sexta-feira, 9 de novembro de 2012

CRITÉRIO ADJUDICAÇÃO - QUALIDADES CONCORRENTES



Proc. Nº 00371/11.3BEBRG    12.10.2012   TCAN

I – De acordo com o disposto no artigo 75º, nº1, do CCP, os factores e eventuais subfactores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, devem abranger todos, e apenas, os aspectos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, não podendo dizer respeito, directa ou indirectamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes;
II – Sendo o critério de adjudicação, o da proposta economicamente mais vantajosa, viola o disposto no artigo 75º, nº1, do Código dos Contratos Públicos (CCP), a inclusão, nesse critério, de um factor relativo ao “currículo dos concorrentes”, com ponderação de 30%, pontuável em função do número de anos de “experiência na gestão de sistemas de transportes públicos rodoviários urbanos de passageiros” 
Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

Agência ..., Lda veio interpor recurso da sentença do TAF de Braga que julgou parcialmente procedente a presente acção de contencioso pré-contratual, por si intentada contra o Município de Vila Nova de Famalicão e a contra-interessada T… – Transportes Urbanos de … Lda.

Em alegações a Recorrente formulou as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
A.- No presente caso há certos factos determinantes para a decisão da causa que não foram enunciados pelo douto julgador a quo.
B.- Estas deficiências da matéria de facto seleccionada, por omissão de factos com interesse para a decisão da causa, impõem uma anulação da sentença por deficiência quanto a pontos determinantes da matéria de facto.
C.- Nomeadamente os factos invocados nos arts. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34 da petição inicial.
D.- A selecção dos factos para a base instrutória deve ser feita de acordo com as várias soluções plausíveis da questão de direito. Foi violado o art. 511° CPC.
E.- a douta sentença não deu razão à Autora/Recorrente quanto às seguintes questões:
- ilegalidade das normas do procedimento do concurso: 9°
- ilegalidade das normas do procedimento do concurso: 12°/1 e 12°/5
F- Por isso, pretende a ora Recorrente impugnar a sentença quanto à decisão proferida sobre estas questões.
G.-Tendo em conta todas estas operações que terão que ser desenvolvidas pelos concorrentes para elaboração das suas propostas (que nem sequer foram consideradas pelo douto julgador a quo), o prazo de 30 dias para apresentação das propostas é manifestamente curto.
H.- Apesar do art. 63°/1 do CCP estabelecer que o prazo é fixado livremente, o n° 2 da mesma norma refere que na fixação do prazo para apresentação das propostas, deve ser tido em conta o tempo necessário à sua elaboração, em função da natureza, das características, do volume e da complexidade das prestações objecto do contrato a celebrar (...) por forma a permitir a sua elaboração em condições adequadas e de efectiva concorrência.
I.- O princípio da concorrência exige que as normas concursais, nomeadamente o estabelecimento prazo de apresentação de propostas, sejam organizadas ou definidas de maneira suscitar o interesse do maior número possível de concorrentes. A partida quanto maior for o número de concorrentes a apresentar propostas num concurso público, melhores serão as suas propostas e melhor será satisfeito o interesse público subjacente ao contrato em causa.
J.- A previsão de um prazo que não permita os operadores do mercado de transportes de proceder às várias operações necessárias à apresentação de uma proposta tem como consequência uma restrição injustificada do mercado legalmente habilitado para apresentação duma proposta e significa, por conseguinte, a violação do princípio da concorrência e do art. 63° do CCP.
L.- O art. 75°/1 CCP dispõe que os factores e subfactores não podem dizer respeito, directa ou indirectamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes.
M.- Isto significa que os factores e subfactores estão ao serviço dos princípios da transparência do procedimento, da igualdade dos concorrentes e da concorrência, de forma a ser escolhida a proposta economicamente vantajosa.
N.- Para determinação da proposta economicamente vantajosa só relevam aspectos decorrentes da execução do contrato e não aspectos decorrentes dos concorrentes.
O.- Assim são ilegais as normas do programa do procedimento que prevêem como factor de adjudicação: o CURRÍCULO DO CONCORRENTE.
NESTES TERMOS deverá o presente recurso proceder, revogando-se a sentença em apreço.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

1 - A Autora é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte colectivo de passageiros, estando licenciada para o exercício, no território nacional e na Comunidade Europeia, da actividade de transporte colectivo regular de passageiros -facto não controvertido;
2 - No dia 7 de Janeiro de 2011 foi publicado no Diário da República, 2.a Série – nº 5, a abertura de Concurso Público, atinente ao procedimento n.° 50/2011 Cfr. fls. 218 a 220 do P.A.;
3 - Esse concurso tinha por objecto a "Adjudicação da concessão do serviço público de Transportes Urbanos de Vila Nova de Famalicão", sendo o Réu a entidade adjudicante.
4 - Do artigo 9.° do Programa de concurso inicial, aprovado na reunião da Câmara Municipal de 16 de Novembro de 2010, constava que a proposta devia ser apresentada até as 23.59 horas do 20º dia após a publicação do anúncio no Diário da República - Cfr. fls. 83 do P.A..
5 - A Autora recebeu as peças do procedimento concursal, em 12 de Janeiro de 2011 - facto não controvertido;
6 - Na sequência de requerimento apresentado pela Autora em 13 de Janeiro de 2011, o Réu veio a prorrogar o prazo para apresentação das propostas por mais 10 dias - Cfr. fls. 240 a 242, e 258, 261 e 263 do P.A.-, passando a data limite para apresentação de propostas a ser o dia 07 de Fevereiro de 2011 ;
7 - Do Programa do Concurso - Cfr. fls. 191 a 211 do P.A, - para aqui se extraem, com interesse, os normativos que seguem:
"Artigo 7.°
(Proposta e documentos)
"1. A proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo devendo ser constituída pelos seguintes documentos:
[...]
c) Documento que contenha os atributos da proposta, com os quais o concorrente se dispõe a contratar, relativo aos seguintes aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos:
[…]
c.2) Interoperabilidade entre todas as operadoras de transporte público de passageiros a actuarem em Vila Nova de Famalicão.
[…]
2 - A proposta deverá conter concretamente os seguintes elementos:
[...]
g) Uma declaração emitida por cada uma das operadoras do serviço de transportes públicos rodoviários de passageiros, a operar na área do Município, permitindo a interoperabilidade, isto é, a possibilidade de utilização dos títulos de transporte (TUF) pelos utentes, aquando da sua utilização das suas carreiras.
[...]
Artigo 9.°
(Prazo para apresentação de propostas)
[...]
Artigo 12.°
(Critério de Adjudicação)
l. A adjudicação será efectuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, atendendo aos seguintes factores, ponderados pela aplicação dos coeficientes a seguir enunciados:
a) Preço das tarifas (pf) ....................................................20 %
b) Qualidade do material circulante (qmc) .........................20 %
c) Estruturação da rede de transportes (interoperabilidade com outros operadores (ert) ....................................................30 %
d) Currículo do concorrente (cc) ......................................30 %
[...]
4. A pontuação do factor "Estruturação da rede de transportes" (ert) será efectuada entre 0 e 20 valores, em função da interoperabilidade entre todas as operadoras de transporte colectivo de passageiros a actuarem em Vila Nova de Famalicão, isto é, a articulação dos horários e a possibilidade de utilização dos títulos de transporte nas diferentes operadoras disponíveis, avaliada da seguinte forma:
. Satisfaz plenamente - interoperabilidade entre todos os operadores 20 valores
. Satisfaz - interoperabilidade entre 3 operadores - 10 valores
. Não satisfaz - nenhuma interoperabilidade entre os operadores – 0 valores
5. A pontuação do factor "Currículo do concorrente" (cc) será efectuada de 5 a 20 valores, em função da experiência na gestão de sistemas de transportes públicos rodoviários urbanos de passageiros, de acordo com o seguinte escalonamento:
. 0 a 5 anos de experiência - 5 valores
. 6 a 10 anos de experiência - 10 valores
. Mais de 10 anos de experiência - 20 valores
Artigo 14.º
(Exclusão das Propostas)
1. São excluídas as propostas cuja análise revele, nomeadamente
[...]
f) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos nos termos do disposto no artigo 7.º do presente programa do procedimento.
8 - A Requerente [conjuntamente com mais duas sociedades comerciais] apresentou proposta, como enunciado a fls. 303 a 401 do P.A.;
9 - A Petição inicial que motiva esta Acção de Contencioso Pré-contratual, foi remetido a este Tribunal por telecópia, em 10 de Fevereiro de 2011 - C/r, fls. 2 dos autos em suporte físico.
Fundamentação
A formação da nossa convicção para efeitos da fundamentação dos factos atrás dados como provados, teve por os suportes documentais neles enunciados, e/ou que não resultaram controvertidos.
Com interesse para a decisão a proferir nestes autos, nada mais se julgou provado.

DE DIREITO

Deficiência da matéria de facto
No campo definido pelas conclusões A, B, C e D a Recorrente imputa à sentença deficiência da matéria de facto selecionada relativamente aos factos invocados nos artigos da PI que discrimina, os quais entende estarem provados e serem relevantes na decisão da causa.
Factos alegados nos artigos 1 a 11 da PI
Estes factos, como a Recorrente reconhece, não dizem respeito ao actual mas sim a um anterior concurso público para “Adjudicação da concessão do serviço de transportes urbanos de Vila Nova de Famalicão”, cujas vicissitudes procedimentais e contenciosas seriam demonstrativas de que a contra-interessada T… – Transportes Urbanos de … “foi beneficiada pelo réu ao longo dos anos”.
Ora bem, esta suposta propensão histórica do Município ora réu para beneficiar a empresa «T…», a ter relevância jurídica, esgotou-se nos meios processuais apropriados que incidiram sobre actos e contratos objecto de decisões judiciais transitadas e que são hoje destituídos de qualquer eficácia na ordem jurídica.
O presente processo de contencioso pré-contratual tem o seu âmbito próprio, de facto e de direito, já suficientemente complexo, não havendo vantagem em contaminar a discussão com elucubrações que acabam por ser sobretudo de ordem “política”, a propósito de litígios ultrapassados.
Por outro lado, a experiência de exploração do serviço público de transportes adquirida pela «T…» tem relevância - e apenas - para a questão controvertida atinente à legalidade do critério de adjudicação “currículo do concorrente” previsto no Programa do Concurso e para tanto só relevam as peças do procedimento em curso.
Deste modo, os factos em epígrafe não relevam para a decisão da causa e, consequentemente, não se mostra violado o artigo 511º CPC, improcedendo neste aspecto as conclusões da Recorrente.
Factos alegados nos artigos 15º a 23º e 26 a 34º da PI
Entende a Recorrente que os factos em epígrafe demonstram as exigências impostas pelas normas concursais na elaboração das propostas, matéria relevante para decidir sobre a suscitada questão da insuficiência do prazo de 30 dias fixado para a presentação das propostas.
A Recorrente tem razão no que se refere aos factos vertidos nos artigos 15ª a 23ª, 26º a 28º da PI, não controvertidos e decorrentes de documentos juntos aos autos, porquanto neles se enumeram elementos constantes do programa do concurso e do caderno de encargos, bem como esclarecimentos do júri a esse respeito que, em abstracto, podem ter relevância na avaliação da suficiência do prazo para apresentação das propostas.
Já a matéria constante dos artigos 29º a 34º consiste num discurso argumentativo em que se formulam juízos e conclusões sobre a actividade que será necessário desenvolver para elaboração das propostas e isto, em rigor, já é matéria de opinião sobre os factos e não matéria de facto no contexto das questões em discussão nestes autos.
Procede assim parcialmente este fundamento impugnatório inserido nas conclusões A) a D) da Recorrente e em consequência, considerando o disposto no artigo 712º/1/a) CPC, adita-se à matéria de facto assente o seguinte:
ADITAMENTO À MATÉRIA DE FACTO
10 - De acordo com o programa do concurso, a proposta deverá ser constituída por um documento que contenha os atributos da proposta, com os quais o concorrente se dispõe a contratar, relativo aos seguintes aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo caderno de encargos:
- preço das tarifas,
- interoperabilidade entre todas as operadoras de transporte público de passageiros a actuar em Vila Nova de Famalicão.
(art 7°/1c)
11 - Previa-se também que a proposta deveria conter:
- mapa do material circulante, com indicação do número, tipo de veículos a utilizar e idade dos mesmos, acompanhado de catálogos demonstrativos das respectivas técnicas;
- mapa dos circuitos, com indicação dos horários, paragens e locais de partida e chegada;
- quadro de tarifas com indicação dos "passes" e "assinaturas";
- indicação das oficinas, instalações de recolha das viaturas, rede de postos de venda de títulos de transporte, balcões de informação e atendimento dos utentes do serviço a concessionar;
- quadro de pessoal afecto à exploração do serviço público, com indicação das categorias profissionais;
- estudo de viabilidade económica de exploração comercial do serviço público;
- uma declaração emitida por cada uma das operadoras do serviço de transportes públicos rodoviários de passageiros, a operar na área do Município, permitindo a interoperabilidade, isto é, a possibilidade de utilização dos títulos de transporte (TUF) pelos utentes, aquando da sua utilização das suas carreiras;
- uma declaração sobre compromisso de honra na qual o concorrente indique o número de anos de experiência na questão de sistemas de transportes públicos rodoviários urbanos de passageiros.
(art. 7°/2)
12 - No programa do concurso previa-se também o critério de adjudicação, segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, atendendo aos seguintes factores:
- preço das tarifas: 20%
- qualidade do material circulante: 20%
- estruturação da rede de transportes (interoperabilidade com outros operadores): 30%
- currículo do concorrente: 30% (art. 12°/1)
13 - Relativamente ao factor "estruturação da rede de transportes" será avaliada a interoperabilidade entre todas as operadoras de transporte colectivo de passageiros a actuarem em Vila Nova de Famalicão, isto é, a articulação dos horários e a possibilidade de utilização dos títulos de transporte nas operadoras disponíveis.
(art. 12°/4)
14 - Quanto ao caderno de encargos este prevê que o concessionário seja obrigado a ter sede no concelho de Vila Nova de Famalicão (art. 4°/4)
15 - Prevê também:
- área de servir (art. 7°)
- características dos veículos da frota (art. 9°)
- o tipo de títulos existentes (art. 10°), devendo as tarifas ser propostas pêlos concorrentes;
- a rede a explorar (anexo I art. 11°);
- os pontos de paragem dos autocarros (Anexo II e art. 11°);
- os horários já aprovados (Anexo l, art. 11°)
- o funcionamento dos serviços de transporte (art. 12°)
16 - A Autora pediu diversos esclarecimentos em relação a estas peças do concurso, aos quais o júri do concurso respondeu (cfr. doc. n° 6).
17 - Dos primeiros esclarecimentos prestados pelo Júri resulta o seguinte:
- Perguntou-se relativamente ao art. 11°/1 do caderno de encargos se a rede a explorar estabelecida no Anexo l, inclui os horários aí estabelecidos.
O Júri respondeu que sim, mas que os horários podiam ser ajustados de forma a promover a interoperabilidade. - Perguntou-se relativamente ao art. 7°/2/b do programa de procedimentos que a proposta podia alterar os circuitos e horários do Anexo l do caderno de encargos.
O Júri respondeu que "se, para garantir a interoperabilidade, for necessário introduzir ajustes ou alternativas ao Anexo l do Caderno Eleitoral em matérias de horários; já quanto ao mapa de circuitos/linhas deve ser respeitado”.
18 - Dos segundos esclarecimentos prestados pelo Júri resulta o seguinte:
- Perguntou-se se a Câmara iria intervir na declaração a emitir pelos outros operadores (art. 7°/g)/2).
O Júri respondeu que os concorrentes deviam apresentar o maior número possível de declarações relativas a outros operadores.
- Relativamente ao art. 7°/d)/1 do programa de procedimentos o Júri esclareceu que o caderno de encargos, na parte das especificações e requisitos técnicos do serviço a prestar não é susceptível de ser alterado por parte dos concorrentes no que diz respeito às linhas/carreiras e horários, salvo no que se refere a esta última parte, para garantir a interoperabilidade, admitindo ajustes pontuais.
19 - Relativamente à reclamação apresentada pela Autora o prazo para apresentação de propostas foi prorrogado por mais 10 dias, ou seja, o prazo de apresentação de propostas passou a ser de 30 dias, alterando-se o art. 9° do programa do procedimento.
20 - O serviço de transportes urbanos abrange o perímetro urbano, constituído pelas freguesias de V.N. Famalicão, Gavião, Antas, Calendário, Brufe, Louro, Mouquim e Requião.
Abrange ainda a zona sub urbana que é constituída pelas freguesias de Lemenhe, Outiz, Vilarinho das Cambas, Ribeirão, Lousado, Cabeçudos, Ávidos, Esmeriz, Abade de Vermoim, Lagoa, Landim, Seide S. Miguel, Seide S. Paio, Vale S. Martinho, Vale de S. Cosme, Cruz, Ruivães, Vermoim, Jesufrei, Cavalões e a zona industrial e comercial de Meães.
21 - Existem 10 carreiras, incorporadas em seis linhas.
22 - Do programa do concurso resulta que os circuitos a fazer pelo concessionário são os estabelecidos no Anexo l do caderno de encargos e que os horários previstos no Anexo l poderão ser ajustados de forma a serem compatibilizados / articulados com outras operadoras.
*
Prazo para apresentação das propostas
Nas conclusões E) a J) a Recorrente sustenta a ilegalidade da norma do artigo 9º do Programa do Concurso que fixa o prazo para apresentação das propostas.
Nos termos do artigo 63º/1 CCP «O prazo para a presentação das propostas é fixado livremente, com respeito pelos limites mínimos estabelecidos no presente Código».
O limite mínimo, no caso, seria de 9 dias (artigo 135º/1 CCP).
De acordo com o artigo 9º do Programa do Concurso em causa, o prazo para apresentação das propostas foi inicialmente fixado em 20 dias.
Todavia, na sequência de requerimento apresentado pela Autora, o Réu prorrogou esse prazo de forma que, atenta a data limite para o efeito fixada, o mesmo passou a ser computável em 30 dias.
Ora, sendo de presumir que o legislador não utiliza expressões redundantes e inúteis na formulação das normas, há que conferir um significado relevante à expressão “livremente” aposta ao comando que reserva para a entidade adjudicante a faculdade de fixação do prazo para apresentação das propostas.
Salta à vista que o legislador quis assim reforçar os poderes da Administração e reduzir a possibilidade de sindicância contenciosa nesta matéria ao restrito campo do eventualmente grosseiro desajustamento desse prazo, ou da sua manifesta impraticabilidade, traduzida na impossibilidade de os candidatos elaborarem uma proposta adequada em tempo útil.
Provavelmente essa situação de inadequação do prazo ocorreria no presente concurso se o mesmo tivesse sido fixado no mínimo legal de 9 dias. Mas, não está demonstrado que o prazo de 30 dias fosse inadequado.
A própria Recorrente não fornece uma simulação de temporização das operações que invoca como prévias e necessárias à apresentação das propostas, nem demonstra que tivessem que ser encadeadas em sequência, sendo óbvio que na sua maioria poderiam ser levadas a cabo simultaneamente e confortavelmente dentro do prazo de 30 dias
Por outro lado, para conferir credibilidade à sua alegação, competiria à Autora comprometer-se com um prazo que considerasse adequado e que pudesse ser eficazmente contraditado pelas contra-partes.
A ser de outro modo, estaria a admitir-se que permanecesse numa espécie de reserva mental impugnatória que lhe permitiria atacar sucessivamente qualquer prazo que fosse estabelecido, à imagem do que sucedeu quando perseverou em reputar de insuficiente o prazo alargado de 30 dias, que fora concedido em deferimento da sua impugnação inicial dirigida contra o prazo de 20 dias.
Ora, este tipo de alegação esfíngica não pode ser encorajado, tanto mais que dificilmente será compatível com as regras da transparência e da boa fé que vinculam o comportamento das partes - e não só da Administração Pública - no procedimento e no processo.
Assim afigura-se correcto o entendimento do Tribunal a quo no sentido de julgar inverificada a ilegalidade do artigo 9º do Programa do Concurso.
*
Currículo do concorrente
No âmbito das conclusões L) a O) a Recorrente invoca a ilegalidade das normas constantes dos artigos 12º nº1 e nº5 do Programa do Concurso, que prevêem ser o currículo dos concorrentes (com escalonamento por número de anos de “experiência na gestão de sistemas de transportes públicos rodoviários urbanos de passageiros”) um dos factores que densificam o critério de adjudicação.
A Recorrente reputa esta previsão como ilegal em face do artigo 75º/1 CCP, que dispõe que os factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa não podem dizer respeito, directa ou indirectamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes.
O Tribunal a quo julgou inverificada a ocorrência de tal ilegalidade, partindo da ideia de que o currículo dos concorrentes, assim definido por escalonamento de anos de experiência no transporte de passageiros, “não pode ser tido como qualidade ou característica relativa aos concorrentes” e concluindo, após algumas considerações sobre os princípios da concorrência, da igualdade e da imparcialidade, do seguinte modo:
“Ao contrário do que defende a Autora, julgamos ser perfeitamente legítima essa previsão normativa, pois que, com ela, o que visa o Réu (no âmbito deste sub-factor) é conhecer e ponderar em sede de graduação, aquela entidade titular de uma empresa de transportes que seja detentora de um maior grau de experiência no âmbito da gestão de transportes de passageiros, e tal não pode ser visto como uma limitação e/ou violação dos invocados princípios.
Afigura-se que assiste razão à Recorrente nesta matéria.
A norma do artigo 75º/1 CCP é extremamente clara, dir-se-ia duplamente clara, pela positiva e pela negativa, conjugando harmoniosamente comando e proibição em termos que mutuamente se convalidam, de modo a não permanecerem dúvidas sobre o sentido profundo do preceito.
A exigência, ou dimensão positiva, é que os factores e subfactores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa “devem abranger todos, e apenas, os aspectos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos”.
E a proibição, ou dimensão negativa, em suma a outra face da mesma moeda, que tais factores e subfactores não podem “dizer respeito, directa ou indirectamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes.
O sentido profundo do preceito ao qual se aludiu pode resumir-se nesta frase constante do ACÓRDÃO do Tribunal de Contas de 12.JUL. 2011 – 1ª S/PL, Rec. Ord. Nº 27/2011 Proc. nº 1833/2010: Não está em causa a escolha entre concorrentes, mas, apenas, a escolha entre propostas.
Lê-se ainda no citado acórdão do T. Contas o seguinte:
«A norma acabada de transcrever não tem correspondência com qualquer dispositivo constante do regime jurídico aprovado pelo DL nº 59/99 de 2 de Março, sendo que resulta da transposição da Directiva nº 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março.
Ora, face ao que estabelece o nº1, do referido artigo 75º, do CCP, os factores – e eventuais subfactores - que densificam o critério de adjudicação da proposta, devem dizer respeito, apenas, aos aspectos da execução dos contratos a celebrar, submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos.
Assim, contendo o critério de adjudicação, no caso vertente, um factor – a experiência em serviços similares - que tem a ver com capacidades ou qualificações relativas aos concorrentes, isso pode proporcionar uma distorção/perturbação na escolha da proposta adjudicatária que pode colocar em causa o modo de selecção da proposta economicamente mais proveitosa.
É que não está em causa a escolha entre concorrentes, mas, apenas, a escolha entre propostas.»
Concorda-se inteiramente com a jurisprudência transcrita, que se adequa perfeitamente à questão dos presentes autos, ora em análise.
Resta indagar se é sustentável o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de que o factor denominado “Currículo do concorrente” pode qualificar-se como aspecto do contrato a celebrar, submetido à concorrência pelo caderno de encargos, não sendo, portanto, uma situação, qualidade, característica ou outro elemento de facto relativo ao concorrente.
Entende-se que tal tese não é sustentável.
Basta imaginar a hipótese estatisticamente improvável, mas logicamente possível, de todos os concorrentes apresentarem propostas iguais. Nessa situação, a maior ou menor duração da experiência de cada concorrente na actividade submetida a concurso surgiria como um facto decisivo, diferenciador, próprio a cada um deles. Em suma, o currículo é um facto relativo ao concorrente e não à proposta, pelo que a sua admissão no caso representaria a subversão da regra consagrada no artigo 75º/1 CCP.
Deste modo, procedem as conclusões da Recorrente quanto à ilegalidade das ditas normas – artigo 12º/1/d) e 12º/5 do Programa do Concurso – e não pode manter-se a sentença neste aspecto.
*
DECISÃO
Pelo exposto acordam em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência decidem:
a) Aditar à factualidade apurada nos autos aqueles factos que se mostram fixados sob a epígrafe «Aditamento à Matéria de Facto».
b) Julgar ilegais as normas do artigo 12º nº1, d) e nº5 do Programa do Procedimento, revogando a sentença recorrida na parte em que decide em desconformidade.
c) Manter no demais o decidido na sentença recorrida.
Custas nesta instância a cargo da Recorrente e do Recorrido, em partes iguais.

Porto, 12 de Outubro de 2012
Ass. João Beato Oliveira Sousa
Ass. Antero Pires Salvador
Ass. Rogério Martins

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