sexta-feira, 1 de agosto de 2014

EXCLUSÃO DE PROPOSTAS – ADJUDICAÇÃO - PROGRAMA DO CONCURSO



Proc.  0925/12   STA    5  Fev  2013

I - A possibilidade de impugnação de normas a título principal não obsta a que a se invoque a ilegalidade da norma nos processos de impugnação de atos que as tenha aplicado, para efeitos de obter a anulação, isto é, não põe em causa a impugnabilidade indireta e incidental das normas administrativas.
II - Excluída a proposta de um concorrente a um concurso de empreitada, e não atacando o concorrente o acto excludente, o mesmo firmou-se na ordem jurídico-administrativa como caso decidido ou caso resolvido.
III - Face ao referido em II, que definiu e pôs fim à situação concursal do concorrente, não pode agora vir atacar contenciosamente o ato de adjudicação, com base em ilegalidades no programa de concurso, por carecer de legitimidade.

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

A……., SA, com sede na ……, ……., no Pinhal Novo, intentou no TAF de Aveiro contra o Município de Albergaria-a-Velha acção de impugnação do ato de adjudicação do concurso público nº2539/2001 aberto por aviso publicado no DR II Série de 26/5/2001, para adjudicação de um contrato de empreitada de obras públicas denominado “Arrelvamento do Estádio Municipal de Albergaria-a-Velha, por tal ato estar inquinado com vários vícios.

Por sentença de 31/3/2012 foi a ação julgada improcedente (fls. 214 a 240).

Não se conformando com esta decisão da mesma interpôs a ora recorrida A…… recurso jurisdicional para o TCAN que por acórdão de 13/7/2012, concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e, julgando procedente a ação administrativa especial, anulou o concurso m causa (fls. 338 a 348).
Deste acórdão interpôs o ora recorrente Município de Albergaria-a-Velha recurso de revista nos termos do artº150º do CPTA, o qual foi admitido por acórdão deste STA(FAP) de 11/10/2012 (fls. 427 a 430).
Nas suas alegações formula o recorrente Município as seguintes conclusões:
a) – Tendo a proposta da concorrente A……. sido excluída do concurso ainda na fase da admissibilidade das propostas, por ter violado a norma da alínea f) do nº1 do artº6º do Programa de Concurso, uma vez que não juntou, com os diversos documentos, os testes e certificados da qualidade da relva sintética, como de resto confessa expressamente, a mesma deveria ter impugnado tal exclusão e não a eventual violação de normas concernentes à fase de avaliação e classificação das propostas e da adjudicação da empreitada, permitindo desta forma, que a referida exclusão da sua proposta se firmasse na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido.
b) – Confessou a A….. nas suas alegações na 1ª instância que: “de salientar que o que aqui está em causa, não é a ilegalidade da exclusão da proposta da A., mas sim, o facto de se estar a dar seguimento a um concurso público que enferma de vícios, irregularidades, deficiências, erros…”.
c) – Só que a A…… não é defensora da legalidade do concurso, nem tem procuração dos outros concorrentes para zelar pelos seus interesses!
d) – Por ouro lado, a eventual violação das normas referidas no aresto recorrido, não tem a virtualidade de fundamentar a anulação do concurso.
e) Com efeito, a eventual violação das normas do artº139º nº3 e al.n) nº1 do artº132, ambos do CCP, já transcritas não assumem relevância invalidante pois em nada alteram a exclusão da proposta da A……, que por isso se mantém na ordem jurídica.
f) Efetivamente, as questões atinentes ao modo como foram fixados os fatores de classificação das propostas e respetivo modelo de avaliação, invocadas pela recorrida A……, e aceite pelo atesto recorrido, em nada bulem com a decisão de exclusão da proposta, proposta esta que não chegou a ser apreciada, valorada ou classificada.
g) Por isso, os interesses que as normas em causa, que no entender do acórdão recorrido não foram observadas, não se mostram, no caso, desatendidas”.

A recorrida A…… termina as suas contra-alegações com as seguintes conclusões:
1ª – A ora recorrida concorreu ao concurso público nº2539/2011, publicado na II Série do DR, no dia 26/5/2011, para adjudicação de um contrato de Empreitada de Obra Públicas denominado “Arrelvamento do Estádio Municipal de Albergaria-a-Velha”.
2ª – De facto, a recorrida foi excluída pelo júri do concurso na fase da admissibilidade das propostas, por violação da al.f) do nº1 do artº6º do respetivo Programa de Procedimento, ou seja, por não ter instruído a sua Proposta com os documentos relativos aos testes e certificados dos materiais a incorporar na empreitada.
3ª – A recorrida admite que foi corretamente excluída do concurso em causa, pelo que não tinha razão de ser vir impugnar o fundamento da sua exclusão. E parece que foi isso que a recorrente ainda não entendeu, ou não quer entender.
4ª – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou totalmente improcedente a ação administrativa especial do contencioso pré-contratual que a ora recorrida intentou contra a ora recorrente e a Contra-interessada.
5ª – Não se conformando com a douta sentença, a recorrida interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, onde imputou erros de julgamento à sentença da 1ª instância, relativamente à interpretação e aplicação que fez dos arts. 139º nº3 e 132º nº1 al.n) do CCP.
6ª – O que estava em causa era que tinha sido adoptado o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, que foi densificado por fatores e ponderações. O fator preço com ponderação de 50% e o fator qualidade técnica também com ponderação de 50%.
7ª – Para o que ora nos importa, quanto ao fator qualidade técnica e a cada um dos seus subfatores, não foi explicitada a respetiva escala de pontuação, através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos e que permitissem a atribuição das pontuações parciais, ficando tais pontuações a suas consequentes ponderações, entregues a uma discricionariedade mais ampla do que aquela que o legislador do CCP quis conceder.
8ª – Não foi cumprido o que impõe a al.n) do nº1 do artº132º do CCP, relativamente ao conteúdo do Programa de Concurso, nem foi cumprido o artº139º nºs 1 e 3 do CCP, no que toca ao modelo de avaliação das propostas, atento o critério de adjudicação adotado.
9ª – Tal como é sabido, à contratação pública, enquanto procedimento administrativo, é aplicável a generalidade dos princípios da atividade administrativa, nomeadamente, o princípio da legalidade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da imparcialidade e o princípio da boa-fé.
10ª – No entanto, destacam-se três princípios que são especialmente aplicáveis à matéria da contratação pública, os quais informaram as soluções jurídicas criadas pelo legislador do CCP e aos quais se deve fazer apelo aquando da interpretação das suas normas, encontrando-se previstos logo no artº1º nº4 do CCP.
11ª – São eles o princípio da transparência, promovido pela regra da desmaterialização total e obrigatória dos procedimentos pré-contratuais; o princípio da igualdade que opera, particularmente, ao nível da participação dos interessados nos procedimentos; e o princípio da concorrência potenciado pela utilização de mecanismos mais rigorosos, como por exemplo, o modelo de avaliação das propostas.
12ª – Contudo, o Tribunal Central Administrativo Norte, conseguiu alcançar o que a ora recorrida pretendia com tal pleito, acabando por revogar a sentença proferida pelo TAF de Aveiro e anular o concurso público em causa.
13ª – A recorrente não percebeu que o que aqui está em causa é o facto de que todo o concurso, todo ele, está contaminado pela violação dos princípios estruturantes já referidos, na medida em que não cumpriu as imposições derivadas dos arts. 132º nº1 al.n) e 139º nºs. 1 e 3 do CCP, relativamente ao fator qualidade técnica e seus subfactores.
14ª – Houve uma atuação ilícita e culposa por parte dos membros do júri de concurso lançado pela recorrente, a que várias empresas se candidataram, entre as quais a ora recorrida.
15ª – A conduta ilícita e culposa atribuída àqueles consubstancia-se no facto do júri do concurso não ter ponderado, classificado, a lista de testes e certificados a apresentar pelos concorrentes. Traduz-se, ainda, no facto de não terem procedido à notificação da adjudicação nos termos previstos e conformes estabelecidos no CPP, embora esta questão tenha sido “esquecida” pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.
16ª – Conclui-se, portanto, que houve preceitos legais que não foram cumpridos, pondo em causa a continuidade dos concorrentes.

Por acórdão do STA (FAP) de 11/10/2012 (fls. 427 a 430) foram dados como verificados os pressupostos exigidos pelo artº150º nº1 do CPTA, pelo que foi admitida a revista.

Emitiu douto parecer o Exmo. Magistrado do Ministério Público, nos seguintes termos:
“1 – Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão do TCA Norte revogatório da sentença do TAF de Aveiro que julgara improcedente a ação de contencioso pré-contratual proposta contra o ora o recorrente Município de Albergaria-a-Velha por A……., SA, com fundamento em alegada violação, por erro de interpretação e de aplicação dos arts. 132 nº1 al.n) e 139º nº1 do CCP.
Em nosso parecer, o recurso merecerá provimento.
2-Em síntese, o recorrente sustenta que a eventual violação das referidas normas não assume relevância invalidante pois em nada altera a exclusão da proposta da ora recorrida que se firmou na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido.
Da análise do recurso interposto para o tribunal a quo em que foi proferido o acórdão recorrido, constata-se que não foi objeto de impugnação a decisão do TAF de Aveiro de improcedência da ação quanto à indevida exclusão da proposta da ora recorrida com fundamento na invocada violação do artº49º nº1 do CCP, com a qual, aliás, a recorrida se conforma agora expressamente nas suas contra-alegações de recurso – cfr. conclusão 3.
Igualmente, não foi também nele impugnada a sua outra pronúncia no sentido de que a violação dos arts. 132º nº1 al.n) e 139º do CCP, não obstante se ter como verificada, não assume relevância invalidante, por em nada alterar a exclusão da proposta da A. A propósito, considerou-se naquela sentença que “as questões atinentes ao modo como foram fixados os fatores de classificação das propostas e respetivo modelo de avaliação, invocados pela A., em nada bulem com a decisão de exclusão da proposta da A., a qual, como se viu, foi validamente proferida, e que assim não chegou a ser apreciada, valorada ou classificada” – cfr. fls. 238.
Perante a natureza definitiva desta pronúncia, não podia o acórdão recorrido decidir, à sua margem, anular o concurso público em causa, em decorrência do não cumprimento das normas constantes dos referidos preceitos legais.
Ainda que assim não se entenda, da válida exclusão da proposta resultará prejudicada a eficácia invalidante da sua eventual violação, por se mostrar definitivamente excluído do concurso em causa o concorrente que a apresentou.
3 – Em face do exposto, deverá, em nosso parecer, o recurso merecer provimento, revogando-se o douto acórdão recorrido e julgando-se improcedente a ação”.

Vêm os autos à conferência sem os vistos dos Exmos. Adjuntos.

As instâncias deram como provados os seguintes factos:
1º - No Diário da República, II Série, nº102, de 26 de Maio de 2011, foi publicado o anúncio de abertura do concurso público para empreitada de obra pública designada de “Arrelvamento do Estádio Municipal de Albergaria-a-Velha” (fls. 19 dos autos).
2º - Aquele Concurso Público teve o Programa de Concurso (PC) (junto sob o doc. nº2 com a PI, a fls. 22 e ss) e o Caderno de Encargos (CE) e respetivos Anexos constantes do Processo Administrativo, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido.
3º - É o seguinte o disposto no artº6º do Programa de Procedimento:

Artigo 6º - Documentos que constituem a proposta

1 – Além dos documentos referidos no nº1 do artigo 57º (ver anexo I do CCP), bem como no nº4 e no nº5 do artigo 60º, ambos do Código dos Contratos Públicos, a proposta deve ser instruída com os seguintes documentos:
a) Nota justificativa do preço proposto;
b) Lista dos preços unitários de todas as espécies de trabalho previstos no projeto de execução, como ordenamento dos mapas resumo de quantidades de trabalho;
c) Programa de trabalhos, incluindo plano de trabalhos, plano de mão-de-obra e plano de equipamento;
d) Plano de pagamentos e cronograma financeiro;
e) Memória justificativa e descritiva;
f) Testes e certificados:
- Teste de avaliação das características mecânicas e físico químicas da fibra que demonstre a resistência da mesma em condições de envelhecimento artificial, incluindo a exposição desta aos raios UV e à condensação.
- Teste de resistência mecânica da fibra à abrasão que comprove a resistência sem fibrilação/fragmentação da mesma, quando sujeita à abrasão mecânica com a frequência de ≥ 30.000 ciclos no teste LISPORT, efectuado em Laboratório acreditado pela FIFA QUALITY PROGRAM.
- Teste laboratorial que comprove e indique o índice de aumento térmico pontual da pele do utilizador quando este estabelece contacto com a superfície da relva artificial. Este teste deve ser efectuado por Laboratório de Bio mecânica acreditado pelo FIFA QUALITY PROGRAM.
- Teste que comprove que o teor de metais pesados do sistema, relva e enchimento em borracha cumpre o exigido na norma DIN 18035-7: 2002.
- Teste de resistência do filamento que determine a sua resistência quando submetido a flexão forçada e sistemática, reproduzindo o rolamento de bola e carga das chuteiras.
- Carta FIFA endereçada ao fabricante que comprove a credenciação FIFA PREFERRED PRODUCER.
- Certificado Basic emitido pela EPEA que comprove que a relva do fabricante e o fabricante da mesma cumprem os requisitos em matéria de sustentabilidade e eco eficiência.
- Ficha técnica em língua da proveniência da fabricante acompanhada de tradução oficial em Português.
- Certificado de conformidade emitido pelo fabricante da relva e do enchimento da borracha, a acompanhar a montagem da relva que prove que a relva a instalar cumpre o intervalo de parâmetros definidos nas condições técnicas especiais requeridas neste processo.
- Teste laboratorial que apresente foto microscópica da secção dos filamentos da fibra, sua estrutura e espessura devidamente acompanhado da tabela de aferição.
- Declaração do concorrente onde se descreve e se junta catálogo do equipamento de instalação e seus certificados de propriedade.
- Declaração do concorrente em que se compromete mandar executar os ensaios de campo a suas expensas que comprovem a performance FIFA atingida pelo campo instalado, devendo este teste ser efetuado por um dos laboratórios licenciados pela FIFA para o efeito.
- Manual descritivo dos procedimentos de manutenção em documento emitido pelo fabricante do sistema e que esteja de acordo com as exigências preconizadas pela FIFA para o efeito.
- Certificado de garantia da relva artificial e seu descritivo e ressalvas, sua validade, devidamente assinado por representante legal da empresa produtora da relva.
- Ensaios Lisport, teste de desgaste e resistência da relva, apresentada pelo concorrente/fabricante da relva, comprovadamente elaborados por um laboratório credenciado pela FIFA no âmbito do FIFA QUALITY PROGRAM, última edição.
2 – O programa de trabalhos previsto na al.c) do número anterior é constituído, no mínimo, pelos seguintes elementos:
a) Diagrama de barras mostrando o desenvolvimento dos trabalhos de execução da empreitada e dos rendimentos médios adotados para a execução dos diferentes tipos de trabalho;
b) Plano de mão-de-obra para a execução dos trabalhos da empreitada – Mapa de afetação das diferentes cargas de mão-de-obra distribuídas, quer em quantidade, quer em tempo previsto de permanência na obra;
c) Plano de equipamento para a execução dos trabalhos da empreitada – mapa de equipamento representando os diversos tipos de equipamento, quer em quantidade, quer em tempo de afetação à obra.
3 – A elaboração da proposta obedece ao disposto nos nºs. 4 e 5 do artº57º e do artº58º do CCP, bem como do nº2 do artº9º do DL. nº18/2008, de 29/01.
4º - É o seguinte o disposto no artigo 10º do Programa de Procedimento:

Artigo 10º - Critério de adjudicação
1 – A adjudicação obedece ao critério da proposta economicamente mais vantajosa, o qual é definido de acordo com os seguintes fatores e ponderações:
a) Preço: 50%;
b) Qualidade: 50%.
2 – O fator previsto na al.b) do número anterior integra ainda os seguintes subfatores e ponderações:
b.1) Plano de trabalhos (Programa de trabalhos, plano de mão de obra e plano de equipamento): 25%;
b.2) Memória descritiva e justificativa do modo de execução da obra: 25%;
b.3) Teste: 50%.
3 – Os fatores e subfatores elementares referidos nos números anteriores são avaliados de acordo com a metodologia descrita no regulamento de avaliação das propostas, o qual estabelece o suporte orgânico e o enquadramento processual e metodológico para a análise e avaliação das propostas e constitui o Anexo ao Presente Programa do Concurso.
5º - É o seguinte o teor do Anexo I ao Programa do Concurso (junto sob o doc. nº2 com a PI, a fls. 31 ss dos autos):
Anexo I
(A que se refere o artigo 10º)
Avaliação das Propostas
Fatores a considerar Percentagem relativa
Preço (P)………………………………………50%
Qualidade técnica (QT):……………………….50%
A Avaliação do fator “preço” (P) resulta da regressão linear do valor da proposta (VP) sobre o valor base (VB) considerando-se o intervalo entre o valor base e o limite do preço anormalmente baixo (60% do valor base).
Sendo a fórmula de regressão linear:
Y = a + b x X
Onde: X0 = VB x 50%
Y0 = 1
X1 = VB
Y1 = 0
Temos:
P = 2,5 + (-2,5) x (VP:VB)
A avaliação fator “Qualidade Técnica” (QT) é feita através da ponderação dos seguintes critérios:
a) Plano de trabalhos (PT):……………………….25%
b) Memória descritiva (MD)……………………….25%
c) Teste e certificados (TC)………………………50%
A “Classificação Final” (CF) será calculada de acordo com a seguinte fórmula:
CF=P x 50% + [0,25xPT+0,25 x MD + 0.50 x TC] x 50%
6º - Em 2/6/2011 a autora dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha o requerimento que apelidou de “reclamação” (fls. 35 e ss. dos autos) na qual concluiu da seguinte forma:
III – Conclusão:
Os atos perpetrados pelo promotor padecem do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos e por desrespeito do princípio da justiça quando criou obstáculos incontornáveis aos concorrentes em poderem apresentar as suas propostas sem estar manietado e subjugados a um único fornecedor.

O dono da obra está vinculado às regras substanciais e de procedimento estabelecidas na lei e igualmente às regras de admissão dos concorrentes.
O dono da obra está obrigado a realizar o procedimento de acordo com a aplicação de critérios legalmente definidos. A haver uma correta aplicação da lei e do regulamento no programa de Concurso, dando provimento aos princípios constitucionais da igualdade, da estabilidade, da transparência e da imparcialidade, os concorrentes deveriam poder apresentar a sua proposta em face das qualidades intrínsecas de performance desportiva que os seus produtos possuem e não se verem retirados do procedimento devido à obrigatoriedade de uma panóplia de documentos redundantes, tendo em conta que o organismo máximo que regula esta atividade (FIFA) não os impõe desta forma. E todo o procedimento tem como atividade principal o fornecimento e aplicação de relva sintética sendo inclusive obrigatório que a instalação seja testada, aprovada e referenciada no sítio oficial desta instituição.
De igual forma os critérios de avaliação pecam por uma valorização cujo critério ao não ter um cariz matemático, os concorrentes ficam ao sabor da subjetividade do júri.
Mais, o concorrente corre sérios riscos de não ver a sua obra rececionada, se não atingir os parâmetros FIFA e obter a publicação da mesma no sítio da instituição citada, quando um dos parâmetros tem a ver com a permeabilidade, sendo a mesma da responsabilidade do dono de obra, pois não vai haver alterações à base existente.
O promotor não fundamenta a razão para tal desiderato, sendo certo que os elementos de facto apresentados por este, estão em oposição com as conclusões de direito.
Nos termos do artº125º nº2 do CPA, sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação”, constata-se que: “…equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”.
A exigência da fundamentação significa que o ato administrativo deve apresentar-se formalmente como uma disposição conclusiva lógica de premissas correctamente desenvolvidas e permitir através da exposição sucinta dos factos e das normas jurídicas em que se funda, que os seus destinatários possam fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo seu autor – cfr. neste sentido: os Acs. do STA de 4/7/96 e de 5/12/96, in recs. nºs. 38 283 e 33 857.
A exigência de fundamentação é, pois, uma regra que se impõe na prolação de atos administrativos, em ordem à transmissão por parte do seu autor ao seu destinatário das razões subjacentes à sua prática.
Do mesmo modo, ainda, sumariou-se no Ac. do TCAN de 3/11/05-Proc. nº111/04 que “ocorre violação do princípio constitucional da imparcialidade, gerador de vício autónomo de violação de lei, sempre que sejam levados a cabo procedimentos que contenham o risco de consubstanciarem atuações parciais, independentemente da demonstração efectiva de ter ocorrido uma atuação destinada a favorecer algum dos interessados em concurso, com prejuízo de outros”.
Assim, a inobservância de formalismo que lese os valores essenciais do concurso pode conduzir à exclusão de uma proposta, o que pressupõe a ofensa de normas a que o júri do concurso está vinculado (cfr. Esteves de Oliveira, “Direito Administrativo”, 1998, pág. 460; Ac. do STA de 20/11/86, in AD 303º, págs. 364 e ss; Ac. do STA (Pleno) de 17/1/2001-Proc. nº44 249, in Antologia de Acórdãos do STA e do TCA, Ano IV-nº2, pág.11 e ss.; Margarida Olazabal, O Concurso público nos Contratos Administrativos, pág. 180 e ss.).
Face ao exposto a A……., SA, tendo em consideração a violação dos princípios da proporcionalidade, da imparcialidade e da prossecução do interesse público, com infração ao disposto no artº49º nºs 1, 5 e 12 do DL. nº278/2009, de 2/10; arts. 3º e 4º do CPA, vem pela presente solicitar que sejam alterados do procedimento todos os requisitos que condicionam a livre concorrência e não permitem a esta empresa, apesar de ser líder de mercado em Portugal e distribuir o maior fabricante mundial e apresentar a este procedimento.
Solicita-se ainda que os princípios de igualdade e concorrência sejam repostos, e os critérios de avaliação corrigidos.
7º - O Júri do Concurso apreciou aquela “reclamação” nos termos vertidos na Informação de 7/6/2011 (fls. 46 dos autos) ali deliberando, por unanimidade não lhe dar provimento.
8º - Foram apresentadas seis (6) propostas àquele concurso, entre as quais a proposta da requerente, cujo valor era de 218 884€91.
9º - No Relatório Preliminar elaborado em 7/7/2011 (fls. 48 dos autos) o Júri do Procedimento propôs a exclusão de quatro (4) propostas, entre as quais a proposta da autora, esta com o seguinte fundamento: “por não cumprir o estipulado na al.f) do artº6º do Programa de Procedimento, conforme «mapa de análise de documentos que constituem as propostas» que se anexa”.
10ª – Notificada, a autora pronunciou-se, em sede de audiência prévia, (fls. 53 dos autos) alegando, em suma, que considerava terem sido violados os princípios da proporcionalidade, da imparcialidade e da prossecução do interesse público, solicitando que o procedimento fosse anulado.
11º - O Júri do Procedimento elaborou então em 20/7/2011, o Relatório Final (fls. 65 ss) no qual não deu provimento à exposição apresentada pela autora, e manteve o teor do Relatório Preliminar, e propôs a adjudicação da empreitada ao concorrente classificado em primeiro lugar, a B……., Lda., pelo valor de 268 135€72.
12º - Na sua reunião de 3/8/2011 a Câmara Municipal de Albergaria-a-Velha aprovou aquele Relatório Final e adjudicou a empreitada nos termos propostos (fls.65 dos autos) tendo o respectivo contrato (fls. 106 dos autos) sido celebrado em 7/10/2011.

Foi com base nestes factos que foi proferido o acórdão ora recorrido.

As razões da admissão da presente revista, e que o STA (FAP) considerou como revestindo alguma complexidade jurídica, são, por um lado, “saber se um concorrente a um concurso público cuja proposta foi liminarmente excluída na fase de análise e admissão das propostas, por violação de uma norma do programa do concurso (não ter junto diversos documentos cuja junção era exigida) pode impugnar contenciosamente e pedir a anulação do concurso apenas com fundamento em ilegalidade de normas do programa relativas à avaliação e classificação das propostas” e, por outro, “saber se, não tendo esse concorrente impugnado os fundamentos da exclusão da sua proposta, esta decisão se firmou ou não na ordem jurídica como caso resolvido ou decidido”.
O tribunal de 1ª instância (TAF de Aveiro) julgou improcedente a ação por não se verificarem os vícios apontados ao ato impugnado.
Por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13/7/2012 foi julgado procedente o recurso interposto e, consequentemente, revogada a sentença recorrida e anulado o concurso em causa (fls.338 a 348).
Segundo o acórdão ora recorrido “todo o concurso está, destarte, contaminado pela violação dos princípios estruturantes referidos, na medida em que não cumpriu as imposições derivadas dos arts. 132º nº1 al.n) e 139º nºs 1 e 3, todos do CCP, relativamente ao fator qualidade técnica e seus subfatores”.
Neste acórdão, depois de transcreverem estes preceitos acabados de referir, refere-se que:
“…O objetivo deste modelo de avaliação, repleto de exigências, e imposto no caso do critério de adjudicação ser o da proposta economicamente mais vantajosa, é o de cada proposta seja medida de forma parcial, isto é, relativamente a cada fator ou subfator elementar, de modo a que a avaliação global agregue todas as avaliações parciais, ou seja, surja como resultado final das mesmas. E tudo isto para evitar a intrusão de elementos espúrios, que de forma arbitrária possam vir afetar a transparência e lisura da adjudicação. Trata-se, pois, de exigências imperativas, pois visam garantir o respeito por princípios estruturantes da contratação pública, como o da livre concorrência, da legalidade, da igualdade de tratamento, e o da prossecução do interesse público (ver artigos 49º nº1 in fine, 3º, 4º e 5º do CPA). Ora como resulta patente do artigo 10º do Programa do Concurso (ver ponto 4. da factualidade provada), para este concurso foi adotado o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, que foi densificado por fatores e ponderações: o fator preço, com ponderação de 50%, e o fator qualidade técnica, com ponderação de 50% também. Foi dito que o fator qualidade técnica integra três subfatores, e foram-lhes fixadas as respetivas ponderações: o subfator plano de trabalhos, com ponderação de 25%, o subfator memória descritiva, com ponderação de 25%, e o subfator teste e certificados, com ponderação de 50%. Relativamente ao fator preço foi estabelecida fórmula matemática de regressão linear, de cuja aplicação resulta a sua avaliação relativa a cada proposta apresentada (Anexo I ao Programa de Concurso, no Ponto 5 da matéria de facto provada). E foi fixada a fórmula de classificação final (Anexo I referido). Ou seja, quanto ao fator qualidade técnica, e a cada um dos seus subfatores, não foi cumprido o que impõe a alínea n) do nº1 do artigo 132º do CCP, relativamente ao conteúdo do Programa de Concurso, nem foi cumprido o artigo 139º nºs. 1 e 3 do CCP, respeitante ao modelo de avaliação das propostas, atento o critério de adjudicação adotado. Na verdade, não foi explicado, claramente, no tocante ao fator qualidade técnica e a cada um dos seus subfatores, «a respetiva escala de pontuação, através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos e que permita a atribuição das pontuações parciais», restando, pois, tais pontuações, e suas consequentes ponderações, entregues a uma discricionariedade mais ampla do que aquela que o legislador do CCP quis conceder. Estando esta limitação da discricionariedade ao serviço da preservação da livre concorrência e do tratamento igual das diferentes propostas. Esta realidade nem sequer é posta substancialmente em causa pelos recorridos, e é, até, reconhecida na parte final da sentença sob recurso, que procurou superá-la, porém, apelando ao artigo 283º nº4 do CCP. …no presente litígio a matéria de facto provada não permite fazer, com o indispensável enraizamento na realidade, quer o juízo de ponderação de interesses quer o juízo de proporcionalidade quer, ainda, uma apreciação inequívoca de que evitar a ilegalidade em causa não implicaria uma modificação subjetiva no contrato celebrado ou a alteração do seu conteúdo essencial. Não estamos, portanto, perante caso em que se imponha, face aos elementos disponíveis nos autos, a salvação do contrato. Todo o concurso está, destarte, contaminado pela violação dos princípios estruturantes referidos, na medida em que não cumpriu as imposições derivadas dos artigos 132º nº1 al.n) e 139º nºs. 1 e 3, ambos do CCP, relativamente ao fator qualidade técnica e seus subfatores…”.
Entendeu, pois, o TCAN que por no Programa de Concurso, quanto ao fator qualidade técnica, e a cada um dos seus subfatores, não foi cumprido o que impõe a alínea n) do nº1 do artigo 132º do CCP, relativamente ao conteúdo do Programa de Concurso, nem foi cumprido o artigo 139º nºs. 1 e 3 do CCP, respeitante ao modelo de avaliação das propostas, atento o critério de adjudicação adotado.
Em face destes incumprimentos (violações legais) o TCAN anulou o concurso.
Há, agora e após tudo o exposto, que responder à 1ª questão suscitada pelo recorrente MAV, considerada pelo STA (FAP) como portadora de complexidade jurídica e que é a seguinte:
“Saber se um concorrente a um concurso público cuja proposta foi liminarmente excluída na fase de análise e admissão das propostas, por violação de uma norma do programa do concurso (não ter junto diversos documentos cuja junção era exigida) pode impugnar contenciosamente e pedir a anulação do concurso apenas com fundamento em ilegalidade de normas do programa relativas à avaliação e classificação das propostas”.
Não podemos ignorar que estamos perante um Processo de Contencioso Pré-contratual que tem a natureza de urgente (artigo 36º nº1 al.b) do CPTA) e, por isso, “correm em férias, com dispensa de vistos prévios, mesmo em fase de recurso jurisdicional, e os actos da secretaria são praticados no próprio dia, com precedência sobre quaisquer outros” (nº2 do mesmo artigo) e com uma tramitação processual (arts. 100º a 103º do mesmo código) adequada a tal natureza (maxime: artº101º).
A existência de tipo de processo e natureza do mesmo explica-se, por um lado, para promover neste domínio os princípio da transparência e da concorrência, através de uma protecção adequada aos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas e, por outro, garantir a estabilidade dos contratos da Administração depois de celebrados, dando protecção adequada aos interesses públicos e aos interesses
dos contratantes (cfr. Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa [Lições], 8ª ed., págs.263/264).
E refere este mesmo administrativista que “…assim, podem ultrapassar-se as tradicionais dificuldades na determinação do alcance dos conceitos de «acto administrativo impugnável» ou de «norma» nos meios impugnatórios normais, tal como pode obter-se a resolução imediata das questões da legalidade procedimental dos contratos, antes da respectiva celebração, para evitar impugnações posteriores com esse fundamento, sempre indesejáveis, sejam quando procedam, seja quando se tornem praticamente ineficazes” (loc. cit.).
A possibilidade de impugnação de normas a título principal não obsta a que a se invoque a ilegalidade da norma nos processos de impugnação de atos que as tenha aplicado, para efeitos de obter a anulação, isto é, não põe em causa a impugnabilidade indireta e incidental das normas administrativas.
No caso sub judice, a recorrida não impugnou a ilegalidade de qualquer norma a título principal, mas sim o ato de adjudicação do concurso público por violação dos arts. 49º nº1 do CCP e dos arts. 3º, 4º, 5º e 6º, todos do CPA.
No caso dos autos, a recorrida foi excluída do concurso, mas não atacou este acto que definiu e pôs fim à sua situação concursal e, não o fazendo, não tem legitimidade agora para vir atacar o ato de adjudicação.
O artigo 100º nº1 do CPTA diz-nos que “a impugnação de atos administrativos relativos à informação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens rege-se pelo disposto na secção I do capítulo II do título III”.
Por força deste preceito acabado de transcrever, e no que diz respeito à legitimidade ativa, é aplicável ao caso sub judice o disposto no artigo 55º do CPTA que no seu nº1 estatui que “tem legitimidade para impugnar um ato administrativo: a) quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos; b)…”.
Para ter legitimidade activa para impugnar um ato administrativo o autor tem de possuir um interesse direto e pessoal na anulação ou declaração de nulidade do ato. Ou seja, desta nulidade ou anulação tem que resultar uma vantagem jurídica ou económica para o autor. E este interesse tem que ser pessoal, no sentido de que ele próprio é o titular do interesse em nome do qual se move no processo e ser direto, no sentido de o titular do interesse ter efetiva necessidade tutela judiciária (cfr. Aroso de Almeida, in O Novo regime do processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., pág.42 e in Manual de Processo Administrativo, 2010, pág. 234 e ss.).
Não é o que sucede nos autos, em que das anulação ou declaração de nulidade do ato de adjudicação não advém qualquer vantagem para a autora (recorrida).
Na verdade, a recorrida não pode vir alegar que foi lesada nos seus direitos pelo ato impugnado – ato de adjudicação – dado que, no momento em que tal ato foi praticado, a mesma já não era parte no procedimento concursal, por ter sido excluída do mesmo, e não o atacando pelas vias legais, e em devido tempo, tal exclusão, esta firmou-se na ordem jurídico-administrativa, como caso resolvido ou caso decidido.
Em conclusão, a recorrida teria legitimidade para impugnar contenciosamente a sua exclusão do concurso, mas como o não fez, não tem legitimidade para vir agora pôr em causa a validade da adjudicação quando a mesma fora afastada do mesmo concurso, aceitando tal facto, porque não reagiu contra ele.
Do que vem dito decorre que não tendo um concorrente impugnado a exclusão da sua proposta de um procedimento concursal, esta decisão firmou-se na ordem jurídica como caso resolvido ou decidido, carecendo de legitimidade para atacar o ato final do mesmo procedimento, no caso a adjudicação de um contrato de empreitada de obras públicas.
A falta de legitimidade do autor não permite o prosseguimento do processo (artº89º nº1 al.d] do CPTA).
Assim, em concordância com tudo o exposto, concede-se provimento ao presente recurso, revogam-se o acórdão recorrido e a sentença da 1ª instância e absolve-se o réu da instância.

Custas pela ora recorrida neste STA e nas instâncias.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2013. – Américo Joaquim Pires Esteves (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – António Bento São Pedro

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