima adequada de um direito fundamental devida pela Administração Pública, como tem vindo a ser consistentemente declarado pelo Tribunal Central Administrativo do Sul.
14. As considerações acima expostas acomodam-se mutatis mutandis à aplicação do artigo 8º da Lei nº62/2011,ao pedido de suspensão do acto de aprovação de PVP pela DGAE.
15. As disposições constantes do artigo 19º, nº8, do artº23-A, nº1 e 2, do artº25º, nº2 e do artº179º, nº2 do Estatuto do Medicamento – na redacção conferida pelo artigo 4º da Lei 62/2011-, bem como o artº8º, nº1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, acima referidas, são insusceptíveis de obstarem à procedência da acção principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos actos impugnados, ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Requerente e, consequentemente, também não poderão obstar à procedência do presente processo cautelar.
16. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do artigo 19º, nº8, do artigo 23º-A, nº1 e 2, do artigo 25º, nº2 e do artº179º, nº2 do Estatuto do Medicamento – na redacção conferida pelo artigo 4º da Lei 62/2011, bem como o artigo 8º, nº1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contém uma proibição absoluta de que o INFARMED e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objecto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respectivos requerimentos de concessão de AIMs e de aprovação de PVPs para tais medicamentos, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17º, 18º, 62º, nº1 e 266º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade.
17. A norma do artº9º, nº1 da Lei nº62/2011 é também inconstitucional, pois que ao atribuir natureza interpretativa às normas da mesma Lei, procura o objectivo de lhes atribuir efeito retroactivo, com vista a atingir situações criadas ao abrigo de leis pré-existentes, como é o caso do acto de concessão de AIM e de PVP em crise.
18. Tal desiderato não pode, neste caso, ser atingido sem violação da Constituição que, no seu artigo 18º, nº3, proíbe a atribuição de efeito retroactivo a normas restritivas de direitos, liberdades e garantias.
19. A alteração legislativa levada a cabo pela Lei nº62/2011 não alterou os fundamentos em que se baseia a pretensão da ora Recorrente na acção principal de que estes autos cautelares são dependentes.
20. Com vista a « uma melhor aplicação do direito», deve este Venerando Tribunal considerar verificada a existência de fumus boni iuris, por aplicação de normativos que não os que constam da Lei nº 62/2011, uma vez que não têm qualquer relevância no litígio que nos ocupa.
21. São necessários à boa decisão da causa os seguintes factos, desconsiderados pelo douto acórdão recorrido:
– a substância Telmisartan foi descrita pela primeira vez pela patente Alemã DE1991-4103492, de 06 de Fevereiro de 1991;
– A EP 502314 foi pedida a 31.01.1992 pela A………, reivindicando a prioridade do pedido da patente Alemã DE1991-4103492, de 06.02.1991, de acordo com o artº88º da Convenção de Patente Europeia de 1973.
- De acordo com a enciclopédia clássica “The Mercks Index”, 13ª Edição, as primeiras referências ao Telmirsartan foram a EP 502314 (cfr. Doc. Nº2 que se junta e dá por integralmente reproduzido).
Concluindo-se, tal como alegado nos artº12º e 65º do Requerimento inicial:
“A EP 502314 B tem por objecto um processo de fabrico de um produto novo – o Telmisartan
22. Devendo dar-se por verificada a existência de fumus boni iuris, deve ser então apreciado por este Tribunal o requisito do periculum in mora, nos termos do artigo 150º, nº3 do CPTA.
23. O não decretamento da providência requerida levará com toda a probabilidade ao lançamento dos medicamentos dos autos no mercado, o que determinará uma situação de facto consumado, já que a eliminação do exclusivo de comercialização da Recorrente será na prática eliminado sem possibilidade de vir a ser restabelecido, uma vez que os direitos da Recorrente caducarão antes de decorrido o prazo normal de julgamento definitivo da acção principal e jamais lhe poderá ser concedido novo prazo de tal exclusivo pelo período que perdurar a venda ilegal dos medicamentos da Contra-Interessada.
24. Verifica-se assim a situação de « fundado receito de constituição de facto consumado» a que se reporta o artº120º, nº1, alínea b) do CPTA, ou seja, encontra-se verificado o requisito do «periculum in mora».
25. A douta sentença recorrida fez uma interpretação e aplicação erradas dos preceitos da Lei nº62/2011, de 12 de Dezembro acima citados, nos termos também acima expostos, violando, entre outros, os artigos 17º, 18º, 62º, nº1 e 266º da Constituição da República Portuguesa, 133º, nº2, alíneas c) e d) e 135º do CPA e ainda o artigo 120º, nº1, alínea b) do CPTA.
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Contra-alegou o MINISTÉRIO DA ECONOMIA E DO EMPREGO ( MEI), concluindo assim:
A. É sabido que a lei reserva exclusivamente para os casos mais relevantes do ponto de vista jurídico e social, instituindo um sistema de filtro na sua admissão, orientado pelos pressupostos enunciados no0 artº150º do CPTA, estabelecendo o nº2 do artigo 150º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos que “ A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual».
B. Ora, o Recurso de Revista tem, pois, natureza excecional e o seu âmbito de intervenção deve restringir-se aquelas matérias de maior importância, e em função da sua relevância jurídica ou social, o que não se verifica in casu.
C. Na verdade, não existindo no caso em apreço qualquer violação de lei ou sequer erro na decisão contida no Acórdão recorrido.
D. Pelo que bem andou o Tribunal Central Administrativo Sul ao decidir como decidiu.
E. Consideramos, pois, não existir qualquer erro manifesto ou grosseiro na decisão contida no Acórdão recorrido, não se verificando ofensa de qualquer disposição legal.
F. De facto, nos termos do artigo 14º, nº1 do Estatuto de Medicamento, uma vez obtida a autorização do órgão máximo do Infarmed, e com base na mesma, a empresa farmacêutica deverá dirigir-se à Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE), a quem compete fixar os PVP’s dos medicamentos abrangidos por tal regime.
G. Na verdade, compete à DGAE a fixação dos PVP’s e não a análise dos direitos de propriedade industrial da R. resultantes da Patente e do CCP.
H. Neste sentido vai a Lei nº62/2011, de 12 de dezembro, a qual veio alterar o Decreto-Lei nº176/2006, de 30 de agosto, bem como o regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado pelo Decreto l Lei nº48-A/2010, de 1 de Outubro.
I. De referir, desde logo, que nos termos do artigo 9º do supra-mencionado diploma legal, se determina com efeitos “ ope legis” que as normas ora em apreço têm natureza interpretativa, integrando-se, por isso, na lei interpretada (cf. artigo 13º, nº1 do Código Civil), pelo que, consequentemente, o novo regime descrito é aplicável ao caso em apreço, ainda que o processo tenha sido instaurado antes da entrada em vigor desta lei.
J. Ora, estipula o artigo 8º desta Lei, com a epígrafe “Autorização de preços de medicamento” que:
“1. A decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que aquela conduz, não têm por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
2. A autorização do PVP dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos.
3. O pedido que visa a obtenção da autorização prevista nos números anteriores não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
4. A autorização do PVP do medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial” (negritos e sublinhados da nossa autoria).
K. Resulta, assim, desde logo, manifestamente claro que a existência de direitos de propriedade industrial não pode ser considerada ou ponderada nos procedimentos e decisões de aprovação de PVP.
L. Ora, a autorização do PVP dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos, não podendo ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
M. De facto, no âmbito do procedimento administrativo de fixação de PVP, está legalmente vedado à DGAE, a consideração ou ponderação quanto à existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
N. Aliás, já antes da entrada em vigor da supra citada lei esse Colendo Supremo Tribunal Administrativo se havia pronunciado no mesmo sentido no âmbito da legislação agora em vigor. Veja-se pois a título de exemplo, o Acórdão de 08.09.2011, Processo nº0508/11, o qual refere que:
“(…) É, pois, claríssimo que os actos do Infarmed, cuja eficácia o TCA-Sul suspendeu não podem enfermar dos vícios que a requerente da providência lhes atribui e em que disse fundar a acção principal, vícios esses radicados num seu direito de propriedade industrial. (…) E como sucede com todas as evidências, também esta não se esfuma pelo facto de haver quem se obstine em negá-la. Como dissemos, o próprio tipo dos actos que o Infarmed praticou – (…)- é revelador, num primeiro olhar, que tais actos não podem ser eficazmente atacados a pretexto de que a correspondente AIM ofendeu um direito de propriedade industrial da aqui recorrida. E, como toda a argumentação que esta esgrime contra a legalidade dos actos do Infarmed se baseia nesse seu direito, logo se vê que a acção principal deve ser considerada, desde já, manifestamente inviável – o que à luz do artigo 120º, nº1, al.b) do CPTA e dada a índole cumulativa dos requisitos da providência, constitui razão suficiente do indeferimento do pedido de que se suspenda a eficácia daqueles actos.(…)
Por outro lado, a obtida certeza de que é manifesta a falta de fundamento da acção principal, implicando, como referimos, o imediato indeferimento do pedido de suspensão de eficácia, prejudica qualquer análise de outra questão posta pela recorrente ligada à ponderação de interesses.
Resta dizer que o indeferimento do pedido de suspensão obriga a que se deva também indeferir o pedido de intimação da DGAE ( através da demanda do Ministério da Economia e da Inovação)- pois, e como o acórdão recorrido bem assinalou, este segundo pedido depende absolutamente do êxito do primeiro, não podendo vingar na sua ausência (…)” – negrito e sublinhado nossos.
O. Em suma, por todo o exposto e tendo por bem decidida a questão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, não deve o presente recurso de revista ser admitido, por não se verificarem os pressupostos do artº150º do CPTA.
P. Caso assim não se considere, sempre se dirá que o Acórdão recorrido não merece qualquer censura porque não viola nem fez errada interpretação das normas legais aplicáveis, assim como não faz errada subsunção da matéria de facto ao direito, não existindo, pois, erros de apreciação ou de julgamento.
*

Contra-alegou também a contra-interessada B……… Lda., Concluindo assim:
1ª. O presente recurso é um recurso excecional, cuja admissão depende de se verificar uma das situações elencadas no nº1 do artigo 150º do CPTA;
2ª. Ora, in casu, o presente recurso resume-se a uma questão de natural e aceitável inconformismo da Recorrente com a decisão recorrida, mas não uma especial questão de direito que caiba a este Venerando Supremo Tribunal Administrativo conhecer em sede de revista;
3ª. Salvo o devido respeito e consideração pela posição da Recorrente, é manifesto que as questões da inaplicabilidade da Lei nº62/2011 ao caso concreto defendidas na Alegação da Recorrente, bem como as questões suscitadas a título subsidiário, relativas à alegada inconstitucionalidade da mesma Lei, não satisfazem, por si só, quaisquer dos requisitos exigidos pelo artº150º do CPTA.
5ª. Por outro lado, têm sido absolutamente pacíficas e unânimes as decisões proferidas pelos tribunais de 1ª Instância e pelo TCA Sul após a entrada em vigor da Lei nº61/2011.
6ª. Em qualquer caso, as questões da inaplicabilidade da Lei nº62/2011, da sua eventual inconstitucionalidade, bem como a da não verificação dos requisitos do artº120º do CPTA, não são, por si só e sem mais, questões que possam fundamentar a intervenção deste Venerando STA em sede de recurso de revista.
7ª. Nem mesmo a questão da alegada inconstitucionalidade da Lei nº62/2011 pode fundamentar de per se, e sem mais, um recurso como o presente, pois existe recurso para o Tribunal Constitucional cuja admissibilidade não depende da interposição de prévio recurso de revista.
8ª. Não se vislumbra, pois, qualquer necessidade de intervenção deste Venerando STA a propósito de questões jurídicas que, pela primeira vez desde há vários anos, reúnem o consenso dos vários tribunais que as têm vindo a apreciar, de primeira e segunda instância.
9ª. Acresce que, a delimitação das questões que a Recorrente pretende ver dirimidas, feita na Alegação de Recurso, põe a nu a manifesta inadmissibilidade do presente recurso e o desconhecimento da Recorrente relativamente à jurisprudência mais do que unânime do STA quanto aos requisitos do artigo 150º do CPTA, no que concerne às providências cautelares.
10ª. Na verdade, independentemente de as questões em causa poderem revestir alguma complexidade- o que se em mera hipótese se pondera, atenta a total clareza da Lei nº62/2011 – e relevância jurídica e prática, o certo é que as duas questões jurídicas delimitadas na Alegação de Recurso referem-se à legalidade dos atos administrativos cuja eficácia a Recorrente pretende ver suspensa, respeitando, assim, a um dos requisitos de concessão da providência cautelar, o fumus bonus iuris ( artigo 120º , nº1, alíneas a) e b) segunda parte do CPTA).
11ª. Em qualquer caso, sempre será manifesta a improcedência do presente recurso de revista porquanto o Tribunal Central Administrativo do Sul fez correta interpretação e aplicação das disposições legais aplicáveis, em especial das normas da Lei nº62/2011 e do artº120º do CPTA.
12ª. A acção principal correspondente aos presentes autos tem por objectivo a declaração de nulidade ou anulação das AIM concedidas à Contra-interessada – bem como a suspensão dos atos de aprovação do PVP – com fundamento numa alegada violação dos direitos de propriedade industrial da Requerente, ora Recorrente.
13ª. É irrelevante que a Requerente invoque que os actos em causa padecem de inconstitucionalidade porquanto esta decorrerá sempre da alegada violação dos seus alegados direitos de propriedade industrial, sendo certo que tal inconstitucionalidade pode, como bem sabe a Recorrente, ser invocada e conhecida por qualquer Tribunal
14ª. A Contra-interessada não iniciou a comercialização dos seus medicamentos.
15ª. Os direitos decorrentes da patente apenas abrangem a faculdade de impedir as ações previstas no artº101º, nº2 do CPI e não quaisquer outros atos ( muito menos atos administrativos).
16ª. Em qualquer caso, está por demonstrar que a Contra-interessada irá comercializar os medicamentos genéricos antes de expirar a patente e, partir de tal pressuposto, é mera futurologia não admitida nem tutelada pelo Direito.
17ª. O objecto e finalidade dos PVPs em causa nos autos não é permitir a prática de atos de comercialização ilícitos pelos seus destinatários.
18ª. A fixação de PVP dos medicamentos genéricos não é contrária a direitos relativos a patentes ou certificados complementares de protecção.
19ª. A autorização, ou registo, de autorização de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial (cfr. Alteração ao artigo 179º, nº2 do Estatuto do Medicamento, introduzida pelo artº4º da Lei nº62/2011).
20ª. A AIM, enquanto ato administrativo permissivo da atividade de comercialização do medicamento visa apenas aferição da compatibilidade de tal comercialização com as normas relativas à qualidade, segurança e eficácia do medicamento e não a apreciação da existência de direitos de propriedade industrial ou quaisquer outros de natureza privada ( cf. artigo 23ºA do estatuto do Medicamento, aditado pelo artº 5º da Lei nº62/2011).
21ª. As normas da Lei nº62/2011 vieram expressamente consagrar o princípio, já antes defendido, de que nem a Administração, nem os Tribunais podem sindicar a validade dos atos administrativos dos procedimentos prévios à comercialização dos medicamentos genéricos, com fundamento nos direitos de propriedade industrial das empresas titulares de patentes relativas aos medicamentos de referência.
22ª. Em qualquer caso, não está protegido pelo direito de exclusivo tal como consagrado nos artigos 101º e 102º do CPI, a faculdade de impedir a prática dos atos administrativos em causa nos autos.
23ª. Andou, pois, bem o tribunal recorrido ao entender que é manifesta a improcedência a formular na ação principal.
24ª. Sendo certo que tal entendimento não viola, ao contrário do que pretende convencer a Recorrente, qualquer disposição de natureza constitucional.
25ª. A qualificação que a Recorrente faz dos seus alegados direitos de propriedade industrial como direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias, é totalmente contestável.
26ª. Sendo certo que, tal protecção constitucional reclamada pela Requerente encontra-se suficientemente tutelada na lei, nomeadamente, por efeitos das competentes normas do Código de Propriedade Industrial (CPI) que impedem, entre outros, o fabrico e comercialização de medicamentos genéricos quando se encontre em vigor patente relativa ao medicamento de referência.
27ª. A tese da Requerente, ora Recorrente, esquece que os direitos decorrentes das patentes e as normas que os protegem constituem, eles próprios, restrições a um outro direito fundamental que, obviamente sobre aqueles detém primado, a saber, o direito à livre iniciativa económica privada ( artº61º da CRP), o qual e em conformidade com o exposto supra, só admite restrições legais proporcionais aos interesses e direitos constitucionais que visam salvaguardar.
28ª. Nem a Lei nº62/2011, nem o entendimento que dela se fez na decisão sob recurso, põem, assim, minimamente em causa a protecção adequada dos direitos fundamentais alegados pela Recorrente, nem viola os artº17º e 18º, nº2 da CRP.
29ª. Pelo que, terá de concluir-se, como concluiu o tribunal a quo, que é manifesta a improcedência da pretensão da Requerente nestes autos de suspender a eficácia de AIMs e de impedir a aprovação dos PVPs dos medicamentos da contra-interessada, ambos atos absolutamente legais e constitucionais.
30ª. Em qualquer caso e ainda que se entendesse que, in casu se verificava o requisito do fumus boni iuris, sempre teria de concluir-se pela não verificação dos demais requisitos de concessão da providência, de natureza cumulativa, nomeadamente, o periculum in mora, uma vez que:
a) Não existe uma situação de facto consumado, pois a mesma a ocorrer só poderia consumar-se com a comercialização dos medicamentos identificados nos autos (e não com a concessão de atos de AIM).
b) A alegação da Recorrente dos factos consubstanciadores de prejuízos é deficitária, limitando-se a mesma a invocar que os atos suspendendos e a aprovação do PVP do medicamento da Contra-interessada determinarão a eliminação do exclusivo e a baixa significativa do volume de vendas do produto.
c) Não existe nexo causal entre o alegado dano imaterial e o acto cuja suspensão se requer ou a conduta cuja abstenção se pede, pois o factos da requerente vir eventualmente a perder o seu alegado direito de exclusivo, a consumar-se, não resulta da atuação do Infarmed e, muito menos, da atuação da DGAE no exercício das suas competências de aprovação dos preços, mas sim, diretamente, do eventual ato de comercialização do medicamento genérico ( por essa razão é esse ato que a Recorrente deve atacar, quando o mesmo ocorrer, junto dos Tribunais de Comércio).
d) Não existe qualquer prejuízo irreparável ou de difícil reparação, pois o eventual dano no direito de exclusivo alegado pela Recorrente, não só tem conteúdo material, patrimonial e económico, como a sua violação é, de acordo com a própria lei que regula e protege os direitos de exclusivo alegados ( artº338º do Código de Propriedade Industrial), integralmente reparável pela via de indemnização através dos critérios definidos pelo próprio legislador.
31ª. De qualquer modo, e sem conceder no que respeita a tudo o alegado supra, a presente providência não pode ser concedida, ao ponderarem-se devidamente os interesses em presença ( artº120º, nº2 do CPTA).
32ª. A questão da superioridade do interesse público, quer nacional quer comunitário, nestas providências e a consequente recusa da providência ao abrigo do nº2 do artigo 120º do CPTA, causa obviamente grande embaraço ao erário público e, para além do mais, prende-se diretamente com um direito constitucionalmente consagrado, a saber, o direito à saúde previsto no artigo 64º da CRP.
33ª. É facto público e notório que a utilização dos medicamentos genéricos por parte dos utentes implica um conjunto significativo de vantagens, tanto para estes, como para o SNS, designadamente a rentabilização de despesas para ambos – proporcionando-se assim a a opção pelo medicamento com a mesma substância ativa, segurança e valor terapêutico, ao menor preço – e o desenvolvimento de uma relação sustentável entre o benefício e o custo dos medicamentos.
34ª. É óbvio que a concessão da presente providência irá atrasar a introdução dos novos medicamentos genéricos no mercado, sendo tal atraso inadmissível e insustentável face:
(i) às posições tomadas pela Comissão Europeia e às quais Portugal está vinculado;
(ii) à crise financeira que se vive em Portugal;
(iii) aos prejuízos para o interesse público que tal situação acarreta, expressamente reconhecidos na exposição de motivos da Proposta de Lei 13/Xii, que deu lugar à Lei nº62/2011.

35ª. Está, pois, em causa, nesta ponderação de interesses, o próprio direito à saúde previsto no artº64º da CRP que garante o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação e socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos.
36ª. Pelo que não se verifica o requisito vertido no nº2 do artigo 120º do CPTA, por ser manifesta a superioridade do interesse público na manutenção da AIM do medicamento em causa nos autos relativamente aos interesses particulares do Recorrente, interesses de natureza meramente patrimonial de manutenção de determinada quota do mercado e de manutenção dos lucros até aqui auferidos com a comercialização dos medicamentos de referência.
37ª. Entender de forma diferente significaria violar o direito à saúde constitucionalmente consagrado no artº64º da CRP e o direito dos consumidores à protecção do Estado estatuído na alínea e) do artº99º da CRP, o direito da Recorrida constitucionalmente protegido no artigo 61º da CRP e o artº168º do Tratado da União Europeia.
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Notificada das contra-alegações apresentadas pela Contra-interessada, veio a Recorrente, veio a mesma responder a uma pretensa ampliação do objecto do recurso, no que respeita ao requisito da ponderação de interesses previsto no artº120º nº2 do CPTA, ao abrigo do nº8 do artº685º do CPC ex vi 140ºdo CPTA e do disposto no artº147º, nº2 do mesmo Código.
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A revista foi admitida por acórdão de fls. 1913 e segs, proferido pela formação de juízes deste STA a que se alude no nº5 do artº150º do CPTA.

Cumprido o artº146º, nº1 do CPTA, veio o Digno PGA emitir douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmado o douto acórdão recorrido, suscitando previamente a questão da inutilidade da revista por a Recorrente não ter impugnado o requisito do nº2 do artº120º do CPTA, nas alegações do presente recurso e, portanto, ter transitado em julgado a pronúncia da sentença de 1ª Instância quanto à inverificação desse requisito.

Notificadas as partes do referido parecer, veio a recorrente pronunciar-se a fls. 1939 e segs., pela improcedência dos argumentos alegados pelo Digno Magistrado do MP, concluindo como no recurso interposto.

Após vista dos Exmos. Adjuntos, vêem os autos à conferência para decisão.
*

II- OS FACTOS

O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

A) A A……… é titular da patente europeia, a qual protege o “ Benziimidazoles, medicamentos contendo estes compostos e processo para a sua preparação” ( doc. nº1, a fls.57 e s., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
B) O pedido de patente foi apresentado em 31.01.1992, constando da certidão do INEP junta a fls.57 como averbamento: “ Rm 1998.09.08 transmissão total para C………” e “ Em 2005.05.23 Modificação de Denominação Social para A……… ( idem).
C) A patente tem como limite máximo de vigência a data de 31.01.2011 ( idem)
D) Foi concedido Certificado Complementar de Protecção nº41 em 17.11.1999: BPI nº11/1999 (cfr. doc. nº3, a fls. 110 e s., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
E) Do CCP descrito supra consta como “ início de vigência: 2012.02.01” e como “ limite de vigência: 2013.12.12” (idem).
F) E consta que: “ o produto abrangido é o (a) TELMISARTAN (PRITOR), o qual se encontra protegido pela Patente Base nº502314, pedida em 1992.01.31 no Instituto Europeu de Patentes.// Autorização de Introdução no Mercado em Portugal nº C (1998) 4288 de 1998.12.11 ( idem).
G) Em 30.12.2010, o INFARMED concedeu autorizações para introdução no mercado para três medicamentos, contendo como princípio activo a Talmirsartan, os quais apresentavam a seguinte designação (cfr. docs. nº4-6 junto ao requerimento inicial, a fls.383, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): Telmisartan ……… 20 mg comprimidos, Telmisartan ……… 40 mg comprimidos e Telmisartan ……… 80 mg comprimidos.
H) Os genéricos Telmisartan ……… apresentam as mesmas indicações terapêuticas que a invenção patenteada – antagonistas dos receptores da angiotensina ( por acordo).
I) A or Contra-interessada não solicitou nem obteve da ora Requerente autorização para, por qualquer forma, explorar a invenção constante da patente europeia nº502314 ( por acordo).
J) Os genéricos em causa não se encontram a ser comercializados ( por acordo).
K) ………………………………………………………………
L) Dou por integralmente reproduzido o teor do Relatório Fibal da Comissão Europeia sobre o Inquérito ap Sector Farmacêutico publicado a 8.7.2009, disponível in: http://ec.europa.eu/competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/communicatition.pt.pdf ( documento na versão portuguesa)
M) (…)
*

III - O DIREITO

1. Quanto à inutilidade da presente revista:

O Digno PGA, no seu douto parecer, refere que o conhecimento da presente revista se mostra prejudicado, por a Recorrente não ter impugnado, nas alegações do presente recurso, a pronúncia do TAC de Lisboa, quanto à verificação, no caso sub judicio, da cláusula de salvaguarda prevista no nº2 do artº120º do CPTA, pelo que, a seu ver, tal pronúncia transitou em julgado e, só por si, permite que a providência seja recusada ainda que se verifiquem os restantes requisitos exigidos pelo artº120º, nº1, b) do CPTA.

Com efeito, nos termos do artº120º, nº2 do CPTA, « Na situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.»

E também é verdade que a sentença de 1ª Instância se pronunciou não só sobre os requisitos do artº120º, nº1, a) e b), mas também sobre a ponderação de interesses exigida pelo nº2 do citado preceito legal, tendo concluído que os danos que resultariam da concessão das providências seriam superiores aos que resultariam para a Recorrente da sua recusa (cf. fls.984/1007).

No entanto, a decisão que está neste momento sob revista, não é a decisão da 1ª Instância, mas sim o acórdão do TCA Sul, que a manteve, embora com diferente fundamentação.

Na verdade, e diferentemente da sentença da 1ª Instância, que considerara verificar-se o requisito do fumus boni iuris, mas não os restantes requisitos exigidos pelo artº120º, nº1 e 2 do CPTA para o decretamento das requeridas providências cautelares, (manifesta procedência, periculum in mora e ponderação de interesses) e, com esse fundamento indeferiu a pretensão da Recorrente, o acórdão recorrido indeferiu a pretensão da Recorrente apenas com fundamento na manifesta improcedência da acção principal face à referida Lei nº62/2011, entretanto, entrada em vigor e, portanto, por se não verificar o requisito do fumus boni iuris.
Com efeito, resulta da sua fundamentação que a remissão que nele faz ao abrigo do artº 713º, nº5 do CPC para a fundamentação dos acórdãos do TCA Sul ali identificados, de que se apropriou, respeita apenas ao requisito fumus boni juris, pelo que foi, exclusivamente, com fundamento na manifesta improcedência da acção principal que a pretensão da Recorrente formulada no presente processo foi indeferida, ficando, assim, prejudicada a apreciação dos restantes requisitos ( periculum in mora e ponderação de interesses) que a sentença recorrida considerara não verificados, já que, sendo cumulativos, bastava a não verificação de qualquer um deles, para fundamentar a decisão de indeferimento

Ora, estando prejudicada a apreciação dos restantes requisitos pela decisão dada ao litígio quanto a um deles - o requisito do fumus boni iuris, e, portanto, não tendo havido pronúncia, pelo tribunal a quo, quanto aos restantes requisitos do artº120º, nº1 e 2 do CPTA, não se formou, quanto a eles, caso julgado, já que, em caso de procedência da presente revista, impõe-se a reapreciação das questões consideradas prejudicadas pela decisão objecto da mesma.

Consequentemente, não se verifica fundamento para a pretendida inutilidade da revista.
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2. Quanto ao mérito da revista:

2.1. No presente processo, a Recorrente pediu a suspensão da eficácia dos actos de autorização de introdução no mercado (AIMs) concedidos pelo INFARMED às contra-interessadas relativamente a três medicamentos genéricos e a intimação do MNEI/ DGAE, a abster-se, enquanto as patentes de que a Recorrente é titular relativamente aos medicamentos de referência se mantiver em vigor, de emitir os actos de PVP para os medicamentos genéricos em causa, ou abster-se de os emitir até à data da caducidade dessas patentes.

O acórdão aqui sub judicio fundamentou a improcedência do referido pedido cautelar na não verificação do requisito fumus boni júris, por manifesta improcedência da acção principal face à entrada em vigor da Lei nº 62/2011, de 12.12, designadamente ao seu artº4º, que alterou a redacção aos artº 19º, nº8, 25º, nº2 e 3 e 179º, nº2 do Estatuto do Medicamento (EM), aprovado pelo DL nº 176/2006, de 30.08 já objecto de anteriores alterações e ao artº9º nº1 da referida Lei, que atribui natureza interpretativa aquelas normas legais, conjugado com o artº13º, nº1 do CC.
Assim, depois de transcrever as referidas normas do EM, o acórdão recorrido concluiu o seguinte: «Interpretando a referida Lei nº62/2011, de 12.12 à luz da jurisprudência expendida por este Tribunal nos processos nº 8055/11, de 10 de Novembro de 2011, 8121/11 de 17 de Novembro de 2011 e nºs 8258/11, 8312/11 e 8355/11, todos de 19 de Janeiro de 2012, que espelham não só uma das correntes jurisprudenciais anteriormente existentes neste Tribunal e, essencialmente, na 1ª instância, como também a plenitude da visão deste Tribunal de recurso após a entrada em vigor da nova Lei, decidindo julgar improcedentes os recursos interpostos pelas titulares das patentes em casos muito similares, fazendo uso do disposto no nº5 do artº713º do CPC, subsidiariamente aplicáveis aos recursos ordinários de decisões jurisdicionais dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos do artigo 140º do CPTA, remetemos a fundamentação do presente Acórdão para a daqueles Acórdãos, designadamente nº 8055/11 e 8312/11, de que juntamos cópias.
Deste modo, em face de todo o que antecede, designadamente pelas razões aduzidas nos citados arestos, aqui inteiramente aplicáveis, improcedem as conclusões que se mostram formuladas contra a sentença recorrida.» (sic)

Portanto, o acórdão recorrido fundamentou a sua decisão por remissão expressa para a fundamentação dos acórdãos nº8055/11 e 8312/11 do TCA Sul, apenas no que respeita à interpretação que neles foi feita e que veio a ser consagrada, expressamente, na referida Lei nº62/2011, de 12.12, concluindo pela manifesta improcedência da acção principal, onde fundamenta o indeferimento da pretensão da Recorrente.
Aliás, e como já se referiu, o acórdão recorrido manteve a sentença da 1ª Instância, mas com diferente fundamentação, já que naquela sentença se havia considerado verificado o requisito do fumus boni iuris, mas não os restantes requisitos exigidos pelo artº120º, nº1e 2 do CPTA, requisitos estes que o acórdão recorrido não apreciou.

2.2. Portanto, a questão objecto da presente revista prende-se com o requisito do fumus boni iuris, que o acórdão recorrido considerou não verificado, por ser manifesta a improcedência da acção principal face à Lei nº62/2011, de 12.12.

A Recorrente discorda do acórdão recorrido, porquanto, a seu ver e contrariamente ao decidido, não é manifesta a improcedência da acção principal face aos artº19º, nº8, 23º, nº1, 25º, nº1 e 2 e 179, nº2, todos do EM aprovado pelo DL 176/2006, de 30.08, na redacção dada pela Lei 62/2011,de 12.12, entrada em vigor em 17.12.2011, bem como o artº8º, nº1, 2, 3 e 4 dessa Lei, porque todos estes preceitos são materialmente inconstitucionais, visto violarem os artº 17º, 18º, 62º, nº1 e 266º da CRP, como inconstitucional é também o artº9º da mesma Lei, que atribui natureza interpretativa aqueles preceitos legais, sendo certo que face à lei anterior, na vigência da qual foram praticadas as AIMs impugnadas, também não era manifesta essa improcedência, atento as decisões jurisprudenciais sobre a matéria.

O requisito do fumus boni iuris ou da aparência do bom direito basta-se com um juízo perfunctório, necessariamente sumário e sempre provisório, quanto à procedência da acção.
É que, como decorre do artº112º, nº1 do CPTA, a adopção de providências cautelares, sejam conservatórias, sejam antecipatórias, visa apenas assegurar a utilidade da sentença a proferir na acção principal e não antecipar a decisão a proferir nessa acção.

No entanto, a lei distingue esse juízo perfunctório, caso a providência seja conservatória, ou seja antecipatória, sendo mais exigente neste último caso, por se visar alterar o status quo, que no primeiro, em que se visa mantê-lo.

Assim, enquanto nas providências conservatórias, para que se dê por verificado o fumus boni iuris basta que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento do mérito (cf. artº120º, nº1, b), in fine, do CPTA- fumus boni iuris, na sua formulação negativa), já nas providências antecipatórias se exige que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (cf. artº120º, nº1, c), in fine, do CPTA – fumus boni iuris, na sua formulação positiva ).
Mas, em qualquer dos casos, trata-se de um juízo perfunctório, necessariamente sumário e provisório e não de uma antecipação da decisão a proferir na acção principal, como já se referiu.

No presente caso, a Recorrente formulou no requerimento inicial dois pedidos, a saber: o de suspensão de eficácia das AIMs concedidas pelo INFARMED às contra-interessadas e o intimação do MAE/DGAE a abster-se de aprovar os respectivos PVPs, portanto, ambas as providências visam manter o status quo existente, sendo que a aprovação dos PVPs é um acto consequente da concessão das AIMs e, portanto, dependente da manutenção destas na ordem jurídica e também da sua eficácia, já que se trata de um efeito decorrente da sua concessão, pelo que a decisão do pedido de intimação está inteiramente dependente do que se decidir a respeito do pedido de suspensão da eficácia das AIMs.

Posto isto, passamos então a apreciar se, efectivamente, se verifica o requisito fumus boni iuris, tal como defende a Recorrente nas suas alegações de recurso.

2.3. Como já referimos, a lei basta-se aqui com um juízo perfunctório, necessariamente sumário e provisório sobre a bondade da pretensão formulada ou a formular no processo principal, que no presente caso, tratando-se de providências conservatórias se basta, nos termos da lei, com o fumus boni iuris, na sua formulação negativa (cf. citado artº120º, nº1b) do CPTA), ou seja, que « …não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento.» ( negrito nosso)

O acórdão recorrido entendeu que era manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal, face aos já referidos preceitos legais do EM, na redacção dada pela Lei nº62/2011, de 12.12, ao artº9º, nº1 desta Lei e ao artº13º, nº1 do CC.

Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão quanto à manifesta improcedência.

Aliás, a complexidade e dificuldade da questão sub judicio, foi expressamente reconhecida no acórdão que admitiu a presente revista, quando refere, que “…a questão atinente com os efeitos que o Acórdão recorrido considerou ser de retirar de entrada em vigor da dita Lei 62/2011, em termos do êxito da pretensão cautelar ligando-a ao pressuposto atinente com o fumus boni iuris, apresenta-se como configurando uma questão particularmente complexa, demandando a sua resolução a realização de operações lógico-jurídicas com um certo grau de dificuldade, ao mesmo tempo que se trata de matéria suscetível de se colocar em muitos outros processos cautelares, a instaurar ou ainda pendentes, o que tudo reclama a intervenção deste STA, no quadro do recurso de revista, atenta a especial relevância de tal questão jurídica”.( negritos nossos)

E essa complexidade e dificuldade da questão sub judicio, tem sido unanimemente reconhecida em outros recentes acórdãos da mesma formação, designadamente nos proferidos nos P. 391/12 e 554/12, também tirados em casos idênticos ao dos presentes autos, referindo-se neste último, além do mais, que« «É fora de dúvida que a questão da constitucionalidade desta lei apresenta complexidade e tem interesse geral e objectivo, como concluíram os anteriores Ac. desta formação nos P. 225/12, Ac. de 28/3; 302/12 e 322/12 de 26.04.2012, que referem a dificuldade da questão e a possibilidade de se colocar em outros processos cautelares.» (negritos nossos)

De resto, que assim é, revela-o, desde logo, a abundante argumentação jurídica apresentada pelas partes nos articulados e nas alegações dos recursos interpostos nestes autos, nos pareceres jurídicos juntos aos mesmos e na abundante e divergente jurisprudência sobre esta matéria, que esteve na base das alterações introduzidas pela referida Lei nº62/2011, que visou acabar com tal controvérsia, consagrando uma das posições jurisprudenciais e atribuindo expressamente natureza interpretativa às alterações introduzidas e que agora vem arguida de inconstitucional.

Ora, foi nessa «questão particularmente complexa», cuja resolução demanda «a realização de operações lógico-jurídicas com um certo grau de dificuldade», que o tribunal a quo fundamentou a manifesta improcedência da acção principal, de que o presente processo cautelar é dependência.

Acontece que, como tem reiteradamente afirmado a jurisprudência deste STA ( Cf. os acs. STA de 22.10.2008, P. 396/08, de 28.01.2009, rec. 1030/08 e de 02.04.2009, rec. 168/09 e os recentes acórdãos da Secção, proferidos em processos idênticos ao presente, de 11.07.2012, rec. 422/12, de 05.09.2012, rec. 390/12, 385/12, 392/12, 465/12, 467/12 e 469/12.), embora tirada, em regra, a propósito do requisito previsto na alínea a) do nº1 do citado artº120º do CPTA, mas transponível para o conceito de manifesta falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular, a que se alude na alínea b) do mesmo preceito, «As situações a enquadrar no artº120º, nº1 a) do CPTA, designadamente no conceito de acto manifestamente ilegal, não devem oferecer quaisquer dúvidas quanto a essa ilegalidade que, assim, deve poder ser facilmente detectada, face aos elementos constantes do processo e pela simples leitura e interpretação elementar da lei aplicável, sem necessidade de outras averiguações ou ponderações. Na verdade, o que é manifesto, é líquido, salta à vista, não oferece dúvida.».

Mas, assim sendo, não pode ter-se por manifesta a improcedência da acção principal com base na citada Lei nº 72/2011, já que vem arguida a inconstitucionalidade material dos preceitos ao abrigo dos quais as AIMs suspendendas foram concedidas, bem como a inconstitucionalidade do artº9º, nº1 dessa Lei que atribui natureza interpretativa aqueles preceitos que, sendo, como vimos, questões complexas e eu exigem operações exegéticas de certa dificuldade, não se compadecem com juízos perfunctórios, necessariamente sumários e provisórios, próprios de um processo cautelar.

Não se verificando a manifesta improcedência da acção principal e não resultando do probatório do acórdão recorrido, qualquer outra circunstância que obste à procedência dessa acção, haverá que considerar verificado o requisito fumus boni iuris, a que se refere a al. b), do nº 1 daquele art. 120 CPTA, contrariamente ao decidido, pelo que ao ter julgado improcedente o recurso interposto da sentença de 1ª Instância, com fundamento na não verificação do requisito fumus boni iuris, face às citadas normas da Lei nº62/2011, o acórdão recorrido não se pode manter, impondo-se que o processo baixe ao tribunal a quo para que conheça dos fundamentos dos recursos para ele interpostos, que ficaram prejudicados pela referida decisão e que se prendem com os restantes requisitos do citado artº120º do CPTA (cf. respectivas conclusões a fls. 1017/1084 e fls.1108/1157).
É que este STA não se pode substituir ao tribunal a quo nessa tarefa, uma vez que, como é sua jurisprudência, designadamente do Pleno da Secção ( Cfr. por ex., os acs. do Pleno da 1ª Secção do STA de 05.06.2012, P.900/11, de 16.11.2011, P. 637/10 e de 01.07.2010, P. 1217/09 e citados acórdãos da Secção do STA de 05.09.2012), a concessão das providências cautelares, no tocante aos requisitos do « periculum in mora» exigido pelo artº120º, nº1, b) do CPTA, bem como da «ponderação de interesses» exigida pelo nº2 do mesmo preceito legal, assenta, decisivamente, na valoração de factos e juízos de facto, de que este tribunal de revista não pode conhecer ( artº150, nº4 do CPTA).

IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes deste Tribunal em conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e determinar a baixa do processo ao tribunal a quo com vista ao prosseguimento dos autos, nos termos supra apontados.

Custas pelos recorridos.

Lisboa, 11 de Setembro de 2012.
Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora) – Américo Joaquim Pires Esteves – Alberto Augusto Andrade de Oliveira


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