quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

ADJUDICAÇÃO - PRAZO DE RECLAMAÇÃO - ARTIGO 59º N.º 4, DO CPTA



Proc. Nº 786/17.3BELSB  TCASul  10 Maio 2018



I – Dos arts. 267º n.º 1, 269º n.º 1 e 270º , todos do CCP, conjugados com o disposto no art. 87º, al. c), do CPA de 2015, ex vi art. 267º n.º 2, do CCP, decorre que o acto de exclusão de propostas e o acto de adjudicação têm de ser objecto de reclamação no prazo de cinco dias úteis.
II – Sendo a reclamação do acto (de exclusão da proposta da autora e de adjudicação) intempestiva a mesma não suspende o prazo de impugnação judicial de um mês previsto no art. 101º, do CPTA, ou seja, não é aplicável o disposto no art. 59º n.º 4, desse mesmo Código


Associação T…. intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente acção de contencioso pré-contratual contra o Município de Odivelas, indicando como contra-interessadas M…, Lda., B…., Lda., e I… Associação – I…., e na qual peticionou a:
- anulação da decisão de exclusão da sua proposta do concurso público n.º 4496/2016, para a formação de contrato de concessão de gestão e exploração do Centro Cultural da Malaposta, proferida pelo Presidente da Câmara Municipal de Odivelas;
- anulação da decisão de adjudicação à contra-interessada M…, Lda., proferida pelo Presidente da Câmara Municipal de Odivelas;
- condenação da entidade demandada à prática do acto administrativo devido de admissão, classificação e graduação da sua proposta;
- anulação do contrato objecto de adjudicação, caso o mesmo já tenha sido outorgado, por constituir acto consequente da ilegal decisão de adjudicação.

Por decisão de 13 de Outubro de 2017 do referido tribunal foi declarada a caducidade do direito de acção.

Inconformada, a autora interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa decisão, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
(“texto integral no original; imagem”)

”.

O Município de Odivelas apresentou contra-alegação de recurso na qual pugnou pela improcedência do recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado para os efeitos do disposto no art. 146º n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
II – FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
«a) – O Júri do concurso, no âmbito do Relatório Preliminar datado de 13/10/2016, propôs a exclusão da proposta da A. por falta de aposição de assinatura digital qualificada na respectiva proposta e restantes documentos – cfr. docs. n.ºs 4 a 6, juntos com a P.I.;
b) Tendo a A. apresentado resposta, em que defendeu que a sua proposta observa todos os requisitos para poder ser admitida – doc. n.º 5 junto com a P.I.;
c) Em 29/11/2016, foi elaborado o Relatório Final em que se propôs a exclusão da proposta da A. e que a adjudicação recaísse sobre a proposta apresentada pela M...., Ldª – doc. n.º 6 junto com a P.I.;
e) Em 25/01/2017 foi proferido o acto de adjudicação, o qual recaiu sobre a proposta apresentada pela M...., Ldª – doc. n.º 7 junto com a P.I.;
f) Em 14/02/2017, a A. tomou conhecimento do acto de adjudicação – doc. n.º 7 junto com a P.I.
g) Em 06/03/2017 a A. apresentou um requerimento dirigido ao Presidente da Câmara em que diz que tendo sido “notificada do teor do Relatório Final da Análise de Proposta e da decisão de adjudicação no mesmo fundada, que mantem a decisão já anteriormente notificada em Audiência Prévia, de exclusão da sua candidatura, e não se conformando com a mesma, nem com a adjudicação efectuada, vem nos termos do disposto nos artigos 191º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, reclamar, requerendo igualmente que à presente reclamação seja atribuído efeito suspensivo, nos termos do art.º 189…” – doc. n.º 8 junto com a P.I.;
h) Em 21/03/2017, o R. enviou à A. a decisão que recaiu sobre esse requerimento, considerando-o extemporâneo – doc. n.º 9 junto com a P.I.;
i) Em 31/03/2017, a P.I. foi entregue presencialmente no tribunal – cfr. fls. 1 dos autos.».
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre analisar a questão suscitada, a qual se resume, em suma, em saber se a decisão recorrida enferma de erro ao julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção [actualmente designada de intempestividade da prática de acto processual – cfr. no art. 89º n.º 4, al. k), ex vi art. 102º n.º 1, ambos do CPTA (na redacção dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10, tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão)] - cfr. alegação de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas.

A decisão judicial recorrida julgou procedente tal excepção com base, em suma, na seguinte fundamentação:
- de acordo com o disposto no art. 101º, do CPTA, os processos de contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de 1 mês, sendo aplicável à contagem do prazo o disposto no n.º 3 do art. 58º e nos arts. 59º e 60º, todos do CPTA;
- desde 14.2.2017 correu o prazo de impugnação judicial do acto impugnado – art. 59º n.ºs 1 e 2, do CPTA;
- em 6.3.217 – ou seja, no vigésimo dia a contar da notificação dos actos reclamados - a autora apresentou reclamação da decisão que excluiu a sua proposta do concurso e do acto de adjudicação, nos termos do disposto nos arts. 191º e ss., do CPA, a qual devia ter sido apresentada no prazo de cinco dias, por este constituir um prazo especial previsto no art. 270º, do Código dos Contratos Públicos (CCP) [na redacção anterior à dada pelo DL 111-B/2017, de 31/8, tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão];
- a reclamação do acto de exclusão da proposta e do acto de adjudicação foi efectuada após o decurso do prazo de cinco dias previsto no art. 270º, do CCP, pelo que não tem como efeito a suspensão do prazo de impugnação judicial previsto no art. 59º n.º 4, do CPTA, pois tal efeito só pode ser reconhecido às impugnações administrativas apresentado dentro do prazo legalmente previsto;
- tendo a petição inicial sido entregue em 31.3.2017, já tinha decorrido o prazo de um mês previsto no art. 101º, do CPTA, a contar de 14.2.2017.

A recorrente defende a tempestividade da interposição da presente acção e, consequentemente, que a decisão recorrida interpretou incorrectamente o art. 270º, do CCP, e o art. 59º n.º 4, do CPTA, com base nos seguintes argumentos:
- a decisão de adjudicação é um acto administrativo final, tomado pela entidade adjudicante, o órgão competente para a decisão de contratar, quando já está terminado o processo de selecção do adjudicatório, devendo ser aplicado nestas situações o regime geral previsto no CPA que estabelece um prazo de 15 ou 30 dias, consoante se trata de reclamação ou recurso hierárquico e não o regime especial constante do CCP que prevê em prazo de 5 dias para a reclamação dos actos do júri prévios à adjudicação;
- com a entrada em tempo da reclamação sobre o acto de adjudicação, nos termos do art. 191º, do CPA, operou-se a suspensão do prazo de impugnação contenciosa, de acordo com o disposto no n.º 4 do art. 59º, do CPTA, desde o dia 6.3.2017 ao dia 24.3.2017, tendo a respectiva acção que ser intentada até ao dia 1.4.2017;
- mesmo admitindo-se, por mera hipótese, que a reclamação administrativa do acto de adjudicação tenha entrado fora de prazo, tal não pode determinar que, enquanto o órgão que deva responder não o faça, o prazo de apresentação da impugnação judicial não se suspenda nos termos do art. 59º n.º 4, do CPTA, desde que o mesmo ainda não se tenha esgotado.

Vejamos.

A recorrente foi notificada em 14.2.2017 da decisão de exclusão da sua proposta e do acto de adjudicação, pelo que, face ao disposto no art. 101º, do CPTA, tinha o prazo de um mês para a interposição da presente acção na qual é peticionada a anulação desses actos.

Assim, em princípio, a presente acção tinha de ser intentada até 14.3.2017, no entanto, e de acordo com o disposto no art. 59º n.º 4, do CPTA, ex vi art. 101º, ambos do CPTA, “A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar”.

Nestes termos, cumpre determinar se a reclamação apresentada em 6.3.2017 suspendeu (ou não) o referido prazo de um mês.

Prescreve o art. 267º n.º 1, do CCP, o seguinte:
“As impugnações administrativas das decisões relativas à formação dos contratos públicos regem-se pelo disposto no presente título e, subsidiariamente, pelo disposto no Código do Procedimento Administrativo.”.

Além disso, estatui o art. 269º n.º 1, do CCP, o seguinte:
“São susceptíveis de impugnação administrativa quaisquer decisões administrativas ou outras àquelas equiparadas proferidas no âmbito de um procedimento de formação de um contrato público.”.

Finalmente dispõe o art. 270º, desse mesmo Código, o seguinte:
“Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 138.º e no n.º 3 do artigo 177.º, as impugnações administrativas de quaisquer decisões administrativas ou de outras àquelas equiparadas relativas à formação de um contrato público devem ser apresentadas no prazo de cinco dias a contar da respectiva notificação.”.

Das normas ora transcritas, conjugadas com o disposto no art. 87º, al. c), do CPA de 2015, ex vi art. 267º n.º 2, do CCP, decorre que o acto de exclusão de propostas e o acto de adjudicação têm de ser objecto de reclamação no prazo de cinco dias úteis.

O argumento invocado pela recorrente para afastar a aplicação destes normativos legais (e antes aplicar o estatuído nos arts. 184º e ss. – maxime o estatuído no art. 191º n.º 3 -, do CPA de 2015) carece em absoluto de sustentação legal.

Com efeito, a recorrente alega que a decisão de adjudicação é um acto administrativo final, tomado pela entidade adjudicante quando já está terminado o processo de selecção do adjudicatório, alegação que é contrariada pelo disposto no art. 73º n.º 1, do CCP [“A adjudicação é o acto pelo qual o órgão competente para a decisão de contratar aceita a única proposta apresentada ou escolhe uma de entre as propostas apresentadas.”], do qual decorre que através do acto de adjudicação se procede à escolha do adjudicatório, ou seja, tal acto, manifestamente, é um acto que se integra no âmbito do procedimento de formação de um contrato público, e, portanto, ao mesmo é aplicável o disposto nos arts. 267º a 274º, do CCP (relativos às garantias administrativos) [aliás, a norma do art. 273º pressupõe que o acto de adjudicação é um dos actos incluídos no âmbito de aplicações desses normativos legais (“Quando a impugnação administrativa tiver por objecto a decisão de qualificação, a decisão de adjudicação ou a rejeição de impugnação administrativa de qualquer dessas decisões, o órgão competente para dela conhecer deve, nos dois dias seguintes à respectiva apresentação, notificar os candidatos ou os concorrentes para, querendo, se pronunciarem no prazo de cinco dias, sobre o pedido e os seus fundamentos”) (sublinhado nosso)].

O entendimento ora perfilhado no sentido de que o disposto nos arts. 267º a 274º, do CCP, se aplica ao acto de exclusão de propostas e ao acto de adjudicação tem sido perfilhado pela doutrina.

Com efeito, e como esclarecem Gonçalo Guerra Tavares e Nuno Monteiro Dente, Código dos Contratos Públicos, Comentado, Volume I, 2009:
- A pág. 560, em anotação ao art. 267º n.º 1:
II – Nos termos do disposto no n.º 1, as impugnações administrativas das decisões tomadas nos procedimentos da Parte II do Código(1). regem-se pela disciplina especial contida neste Título VII, fugindo portanto ao regime especial do CPA, ao qual só se atenderá a título subsidiário”;
- E a pág. 562, em anotação ao art. 269º
I – O n.º 1 do artigo 269.º do CCP esclarece que podem ser objecto de impugnação administrativa quaisquer decisões e deliberações (ou outras equiparáveis) tomadas no desenrolar dos procedimentos regulados na respectiva Parte II(2).
Exemplos que se podem dar de decisões impugnáveis são (…) o da decisão de exclusão de propostas (artigos 70.º, n.º 2, 146.º, n.º 2, e 148.º do CCP), o da decisão de adjudicação (artigo 77.º do CCP), o da decisão de caducidade da adjudicação por falta de apresentação de documentos de habilitação ou por falta das habilitações exigidas por parte do adjudicatário ou adjudicatários – no caso de acordos quadro (artigo 86.º do CPP) -, o da decisão de não adjudicação (artigo 79.º), etc.” (sublinhados e sombreado nossos).

E também como explica João Pacheco de Amorim, As Garantias Administrativas no Código dos Contratos Públicos, em Estudos da Contratação Pública, II, Organização de Pedro Costa Gonçalves, 1ª Edição, págs. 209 e 210:
“O único acto horizontalmente definitivo do procedimento de formação dos contratos públicos é acto adjudicatório. Mas não é o único acto com aptidão lesiva, destacando-se do procedimento outros actos que, não obstante a sua posição intercalar, são à partida susceptíveis de afectar posições de terceiros, nomeadamente de concorrentes ou candidatos.
Isto posto, importa ensaiar um elenco não exaustivo dos actos pré-contratuais que pela sua aptidão lesiva se configuram como verdadeiras decisões administrativas.
Assim, no procedimento concursal de contratação, temos, por esta ordem, os actos (expressos ou silentes) do órgão competente para a decisão de contratar sobre erros e omissões identificados pelos interessados (n.° 5 do art. 61.°), os actos expressos de exclusão de candidatos ou concorrentes (ou as exclusões por omissão previstas no n.° 3 do art. 138.° e no nº 3 do art. 177.°), os actos de exclusão de propostas (art. 70.°, n.° 2), as decisões do órgão competente para decisão de contratar relativas à classificação dos documentos da proposta por motivos de segredo comercial ou outro (art. 66.°), as decisões do júri de ordenação das propostas e de qualificação dos candidatos, a decisão também do júri de dar início à fase de negociações, a decisão de selecção dos interessados qualificados no âmbito do procedimento de instituição de sistemas de qualificação (art. 250.°, n.° 1), a decisão de adjudicação (arts. 73.° a 77.°) ou de não adjudicação (arts. 79.° e 80.°) e o acto de aprovação da minuta do contrato (art. 98.°) - sendo estes últimos actos da competência do órgão a quem cabe a decisão de contratar.” (sublinhados e sombreados nossos).

Ora, devendo a reclamação do acto (de exclusão da proposta da recorrente e de adjudicação) de 25.1.2017 ser interposta no prazo de cinco dias úteis, a contar de 14.2.2017 – ou seja, até 21.2.2017 -, tal significa que a reclamação apresentada em 6.3.2017 é completamente intempestiva, o que implica, necessariamente, que a mesma não suspende o prazo de impugnação judicial de um mês previsto no art. 101º, do CPTA, ou seja, não é aplicável o disposto no art. 59º n.º 4, desse mesmo Código.

Efectivamente, e como explicam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª Edição, págs. 413 e 414, em anotação ao art. 59º:
“De referir, entretanto, que a relevância suspensiva do prazo de impugnação contenciosa, prevista no n.º 4, só opera se a impugnação administrativa utilizada for admissível. (…)
É também necessário, como foi decidido no acórdão do STA de 26 de março de 2009, Processo n.º 1053/08), que a impugnação administrativa tenha sido deduzida dentro do respectivo prazo.” (sublinhados nossos).

E conforme explicita Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2016, 2ª Edição, pág. 303:
“Pressuposto da solução do artigo 59º, n.º 4, é, pelo contrário, que a possibilidade de impugnação contenciosa esteja aberta, que o ónus dessa impugnação esteja constituído e, portanto, que o correspondente prazo esteja a correr: é nessa hipótese que o preceito estabelece que a eventual opção do interessado de lançar mão de uma impugnação administrativa (facultativa, portanto), dentro do prazo estabelecido para o efeito, tem o alcance de suspender o prazo de impugnação contenciosa que estava a correr e que retomará o seu curso, no ponto em que tinha ficado suspenso, se a impugnação administrativa utilizada vier a ser rejeitada ou indeferida ou não vier a ser decidida dentro do prazo legalmente estabelecido. Pretende-se, deste modo, valorizar e, assim, estimular a utilização das impugnações administrativas facultativas.
Basta, para o efeito, que se preencham dois requisitos:
1º Que a impugnação administrativa em causa seja legalmente admitida (…)
Que a impugnação administrativa seja utilizada dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito (…)” (sublinhados e sombreado nossos).

Também Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Anotado, Volume I, 2006, pág. 392, defendem, em anotação ao n.º 4 do art. 59º, que “(…) é preciso que a impugnação administrativa tenha sido tempestivamente deduzida para que se produza o efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa (…)” (sublinhado nosso).

Igualmente Hugo César da Cruz Lourenço Ferreira, A Utilização de Meios de Impugnação Administrativa à Luz do n.º 4 do Artigo 59º do CPTA, 2011, em https://run.unl.pt/bitstream/10362/6905/1/Ferreira_2011.PDF, esclarece o seguinte:
- A pág. 31, “(…) a lei (…) não deixa de fazer depender a suspensão do prazo de impugnação contenciosa da regular utilização dos meios de impugnação administrativa facultativa.
Torna-se, assim, evidente que a aplicação do regime de suspensão do prazo de impugnação contenciosa do acto previsto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA fica a depender da correcta utilização que os particulares façam dos meios de impugnação administrativa facultativa que tenham ao seu dispor, para tanto, é preciso em primeiro lugar que o meio de impugnação administrativa facultativo seja passível de ser utilizado porque legalmente admitido e, em segundo lugar, é fundamental que a respectiva utilização seja tempestiva.” (sublinhado nosso);
- A págs. 35 a 38, “Elencadas em termos genéricos quais os meios de impugnação administrativa que podem ser utilizados pelos particulares, importa agora identificar os moldes em que aqueles meios têm de ser utilizados para ser desencadeado o mecanismo de suspensão do prazo de impugnação judicial previsto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA.
(…)
Não obstante, Aqueles meios de impugnação administrativa facultativa só serão aptos a suspender o prazo de impugnação contenciosa se impuserem à Administração o dever legal de decidir (…)
Aliás, como já havia sido aflorado anteriormente, de acordo com a jurisprudência do STA (82 Acórdão do STA, de 24.09.2009, Processo n.º 0702/09) o n.º 4 do artigo 59.º do CPTA apenas terá aplicação quando estejam em causa impugnações administrativas facultativas e somente naqueles casos em que configurem uma verdadeira impugnação que constitua a Administração no dever legal de decidir.
Desde logo, um argumentos a ter em conta assenta no elemento literal da norma e pode ser extraído do n.º 4 do artigo 59.º do CPTA in fine, mais concretamente da referência expressa ao «decurso do respectivo prazo legal», daqui se retirando que apenas o dever legal de decisão implica o decurso de um prazo legalmente estabelecido para que esta seja proferida.
Por outro lado, só há dever legal de decisão quando a possibilidade de utilização dos meios de impugnação administrativa se encontre previsto na lei.
(…)
Fora daquelas situações, tal como nota PEDRO MACHETE, A jurisprudência do TCA Sul, já havia entendido que a suspensão do prazo de impugnação contenciosa prevista no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA não opera se a Administração não estiver constituída no dever legal de decidir a impugnação administrativa, por exemplo, quando a impugnação administrativa tenha sido deduzida intempestivamente, quando se trate de reclamação que decida anterior reclamação ou recurso administrativo (cfr. n.º 2 do artigo 161.º do CPA) e ainda quando se verifique a utilização de um recurso tutelar nos casos não expressamente previstos na lei (cfr. n.º 2 do artigo 177.º do CPA) (84 PEDRO MACHETE, Notificação deficiente do acto administrativo – a articulação entre meios administrativos e contenciosos, CJA n.º 75 p. 15).
(…)
Pretende-se assim que a utilização do n.º 4 do artigo 59.º do CPTA tenha lugar apenas se a Administração estiver constituída no dever legal de decidir, evitando que os particulares possam usar os meios de impugnação administrativa como mero expediente processual no intuito de protelar injustificadamente o prazo de impugnação contenciosa.” (sublinhado nosso);
- E a pág. 59, “26. De qualquer modo, a aplicação do regime de suspensão do prazo de impugnação contenciosa do acto previsto no n.º 4 do artigo 59.º do CPTA depende da regular utilização que os particulares façam dos meios de impugnação administrativa facultativa.
27. Por isso, aquela norma apenas poderá ser aplicada quando estejam em causa impugnações administrativas facultativas e somente naqueles casos em que estas configurem uma verdadeira impugnação que constitua a Administração no dever legal de decidir.
28. Para que exista dever legal de decisão é necessário que o meio de impugnação administrativa facultativa seja passível de ser utilizado porque legalmente admitido e, em segundo lugar, é fundamental que a sua utilização seja tempestiva.” (sublinhado nosso).

Este é igualmente o entendimento da jurisprudência – neste sentido, Ac. do STA de 26.3.2009, proc. n.º 1053/08 [“I- Segundo o art. 59º, n.º 4, do CPTA, o prazo para impugnar um acto meramente anulável suspende-se se deste for deduzida reclamação. II - Contudo, esse efeito suspensivo pressupõe que a reclamação seja tempestiva, nos termos do art. 162º do CPA.”], e Ac. do TCA Sul de 22.11.2012, proc. n.º 9062/12.

Ora, não sendo aqui aplicável o art. 59º n.º 4, do CPTA (pois a reclamação interposto em 6.3.2017 é intempestiva, e, portanto, não suspende o prazo de um mês para interposição da presente acção), a presente acção tinha de ser intentada, conforme acima referido, até 14.3.2017, pelo que tendo sido intentada em 31.3.2017 é a mesma intempestiva, ou seja, a decisão recorrida não enferma de erro de julgamento ao declarar a sua intempestividade, razão pela qual tem de improceder o presente recurso jurisdicional.

*
Uma vez que a recorrente ficou totalmente vencida no presente recurso jurisdicional deverá suportar as respectivas custas (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA), sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido, por despacho de 15.1.2018, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. fls. 634, dos autos em suporte digital/fls. 412, dos autos em suporte de papel).

III - DECISÃO 

Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Negar total provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida.
II – Condenar a recorrente nas custas do presente recurso jurisdicional, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
III – Registe e notifique.
*
Lisboa, 10 de Maio de 2018

(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)

(Conceição Silvestre – 1ª adjunta)

(Carlos Araújo – 2º adjunto)


(1) A Parte II do CCP inclui os arts. 16º a 277º.
(2) A qual inclui os arts. 16º a 277



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