sexta-feira, 1 de agosto de 2014

CONTRATAÇÃO PÚBLICA. INTERPRETAÇÃO DAS DECLARAÇÕES.



Proc. nº 09093/12   TCASul      7  Março  2013


I - O CCP não estabelece um regime de interpretação da declaração negocial no âmbito da contratação pública, como é feito no domínio dos negócios privados nos artigos 236.º e ss. do CC.

II - A interpretação das declarações negociais efectuadas no âmbito de um procedimento disciplinado pelo regime contratual público deve, por isso, ser feita por etapas sucessivas, em primeiro lugar sob a égide das normas do CCP, depois por recurso aos princípios gerais de direito administrativo e às restantes normas de direito administrativo, e em terceiro, na falta ou insuficiência das anteriores, nos termos dos artigos 236.º e seguintes do CC.

III - Na interpretação devem ser tidos em conta todos os elementos que contribuam para o esclarecimento gradual do objecto negocial, designadamente os textos contratuais, o comportamento contratual e pré-contratual, os elementos intrínsecos e extrínsecos à declaração, o contexto em que foi produzida e as finalidades que visa atingir, etc.;

IV - No domínio da interpretação dos contratos administrativos há paridade entre as posições do contraente público e do contraente privado, a quem aquele não pode impor unilateralmente nenhuma solução interpretativa.

V - A contratação pública é dominada pela tipicidade e formalidade, tendo esta por finalidade a prossecução do princípio da transparência, que é promovido desde logo pela regra da desmaterialização total e obrigatória dos procedimentos pré-contratuais, cujos objectivos são o de colocar em pé de igualdade todos os concorrentes, garantindo efectiva concorrência e imparcialidade no tratamento que pela entidade adjudicante é dispensado a cada um.

VI - Assim, a interpretação da declaração deve obedecer ao disposto no art.º 238.º, n.º 1, do CC, visto que as razões que determinam as formalidades do procedimento de adjudicação impedem que o sentido da declaração, mesmo que corresponda à vontade real das partes, não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
 
1 - Relatório
a) - As partes e o objecto do recurso
S............. — Serviços ..................., SA (S...............), com sede na Rua .................., n.° 2, Edifício ................., em ................., inconformada com a sentença do TAF de Sintra que na acção de contencioso pré-contratual que intentou contra o Município de Sintra e a contra-interessada E............ — Portugal ..............., S.A. (E..........), julgou a mesma improcedente, não anulando a deliberação da Câmara Municipal de Sintra de 30 de Março de 2011, que adjudicou a aquisição de serviços de vigilância, vigilância pontual, rondas, manutenção preventiva, ligação, intervenção em sistemas de segurança em edifícios municipais, para o período de 1 de Abril a 31 de Dezembro de 2011 e para o ano de 2012, à contra-interessada, bem como o respectivo, veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações conclui desta forma:
1. Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta Sentença proferida, em 20 de Abril de 2012, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, através da qual o Tribunal a quo julgou improcedentes as alegações de (i) ilegalidade da admissão da proposta apresentada pela Contra-Interessada, (ii) vinculação do júri à exclusão da proposta da Contra-Interessada e (iii) ilegalidade da adjudicação por falta de habilitação legal para a prestação dos serviços objecto do contrato a celebrar e (iv) consequente ilegalidade do contrato celebrado.
2. O Tribunal a quo deu como provado que a Entidade Adjudicante exigia (daí empregar o termo "obrigatoriamente") que os concorrentes apresentassem uma lista de procedimentos que executariam aquando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa e que a ora Contra-Interessada não apresentou a referida Declaração, nos termos exigidos, na medida em que não apresentou qualquer lista detalhada de procedimentos a executar aquando da recepção de alarme para efeitos de protecção activa. Ou seja, a Contra-interessada não apresentou uma das declarações especificamente exigidas pela Entidade Adjudicante, com vista a que os Concorrentes se vinculassem a determinados termos e condições.
3. O documento apresentado pela Contra-interessada não contém qualquer lista detalhada de procedimentos a executar aquando da recepção de alarme para efeitos de protecção activa na medida em que aquela se limita a declarar o seguinte "Contenha, uma lista detalhada com os procedimentos que o concorrente executará aquando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa"
4. Assim, o busílis do presente recurso, no que a este ponto respeita, centra-se em saber se, perante a concreta declaração apresentada pela Contra-Interessada é possível concluir, através de um exercício interpretativo, que a mesma apresentou a declaração exigida pelo ponto ix da alínea c) da cláusula 10.ª do Programa do Procedimento, isto é, se da declaração supra transcrita é possível extrair uma lista detalhada de procedimentos a executar aquando da recepção de alarme para efeitos de protecção activa e, consequentemente, não se justificar a exclusão da sua proposta.
5. A Recorrente não se conforma com a interpretação expendida pelo Tribunal a quo, pelos seguintes fundamentos: (i) está em causa a interpretação de negócios formais, pelo que, face ao teor da declaração apresentada, não poderia o Tribunal a quo ter concluído nos termos em que o fez; (ii) a declaração apresentada é insusceptível de responder à concreta solicitação da Entidade Adjudicante e, consequentemente, nenhum sentido lhe pode ser atribuído; (iii) não está em causa um documento pré-elaborado por referência ao termo do prazo de apresentação de propostas, mas sim um documento integrante da própria proposta, insusceptível de ser apresentado em momento posterior ou em sede de execução de contrato; (iv) não tendo sido apresentada qualquer lista de procedimentos, verifica-se a falta de um documento, com as necessárias consequências legais.
6. A interpretação de uma declaração prestada no âmbito de um negócio formal tem,
necessariamente, que ter um reflexo no documento apresentado, sob pena de serem ultrapassados os limites da interpretação.
7. A Contra-Interessada, na declaração que apresentou, não indicou qualquer lista de procedimentos, razão pela qual não poderia o Tribunal a quo retirar do conteúdo da interpretação uma lista de procedimentos que inexiste de todo.
8. A Contra-interessada, tal como emitiu a sua declaração negocial, não se vinculou à execução de quaisquer procedimentos, pelo que não podia o Tribunal a quo interpretar a declaração apresentada no sentido de que a mesma, ainda assim, permitiria dar cumprimento à obrigação que impendia sobre todos os concorrentes de se vincularem a um determinado procedimento.
9. A interpretação expendida pelo Tribunal a quo conduziu, inexoravelmente, a um resultado que não tem o mínimo de correspondência com a declaração apresentada pela Contra-interessada, o qual ultrapassa os próprios limites da interpretação.
10. Por força do princípio da intangibilidade das propostas e, bem assim, da própria natureza de um procedimento concorrencial, não é aplicável ao caso concreto o disposto no n.° 2 do artigo 238,° do CC e inexiste in casu qualquer erro de cálculo ou de escrita subsumível na hipótese prevista no artigo 249.° do CC.
11. É irrelevante a vinculação dada a posteriori pela Contra-Interessada em sede de Audiência Preliminar, porquanto é evidente que qualquer concorrente, na iminência de ganhar um concurso desta dimensão, aceitará sempre tudo, dirá sempre que a sua "vontade real" era, precisamente, a querida pela Entidade Adjudicante.
12. A declaração apresentada pela Contra-Interessada é insusceptível de responder à concreta solicitação da Entidade Adjudicante e, consequentemente, nenhum sentido lhe pode ser atribuído.
13. Não tendo a Contra-Interessada apresentado qualquer lista de procedimentos que executaria aquando da recepção de alarme, é evidente que a mesma não se vinculou à execução de quaisquer procedimentos, nem sequer aos procedimentos mínimos constantes do CE.
14. A declaração exigida pela Entidade Adjudicante é insusceptível de ser apresentada em momento posterior ou em sede de execução de contrato, porquanto não está em causa um documento pré-existente por referência à data de apresentação das propostas.
15. A declaração exigida pelo ponto ix da alínea c) do n.° 1 da Cláusula 10 do Programa do Procedimento constitui um documento integrante da proposta, o qual ou existe e é apresentado ou não existe e não é apresentado, sendo certo que é na fase pré-contratual e não em sede de execução do contrato que o cumprimento das especificações técnicas é verificado, pelo que é naquela fase que os Concorrentes têm que definir os termos e condições em que contratarão.
16. Após a verificação do cumprimento das exigências determinadas pela Entidade Adjudicante é que uma determinada proposta está em condições de ser avaliada, pelo que o facto de a Contra-interessada não ter apresentado a declaração exigida constituía um impedimento à valoração da sua proposta.
17. Os requisitos constantes do CE e do Anexo B àquele têm que ser observados antes da adjudicação, sob pena de violação dos princípios da transparência, igualdade, concorrência leal, imparcialidade e boa fé.
18. Não tendo a Contra-Interessada apresentado a declaração em causa, nos termos exigidos, e não sendo a mesma susceptível de apresentação em momento posterior, por estar em causa um documento elaborado pelo concorrente, a Contra-interessada não poderia, sequer, ser notificada para suprir a sua não apresentação, pelo que se justifica por inteiro a exclusão da proposta apresentada.
19. A apresentação de declarações deficientes é, muitas vezes, equiparada à falta de apresentação, razão pela qual é absolutamente inócuo que o Tribunal refira que, no caso concreto, a Contra-Interessada apresentou a declaração — por contraposição à não apresentação de documentos -, na medida em que a declaração apresentada não cumpria os requisitos exigidos pela Entidade Adjudicante. Para todos os efeitos o apresentado pela Contra-interessada é uma não declaração, não é nada. Pelo que deverá ser o ter mesmo tratamento que a ausência absoluta.
20. Considerando que (i) o PP impunha que os concorrentes apresentassem uma lista detalhada dos procedimentos a adoptar em caso de recepção de alarme para efeitos de protecção activa; (ii) tanto a lei (alínea b) do n.° 2 do artigo 70.° e alínea o) do n.° 2 do artigo 146.°, ambos do CCP) como o PP (n.° 2 da sua Cláusula 18.a) estabeleciam que a cominação para a não apresentação da referida lista de procedimentos consistiria na exclusão da proposta e (iii) a Contra-interessada não apresentou qualquer lista com os procedimentos a adoptar, deveria a proposta da Contra-Interessada ter sido excluída, pois que a apresentação do documento não era facultativa, nem alternativa, tal como nem está na disponibilidade do Júri dispensá-la, pois os documentos concursais o exigem.
21. O acto de adjudicação é manifestamente ilegal, por vício de violação de lei, porquanto a não apresentação de um documento exigido pelo PP conduz, inexoravelmente, à exclusão do concorrente, sendo este um acto vinculado do júri.
22. Este Digníssimo Tribunal Central Administrativo Sul reconheceu, no Acórdão proferido no âmbito do processo cautelar (Processo n.° 506/11.6BESNT), que a Contra-Interessada não tinha apresentado um documento exigido pela Entidade Adjudicante, o que conduziria à sua exclusão, pelo que já reconheceu que o acto impugnado é ilegal.
23. A Entidade Adjudicante procedeu à adjudicação do contrato de prestação de serviços a uma entidade que não dispõe de habilitação legal para a prestação dos serviços em causa,
24. Os Alvarás números 113 A, 113 B e 113 C de que a Autora era titular eram, nas palavras do próprio Tribunal a quo, "válidos até 2011/03/15, nos termos do n.° 3 do artigo 22.° do Decreto-Lei n.° 3512004, de 21 de Fevereiro, aditado pelo artigo 1.° do Decreto-Lei 13512010, de 27 de Dezembro."
25. O Tribunal a quo entendeu que cabia à Autora alegar e demonstrar que a Contra-Interessada não havia requerido a renovação dos Alvarás em causa ou que, tendo sido requerida a renovação dos alvarás, esta não tenha sido deferida, contudo não era sobre a Autora que impendia o ónus da prova do facto supra referido.
26. Além de a Autora não ter como provar o referido facto, na medida em que está em causa um facto negativo, pelo que a prova por parte da Autora seria praticamente impossível ou muito onerosa, não era a esta que incumbia sequer alegar e muito menos provar que não havia sido requerida a renovação dos alvarás ou de que esse pedido de renovação havia sido indeferido.
27. A Autora apenas tem conhecimento dos documentos constantes do processo administrativo, e são este que determinam a verdade processualmente relevante, pelo que apenas cabia à Autora alegar e demonstrar, de acordo com os documentos constantes do processo, os Alvarás de que a Contra-Interessada é titular pela expiraram em 15 de Março de 2011.
28. Donde, resulta dos documentos constantes do processo administrativo (e dos próprios factos assentes) que, à data da adjudicação, a Contra-interessada não dispunha de habilitação legal para proceder à execução do contrato objecto do procedimento concursal em causa, pelo que não poderia ser beneficiária de um contrato cuja execução se encontra legalmente inibida de cumprir, por falta de habilitação legal.
29. A alegação e a prova de que foram emitidos novos Alvarás ou renovados os existentes, competia ao Réu e à Contra-Interessada (na medida em que está em causa um facto que lhes aproveita), sendo certo que ambos os sujeitos processuais nada disseram quanto a este aspecto nas respectivas contestações, o que não poderia deixar de ser adequadamente valorado.
30. Pese embora, de acordo com o artigo 83.° do CPTA, não exista um verdadeiro ónus de impugnação especificada, o Tribunal deve apreciar livremente a atitude da parte, designadamente a não contestação de algum facto, defendendo a melhor Doutrina que a falta de contestação, como sucedeu no caso concreto, consubstancia uma confissão tácita dos factos alegados pela Autora.
31. Não tendo o Réu nem a Contra-interessada contestado o alegado pela Autora, não havendo qualquer documento no processo administrativo em sentido contrário ao Alegado pela Autora e, tendo até o Tribunal dado como provado que os Alvarás que a Contra-interessada era titular expiraram em 15 de Março de 2011 (que é o mais relevante), é manifesto que, à data da adjudicação, a Contra-Interessada não se encontrava legalmente habilitada a prestar os serviços de segurança privada objecto do concurso em causa, pelo que o acto de adjudicação deveria ter sido anulado por vício de violação de lei, pelo que deverá a Sentença em crise ser revogada.
32. 0 documento junto pela Ré com as suas contra-alegações, já muito depois da adjudicação, comprova o que a Autora sempre disse, ou seja, nem na data de adjudicação do contrato (28 de Março de 2011) nem na data assinatura do contrato (23 de Setembro de 2011), a Contra-interessada dispunha das habilitações legais necessárias ao cumprimento do contrato em causa. Em concreto não era titular do respectivo Alvará.
33. Sendo que, pelo menos aquando da Adjudicação (28 de Maço de 2011), não havia qualquer documento no processo administrativo que permitisse a ré Adjudicar o contrato á contra-interessada, pelo contrário, o único documento existente expressamente impossibilitava tal adjudicação, na medida em que decorria do mesmo que o Alvará da Contra-interessada já havia caducado (em 15 de Março de 2011), pelo que não lhe poderia ser adjudicado o contrato.
O recorrido Município de Sintra contra-alegou, concluindo nestes termos:
1. A douta sentença recorrida fez uma correcta interpretação dos factos e aplicação do direito.
2. Os atos impugnados são legais e não padecem de nenhuma invalidade
3. De facto, a contrainteressada no procedimento concursal não apresentou uma lista de procedimentos a adotar em caso de alarme para proteção ativa, mas apresentou uma declaração em que remete para a lista de procedimentos a adotar em caso de alarme para proteção ativa constante do CE.
4. Escuda-se a recorrente na expressão "obrigatoriamente" utilizada no anexo B ao CE, querendo fazer crer que se trata de facto provado que a apresentação de uma lista era obrigatória.
5. Porém, aquela expressão é transcrita a fls. 17 da sentença enquanto
integrante das peças concursais e não enquanto facto provado.
6. E as peças concursais estão sujeitas a interpretação, tendo essa interpretação sido feita pela douta sentença recorrida a única forma possível para dar sentido à vontade negocial expressa pela contra interessada, como fica demonstrado. Todos os princípios do direito administrativo vigente admitem a declaração por remissão.
7. No caso, a contrainteressada fez uma declaração onde transcreve exatamente parte do texto da cláusula 10.a, alínea c), parágrafo ix) do Programa do Concurso (doravante PC): "Contenha, uma lista detalhada com os procedimentos que o concorrente executará aquando da receção de um alarme para efeitos de proteção ativa".
8. Em sede de audiência prévia a mesma contrainteressada esclareceu que se compromete a cumprir o disposto no Caderno de Encargos em caso de alarme para proteção ativa.
9. E face a este esclarecimento o júri admitiu a proposta.
10. Os esclarecimentos integram a proposta dos concorrentes e o contrato como resulta do art.° 72.°, n.° 2 do Código da Contratação Pública (abreviadamente CCP) e da Cláusula 2.a, al. e) do CE.
11. Por outro lado, o júri está obrigado a dar audiência prévia do relatório preliminar (art.° 147.° do CCP) e a ponderar as observações dos concorrentes, efetuadas ao abrigo do direito de audiência prévia (art.° 148.° CCP).
12. Os esclarecimentos prestados pelos concorrentes integram as propostas desde que "não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respetivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 70.°.", vide n.° 2 do artigo 72.° CCP.
13. A interpretação dos preceitos acima referidos só pode conduzir a que a proposta deva ser sempre a mesma, ou seja, deve manter-se inalterada, apesar dos esclarecimentos. A proposta inicial deve manter-se tal como foi apresentada a concurso, devendo os esclarecimentos ser limitados a tornar claro o que já se incluía, embora de forma ambígua, na proposta inicial.
14. 0 que está em causa nestes autos é o disposto na alínea b) do art.° 70.° na parte que se refere a termos ou condições e não na parte que se refere a atributos da proposta, pelo que não é aplicável a última parte do n.° 2 do art.° 72.° do CCP.
15. Por outro lado, os esclarecimentos prestados pela contra interessada também não contrariam os elementos constantes dos documentos por si apresentados.
16. E não alteram nem completam os atributos da proposta, limitando-se a interpretar os termos e condições que já constavam dos documentos juntos com a proposta.
17. Pelo que tinham que ser ponderados os argumentos apresentados.
18. Atente-se que o parágrafo ix, da alínea c) da cláusula 10.a do PC se refere a documentos aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule e o que se pede é uma declaração que contenha uma lista detalhada de procedimentos.
19. A contrainteressada apresentou uma declaração com uma redação dúbia, mas apresentou uma declaração, como era pedido.
20. Perante a interpretação lógica e razoável dos documentos entregues, há que concluir que a E.......... apresentou a declaração a que se refere o parágrafo ix) da alínea c) da cláusula 10.ª do PC.
21. Acresce que, ainda que a concorrente tivesse apresentado uma lista discriminativa que contivesse outros procedimentos além dos exigidos pelo CE, tal não configurava um elemento essencial da proposta.
22. Nem sequer é elemento de ponderação da graduação das propostas (ou atributo, cf. art.° 56.° CCP).
23. Pelo que, ainda que as restantes propostas fizessem uma listagem de procedimentos muito mais completa e extensa, sempre seria a a entidade adjudicatária, já que o elemento relevante para a graduação das propostas é o mais baixo preço global.
24. Como tal, não estavam preenchidos os requisitos para exclusão da proposta, designadamente não existiu violação de aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência, mas antes uma completa adesão aos termos e condições definidos no CE.
25. Assim sendo, uma vez que a proposta teve de ser admitida, só restava graduá-la.
26. E ao proceder à classificação das propostas, nos termos do critério definido pelo PC e CE, de adjudicação ao concorrente que apresentar a proposta global de mais baixo preço, foi precisamente esta concorrente que ficou classificada em 1.0 lugar.
27. Pelo que tinha que ser proposta a adjudicação a esta concorrente.
28. E consequentemente celebrado o contrato com a ora contrainteressada.
29. Assim, bem andou a douta sentença recorrida ao decidir julgar improcedente a pretensão da ora recorrente.
30. Quanto à habilitação legal da contra interessada para prestar serviços de segurança privada, ficou demonstrado à saciedade na sentença que à data da apresentação da proposta a contra interessada detinha a habilitação exigida.
31. Após a data de validade dos alvarás apresentados pela contrainteressada, as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 135/2010 de 27 de dezembro suscitaram nos organismos responsáveis dúvidas sobre a forma de renovação dos alvarás em vigor.
32. Pelo que em 03.10.2011, do Departamento de Segurança Privada da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, informa que "...este Departamento irá enviar a todas as empresas uma Circular Informativa sobre a instrução do processo de renovação de Alvará." Concluindo que "Face ao exposto, essa empresa está autorizada a exercer a atividade de segurança privada com os Alvarás ns° 113 A, 113 B e 113 C emitidos ao abrigo do Decreto-Lei n.° 35/2004, de 21/02." (Doc.° junto sob o n.° 1)
33. Assim, não restam dúvidas de que a contrainteressada está e estava legalmente habilitada para o exercício de funções de segurança privada no âmbito do procedimento concursal em causa.
34. Evidenciando-se a improcedência da pretensão da recorrente, pelo que não existe qualquer erro de julgamento nem de aplicação do direito na sentença recorrida.

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Neste TCA Sul a EMMP emitiu parecer de concordância com a sentença.

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Sem vistos vem o processo à conferência.

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b) - Questões a decidir
¾ Determinar o regime e o modo de interpretação de declarações negociais no âmbito dos contratos públicos;
¾ Apurar se a declaração contida na proposta da contra-interessada corresponde àquele que foi acolhida na sentença e se a mesma dispunha de habilitação legal para a prestação dos serviços em causa.

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2 – Fundamentação
a) - De facto
Factos considerados provados na sentença
a) No Programa do Concurso para "Aquisição de Serviços de Vigilância para o ano de 2011 e 2012", pode ler-se, designadamente, o seguinte:
[…]
Cláusula 1.ª
Objecto do contrato
1 — O presente Concurso Público tem por objecto a aquisição de serviços de vigilância, vigilância pontual, rondas, manutenção preventiva, ligação, intervenção em sistemas de segurança para 641 dias tendo o seu início previsto para 1 de Abril e términus a 31 de Dezembro de 2012 (…)
[…]
Cláusula 2.ª
Entidade pública contratante
1 — A entidade pública contratante é a Câmara Municipal de Sintra/Divisão de Aquisição de Bens e Serviços e Aprovisionamento, (...), cuja decisão de contratar foi tomada pelo Exmo. Sr. Presidente de acordo no âmbito do disposto no n.° 3 do art. 68 da Lei 169/99.
[…]
Cláusula 3.ª
Preço Base
1 — O preço base global do presente procedimento é de 1.385.324,72 € + IVA (...).
[...]
Cláusula 10.ª
Documentos da proposta
1 — A proposta é constituída pelos seguintes documentos, assinados nos termos do n.° 2 da cláusula 11ª do presente programa de concurso:
a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo, constante do anexo I.
[...]
c) Documentos que contenham os termos ou condições, relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule:
[…]
ix. Declaração sob compromisso de honra, que contenha, uma lista detalhada com os procedimentos que o concorrente executará aquando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa.
[…]
Cláusula 18.ª
Análise das propostas
[...]
2 — São excluídas as propostas aquando da elaboração do relatório preliminar, que se encontrem nas condições referidas na alínea a), b), c), d), e), f), j), 1), m) e o), do n.° 2 do artigo 146.° do CCP (...), bem como as que não disponham de todos os documentos inseridos de que constituem a proposta.
[…]
Cláusula 20.ª
Critério de adjudicação
1 — A adjudicação é feita, globalmente, segundo o critério da proposta global do mais baixo preço.
[...] " — Documento n.° 2 junto ao requerimento inicial do processo cautelar apenso (Processo n.° 506/11.6BESNT);
b) No Caderno de Encargos "do Concurso para "Aquisição de Serviços de Vigilância para o ano de 2011 e 2012", pode ler-se, designadamente, o seguinte:
"[...]
Cláusula 3.ª
Prazo
O contrato mantém-se em vigor pelo prazo de 641 dias ou seja, de 1 de Abril de 2011 até 31 de Dezembro de 2012 (...).
[...]
Anexo B
Características Técnicas
[...]
2.1.2. — Serviço de Intervenção
O presente processo compreende o serviço de intervenção humana em caso de alarme, falso ou real.
Os procedimentos básicos a efectuar pela empresa adjudicatária após a recepção do alarme na central privativa são os seguintes:
· Telefonar para as forças de segurança:
o Em situações de alarme de incêndio devem ser contactados os corpos de bombeiros locais
o Em situação de alarme de intrusão serão contactadas as forças policiais.
o Dirigir-se ao local (com chave respectiva que lhes foi previamente confiada e guardada em chaveiro electrónico), no período máximo de 30 minutos No local, em caso de falso alarme ou avaria, operar adequadamente a central do sistema de segurança
o Em casos a definir deverão contactar de imediato o interlocutor da CMS
o No dia seguinte será enviado em relatório da ocorrência ao interlocutor da CMS
O presente processo inclui o serviço de guarda-chaves dos edifícios municipais, em chaveiro electrónico da empresa adjudicatária.
Os concorrentes deverão apresentar obrigatoriamente na sua proposta, uma lista detalhada com os procedimentos que executarão quando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa.
[...]
3.11 — PROCEDIMENTOS DE EMERGÊNCIA
3.11.1. — São definidos os seguintes procedimentos de emergência:
[...] " — Documento n.° 3 junto ao requerimento inicial do processo cautelar apenso (Processo n.° 506/11.6BESNT);
c) A ora contra-interessada , Portugal .................., S.A apresentou junto com a sua proposta declaração com o seguinte teor:
[...]
DECLARAÇÃO
Procedimento CT-2010/10001162 — Aquisição de serviços de vigilância para o ano de 2011 e 2012
Maria .......................... (...) e Catarina .............................. (...) na qualidade de representantes legais da , PORTUGAL .............., S.A. (...) declaram sob compromisso de honra, que a sua representada:
Contenha, uma lista detalhada com os procedimentos que o concorrente executará aquando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2011
[...] " — Documento n.° 5 junto ao requerimento inicial do processo cautelar apenso (Processo n.° 506/11.6BESNT);
d) A contrainteressada instruiu a sua proposta com declaração emitida pelo Diretor do Departamento de Segurança Privada, da Polícia de Segurança Pública, datada de 12 de janeiro de 2011, com o seguinte teor:
“[...]
Por ter sido solicitado e de acordo com os registos existentes (...), declara-se que a entidade PORTUGAL ............., SA, NIPC.................., com sede na Avenida ......................, n.° 21-A em Lisboa é uma empresa de segurança habilitada com os alvarás n.°s 113 A, 113 B e 113 C emitidos ao abrigo das alíneas a), b) e c) do n.° 1 do art.° 2.° do Decreto-Lei 35/2004, de 21 de Fevereiro, válidos até 2011/03/15, nos termos do n.° 3 do artigo 22.° do Decreto-Lei n.° 35/2004, de 21 de fevereiro, aditado pelo artigo 1.0 do Decreto-Lei 135/2010, de 27 de Dezembro.
A referida entidade, à data da emissão da presente declaração, cumpre os requisitos para o exercício das actividades a), b) e c) para as quais se encontra habilitada pelos alvarás de que é titular, cumprindo os requisitos e demais condições para o exercício da actividade, nos termos previstos no Decreto-Lei 35/2004, de 21 de Dezembro, alterados pelo Decreto-Lei n.° 198/2005, de 10 de Novembro, Lei 38/2008 de 08 de Agosto e Decreto-Lei n.° 153/2010 de 27 de Dezembro e demais legislação complementar.
[...] " - Documento n.° 9 junto à petição inicial;
e) No Relatório Preliminar do Concurso para "Aquisição de Serviços de Vigilância para o período de abril de 2011 a dezembro de 2012", elaborado pelo Júri do concurso em 20 de janeiro de 2011, pode ler-se o seguinte:
"[...]
O prazo limite para apresentação das propostas foi o dia 12 de Janeiro de 2011, tendo sido apresentadas as seguintes propostas ordenadas por data de recepção:
· Proposta 11/CPM/003 da empresa 2045 — Empresa ............... S.A (...);
· Proposta 005/11 LPS da empresa S...............Serviços ................, S.A (...);
· Proposta 6475/DCO/CPR11 da empresa P.............- Empresa de ............... S.A (...);
· Proposta CT-201 0-SI da empresa C................ – S............... Privada S.A (...);
· Proposta LX/201 1 MS/JMS da empresa P............. — Companhia de .................. Unipessoal Lda. (... );
· Proposta 28193/2011/034 da empresa , Portugal ....................., S.A (...);
Analisadas as propostas, o Júri deliberou excluir, nos termos do artigo 146, n.° 2 do CCP, as seguintes propostas com os respectivos fundamentos:
Proposta CT-201 0-SI da empresa C......................S............... Privada S.A (...).
[...]
Proposta da empresa P.............. — Companhia ................... Unipessoal Lda. (... ).
[...]
Proposta da empresa , Portugal ........................., S.A apresentou a declaração solicitada da alínea ix do artigo 10 do programa de concurso, com texto parcial, não fazendo constar do mesmo, a "lista detalhada com os procedimentos que o concorrente executará aquando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa". Considerando que estes procedimentos constituem termo e condição relativo a aspectos de execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, com os quais o concorrente se dispõe a contratar, pelo que a sua falta é motivo de exclusão nos termos da alínea b) do n.° 2 do artigo 70 e da alínea o) do n.° 2 do artigo 146 do Código dos Contratos Públicos e da cláusula 18a do programa de procedimento.
Viola igualmente o parâmetro do preço base identificado para a família 5 referente ao ano de 2011, apresentando um valor de 54.542,42 € + IVA, quando o preço base era de 45.270,00€ + IVA, razão pelo qual é motivo de exclusão nos termos da alínea d) do n.° 2 do artigo 70 e da alínea o) do n.° 2 do artigo 146 do Código dos Contratos Públicos e da cláusula 18a do programa de procedimento.
Atendendo ao critério de adjudicação definido na cláusula 20a programa do procedimento e verificado todos os requisitos de admissibilidade, o Júri deliberou ordenar as propostas conforme se refere, tendo por base os preços unitários constantes da lista de preços, anexa que faz parte integrante do presente relatório:
· 1° Classificado: Proposta 005/11LPS da empresa S.............- Serviços ......................, S.A. com o valor de 1.229.733,80 € + IVA
· 2° Classificado: Proposta 1 1/CPM/003 da empresa 2045 — Empresa ..................S.A com o valor de 1.281.338,55 € + IVA;
· 3° Classificado: Proposta 6475/DCO/CPR1 1 da empresa P................ - Empresa .................. S.A com o valor de 1.313.630,07€ + IVA;
[...] "- Documento n.° 4 junto ao requerimento inicial do processo cautelar apenso (Processo n.° 506/11.6BESNT);
f) Em sede de audiência prévia a concorrente , Portugal de Segurança, S.A. apresentou pronúncia, pugnando pela revogação do parecer constante do relatório preliminar de adjudicação de 21 de janeiro de 2011 quanto à proposta de exclusão e pela emissão de nova ordenação das propostas, contemplando a por si apresentada — Documento n.° 6 junto ao requerimento inicial do processo cautelar apenso (Processo n.° 506/11.6BESNT);
g) No Relatório Final do Concurso para "Aquisição de Serviços de Vigilância para o período de abril de 2011 a dezembro de 2012", elaborado pelo Júri do concurso em 28 de fevereiro de 2011, pode ler-se o seguinte:
Apreciadas as alegações apresentadas pelo concorrente - Portugal de Segurança, SA e atrás transcritas ao abrigo do direito de audiência prévia, o Júri deliberou dar provimento às mesmas pelas razões que fundamenta:
Relativamente ao ponto III.A) da mesma referente à declaração sob compromisso de honra prevista na cláusula 10a, parágrafo IX do programa de procedimento, obriga a procedimentos em sede de execução de contrato. O concorrente pela declaração do anexo 1, obriga-se a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo mencionado no caderno de encargos, que aceitou sem reservas, todas as suas cláusulas, e dado, que do mesmo caderno de encargos constam os procedimentos básicos a efectuar pela empresa adjudicatária, após a recepção do alarme na central privativa, como termo ou condição de execução do contrato, garante-se assim a satisfação do seu cumprimento em sede de execução do contrato.
No que se reporta ao ponto III. B) "Os valores propostos para as Famílias 4 e 5" pelo concorrente na sua proposta refere para a Família 5 o valor de 54.542,42 € + IVA, bem como, por extenso para a mesma, no entanto, na sua lista de preços unitários, apresenta o valor de 45.000,00 € + IVA, alegando troca de valores entre as mesmas famílias por mero lapso. Considerando que nos termos do n.° 3 do artigo 60 do CPP, sempre que sejam indicados vários preços da proposta, em casos de divergência, prevalecem sempre, para todos os efeitos, os preços parciais unitários, mais decomposto, constatados na lista de preços unitários os inerentes preços para os capítulos, foram atrás considerados, pelo atrás exposto como o preço contratual, invalidando os valores referidos nas famílias 4 e 5, acima mencionados, por erro cometido aquando da sua elaboração.
Face ao exposto o Júri propõe nova ordenação das propostas, nos termos do artigo 146.° do CCP:
[...1
· 1° Classificado: Proposta 28/93/2011/034 da empresa , Portugal ......................., S.A com o valor de 1.117.847,64€ + IVA
· 2° Classificado: Proposta 005/11 LPS da empresa S.................- Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A. com o valor de 1.229.733,80 € + IVA
· 3° Classificado: Proposta 11/CPM/003 da empresa 2045 — Empresa ............... S.A com o valor de 1.281.338,55 € + IVA;
· 4° Classificado: Proposta 6475/DCO/CPR1 1 da empresa P................. - Empresa ............... S.A com o valor de 1.313.630,07 € + IVA;
Aplicado o critério de adjudicação e de acordo com a pontuação global das propostas, propõe-se a adjudicação à Proposta 28/93/2011/034 da empresa , Portugal .................., S.A com o valor de 1.117.847,64€ + IVA
Nos termos do artigo 123.°, n.° 1 e 147° do CCP, o presente relatório irá ser enviado a todos os concorrentes, para se pronunciarem por escrito ao abrigo do direito à audiência prévia.
[...] " — Documento n.° 6 junto ao requerimento inicial do processo cautelar apenso (Processo n.° 506/11.6BESNT);
h) A ora Autora apresentou pronúncia tendo defendido que a proposta da concorrente devia ter sido definitivamente excluída, nos termos da alínea b) do n.° 2 do artigo 70.° e da alínea o) do n.° 2 do artigo 146.° do Código dos Contratos Públicos e da cláusula 18.ª do Programa do Procedimento — Documento n.° 7 junto ao requerimento inicial do processo cautelar apenso (Processo n.° 506/11.6BESNT);
i) No 2.° Relatório Final do Concurso para "Aquisição de Serviços de Vigilância para o período de abril de 2011 a dezembro de 2012", elaborado pelo Júri do concurso em 28 de março de 2011, pode ler-se o seguinte:
" [...]
Contesta assim a S...............— Serviços ....................... S.A., a legalidade de adjudicação da proposta à , Portugal .................. S.A, uma vez que tendo a , Portugal ....................... S.A apresentado a declaração a que se reporta a alínea IX do n.° 1 da Clausula 10a do programa de procedimento não fez a apresentação da lista detalhada com os procedimentos que o concorrente executará aquando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa. Não se afigura ter razão a S...............— Serviços ..................., S.A. pela seguinte ordem de razões:
O Caderno de Encargos no ponto 2.1.2 do Anexo B — Características Técnicas, determina os procedimentos mínimos a observar em caso de intervenção, real ou não, podendo os concorrentes aditar/melhorar ao procedimentos mínimos impostos, os quais todavia não eram objecto de qualquer mais valia da proposta.
Assim, o critério de adjudicação é tão e somente o da proposta global do mais baixo preço.
Não obstante o concorrente , Portugal ................... S.A na falta da lista detalhada com os procedimentos os quais não eram valorados, fez expressamente declaração de vinculação sob compromisso de honra no Anexo 1 (a que se refere a alínea a) do n.° 1 do artigo 57) de que se obriga a executar o contrato em conformidade com o conteúdo do Caderno de Encargos, relativamente ao qual declarou a aceitação de todas as suas cláusulas sem reservas.
Diversamente do verificado no ponto 67 do documento apresentado pela S............... — Serviços ......................, S.A. a , Portugal .................. S.A apresentou a sua vinculação, não em sede de audiência do interessado, mas em momento anterior, ou seja, em sede de apresentação das propostas conforme a lei determina.
Ora, se a , Portugal ........................ S.A, se propõe dar integral cumprimento de todas as cláusulas do Caderno de Encargos (incluindo todas as especificidades do Anexo B), sendo, por outro lado, inócua a valoração de qualquer melhoria a apresentar para além dos procedimentos mínimos, então, conhecido o critério que era o da proposta global do preço mais baixo, foi entendido que a proposta da , Portugal ...................... S.A continha todos os legais e pré-contratais que o possibilitaram a sua admissão com vista à ordenação das propostas o que aconteceu.
O facto de o Júri do procedimento ter reordenado as propostas concorrentes, resultou das circunstâncias de ter considerado cumpridas as exigências impostas em todo o Anexo B, não tendo ocorrido qualquer derrogação das condições impostas.
Ante o acima exposto, o Júri delibera manter e sustentar a Deliberação tomada a 28 de Fevereiro de 2011, propondo a adjudicação à , Portugal ....................... S.A, no valor de 1.117.847,64€ + IVA.
[...] " — Documento n.° 7 junto ao requerimento inicial do processo cautelar apenso (Processo n.° 506/11.6BESNT);
j) Em 30 de março de 2011, a Câmara Municipal de Sintra deliberou adjudicar a aquisição de serviços de vigilância, vigilância pontual, rondas, manutenção preventiva, ligação, intervenção em sistemas de segurança em edifícios municipais para o período de 1 de abril a 31 de dezembro de 2011 e para o ano de 2012 à empresa — Portugal ................., S.A. — Documento n.° 1 junto ao requerimento inicial do processo cautelar apenso (Processo n.° 506/11.6BESNT);
k) Em 23 de setembro de 2011, foi celebrado entre o Presidente da Câmara Municipal de Sintra, em representação do Município de Sintra, e a representante da contrainteressada — Portugal ....................., S.A., contrato de prestação de serviços de vigilância, vigilância pontual, rondas, manutenção preventiva, ligação e intervenção em sistemas de segurança em edifícios e instalações municipais — Documento a fls. 384 a 387 dos autos;

*

b) - De Direito
São essencialmente duas as questões a decidir neste recurso:
¾ Saber se é ilegal a admissão da proposta da contra-interessada , por não ter apresentado a declaração constante do ponto ix da alínea c) do n.° 1 do artigo 10º do Programa do Procedimento
¾ Saber se a referida contra-interessada e adjudicatária não dispunha de habilitação legal para a prestação dos serviços em causa.
Vejamos a primeira questão.
Nos termos ponto ix da alínea c) do n.° 1 do artigo 10.° do Programa do Procedimento, era exigido aos concorrente que apresentassem uma declaração vinculativa quanto aos procedimentos a executar aquando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa.
No ponto 2.1.2 do Caderno de Encargos foi estabelecida a lista mínima dos procedimentos que o adjudicatário terá de executar nesse contexto.
Portanto, uma de três hipóteses se poderia levantar com a apresentação da referida declaração: ou se limitava à lista de procedimentos básicos, ou acrescentava procedimentos a essa lista, em ambos os casos não se colocando qualquer obstáculo à admissão da proposta, ou a lista de procedimentos a executar ficava aquém da lista mínima do caderno de encargos e a proposta não poderia ser admitida (cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º, e alínea o) do n.° 2 do artigo 146.°, ambos do Código dos Contratos Públicos e da Cláusula 18.ª do Programa do Procedimento).
Note-se, porém, que sendo um aspecto não submetido à concorrência, era indiferente para a entidade adjudicante qualquer vinculação a outros limites para além do mínimo estabelecido. Dito de outro modo, pelo menos as propostas tinham de apresentar um documento vinculativo à lista de procedimentos básicos fixados no Caderno de Encargos.
A contra-interessada apresentou com a sua proposta um documento que corporiza uma declaração sob compromisso de honra, que a depois de identificar os subscritores como seus representantes legais diz apenas o seguinte:
Contenha, uma lista detalhada com os procedimentos que o concorrente executará aquando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa.
Para o júri, para a entidade adjudicante e para a sentença, esta declaração, embora imperfeita, corresponde a uma intenção de vinculação aos limites mínimos dos procedimentos a adoptar aquando da recepção de um alarme para efeitos de protecção activa.
Será assim?
No que concerne à declaração negocial privada o art.º 236.º do CC consagra uma solução para a sua interpretação, colocando em posição de supremacia face à vontade do autor da mesma o sentido que um “que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
A não ser que seja possível conhecer a vontade real do declarante, caso em que é de acordo com esta que a declaração deve ser interpretada.
Mas, como na tarefa de interpretação dos termos de um contrato ou na determinação dos efeitos de um concreto negócio jurídico o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica nem se limita a fixar o sentido factual que o interessado quis dar à sua declaração negocial, fixa também sentido normativo de tal declaração, impõe-se esclarecer, com apoio nos vários elementos de interpretação que seja possível extrair do caso em concreto e por meio de etapas sequenciais, qual o sentido pelo qual a declaração deve valer.
Entre tais elementos perfilam-se a vontade manifestada e ou declarada (em certos casos, formalmente) pelas partes; mas também o comportamento pré e pós-negocial destas, as variadas circunstâncias de tempo e lugar, o sentido das negociações estabelecidas entre elas ou com outros contraentes, a finalidade visada com o negócio, etc.
Tendo sempre presente que a declaração corresponde a um auto-regulamento vinculante, objectivamente criado pelo declarante.
O sentido decisivo das declarações e a sua finalidade prática será então aquele que um declaratário normal, dispondo de diligência e capacidade médias, colocado na posição do real declaratário, inferiria de todos os elementos intrínsecos e extrínsecos à declaração. Mas sem esquecer que a interpretação do contrato pressupõe sempre um mínimo de correspondência com o contrato formal efectivamente considerado no seu texto, designadamente nos negócios formais, caso em que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” (art.º 238.º, n.º 1, do CC). “Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade” (n.º 2).
Ora, toda a contratação administrativa é um negócio típico e formal, na medida em que se incluem nesta categoria todos aqueles em relação aos quais a lei impõe a observância de certa forma ou de determinadas formalidades. Aliás, todos os contratos administrativos são contratos formais (cfr. art.º 94.º do CCP e art.º 184.º do CPA), atendendo à sua parametrização normalizada e subordinada à prossecução do interesse público, o que lhes retira quaisquer laivos de autonomia que é a característica mais saliente dos contratos de natureza privada (1).
E como o CCP não estabelece um regime de interpretação da declaração negocial nem é possível hoje convocar os princípios contidos no art.º 186.º, n.º 2, do CPA, por esta norma entretanto ter sido revogada, a interpretação deve basear-se nos artigos 236.º e ss. do CC, o que significa que devem ser tidos em conta todos os elementos que contribuam para o esclarecimento gradual do objecto negocial, designadamente os textos contratuais, o comportamento contratual e pré-contratual, os elementos intrínsecos e extrínsecos à declaração, o contexto em que foi produzida e as finalidades que visa atingir, etc.
Tendo em conta que naqueles contratos a que se aplica o CCP, como sucede in casu, se impõe atender designadamente ao disposto nos art.os 281.º e 282.º deste diploma, mas tendo sempre presente que no domínio da interpretação dos contratos administrativos há paridade nas relações entre o contraente público e o privado, a quem aquele não pode impor unilateralmente nenhuma solução interpretativa.
Assim, considerando que o contrato está subordinado ao princípio da proporcionalidade e conexão material das prestações contratuais (art.º 281.º) e que a reposição do equilíbrio financeiro do contrato apenas ocorre nas situações previstas na lei ou, a título excepcional, no próprio contrato (art.º 282.º, n.º 1), e que o art.º 280.º, n.º 3, manda aplicar, sucessivamente, a regulação do próprio Código, os princípios gerais de direito administrativo, as restantes normas de direito administrativo e, na falta destas, o direito civil, torna-se evidente que para a interpretação do sentido da declaração negocial em causa é fundamental o regime consagrado nos artigos 236.º e seguintes do CC.
Ora, se tendo em consideração os vários elementos que se podem convocar como auxílio para dilucidar tal sentido, concluiu-se que na posição de um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, dificilmente se pode deduzir a interpretação que o júri do concurso, a entidade adjudicante e a sentença acolheram da referida declaração.
É que tal sentido não tem nenhuma correspondência no texto do respectivo documento, nem sequer tem uma correspondência mínima ou imperfeitamente expressa.
Bom, mas pode dizer-se que essa era a vontade real da contra-interessada, que ao concorrer não podia desconhecer que o contrato a obrigava a uma prestação de serviços mínimos em caso de alarme, o que prima facie quadraria no disposto no art.º 238.º, n.º 2, primeira parte, do CC, não obstante a formalidade do contrato. Como refere a sentença, “o referido sentido da declaração sob compromisso de honra efetuada pela Contrainteressada é o único sentido útil que lhe pode ser atribuído, sob pena de não se lhe atribuir sentido nenhum”.
O problema é que por força do disposto no 2.º segmento da norma citada, que nos diz que mesmo quando o sentido extraído da declaração corresponde à vontade real das partes ele não vale se as razões determinantes da forma do negócio se opuserem a essa validade, não se lhe pode atribuir sentido algum. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (2), o que pode impedir que a declaração valha de acordo com a vontade real das partes são “as razões justificativas do formalismo negocial”. Ora, o que justifica o apertado formalismo imposto pelo CCP é a prossecução do princípio da transparência, de resto promovido pela regra da desmaterialização total e obrigatória dos procedimentos pré-contratuais, cujos objectivos são o de colocar em pé de igualdade todos os concorrentes, garantindo efectiva concorrência e imparcialidade no tratamento que pela entidade adjudicante é dispensado a cada um. No caso em concreto nem sequer se almeja um interesse público de tal maneira relevante que impusesse um entendimento diferente, tal é a reduzida diferença de preço entre a proposta vencedora e a da recorrente.
Conclui-se, pois, que a declaração da contra-interessada não pode ser vista como adesão à lista de procedimentos básicos a adoptar em caso de recepção de alarme.
E sendo assim a respectiva proposta não deveria ter sido admitida, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º, e alínea o) do n.° 2 do artigo 146.°, ambos do Código dos Contratos Públicos e da Cláusula 18.ª do Programa do Procedimento.
Temos, portanto, identificada já uma causa de invalidade do acto de adjudicação e, consequentemente, do contrato que se lhe seguiu.
A segunda questão consiste em saber se a contra-interessada dispunha ou não de habilitação legal para concorrer.
E neste particular julgamos que a sentença decidiu com acerto, pois como observa “quando apresentou a proposta a Contrainteressada juntou o exigido documento comprovativo de que era titular de alvarás válidos que titulam a autorização para o exercício da atividade de segurança privada, e o facto de esses alvarás serem válidos apenas até 15 de março de 2011, não permite só por si concluir, como faz a Autora, que a Contrainteressada não dispõe de habilitação legal para a prestação dos serviços em causa.
Com efeito, a Autora não alega nem demonstra que não tenha sido requerida, pela Contrainteressada, a renovação dos alvarás que titulam a autorização para o exercício da atividade de segurança privada ou que, tendo sido requerida esta renovação, não tenha sido deferida”.
Concluiu-se, por isso, tal como na sentença, que face à matéria provada não é possível afirmar que a contra-interessada não dispunha de habilitação legal da para a prestação dos serviços em causa.

*

Nos termos do art.º 45.º, n.º 1, do CPTA, “quando, em processo dirigido contra a Administração, se verifique que à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta ou que o cumprimento, por parte da Administração, dos deveres a que seria condenada originaria um excepcional prejuízo para o interesse público, o tribunal julga improcedente o pedido em causa e convida as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida”.
Como justamente observam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (3), este preceito é aplicável à acção administrativa especial por força do disposto no art.º 49.º do CPTA.
Contudo, nos termos do art.º 100.º do CPTA, “a impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens rege-se pelo disposto na presente secção e, subsidiariamente, pelo disposto na secção I do capítulo II do título III”.
Como a “secção I do capítulo II do título III” do CPTA principia no art.º 50.º, não é aplicável ao contencioso pré-contratual o disposto no art.º 45.º do mesmo diploma.
Assim, não obstante se entender que o acto de adjudicação e o contrato celebrado são ilegais, não pode o tribunal fixar a indemnização através do recurso ao mecanismo processual previsto no citado artigo.

*

Sintetizando, para concluir:
¾ O CCP não estabelece um regime de interpretação da declaração negocial no âmbito da contratação pública, como é feito no domínio dos negócios privados nos artigos 236.º e ss. do CC.
¾ A interpretação das declarações negociais efectuadas no âmbito de um procedimento disciplinado pelo regime contratual público deve, por isso, ser feita por etapas sucessivas, em primeiro lugar sob a égide das normas do CCP, depois por recurso aos princípios gerais de direito administrativo e às restantes normas de direito administrativo, e em terceiro, na falta ou insuficiência das anteriores, nos termos dos artigos 236.º e seguintes do CC.
¾ Na interpretação devem ser tidos em conta todos os elementos que contribuam para o esclarecimento gradual do objecto negocial, designadamente os textos contratuais, o comportamento contratual e pré-contratual, os elementos intrínsecos e extrínsecos à declaração, o contexto em que foi produzida e as finalidades que visa atingir, etc.;
¾ No domínio da interpretação dos contratos administrativos há paridade entre as posições do contraente público e do contraente privado, a quem aquele não pode impor unilateralmente nenhuma solução interpretativa.
¾ A contratação pública é dominada pela tipicidade e formalidade, tendo esta por finalidade a prossecução do princípio da transparência, que é promovido desde logo pela regra da desmaterialização total e obrigatória dos procedimentos pré-contratuais, cujos objectivos são o de colocar em pé de igualdade todos os concorrentes, garantindo efectiva concorrência e imparcialidade no tratamento que pela entidade adjudicante é dispensado a cada um.
¾ Assim, a interpretação da declaração deve obedecer ao disposto no art.º 238.º, n.º 1, do CC, visto que as razões que determinam as formalidades do procedimento de adjudicação impedem que o sentido da declaração, mesmo que corresponda à vontade real das partes, não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Em conclusão, o recurso merece provimento, sendo de anular por vício de violação de lei o acto de adjudicação e o contrato que se lhe seguiu.

*

3 - Dispositivo:
Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, em revogar a sentença recorrida e anular o acto de adjudicação impugnado e o respectivo contrato, celebrado entre o Município de Sintra e a contra-interessada — Portugal ..................., S.A.
Custas do recurso pelo Município de Sintra, e na primeira instância por si e pela contra-interessada “” em partes iguais.
D.n.
Lisboa, 2013-02-21
________________ (Benjamim Barbosa, Relator)
________________ (Sofia David)
________________ (Carlos Araújo)
(1) Assim, Marcelo Rebelo De Sousa e André Salgado De Matos, Direito Administrativo Geral, T. III, 2.ª Ed., Lisboa, D. Quixote, 2009, p. 387.
(2) Código Civil Anotado, I Vol., 4.ª ed., p. 209
(3) Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, Almedina 2006, pp. 301/302

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