Proc. nº 00336/14.3BEPRT 19.06.2015
TCAN
I) - Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões
judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões
sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de
questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões
novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado.
II) - A recomendação da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) relativa aos preços finais a praticar pelas empresas de segurança privada contém valores meramente indicativos, recomendados, não constituindo ou gozando dum qualquer valor impositivo obrigatório e absoluto como valor mínimo que importe ser estritamente observado sob pena de ilegalidade.
III) - Não se integra como causa de não adjudicação a sua inobservância (art.º 79º do CCP
II) - A recomendação da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) relativa aos preços finais a praticar pelas empresas de segurança privada contém valores meramente indicativos, recomendados, não constituindo ou gozando dum qualquer valor impositivo obrigatório e absoluto como valor mínimo que importe ser estritamente observado sob pena de ilegalidade.
III) - Não se integra como causa de não adjudicação a sua inobservância (art.º 79º do CCP
Município do P... (Praça …) interpõe recurso jurisdicional
de decisão do TAF do Porto, que julgou procedente acção de contencioso
pré-contratual intentada por St... –
Segurança, SA (Largo …).
O recorrente formula as seguintes conclusões de recurso:
O recorrente formula as seguintes conclusões de recurso:
1. O Recorrente não pode, por via do presente recurso,
deixar de se insurgir contra o douto acórdão proferido, em 12.02.2015, pelo
Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, julgando a presente ação
procedente, decidiu anular a deliberação camarária de 21.01.2014, na parte em
que decidiu extinguir o procedimento concursal ADAQ/3/2013 e lançar novo
procedimento e condenar o Réu a prosseguir com o procedimento concursal
ADAQ/3/2013, elaborando o relatório final e adjudicando à proposta da Autora a
prestação de serviços combinados de vigilância e segurança.
2. A decisão
recorrida não apreciou um dos fundamentos que estiveram subjacentes à decisão
de extinção do procedimento ADAQ/3/2013, a saber, a circunstância de não ter
sido convidada a apresentar proposta uma das entidades abrangidas pelo Acordo
Quadro AQ-VS-2010 – Lote 17, ao abrigo do qual foi lançado aquele procedimento,
concretamente a Ch..., Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância S.A.
3. Tal omissão é perfeitamente constatável pela mera
leitura do aresto recorrido que, em momento algum, ainda que “en passant”, se
refere a esse fundamento de extinção do procedimento, quanto, curiosamente,
este foi o único expressamente invocado, na informação do Réu subjacente à
extinção do procedimento, como gerador da anulabilidade do mesmo.
4. Tendo o acórdão recorrido sido completamente omisso
relativamente a uma questão cuja apreciação se impunha para cabal sindicância
da legalidade do ato impugnado, verifica-se uma causa de nulidade da
sentença por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1
do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º e 140.º do CPTA,
que se argui e cujo suprimento se impõe.
5. Analisados que tivessem sido todos os fundamentos
que estiveram subjacentes à decisão de extinção do procedimento ADAQ/3/2013, maxime
o não convite de todas as entidades abrangidas pelo acordo quadro, como
legalmente devido, não teria a presente ação, merecido idêntica decisão à de
que se recorre e ter-se ia concluído, forçosamente, pela legalidade dos atos
impugnados,
6. A
legalidade da extinção do procedimento, contrariamente ao sustentado na decisão
recorrida, já decorria, aliás, do outro fundamento de extinção do procedimento
analisado nessa decisão – contendente com a necessidade de alteração das peças
do procedimento com vista a acautelar o cumprimento de uma recomendação da ACT,
quando aos serviços em apreço.
7. Quer da perspetiva do fundamento não atendido pelo
tribunal recorrido, quer da perspetiva do fundamento concretamente sindicado
pelo tribunal recorrido, autónoma ou conjuntamente considerados, a conclusão a
retirar sempre teria de ser a mesma, i..e, a da legalidade do ato de extinção
do procedimento ADAQ/3/2013.
8. A decisão
recorrida assentou numa premissa estrutural – a nosso ver, errónea – que ditou
o sentido dessa decisão e que se consubstancia na suposta taxatividade das
causas de não adjudicação previstas no artigo 79.º do CCP.
9. Alicerçada nessa taxatividade, considerou, mal, que
o fundamento de extinção do procedimento de necessidade de alterar as peças do
procedimento para acautelar o cumprimento da recomendação da ACT não era
subsumível a nenhuma das alíneas constante desse elenco, designadamente às
alíneas c) e d).
10. Tal preceito não consagra causas taxativas de não
adjudicação e, ainda que assim não se entendesse, os fundamentos subjacentes à
extinção do procedimento são, de facto, enquadráveis quer na alínea c) quer na
alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP.
11. O Réu não assumiu na informação subjacente à
extinção do procedimento, contrariamente ao vertido no aludido acórdão, que já
não ia a tempo de alterar as peças do procedimento tout court, mas
apenas que já não o poderia fazer à luz do artigo 50.º do CCP, e que,
portanto, teria de lançar mão do artigo 79.º do CCP para o efeito… o que
é bem diferente!
12. Nem poderia o Réu ter assumido o entendimento que
o douto tribunal considera ter sido assumido, pois que o propósito da alínea c)
do n.º 1 do artigo 79.º do CCP é, precisamente, o de acautelar as
situações de necessidade de alteração das peças do procedimento “após o
termo do prazo fixado para apresentação das propostas” e, portanto,
necessariamente, após o segundo terço do prazo para apresentação das propostas
em que a retificação poderia ter lugar nos termos do artigo 50.º CCP sem
a consequência da não adjudicação, mas apenas a de prorrogação do prazo para
apresentação das propostas, nos termos do disposto no artigo 64.º, n.º 2 do CCP,
caso as alterações contendam com aspetos fundamentais das peças do
procedimento.
13. A alínea
c) do n,º 1 do artigo 79.º do CCP constitui, precisamente, uma “válvula
de escape” para as situações em que, tendo já sido apresentadas e, quiçá, já
abertas e avaliadas as propostas pelos concorrentes, se mostre necessário
alterar as peças do procedimento.
14. A
situação sub judice é, pois, indiscutivelmente, subsumível ao disposto
na alínea c) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP.
15. O Município do P... aderiu, em 2009, enquanto
entidade compradora voluntária, ao Sistema Nacional de Compras Públicas (SNCP),
através da celebração, com a ANCP (atual ESPAP), de um contrato de adesão, nos
termos do qual goza dos mesmos direitos e fica adstrito aos mesmos deveres que
as entidades vinculadas, no âmbito de cada acordo-quadro a que aderiu,
designadamente o de “ negociar, adjudicar a aquisição e celebrar contratos com
as entidades fornecedoras, nas condições expressas em cada acordo-quadro”, o
que pressupõe, necessariamente, que o convite para a apresentação de propostas
seja dirigido a todos os cocontratantes dos acordos-quadro a que se aderiu,
16. Tal convite não aconteceu no primeiro ajuste
direito ADAQ/3/2013, sendo inquestionável, por isso, que, uma vez detetada tal
circunstância, impendia sobre o Réu a obrigação de sanar tal ilegalidade,
através da extinção do procedimento e do lançamento de procedimento
subsequente, desta feita com convite a todas as entidades cocontratantes do
acordo-quadro.
17. Ainda que não exista, efetivamente, uma norma que
taxativamente determine a anulação/extinção do procedimento por força do não
convite a todas as entidades, é certo que tal consequência resulta, necessária
e forçosamente, da referida adesão do Município ao Sistema Nacional de Compras
Públicas, e, em particular, ao acordo-quadro AQ – VS- 2010 – Lote 17, a cujos termos e
condições se vinculou,
18. Tal consequência resulta, igualmente, do disposto
no artigo 259.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), conforme se
infere do Acórdão do Tribunal de Contas n.º 26/2010, de 13.07.2010. 1.ª S/SS,
processo n.º 585/2010, no qual se refere que “quando estejam em causa
Acordos Quadro celebrados com várias entidades, como é o caso, o artigo 259.º
do CCP, reportado à alínea b) do n.º 1 do artigo 252.º, determina que a
entidade adjudicante deve dirigir a todos os co-contratantes do Acordo Quadro
convite à apresentação de propostas.”
19. Por força do referido acordo-quadro e do previsto
neste preceito, o Município do P... estava, indubitavelmente, obrigado a convidar
todos os cocontratantes do acordo-quadro, ao abrigo do qual entendeu lançar o
procedimento de aquisição de serviços de segurança e vigilância.
20. É, assim, forçoso concluir pela imperatividade da
extinção do procedimento ADAQ/3/2013, com a consequente não adjudicação do
procedimento, por não ter sido convidada, pelo Réu, como se impunha, uma das
entidades integrantes do acordo quadro.
21. As razões que motivaram a extinção do procedimento
são igualmente subsumíveis à alínea d) do n.º 1 do artigo 79.º do CCP,
atenta a invalidade detetada no procedimento – não salvaguarda do cumprimento
da recomendação da ACT – apenas detetada em fase de adjudicação, circunstância
que, por outro lado, motivou também ela a necessidade de alterar as peças e
que, portanto, é, da mesma forma, subsumível à alínea c) do n.º 1 do artigo
79.º do CCP.
22. Mesmo que assim não fosse, i.e., mesmo que as
circunstâncias factuais verificadas não se considerassem enquadráveis nessas
causas expressas de não adjudicação, tal não obstava à extinção do
procedimento, porquanto o artigo 79.º do CCP não consagra, de facto,
causas taxativas de não adjudicação.
23. Constitui entendimento, no seio da doutrina e da
jurisprudência, que o elenco das causas de não adjudicação previsto no artigo
79.º do CCP é meramente exemplificativo, o que equivale a dizer que
outras causas poderão existir suscetíveis de determinar a não adjudicação do
procedimento.
24. É, aliás, amplamente extenso o leque de situações
que Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira admitem serem justificativas da não
adjudicação, que entendem ser “de admitir, na verdade, a não adjudicação
fundada não apenas em razões de interesse público supervenientes que
justifiquem a revogação da decisão de contratar, mas também quando o juízo da
imprestabilidade do procedimento se fundamente: em razões de
conhecimento superveniente; em erro comprovado (desculpável ou não) na
ponderação que subjazera à decisão de contratar; em razões que legitimariam o
poder de rescisão do contrato respetivo por motivos de interesse público.”
25. Se em situações, algumas elas de mera
“conveniência” do interesse público ou de má ponderação inicial da decisão de
contratar, todas com alguma margem de subjetividade e discricionariedade da
entidade adjudicante, se admite a não adjudicação, por maioria de razão, esta
terá de ser considerada admissível quando existam, como in casu,
imperativos legais que obrigavam à extinção do procedimento, e cuja
inobservância foi, de facto, de conhecimento superveniente (a deteção
superveniente do não convite de todas as entidades abrangidas pelo
acordo-quadro e o conhecimento, também ele superveniente, da recomendação da
ACT, a qual, ainda que possa ser reputada de não vinculativa ou não normativa,
contém matéria relevante a ser tida pelas entidades adquirentes dos serviços em
causa, sob pena de legitimação de práticas de distorção da concorrência).
26. O Réu, verificado que foi o não convite de um dos
cocontratantes do acordo-quadro - que obrigava, por si só, à extinção do
procedimento - entendeu ser também de acolher, no novo procedimento a lançar,
tal recomendação, pelas razões mais que ponderosas e de inegável interesse
público envolvidas, suficientes, elas próprias, de fundamentar igualmente o
sentido da decisão de não adjudicação, tendo em conta o interesse público
subjacente.
27. Independentemente do caráter vinculativo ou não da
dita recomendação da ACT, sempre poderia o Réu entender, autonomamente e em
face da realidade que aquela procura disciplinar, ser de alterar o preço base
do procedimento, alteração que, mostrando-se esgotado o prazo de 2/3 para
apresentação das propostas e, mais do que isso, apresentadas e analisadas já as
propostas, fundamentaria a não adjudicação e a extinção do procedimento.
28. Mal seria que o Réu estivesse obrigado, em abono
de uma suposta taxatividade, que, como se demonstrou à saciedade, não existe, a
fazer perpetuar ilegalidade detetadas, designadamente a decorrente da não
formulação de convite a uma entidade a quem aquele tinha, obrigatoriamente, de
ser estendido, e a consentir, concomitantemente, na prática de preços de
serviços de segurança suscetíveis de distorcer a concorrência e a eventual
violação de normas atinentes à legislação laboral dos trabalhadores afetos à
prestação de tais serviços, pela não conformação das peças com a recomendação
da ACT
29. O Réu, efetivamente, como conclui, e bem, o
tribunal recorrido ainda que através de erróneas considerações, não perdeu, de
forma superveniente, o interesse em adquirir tais serviços, apenas não quis fazê-lo,
de forma ilegal, como sucederia se tivesse prosseguido com o procedimento
ADAQ/3/2013,quer pela não extensão do convite a todas as entidades que estava
legalmente obrigado a convidar, quer pela não salvaguarda, nesse procedimento,
de uma recomendação da ACT que, a ter sido conhecida em momento ao anterior ao
do lançamento do ADAQ/3/2013, teria ditado uma decisão de contratar com
diferentes contornos, pelo menos no que toca à estipulação dos preços para
prestação dos serviços e sua discriminação.
30. O Réu, ora Recorrente, não pretendeu com a sua
atuação, em momento algum, furtar-se ao dever de adjudicação que decorrer do
artigo 76.º do CCP, mas apenas fazê-lo em estrita observância da
legalidade!
31. Assim como não decidiu lançar o novo procedimento
de aquisição de serviços “ só” “porque teve em linha de conta, mal…,
o disposto no n.º 3 do artigo 79.º do CCP”, como se alvitra no
acórdão recorrido, mas sim, e também, porque efetivamente manteve o interesse
na aquisição dos ditos serviços.
32. Andou mal, portanto, mal o tribunal a quo
ao ter considerado, que quando decidiu extinguir o procedimento concurso
ADAQ/3/2013, o Réu viciou “tal decisão por erro nos pressupostos de facto e
de direito, pois nenhuma causa existia para não continuar com o concurso”.
33. Não padecendo o ato de extinção do procedimento de
qualquer ilegalidade, o acórdão recorrido enferma, deste modo, de manifesto
erro de julgamento, na aplicação do direito aos factos que conformam a
apresentação, devendo, consequentemente ser objeto de revogação.
34. Idêntica conclusão de legalidade haverá que
retirar quanto ao procedimento ADAQ/1/2014, lançado subsequentemente pelo Réu,
designadamente quanto às normas constantes dos pontos 8 a. e 9 c. do convite
concretamente postas em crise pela Autora/Recorrida.
35. Em primeiro lugar, é evidente que a Autora parece
querer fazer uma distinção de conceitos que, no caso sub judice, não tem
qualquer razão de ser, quais sejam os de preço mínimo e de preço anormalmente
baixo.
36. O Réu não fixou, no segundo ajuste direito – nem,
de resto, no primeiro – preços mínimos e preços anormalmente baixos,
simultaneamente, tendo tão-só, ao abrigo do disposto no artigo 115.º, n.º 3 do CCP,
que assim o permite, fixar os limiares do preço abaixo do qual estes são considerado
anormalmente baixos, e optou por fazê-lo tendo em conta a recomendação da ACT.
37. A Autora
e as demais entidades convidadas não ficaram vinculadas ao cumprimento desse
limiar de preço por força de ter havido uma recomendação da ACT nesse sentido,
mas sim porque o Município do P... entendeu, na sequência dessa recomendação,
“fazer seu” esse limiar, estabelecendo-o como preço anormalmente baixo.
38. Ainda que assim não fosse, e independentemente do
caráter vinculativo ou não vinculativo da recomendação da ACT ou de esta
contemplar ou não apenas valores meramente indicativos, o Município é livre de
a acatar e zelar pelo seu cumprimento, sem que tal fira de ilegalidade o
procedimento e, mais, sem que os concorrentes contra tal se possam insurgir,
pois que são “ as regras do jogo” que a entidade adjudicante, legitimamente,
entendeu ser de fixar.
39. Seria, aliás, curioso perguntar, se o Município
tivesse fixado o preço anormalmente baixo os inferiores a 7,5€/hora, sem que
tivesse feito expressa referência à recomendação da ACT, existiria esta
contenda judicial? Ou teria a Autora “ tido por bom” tal limiar…
40. A Autora
limita-se a invocar uma suposta violação do princípio da concorrência por
fixação de preços mínimos, sem que o demonstre de alguma forma e extraindo, sem
mais, tal consequência da referência nos pontos 8 e 9 à recomendação da ACT.
41. Por outro lado, não deixa de ser curioso que a
Autora invoque, em abono da sua tese, uma suposta violação do princípio da
concorrência, quando a recomendação da ACT visa, precisamente, a prevenção “…
de ilegalidades muito graves, dumping social e concorrência desleal”,
relacionadas com matérias de direito laboral, fiscal e de segurança.
42. O Município do P..., enquanto entidade
adjudicante, está sujeito ao princípio da legalidade e da prossecução do
interesse público e não deve, por isso, ignorar a recomendação em apreço, sendo
que o interesse no menor preço possível não pode, como é óbvio, conduzir a
decisões de contratar a preços irreais, abaixo do respetivo custo, considerado
pelo sector, claramente lesivas da concorrência.
43. Tal circunstância legitima e fundamenta o seu
poder, de resto discricionário, de exigir no convite, que as propostas
respeitem a baliza de custos definidos pelo ACT, que o Município entendeu
adotar.
44. Não se vislumbra, destarte, em que que medida o
princípio da concorrência ou a revelação de segredos de gestão ficam
comprometidos, pela fixação de preços anormalmente baixos e pela exigência de
discriminação dos respetivos custos, em consonância com a recomendação da ACT.
45. Tanto mais que a Autora não está, naturalmente,
vinculada a apresentar os mesmos preços em futuros procedimentos e o
acolhimento da recomendação da ACT no convite visa, precisamente, salvaguardar
a seriedade dos preços propostos, com necessário reflexo na boa execução futura
do contrato que deve ficar garantido por um preço justo e razoável.
46. Se a Autora, em algum momento, considerou que
poderia estar em causa a revelação de segredos de gestão comercial ou outros,
sempre poderia a Autora ter requerido, no âmbito do procedimento e ao abrigo do
disposto no artigo 66.º do CCP, a classificação dos documentos que pretendia
apresentar com a sua proposta relativamente aos quais pudesse existir tal
risco, o que jamais fez.
47. Nos termos conjugados dos pontos 8 e 9 c. do
convite, as propostas seriam excluídas caso não respeitassem na sua
apresentação a forma, lista ou catálogo de custos referidos na recomendação da
ACT, não resultando dessa vinculação que os preços aí referidos são impostos
aos concorrentes.
48. O que o Município do P... fez foi, por assim
dizer, “ beber” à recomendação da ACT, o modo de discriminação desses custos,
exigência que não só é legítima, como perfeitamente compreensível, à luz dos
princípios e regras da contratação pública, para melhor garantir a análise e
comparabilidade das propostas e para assegurar que o contrato a celebrar não
viola quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis, para efeitos
do disposto na alínea f) do artigo 70.º do CCP.
49. A
indicação transparente de cada preço unitário, de acordo com o padrão de custos
elencados na recomendação da ACT, permite afastar qualquer dúvida ou indício de
atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear ou distorcer as
regras da concorrência, para efeitos do disposto na alínea g) do artigo 70.º do
CCP.
50. Bem interpretadas as normas do convite cuja
ilegalidade é suscitada pela Autora, de resto com o sentido que todos os
concorrentes lhe deram, não houve qualquer violação do princípio da
concorrência, da não discriminação, da imparcialidade ou qualquer outro
aplicável à contratação pública, nem houve qualquer intenção de impedir,
restringir ou falsear a concorrência.
51. Nada impede que o Réu, no domínio da sua
discricionariedade, exija que as propostas sejam apresentadas, sob pena de
exclusão, acompanhadas de nota justificativa dos preços unitários propostos,
elaborada de acordo com a recomendação da ACT, como, de resto, o possibilita o
artigo 132.º, 4 do CCP.
52. No caso dos autos, tendo em vista a garantia de
cumprimento das regras legais e regulamentares aplicáveis, do setor da
segurança privada e de prevenção de ilegalidades em matéria laboral, fiscal, da
segurança social e do direito da concorrência, não só assistia ao Município a
faculdade de impor tal exigência, como, mais do que isso, impendia sobre si o dever
de o fazer, decorrente do princípio da legalidade e da prossecução do interesse
público a que está obrigado (artigo 266.º da Constituição da República
Portuguesa).
53. Inequivocamente, as normas constantes dos pontos 8 a. e 9c. do convite do ajuste
direto ADAQ 1/2014 são perfeitamente válidas e legais, inexistindo qualquer
razão para a respetiva desaplicação e, mormente, para a anulação do
procedimento em apreço.
54. A Autora,
atentas as razões que motivaram a sua exclusão, não podia ter quaisquer legítimas
expectativas de lhe ver adjudicado o contrato em causa, pelo que, não tendo
possibilidade alguma de vencer o procedimento ADAQ/1/2014, se mostra
absolutamente despicienda a declaração da ilegalidade das normas, como
pretende.
55. O ato de adjudicação praticado no âmbito desse
procedimento terá, assim, de se manter na ordem jurídica, quanto mais não seja
sob a égide do princípio do aproveitamento do ato, não se julgando procedente o
referido pedido de declaração de ilegalidade.
56. Destarte, e na senda da conclusão de legalidade da
decisão de extinção do procedimento ADAQ/3/2013, que se impõe, haverá que
concluir, igualmente, face ao vindo de expor, pela legalidade do procedimento
ADAQ/1/2014, maxime das normas 8 a. e 9 c. do convite.
*
A autora, recorrida, ofereceu contra-alegações, onde concluiu :
Da pretensa omissão de pronúncia
I. Invoca o Município do P... que o Tribunal a quo,
no Acórdão recorrido, não se pronunciou sobre um dos fundamentos subjacentes à
decisão de extinção do procedimento ADAQ/3/2013, a saber, a circunstância de a
Ch... não ter sido convidada a apresentar proposta.
II. Defendeu o Município do P..., na contestação que,
tendo sido dois os fundamentos invocados para fundamentar a decisão impugnanda,
a circunstância de um deles não ter sido invocado pela St... teria o efeito de
“validar” a decisão.
III. A questão de saber se a extinção do procedimento
ADAQ/3/2013 deveria manter-se por força do princípio do aproveitamento do acto
administrativo, por a St... não ter impugnado a decisão no que concerne à
alegada omissão de convite à Ch..., foi conhecida e decidida no despacho
saneador de 14 de Julho de 2014, tendo sido julgada improcedente.
IV. O Tribunal a quo, ao conhecer essa questão,
debruçou-se sobre o mérito da causa, aplicando o direito material convocável ao
caso, pelo que o despacho saneador era imediatamente recorrível nos termos do
artigo 142.º n.º5 do CPTA e do artigo 644.º n.º1 al. b) do CPC.
V. O Município do P... não recorreu dessa decisão (e,
de qualquer forma, nem requereu que o presente recurso a abranja), pelo que a
mesma transitou em julgado.
VI. Não pode, pois, ser, agora e de novo, conhecida.
VII. Consequentemente, a questão da pretensa validade
da decisão de extinção do procedimento com fundamento na alegada falta de
convite à Ch... ficou prejudicada, não estando o Tribunal a quo vinculado
a pronunciar-se sobre a mesma (artigo 95.º n.º1 do CPTA), pelo que não se
verifica qualquer nulidade.
Da pretensa legalidade da decisão de extinção do
procedimento ADAQ/3/2013
VIII. O CCP consagra um dever de adjudicação
que vincula a Administração à promessa de contratar que efectuou (artigo 76.º
do CCP), em nome do princípio da boa fé e da protecção das legítimas
expectativas criadas nos interessados (artigo 6.º-A do CPA 1991 e artigo 10.º
do CPA 2015).
IX. O acto de adjudicação constitui um acto vinculado,
um acto devido e, ademais, um acto constitutivo de direitos de particulares
(Acórdão do TCA Sul de 26/04/2012 proferido no processo n.º 08634/12).
X. O artigo 79.º do CCP, ao estabelecer casos
em que se considera existirem causas que se sobrepõem às legítimas expectativas
dos interessados e, consequentemente, justificado que não se proceda ao acto
legalmente devido de adjudicação, tem natureza excepcional e taxativa (Acórdãos
do Tribunal de Contas n.º 30/2010, do TCAS de 19/12/2013, processo 10298/13,
Jorge Andrade Silva, Código dos Contratos Públicos comentado e anotado, 2ª
Edição, pág. 304, Pedro Fernandez Sanchez, o Regime da alteração das
circunstâncias no âmbito do procedimento pré-contratual)
XI. Nenhum dos fundamentos invocados pelo Município do
P... para a extinção do Procedimento ADAQ/3/2013 é enquadrável no artigo 79.º
do CCP.
Da pretensa legalidade da decisão de extinção do
procedimento ADAQ/3/2013 baseada na pretensa omissão de convite à Ch...
XII. Quanto ao primeiro fundamento, e sem prejuízo do
referido nas conclusões I a VII, o entendimento do Tribunal a quo,
exarado no despacho saneador, de que uma decisão de extinção do procedimento,
fundada na pretensa omissão de convite à Ch..., não se apresentava como um acto
vinculado, não merece censura, porque das alíneas do artigo 79.º do CCP
não se extrai, com inteira segurança, que aquela situação se enquadre numa das
causas de não adjudicação.
XIII. O princípio do aproveitamento do acto
administrativo apenas podia ser aplicável se se demonstrasse, sem margem para
dúvidas, que o conteúdo do acto só podia ser um (Acórdãos do STA de 26-10-2010,
processo 0473/10, do TCAN de 05-12-2014, processo 02171/09.1BEPR, do TCAS de
22-02-2015, processo 11865/15 – cfr. também artigo 163.º n.º5 al. a) e c) do
CPA 2015), pelo que teria que ser demonstrado que a decisão a ser tomada pelo
Município do P... sempre seria a extinção do procedimento ADQ/3/2013, ainda que
motivado apenas na necessidade de extensão do convite à entidade não convidada,
demonstração que não foi feita.
XIV. Acresce que, não resulta da matéria de facto
julgada assente pelo Tribunal a quo (não impugnada pelo Município do
P... no presente recurso) que a pretensa omissão do convite à Ch... apenas
tenha sido detectada após o termo do prazo fixado para a apresentação de
propostas.
XV. Tal omissão não se consubstancia numa
circunstância superveniente a esse momento procedimental, nem numa
circunstância imprevista que altere os pressupostos da decisão de contratar.
XVI. Acresce que o argumento avançado pelo Município
do P... para defender a impossibilidade de convite a posteriori à Ch...
(colocação da Ch... numa posição de vantagem face aos demais concorrentes)
também se verificou na solução adoptada na deliberação de 21 de Janeiro de 2014
(pois, tendo sido imediatamente interposto o procedimento ADAQ/1/2014,
exactamente com o mesmo objecto do procedimento ADAQ/3/2013, a Ch..., ao
elaborar a sua proposta, já conhecia a estratégia concorrencial dos demais
convidadas ao passo que estas desconheciam a sua).
XVII. Concluindo-se que, no que concerne à pretensa
omissão de convite à Ch..., não se verifica qualquer uma das causas exaradas no
artigo 79.º do CCP ou qualquer outro interesse público que justifique um
incumprimento do dever de adjudicar.
Da pretensa legalidade da decisão de extinção do
procedimento ADAQ/3/2013 baseada no desconhecimento da recomendação da ACT
XVIII. Não resulta da matéria de facto julgada assente
pelo Tribunal a quo (não impugnada pelo Município do P... no presente
recurso) que o Município do P... apenas tenha tomado conhecimento da
recomendação da ACT após o termo do prazo de apresentação de propostas, o que,
por si só, afasta a aplicação das alíneas c) e d) do n.º1 do artigo 79.º do CCP.
XIX. De qualquer forma, a existência da Recomendação,
emitida em 12 de Abril de 2012, não pode ser considerada uma circunstância
imprevista ou superveniente em Dezembro de 2013 ou Janeiro de 2014 (sendo que a
alínea d) do n.º1 do artigo 79.º do CCP reporta-se a circunstâncias
supervenientes e não a circunstâncias pretéritas de conhecimento
superveniente).
XX. As entidades adjudicantes, ao abrigo do princípio
da auto-responsabilização, têm o dever de, previamente ao lançamento de
qualquer procedimento de contratação pública, se informar convenientemente
sobre o mercado em causa e sobre as circunstâncias ligadas à realização do
interesse público que visam satisfazer.
XXI. Não podem os particulares ser prejudicados pelos
comportamentos negligentes da Administração, in casu, a St... não pode
ver afastada uma adjudicação que lhe era devida com base num pretenso
desconhecimento do Município do P... de uma recomendação que existia há mais de
um ano e meio.
XXII. Inexistia qualquer razão de interesse público
que determinasse uma obrigatoriedade de extinção de um procedimento
pré-contratual baseada no facto de as respectivas peças concursais não serem
conformadas com a recomendação da ACT.
XXIII. Não há no CCP nem em legislação do nosso
ordenamento jurídico qualquer disposição que delimite os termos em que o preço
deva ser formado ou que imponha a decomposição do mesmo numa determinada
estrutura fixa de custos (Acórdão do TCAS de 29-01-2015, processo 11661/14 e
Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
XXIV. Atento o princípio da liberdade de gestão
empresarial (artigo 61.º da CRP) e da autonomia da estratégia empresarial, os
operadores têm o direito de organizar a sua actividade como bem entendam, de
acordo com os seus próprios critérios e opções (Parecer de Mário Esteves de
Oliveira)
XXV. Nada obriga o concorrente a organizar a sua
gestão de custos de molde a imputar os custos com os trabalhadores nos preços
dos contratos celebrados com os clientes aos quais esses trabalhadores serão
afectos (Acórdãos do STA de 14-02-2013, processo 0912/12, do TCAS de
29-01-2015, processo 11661/14 e Parecer de Mário Esteves de Oliveira)
XXVI. Já que é a totalidade das receitas obtidas pela
empresa no cômputo geral da sua actividade (ou mesmo a totalidade do seu
património) que deverá cobrir a totalidade das despesas geradas por essa
actividade (Acórdão do STA de 14-02-2013, processo 0912/12, do TCAS de
29-01-2015, processo 11661/14).
XXVII. Do entendimento supra exposto não decorre
qualquer ilegalidade, designadamente, o incumprimento das obrigações
retributivas e contributivas, porque o que releva é que os resultados
económico-financeiros da empresa no cômputo geral da sua actividade sejam aptos
a garantir esse cumprimento (Acórdãos do STA de 14-02-2013, processo 0912/12 do
TCAS de 29-01-2015, processo 11661/14 e Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
XXVIII. E porque o conteúdo dum contrato de prestação
de serviços de vigilância e segurança humana não tem quaisquer implicações no
que respeita às remunerações a que os trabalhadores da empresa de segurança
privada legalmente têm direito, nem no que respeita às contribuições
obrigatórias para a Segurança Social (Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
XXIX. Aliás, o interesse público em não contratar e em
não efectuar pagamentos a entidades que não cumprem tais obrigações está
devidamente acautelado porque, as entidades adjudicantes estão vinculadas a
verificar se as entidades competentes declararam que o
adjudicatário/co-contratante cumpre as suas obrigações retributivas e
contributivas, quer na fase da adjudicação (artigos 55.º e 81.º n.º1 al. b) do CCP),
quer aquando da realização de cada pagamento (artigo 31.º-A do Decreto-Lei
155/92).
XXX. Desse entendimento também não emerge qualquer
acto susceptível de distorcer a concorrência porque mesmo uma prática de preços
predatórios apenas constituiria ilícito anti-concorrencial se o operador tiver
uma posição dominante, o que não é o caso da St... (Parecer da Autoridade da
Concorrência)
XXXI. E porque o dumping, no ordenamento jurídico
nacional, apenas é proibido nos termos definidos no artigo 5.º do Decreto-Lei
166/2013, sendo que tal disposição apenas é aplicável às (re)vendas de bens e
produtos e não às prestações de serviços, assim o determinando os elementos
literal, histórico e teleológico da interpretação (Parecer de Mário Esteves de
Oliveira e Parecer de Nuno Ruiz),
XXXII. Não tendo o legislador ordinário estabelecido
limitações ao princípio constitucional da liberdade de formação de preços, as
entidades adjudicantes não podem fazê-lo, não lhes cabendo imiscuir-se no modo
como a empresa vendedora organiza os seus meios de produção e como calcula,
imputa ou reparte os custos respectivos (Parecer Mário Esteves de Oliveira).
XXXIII. A imposição de um preço mínimo ou de imputação
de dados custos num dado contrato constitui uma barreira manifestamente
falseadora e restritiva da concorrência e da liberdade comercial que impede os
agentes económicos mais eficazes de apresentar preços mais vantajosos, gerando
uma subida artificial dos preços, com o inerente prejuízo para o interesse
público (Acórdão do TCAS de 29-01-2015, processo 11661/14, Parecer Mário
Esteves de Oliveira e Parecer de Nuno Ruiz).
XXXIV. Os acordos de preços e a imposição de preços
mínimos geram distorções graves no mercado, impedindo que a formação do preço
seja ditada pelo binómio procura/oferta, o que consubstancia infracção da
concorrência grave e por objecto, prevista no artigo 9.º da Lei n.º 19/2012
(Parecer de Nuno Ruiz).
XXXV. As entidades adjudicantes só podem estabelecer
regras que não tenham efeito impeditivo, restritivo ou falseador da
concorrência (artigo 132.º n.º4 do CCP), pelo que não podem fixar preços
mínimos (Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
XXXVI. Designadamente não podem fixar os preços
exarados na Recomendação da ACT, porque, em primeiro lugar, trata-se de um acto
sem força jurídica, destituído de toda a relevância normativa (Parecer de Mário
Esteves de Oliveira e Acórdão do TCAN de 6/12/2013, processo 02363/12.6BELSB
(Porto))
XXXVII. Em segundo lugar, porque não se pode presumir
que todo e qualquer operador tem que suportar os custos descritos na
recomendação.
XXXVIII. Mesmo quanto aos custos previstos na lei e
cujo valor está fixado na lei os concorrentes podem beneficiar de incentivos e
subsídios legais à contratação que se traduzem na dispensa de contribuições
para a Segurança Social e/ou apoio financeiro correspondente a parte das
retribuições dos trabalhadores (Acórdãos do TCAS de 29-01-2015, processo
11661/14, de 20-03-2014, processo 10857/14 e de 07-02-2013, processo n.º
09611/13).
XXXIX. Quanto aos “outros custos mínimos com o
trabalho” estes não têm qualquer valor mínimo fixado na lei que se imponha a todos
os operadores.
XL. São custos, por natureza, variáveis, que dependem
de inúmeros factores ligados à capacidade de gestão, capacidade comercial e
capacidade negocial dos concorrentes.
XLI. Quanto a tais custos não pode ser imposto a
qualquer operador que suporte um determinado valor ou que utilize uma dada
fórmula para calcular esses custos, designadamente, os determinados pelos
parceiros sociais e constantes da recomendação da ACT que não tem qualquer
valor vinculativo (Acórdão do TCA Norte de 06-12-2013, processo 02363/12.6BELSB
e Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
XLII. Não se pode afirmar, com qualquer grau de
certeza, que os “valores médios” exarados na Recomendação correspondam aos
valores que o operador X ou o operador Y suporta e, consequentemente, não se
pode impor, num procedimento de contratação pública, que os concorrentes
apresentem preços que se conformem com os exarados na Recomendação.
XLIII. Aliás, a Recomendação da ACT, tal como emitida,
constitui intromissão nos critérios de gestão e na capacidade negocial e
organizativa das empresas e introduz uma forma inadmissível de fixação de
preços mínimos, proibida pelo Art.º 9º da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio
(Parecer de Nuno Ruiz).
XLIV. Atento o supra exposto conclui-se que a existência
da recomendação da ACT não justifica qualquer decisão de extinção de um
procedimento de contratação pública que não tenha considerado a mesma,
inexistindo qualquer razão de interesse público (as exaradas no artigo 79.º
n.º1 do CCP ou qualquer outra) que legitime a deliberação de 21 de
Janeiro de 2014.
XLV. O procedimento ADAQ/3/2013 deveria ter
prosseguido e sido concluído com a adjudicação à St..., concorrente
classificada em primeiro lugar.
Da pretensa legalidade das normas do procedimento
ADAQ/1/2014
XLVI. O ponto 8 a) do Convite, ao determinar a imediata
exclusão de todas as propostas que não cumpram a recomendação da ACT é
marcadamente ilegal, como referido nas conclusões XXIII a XLIV.
XLVII. O Município do P... não pode “fazer seu” o
limiar estabelecido na recomendação da ACT e estabelece-lo como preço mínimo
por tal violar o artigo 132.º n.º4 do CCP (parecer de Mário Esteves de
Oliveira)
XLVIII. Mesmo que estivesse em causa o limiar do preço
anormalmente baixo (que não está, como bem se afere do teor do ponto 8 a) do Convite), este não
podia ser definido por referência à Recomendação da ACT, porque o regime do
preço anormalmente baixo visa tutelar a seriedade das propostas o que não se
alcança através da fixação de um preço que tem na sua base custos não
obrigatórios (e que, consequentemente, os concorrentes não estão - ou pelo
menos podem não estar – adstritos a suportar).
XLIX. O ponto 9 c) do Convite, ao estabelecer que os
concorrentes devem instruir as suas propostas com nota justificativa de preço
apresentada de acordo com a recomendação da ACT, para além de todas as
ilegalidades supra referidas (por se destinar a garantir o cumprimento da
recomendação da ACT), constitui também imposição de divulgação de segredos de
negócios e de informações estratégicas, pois obriga os concorrentes a
explicarem a estratégia concorrencial que adoptam na formação de preços e
imputação de custos (Parágrafo 86 das Orientações da Comissão Europeia sobre a
aplicação do artigo 101.º do Tratado, Parecer de Mário Esteves de Oliveira e
Parecer de Nuno Ruiz)
L. Para mais uma prática, seja qual for a sua forma,
da qual resulte a possibilidade de obtenção de dados individualizados sobre as
intenções em matéria de preços (o que se verifica com a divulgação, por todos
os concorrentes, da nota justificativa de preços aos demais), é, pela sua
própria natureza, prejudicial ao normal e correcto funcionamento da
concorrência (deliberação da Autoridade da Concorrência de 16 de Dezembro de
2008, proferida no PRC 26/05 e Parecer de Nuno Ruiz)
LI. O mecanismo previsto no artigo 66.º do CCP
não obsta a tais efeitos porque a classificação dos documentos não é
automática, estando dependente de prévia decisão da entidade adjudicante.
LII. A questão de saber se a St... tem legitimidade/interesse
em agir no pedido da declaração de ilegalidade e desaplicação dos pontos 8 a) e 9 c) do Convite já foi
decidida no despacho saneador de 14 de Julho de 2014, já transitado em julgado,
como referido nas conclusões IV a VI.
LIII. De qualquer forma, é óbvio que tais normas
condicionaram, de forma definitiva e irreversível, a posição concorrencial da
St... que, se tais normas não existissem, poderia ter apresentado outro preço
mais competitivo.
LIV. E a exclusão da St... no procedimento ADAQ/1/2014
foi baseado naquelas normas porque a St..., contrariamente ao imposto pela
recomendação da ACT, não previu qualquer valor na rubrica “descanso
compensatório de trabalho em dia feriado” (porque, nos termos do artigo 269.º
do Código do Trabalho e da cláusula 26ª do CCT celebrado entre AES e FETESE,
esse descanso é alternativo e não cumulativo com o incremento de remuneração),
incluiu uma rubrica relativa a medidas de apoio à contratação (prática
admissível como referido na conclusão XXXVI), e não apresentou uma das notas
justificativas de preço impostas no ponto 9 c) do Convite.
LV. Concluindo-se pela ilegalidade do acto que
determinou o lançamento do procedimento ADAQ/1/2014, a ilegalidade das normas
exaradas nos pontos 8 a)
e 9 c) do Convite, a ilegalidade da decisão que 25 de Fevereiro de 2014 que
excluiu a proposta da St... e adjudicou os serviços à Sc... e a ilegalidade do
contrato celebrado em 3 de Março de 2014.
LVI. Devendo ser confirmado o Acórdão recorrido, com o
que se fará JUSTIÇA!
*
A Exmº Procuradora-Geral Adjunta, notificada para efeitos do art.º 146º do
CPTA, deu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
*
Os factos, que a decisão recorrida consignou como suportados no
acervo documental e de que se serviu :
1.º - O R., relativamente ao procedimento concursal ADAQ/3/2013, lançou o seguinte convite para apresentação de propostas (cf. fls. 31 a 36 dos autos);
(imagem omissa)
1.º - O R., relativamente ao procedimento concursal ADAQ/3/2013, lançou o seguinte convite para apresentação de propostas (cf. fls. 31 a 36 dos autos);
(imagem omissa)
2.º - O R. elaborou o caderno de encargos, com o
seguinte teor (por excerto) - (cf. fls. 44 a 48 dos autos);
(imagem omissa)
(imagem omissa)
3.º - A A. apresentou a seguinte proposta
(cf. fls. 49 a
54 dos autos);
(imagem omissa)
(imagem omissa)
4.º - Em 06/01/2014, o júri elaborou o seguinte
relatório preliminar (cf. fls. 55
a 58 dos autos);
(imagem omissa)
(imagem omissa)
5.º - Em 14/01/2014, no Departamento Municipal
de Património da Câmara Municipal do P... foi elaborada a informação com a
referência I/7183/14/CMP, com o seguinte teor (cf. fls. 664 a 667 do PA ADAQ/3/2013 -
Pasta 2);
(imagem Omissa)
(imagem Omissa)
6.º - Sobre a informação supra e após despacho
autorizador do Presidente da Câmara Municipal do P..., em reunião de 21/01/2014
foi proferida pela Câmara Municipal do P... uma deliberação de aprovação com o
seguinte teor: “Aquisição de serviços de segurança e vigilância - ratificação
do ato de extinção do procedimento anterior e abertura de novo procedimento…”
(cf. fls. 670 a
684 do PA ADAQ/3/2013 - Pasta 2);
7.º - O R. formulou um novo convite para apresentação de propostas para o ajuste direto ADAQ/1/2014, visando a “Aquisição de serviços combinados de vigilância e segurança e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes”, com o seguinte teor - por excertos - (cf. fls. 65 a 70 dos autos):
(imagem omissa)
7.º - O R. formulou um novo convite para apresentação de propostas para o ajuste direto ADAQ/1/2014, visando a “Aquisição de serviços combinados de vigilância e segurança e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes”, com o seguinte teor - por excertos - (cf. fls. 65 a 70 dos autos):
(imagem omissa)
8.º - O convite supra foi acompanhado do anexo V
- “RECOMENDAÇÃO DA AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DE TRABALHO”, com o seguinte
teor (cf. fl. 78 dos autos e verso da fl. 627 do PA ADAQ/3/2012 - Pasta 2):
(imagem omissa)
(imagem omissa)
9.º - O júri do procedimento elaborou em
17/02/2014 o relatório final, propondo a adjudicação à proposta apresentada
pela Contra-Interessada “Sc... - Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A.” (cf.
fl. 435 do PA ADAQ/1/2014 - Pasta 1);
10.º - Em 03/03/2014, entre o Município do P... e a Contra-Interessada “Sc... - Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A.” foi outorgado o contrato de aquisição de serviços combinados de vigilância e segurança e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes (cf. fls. 565 e 566 do PA ADAQ/1/2014 - Pasta 1).
10.º - Em 03/03/2014, entre o Município do P... e a Contra-Interessada “Sc... - Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A.” foi outorgado o contrato de aquisição de serviços combinados de vigilância e segurança e de ligação a central de receção e monitorização de alarmes (cf. fls. 565 e 566 do PA ADAQ/1/2014 - Pasta 1).
*
O Direito :
Contextualizando o devir procedimental e aplicando o que entendeu ser de direito, a decisão recorrida extraiu estatuição assim:
«(…)
Sinteticamente, resulta do probatório que o Impetrado decidiu lançar um concurso por ajuste direto para a aquisição da “prestação de serviços combinados de vigilância e segurança”, no decurso do qual várias empresas apresentaram as respetivas propostas, entendendo o júri que a proposta da A. foi aquela que melhor cumpria o critério de adjudicação (o do mais baixo preço), pelo que, em sede do relatório preliminar, graduou a proposta da Impetrante em 1.º lugar, propondo que a adjudicação da prestação de serviços à mesma coubesse, seguindo-se, depois, a fase da audiência prévia dos concorrentes.
Contextualizando o devir procedimental e aplicando o que entendeu ser de direito, a decisão recorrida extraiu estatuição assim:
«(…)
Sinteticamente, resulta do probatório que o Impetrado decidiu lançar um concurso por ajuste direto para a aquisição da “prestação de serviços combinados de vigilância e segurança”, no decurso do qual várias empresas apresentaram as respetivas propostas, entendendo o júri que a proposta da A. foi aquela que melhor cumpria o critério de adjudicação (o do mais baixo preço), pelo que, em sede do relatório preliminar, graduou a proposta da Impetrante em 1.º lugar, propondo que a adjudicação da prestação de serviços à mesma coubesse, seguindo-se, depois, a fase da audiência prévia dos concorrentes.
Contudo, em vez do júri do concurso ter seguido para a
fase procedimental seguinte, elaborando o relatório final com a proposta de
adjudicação, eis que surgiu o Departamento Municipal de Património da Câmara
Municipal do P... (CMP) com a informação I/7183/14/CMP, propondo,
essencialmente, o seguinte: i) a extinção do procedimento concursal
ADAQ/3/2013; ii) e a abertura de novo procedimento com o mesmo objeto. Com tal
proposta vieram o Presidente da CMP e a própria Câmara a concordar, nesse
sentido deliberando esta última em reunião de 21 de Janeiro de 2014. É
precisamente no momento em que profere esta decisão que se entende ter o R.
cometido um erro de facto e direito que contaminará não só o ato de 21/01/2014,
mas também toda a sua atuação posterior, como de seguida vamos explicar.
Com a decisão de extinção do procedimento concursal o
que o R. fez efetivamente foi não avançar para a fase de adjudicação,
interrompendo o andamento procedimental. Mas fê-lo sem ter em conta duas normas
inclusas no CCP. O artigo 76.º, que consagra o dever de adjudicação,
e o artigo 79.º, que, quanto a nós, enuncia de forma taxativa as causas de
não adjudicação.
O artigo 76.º, n.º 1, do CCP, prescreve o
seguinte “Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 79.º, o órgão
competente para a decisão de contratar deve tomar a decisão de adjudicação e
notificá-la aos concorrentes até ao termo do prazo da obrigação de manutenção
das propostas”. Veja-se o que diz a anotação ao presente comando legal na
obra o “Código dos Contratos Públicos”, edição revista e atualizada, de Jorge
Andrade e Silva, 2013, 4.ª edição, Almedina, a pág. 264, “Resulta do preceito e
mesmo da respetiva epígrafe, que a entidade competente para a decisão de
contratar não tem o poder de, discricionariamente, optar por adjudicar ou não:
nos casos apontados n.º 1 do artigo 79.º, tem o dever de não adjudicar, em
todos os outros casos, tem o dever de adjudicar. Isto é: num e noutro caso são
poderes de exercício obrigatório”.
Vejamos agora o que preceitua o artigo 79.º do CCP,
epigrafado de causas de não adjudicação: “1 - Não há lugar a adjudicação
quando:
a) Nenhum candidato se haja apresentado ou nenhum
concorrente haja apresentado proposta;
b) Todas as candidaturas ou todas as propostas tenham
sido excluídas;
c) Por circunstâncias imprevistas, seja necessário
alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento após o termo do prazo
fixado para a apresentação das propostas;
d) Circunstâncias supervenientes ao termo do prazo fixado
para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de
contratar, o justifiquem;
e) No procedimento de ajuste directo em que só tenha
sido convidada uma entidade e não tenha sido fixado preço base no caderno de
encargos, o preço contratual seria manifestamente desproporcionado;
f) No procedimento de diálogo concorrencial, nenhuma
das soluções apresentadas satisfaça as necessidades e as exigências da entidade
adjudicante.
2 - A decisão de não adjudicação, bem como os
respectivos fundamentos, deve ser notificada a todos os concorrentes.
3 - No caso da alínea c) do n.º 1, é obrigatório dar
início a um novo procedimento no prazo máximo de seis meses a contar da data da
notificação da decisão de não adjudicação.
4 - Quando o órgão competente para a decisão de
contratar decida não adjudicar com fundamento no disposto nas alíneas c) e d)
do n.º 1, a
entidade adjudicante deve indemnizar os concorrentes, cujas propostas não
tenham sido excluídas, pelos encargos em que comprovadamente incorreram com a
elaboração das respectivas propostas”.
Perscrutando as alíneas do n.º 1 da norma legal supra
transcrita e seguindo-se aqui o entendimento de que só as causas no mesmo
elencadas permitem a não adjudicação, encontramos duas classes de justificações
para o não prosseguimento do processo concursal: as subjetivas, que têm a ver
com os próprios concorrentes ou com a qualidade das propostas que apresentam; e
as imputáveis ao interesse público, independentemente dos candidatos ou da
valia técnica e/ou financeira das suas propostas.
Nas causas subjetivas encontramos a falta de
candidatos ou de propostas, a exclusão de candidaturas ou de propostas, no
ajuste direto com um único convidado a apresentação de um preço contratual
manifestamente desproporcionado e soluções que não cumpram as exigências da
entidade adjudicante. Ora, “in casu”, nenhuma destas causas subjetivas se
verifica, pois, como se sabe, nem a candidatura nem a proposta da A. foram excluídas
do procedimento, nem a proposta da A. foi considerada contrária às peças que
enformaram o ajuste direto ADAQ/3/2013, designadamente, o convite e o caderno
de encargos, ou sequer alguma solução técnica contida na proposta foi tida como
desajustada às tais peças procedimentais. Aliás, a regularidade da proposta da
A. foi atestada pelo próprio R., pois graduou-a em 1.º lugar, o que significa
que formal e tecnicamente cumpriu os pressupostos pré-contratuais e o próprio
critério de adjudicação, o mais baixo preço. Portanto, do ponto de vista da
Impetrante, nenhuma deficiência se lhe podia imputar como causa de não
adjudicação.
Resta saber, então, se algum fundamento de interesse
público podia justificar tal decisão.
Diz a alínea c), do n.º 1 do artigo 79.º do CCP
que a adjudicação pode não ocorrer quando “Por circunstâncias imprevistas, seja
necessário alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento após o termo
do prazo fixado para a apresentação das propostas”. Não é esta a causa que
fundamenta a não adjudicação no caso vertente, porquanto, bem sabia o R. que
após a formulação do relatório preliminar já não ia a tempo de alterar as peças
do procedimento (o convite e o caderno de encargos), isso mesmo assumindo na
fundamentação que inscreveu no ponto 6. do capítulo “Análise” da informação
I/7183/14/CMP e por força do estatuído no artigo 50.º, n.º 3, do CCP (as
retificações de erros e omissões das peças do procedimento só podem realizar-se
até ao termo do segundo terço do prazo fixado para a apresentação das
propostas).
Sobra apenas o motivo patente na alínea d), do n.º 1
do artigo 79.º do CCP, que permite a não adjudicação por “Circunstâncias
supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas,
relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem”. Embora
nunca o diga expressamente na fundamentação do ato administrativo aqui em
sindicância (o ato extintivo), o R. acabou por se revelar nos artigos 36.º e
38.º da contestação, onde invocou o comando legal ora em análise, inserindo a
sua decisão na alínea atrás focada, pois disse que foi motivado “pela
constatação superveniente da necessidade de alterar aspetos fundamentais das
peças do procedimento, nomeadamente o preço base considerado anormalmente
baixo, tendo em conta a recomendação da ACT dada a conhecer pela Associação de
Empresas de Segurança”. Pois bem, se o R. sentiu a necessidade de alterar as
peças do procedimento, então, esta razão não se enquadra na alínea d), do n.º 1
do artigo 79.º do CCP, mas sim na sua alínea c), cuja aplicação ao caso
em apreço, como atrás já vimos, não é possível atenta a ultrapassagem do prazo
legalmente estipulado para tal alteração.
Ainda assim, não se vê que circunstâncias
supervenientes relativas aos pressupostos da decisão de contratar foram essas
que justifiquem a não adjudicação. Porquê? O R. deixou de forma superveniente
de ter interesse em adquirir serviços de segurança e vigilância? Tal aquisição
deixou de ser necessária para a prossecução das suas atribuições? Nada disso ocorreu,
pois, como se vê, o R. até acabou por lançar um novo procedimento para a
aquisição dos mesmos serviços, o que demonstra que nada se alterou de forma
superveniente quanto aos pressupostos da decisão de contratar.
E ainda que o conhecimento da recomendação da ACT
quanto aos preços mínimos no sector da segurança tivesse sido posterior à
consolidação das peças do procedimento, entende-se que o R. só se pode queixar
da sua própria conduta, pois, atempadamente, não tratou de verter para as
preditas peças todos os elementos de regulamentação ou de densificação de
pressupostos pré-contratuais ou de melhoramento das propostas.
E bem o podia fazer “ab initio”, chamando à colação
das peças procedimentais a recomendação da ACT, independentemente da legalidade
de tal chamamento, questão que ora não se averigua, que data de 12 de Abril de
2012, ou seja, com existência bem anterior à decisão do R. que lançou o
procedimento ADAQ/3/2013, que é de 26/11/2013.
Além do mais, a alínea d), do n.º 1 do artigo 79.º do CCP
fala de “circunstâncias supervenientes”, isto é, de acontecimentos que tenham
ocorrido depois do termo do prazo fixado para a apresentação de propostas e que
impliquem uma alteração nos pressupostos da decisão de contratar, o que aqui
não se verifica, posto que, não só a recomendação da ACT é anterior ao termo
daquele prazo, como também uma “circunstância superveniente” não é o mesmo que
o “conhecimento superveniente” dum acontecimento precedente, não sendo esta
última hipótese a que é salvaguardada pela norma legal ora em estudo.
Mais uma vez chama-se em abono da nossa posição as
anotações contidas na obra já atrás referida, desta feita, a propósito do
artigo 79.º do CCP, que nos dizem o seguinte: “Quando uma entidade
pública decide iniciar um procedimento para a adjudicação de um contrato
público, atua, obviamente, após proceder ao estudo das circunstâncias tidas por
determinantes, aliás necessariamente ligadas à realização de interesses
públicos que legalmente lhe caiba fazer. E procede sempre fazendo revestir os
seus atos da credibilidade que deve acompanhar toda a atividade da
Administração, e que estão na base dos princípios da boa fé e da tutela da
confiança, com assento no CPA (…).
Isso mesmo determina que, em princípio, aqueles
procedimentos de adjudicação devam terminar com a realização do objetivo que
cada um se propõe, isto é, com a adjudicação e celebração do contrato
respetivo.
Nisto mesmo se traduz o dever de adjudicação
estabelecido no artigo 76.º. E, também de harmonia com aqueles princípios, este
preceito estabelece os casos em que a adjudicação não terá lugar. Com uma dupla
vertente: em qualquer dos casos que enumera a adjudicação não pode ter
lugar e, por outro lado, só não pode ter lugar verificando-se qualquer
destes casos…”.
Em suma, andou mal o R. quando decidiu extinguir o
procedimento concursal ADAQ/3/2013, viciando tal decisão por erro nos seus
pressupostos de facto e de direito, pois nenhuma causa existia para não
continuar com o concurso e ditar a adjudicação à proposta mais bem
classificada, que era a da A., atento o preconizado nos artigos 76.º, n.º 1, e
79.º, n.º 1, alíneas a) a f), do CCP.
Quer isto dizer, então, que o Tribunal vai anular a
deliberação camarária de 21/01/2014, que não só decidiu extinguir o
procedimento concursal ADAQ/3/2013, como também o lançamento do novo
procedimento e dos demais atos que se lhe seguiram, pois esta vertente
decisória (o novo concurso) é indivisível da primeira (a de extinção), pois,
como se viu, esta última serviu de pressuposto erróneo e viciado para aquela.
E embora não o tenha dito claramente na fundamentação
do ato ora sindicado, o R. só decidiu lançar o novo procedimento de aquisição
de serviços porque teve em linha de conta, mal, como atrás vimos, o disposto no
n.º 3, do artigo 79.º do CCP, que dispõe o seguinte: “No caso da alínea
c) do n.º 1, é obrigatório dar início a um novo procedimento no prazo máximo de
seis meses a contar da data da notificação da decisão de não adjudicação”. Só
que no presente caso a aplicação do vertido na alínea c) do n.º 1 foi afastada,
conforme argumentos já atrás plasmados.
E ainda que assim não fosse, o lançamento do novo
procedimento concursal e dos demais atos que nele foram praticados estão
votados à nulidade, como atos consequentes que são de um ato anterior anulado,
conforme preconiza o artigo 133.º, n.º 2, alínea i), do CPA, desconhecendo-se
qual o interesse legítimo da Contra-Interessada “Sc...” na manutenção dos atos
consequentes, porquanto, tendo-lhe sido dada a oportunidade nesta ação para o alegar
e provar, uma vez citada (cf. fls. 181 e 197 dos autos), pura e simplesmente
silenciou.
Em resumo, o Tribunal vai anular a deliberação
camarária de 21/01/2014 e condenar o R. a prosseguir com o procedimento
concursal ADAQ/3/2013, elaborando o relatório final e adjudicando à proposta da
A. a prestação de serviços combinados de vigilância e segurança, pois foi a
proposta da A. a mais bem classificada no relatório preliminar, não se vendo
outros fatores que alterem tal classificação para as fases procedimentais
seguintes.
E não diga o R. que tal adjudicação é impossível por
já ter sido outorgado um contrato com a Contra-Interessada “Sc...” para a
prestação dos mesmos serviços, apelando ao artigo 102.º, n.º 5, do CPTA (uma
situação de impossibilidade absoluta), já que, tal contrato data de 03/03/2014
e destina-se a vigorar por dois anos, o que nos permite verificar que
não está totalmente cumprido, mas ainda em execução, o que torna possível que a
A. assegure com a adjudicação aqui a ser determinada a parte remanescente
daquele período contratual.
No entanto, quanto ao período já decorrido da execução
contratual, há, de facto, uma impossibilidade absoluta, ainda que parcial, na
satisfação do interesse da A., o que nos leva a ter que convidar as partes a acordarem,
no prazo de 20 (vinte) dias, no montante de indemnização a que a Impetrante tem
direito, atento o preconizado no já citado artigo 102.º, n.º 5, do CPTA.
V - Decisão final.
Ante o exposto, julgamos a presente ação procedente,
por provada, e, consequentemente, decide-se o seguinte:
1.º - Anula-se a deliberação camarária de 21/01/2014,
na parte em que decidiu extinguir o procedimento concursal ADAQ/3/2013 e lançar
o novo procedimento;
2.º - Condena-se o R. a prosseguir com o procedimento
concursal ADAQ/3/2013, elaborando o relatório final e adjudicando à proposta da
A. a prestação de serviços combinados de vigilância e segurança;
3.º - E convida-se a A. e o R. a acordarem, no prazo
de 20 (vinte) dias, no montante de indemnização a que a Impetrante tem direito
por todo o período de não prestação dos serviços, nos termos do artigo 102.º,
n.º 5, do CPTA.
(…)».
O recurso aponta nulidade (por omissão de pronúncia) e
verte crítica ao mérito, defendendo que a exclusão da recorrida no primeiro
procedimento tem abrigo no art.º 79º do CCP, e que, de todo o modo, sem
que este consigne uma fechada previsão de causas de exclusão, sempre se
justificará a exclusão; assim acontecendo, quer pela falta de convite
endereçado a outros dos co-contratantes do acordo quadro, quer por não ter sido
em conta recomendação da ACT; mais sustentando para o novo procedimento aberto
a legalidade do que aí previu seguindo tal recomendação.
Vejamos.
Da nulidade
O recorrente aponta que “A decisão recorrida não apreciou um dos fundamentos que estiveram subjacentes à decisão de extinção do procedimento ADAQ/3/2013, a saber, a circunstância de não ter sido convidada a apresentar proposta uma das entidades abrangidas pelo Acordo Quadro AQ-VS-2010 – Lote 17, ao abrigo do qual foi lançado aquele procedimento, concretamente a Ch..., Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância S.A.”.
Vê aí nulidade por omissão de pronúncia, que subsume ao disposto no 615º, nº 1, d), do CPC.
Refutada pela recorrida, que sustenta que assim não acontece pelo trânsito do que decidido ficou em despacho saneador.
Impõe o caso que nos debrucemos quanto ao que foi o saneador, no que aqui é pertinente.
Tratou-se aí do seguinte:
«(…)
A entidade demandada alerta que a autora não imputou qualquer vício ou ilegalidade ao acto que decidiu a extinção do procedimento ADAQ/3/2013, na parte em que se fundamentou na não inclusão da entidade Ch..., Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância e que implicava directamente com a validade da decisão de contratar (artigo 135.º do CPA). Pelo que, a decisão de extinguir o procedimento de ajuste directo teria sempre de se manter válida, uma vez que a autora se insurge apenas quanto ao fundamento da decisão que se relaciona com a recomendação da ACT; verificando-se a excepção de caso resolvido administrativo quanto a um dos segmentos ou fundamentos da decisão.
Sustenta, assim, dever manter-se válido na ordem jurídica o acto que determinou a extinção do procedimento n.º ADAQ/3/2013, quanto mais não seja por aplicação do princípio do aproveitamento dos actos administrativos.
A este propósito cabe desde já adiantar que o aproveitamento do acto e a sua permanência na ordem jurídica pressupõe que o seu conteúdo seja vinculado. Ou seja, não obstante o tribunal verifique enfermar o acto em crise do vício que lhe é imputado, não deverá proceder à anulação do acto, pois existe a garantia firme que, se fosse anulado, sempre o novo acto praticado, após expurgação do vício, seria de igual conteúdo.
Ora, no caso concreto, manifestamente, não estamos perante tal certeza.
Por um lado, percorridas as normas potencialmente aplicáveis, não encontramos no acervo pertinente qualquer imposição de extinção do procedimento para formação de contratos. Na verdade, não obstante o convite dever ser formulado por escrito, devendo a entrega ou o envio ocorrer simultaneamente quando for convidada a apresentar proposta mais do que uma entidade (cfr. artigo 115.º, n.º 4 do Código dos Contratos Públicos), a entidade adjudicante não está obrigada, na falta de envio simultâneo de convite a uma das entidades, a proceder à extinção do procedimento de formação de contrato.
Note-se que, não estando presente um acto vinculado, várias circunstâncias e vicissitudes podem moldar ou fazer alterar o comportamento e o sentido decisório da entidade adjudicante.
Como refere a autora, o princípio do aproveitamento do acto administrativo só poderia operar se se demonstrasse que o conteúdo do acto só podia ser aquele que nele se contém, ou seja, que sempre teria lugar a extinção do procedimento ADAQ/3/2013, ainda que motivado apenas na necessidade de extensão do convite à entidade não convidada. Demostração que a entidade demandada não efectuou.
Por outro lado, a jurisprudência tem entendido, em geral, que os actos administrativos que impõem obrigações (que não é propriamente o caso), que são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, são passíveis de anulação parcial.
Ora, essa anulação parcial é sempre admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do acto, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial.
No caso concreto, o acto decisório é incindível, não sendo juridicamente divisível, pois está em causa a extinção de procedimento de formação de contrato. Ou seja, ou é permitida a apresentação de propostas ou não, pois ou o procedimento existe na ordem jurídica ou não.
Logo, não é possível, na situação específica em análise, a anulação parcial do acto por força de eventual vício de violação de lei de que possa enfermar, pelo que constatando-se inexistir necessidade legal de conformação do procedimento com recomendação da ACT e consequente vinculação à mesma pelos opositores ao procedimento, haverá que determinar a sua anulação, tout cours.
Assim, a prática de novo acto caberá ao Município demandado, não podendo os interessados ser privados da possibilidade de discutir a legalidade do novo acto que, eventualmente, venha a ser praticado, utilizando todos os meios de reacção que a lei lhes proporciona.
Pelo exposto, mantém-se útil o conhecimento do pedido de adjudicação formulado pela autora no procedimento n.º ADAQ/3/2013, bem como o pedido de anulação do procedimento n.º ADAQ/1/2014/DMC; o que por si só é suficiente para a prossecução dos autos.
(…)».
Como se sabe, a nulidade prevista na primeira parte do art. 615.º, n.º 1, al. d), do NCPC (2013), resulta da inobservância do preceituado na parte final do n.º 2 do art. 608.º do mesmo diploma.
O que o recorrente vem agora brandir é a bondade de um dos fundamentos - falta de convite -, que (e também por si só) justificará a legalidade decisória de extinção do primeiro procedimento.
Mas não foi assim, e com isso, que o tribunal “a quo” foi confrontado: em síntese, do que havia para resolver era saber se a circunstância de um dos fundamentos da extinção do primeiro procedimento não vir impugnado - vertendo em caso resolvido -, sempre vingava para improcedência da acção.
Diferente questão.
A resposta do tribunal “a quo” foi negativa; melhor ou pior que o tenha feito, deu resposta à questão, não podendo dela novamente ocupar-se; e acaso com erro de julgamento, certo é que, tratando nessa parte do mérito, a decisão transitou (nos termos do artigo 644.º, nº 1, alínea b), primeira parte, cabe recurso de apelação do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa).
Do mérito
“Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado.” – cfr. Acs. do STA, de 13-11-2013, proc. nº 01460/13; de 05-11-2014, proc. nº 01508/12.
Dentro do que era objecto da acção, admitida ampliação, a decisão recorrida apreciou segundo lógica de precedência, apreciando da extinção do primeiro procedimento, vendo do fundamento – e só este fundamento de ilegalidade versou, não podendo o recurso conhecer do que não foi tratado, atestando ou afastando outra razão de desvalor [“Os arts. 95º nº2 do CPTA e 660º nº2 do CPC inscrevendo-se nos respectivos diplomas, na fase da decisão em primeira instância, não se aplicam aos Tribunais de recurso, cuja actividade está vinculada ao conhecimento do objecto do recurso, dentro dos limites objectivos legalmente impostos, designadamente dos que resultam, desde logo, do valor da causa, da natureza da matéria, das conclusões vertidas nas alegações de recurso” – Ac. do STA, Pleno, de 15-11-2012, proc. nº 0159/11] - relativo à recomendação da ACT à luz das causas de não adjudicação previstas no art.º 79º do CCP.
Seguiu “o entendimento de que só as causas no mesmo elencadas permitem a não adjudicação”.
Naquilo que consagra o direito positivado, fora de dúvidas que o não acautelamento da recomendação da ACT se não integra em nenhuma das hipóteses colocadas a jogo, do art.º 79º, nº 1, alíneas c) e d) do CCP, respectivamente:
- por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento após o termo do prazo fixado para a apresentação das propostas;
- circunstâncias supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem;
O caso nada liga com circunstâncias imprevistas ou supervenientes; notar-se-á que, sendo a recomendação já de 2012, não se pode subsumir a um imprevisto ou circunstância superveniente o confronto no procedimento de 2013; haveria a adjudicante de demonstrar, mais até que apenas um simples desconhecimento, que não estava de pretérito em condições de a ter em conta; e nada em tal sentido sequer consubstanciadamente esboçou.
A propósito do art.º 79º do CCP, escreve-se no Ac. do TCAS, de 10-10-2013, proc. nº 10318/13 :
Tal artigo não é taxativo, mas meramente exemplificativo.
Contudo, considerar exemplificativo o artigo 79º não significa que em regra a entidade contratante, uma vez aberto o procedimento de concurso e fazendo-o prosseguir, não fique obrigada a terminá-lo adjudicando a proposta vencedora (cf. artigo 76º do CCP). Essa é a regra, tal adjudicação é um acto tendencialmente devido, corolário dos princípios da boa fé e da confiança.
Admite-se, contudo, que em situações excepcionais, que serão as previstas no artigo 79º do CCP, ou outras similares, a entidade contratante possa revogar a decisão de contratar e não prosseguir o concurso com a correspondente adjudicação (cf. neste sentido, Acs. do TCAS n.º 8222/11, de 19.01.2012; na doutrina, vide, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, págs. 1053 a 1055; Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 307 e 308 - anotações ao artigo 76º, 3 e 6 - págs. 318, 319 e 320 - anotações ao artigo 79º, 2 a 5 e 8 - pág.321, anotações ao artigo 80º; Maria João Estorninho, Curso de Direito dos Contratos Públicos, Livraria Almedina, Coimbra, 2012, págs. 408 a 413, 460 a 465 e 461; Tiago Duarte, «A Decisão de Contratar no Código dos Contratos Públicos: Da Idade do Armário à Idade dos Porquês», em Estudos de Contratação Pública I, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 177; Bernardo Azevedo, «Adjudicação e Celebração do Contrato no Código dos Contratos Públicos», em Estudos de Contratação Pública II, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, págs. 227 a 252; João Amaral e Almeida e Pedro Fernández Sánchez, «Abertura de Procedimento Pré-contratual e Dever de Adjudicação», em Temas de Contratação Pública, I, Coimbra Editora, 2011, págs. 275 a 289. Aparentemente em sentido diferente ao defendido neste acórdão, mas referindo-se à não admissão de um «poder discricionário de livre apreciação das propostas», vide Sérvulo Correra, Lino Torgal e Pedro Fernández Sánchez, «Alteração de Circunstâncias e Modificação de Propostas em Procedimentos de Contratação Pública», em Estudos de Contratação Pública III, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, págs. 179 a 200. Notamos que estes Autores não se pronunciam nesta análise a uma situação totalmente similar à dos autos. Acabam, porém, por defender a possibilidade dos contraentes, público e privado, se “desvincularem” das suas obrigações, que conduzem a um “negócio ruinoso”, assim como a preponderância do interesse público. Consequentemente, nessa medida, o sentido do seu estudo não é completamente diverso ao propugnado neste acórdão).
Em todos os casos de não adjudicação, ficará a Administração com a obrigação e indemnizar os concorrentes cujas propostas não tenham sido excluídas nos termos do n.º 4 daquele artigo 79º do CCP (cf. ainda o artigo 334º relativo à resolução do contrato por razões de interesse público).
Esta indemnização é o reverso da frustração das expectativas legítimas e juridicamente tuteladas dos concorrentes que viram as suas propostas manterem-se no concurso e em posição de serem as adjudicadas. Ou visto de outra forma, é o corolário do sacrifício dos princípios da boa fé e da tutela da confiança e dos direitos que decorriam para os concorrentes por imposição desses princípios.
Porque estes princípios da boa fé e da tutela da confiança não são absolutos e têm de conviver com os demais princípios e regras, aqui se avultando os princípios da prossecução do interesse público, da economia, da boa gestão da coisa pública e da sã concorrência, são admissíveis excepções à regra do artigo 76º do CCP. Daí a previsão do artigo 79º do mesmo código. E pela mesma razão, a defesa do carácter meramente exemplificativo deste último artigo.
Julga-se dever seguir nesta linha de pensamento.
Não esquecendo que “a consagração de um dever legal de adjudicar assenta na lógica de que a entidade adjudicante, quando inicia um procedimento pré-contratual, dando dele conhecimento ao mercado (através de convite ou de anúncio), fica vinculada a essa espécie de “oferta ao público”, não podendo, em nome do princípio da boa -fé, defraudar as expectativas legítimas de contratar que suscitou junto dos operadores económicos” (Sérvulo Correia & Associados, no seu Manual de Procedimentos – Contratação Pública de Bens e Serviços (do início do procedimento à formação do contrato), ed. 2008, pág. 43 e ss.), certo é também que se tem de admitir que casos haverá em que o interesse público sobreleva em diferente solução.
A jurisprudência comunitária produzida ao longo das directivas relativas à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos vai-nos dando exemplos de que se não pretende uma regulamentação de normas fechada, antes convivendo com o que é apelo à directa aplicação dos princípios (v. Ac. Fracasso e Leitschutz, C-27/98, EU:C:1999:420, n.ºs 23 e 25; Ac. HI, C-92/00, EU:C:2002:379, n.°s 41, 45, 46).
Ainda assim, não caberá, no caso, julgar como justificada a não adjudicação.
Teve este TCAN ensejo de reflectir a propósito no Ac. de 06-12-2013, proc. nº 02363/12.6BELSB, do seguinte modo:
«(…) importa ter presente que os valores dos preços finais insertos na recomendação da «ACT» documentada nos autos e referida sob o n.º (…) dos factos apurados são valores meramente indicativos, recomendados, não constituindo ou gozando dum qualquer valor impositivo obrigatório e absoluto como valor mínimo que importe ser estritamente observado sob pena de ilegalidade.
LXXXVII. Temos, por outro lado, que os valores recomendados, de referência, nela apostos foram produto dum cálculo no qual foram incluídos os vários custos/encargos obrigatórios que derivam de imposições legais diversas, mas desse cálculo não fazem parte unicamente tais custos porquanto para o mesmo contribuíram todos os outros custos variáveis imanentes ao funcionamento, operacionalidade e rentabilidade duma empresa do setor da prestação de serviços de segurança privada.
LXXXVIII. Nessa medida, a proporção com que uns custos e outros contribuem para o resultado obtido na operação de estudo e cálculo a que a «ACT» chegou é ou poder ser muito diverso, tal como muito diverso será, necessariamente, a estrutura de custos fixos e variáveis que cada empresa possui e terá de suportar no desempenho da sua atividade, pelo que não se descortina ou encontra consistência/razoabilidade na argumentação/tese sustentada pela A. para concluir pela ilegalidade do ato impugnado à luz da al f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP com apelo nas operações de cálculo que realizou tão só por reporte aos dados de referência insertos na Recomendação da «ACT» de 12.04.2012, conferindo-lhe quer um carater absoluto quer uma força jurídica e de normatividade que não possui.
LXXXIX. Não poderá assentar-se um juízo de ilegalidade duma determinada proposta no quadro de procedimento concorrencial e proceder à sua integração na referida alínea do n.º 2 do citado normativo do CCP com apelo tão-só a uma alegada infração duma determinada Recomendação da «ACT», mormente, daquela que está em presença, tanto para mais que o preço indicado numa proposta por cada concorrente é fruto da análise e ponderação daquilo que é a sua vontade de ganhar o procedimento face à concorrência, considerando o objeto/custos do procedimento concorrencial a que se apresenta e daquilo que é o conhecimento da sua estrutura de custos [varáveis e fixos/impostos legal e contratualmente] e da margem de lucro com que opera/funciona.
XC. Inexiste prova e demonstração factual nos autos que o preço constante da proposta da R./contrainteressada implique ou acarrete um qualquer incumprimento por parte da mesma daquilo que são as suas obrigações e vinculações legais/contratuais quer face a entidades públicas ou privadas, quer face aos seus trabalhadores.
(…)
XCIII. Frise-se que para além dos custos fixos/impostos legal, administrativa e contratualmente, uma empresa defronta-se com uma gama muito variada de custos variáveis que não estão fixados ou taxados de forma alguma e em que entram fatores que se prendem com capacidades de organização e de gestão detidas ou não, com capacidades comerciais e de negociação, pelo que não poderemos deixar de ter em consideração esta realidade no juízo concreto que importa fazer quando haja de se aferir se a situação em questão preenche ou não a previsão da al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP.
XCIV. Neste juízo se é certo que, por um lado, não poderemos esquecer que importa assegurar o respeito estrito da legalidade, daquilo que são as obrigações e vinculações impostas sem margem de manobra para as empresas e que se apresentam a estas como custos fixos, bem como daquilo que sejam os valores duma sã e transparente concorrência, temos, por outro lado, que não poderemos esquecer aquilo que constitui uma realidade evidente e notória que se prende com a diversidade de custos e de estrutura destes que cada empresa possui, a margem de lucro com que cada empresa opera no mercado concorrencial, com aquilo que é e são as decorrências da liberdade de empresa, da liberdade de organização e de gestão duma empresa.
XCV. De notar, frisando o que supra se referiu quanto ao valor da referida recomendação da «ACT» de 12.04.2012, que lidos os seus próprios termos e pressupostos em que assenta, aquela recomendação parte de dados/parâmetros que não se reportam apenas a custos/encargos obrigatórios/fixos decorrentes da lei visto ter levado em consideração toda uma gama de variáveis muito diversas e em que se terá partido de valores ou médias ponderadas do setor, pelo que o seu resultado/produto só pode ser lido com possuindo um cariz meramente indicativo, referencial, sem que detenha ou possa ser considerado de molde automático enquanto comando impositivo absoluto que haja de ser observado de forma estritamente vinculada, sob pena daquela recomendação se traduzir ou se poder vir a traduzir numa ingerência ilegítima na aludida liberdade de empresa, da sua gestão e organização e mesmo da própria concorrência que visa assegurar.
XCVI. Uma proposta só poderá ser alvo de exclusão no quadro da al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP se resultar demonstrado que a mesma não permite ao concorrente dar cumprimento às suas obrigações impostas por lei, por regulamento/instrumento de regulamentação coletiva.
XCVII. Os autos não permitem pelo que neles foi alegado e provado assim concluir, deles não derivando a demonstração de que a R./contrainteressada haja incumprido ou potencialmente ocorra, mercê da proposta apresentada, um risco de incumprimento daquilo que são as estritas vinculações e obrigações legais.
XCVIII. A apresentação daquele preço unitário por parte da referida R. decorre ou teve de decorrer, assim, de aferição e avaliação global que a mesma fez do que constituem os seus concretos e efetivos custos, na consideração das opções organizativas, de gestão meios humanos e recursos de que dispõe, razão pela qual aquele preço proposto pode meramente espelhar uma estratégia comercial da proponente sem que com isso esteja a necessariamente violar a legislação em vigor.
(…)».
Transponível esta ponderação para a fase e acto do procedimento agora em questão, evidencia-se que fraqueja o fundamento avançado (relativo à Recomendação da ACT) para extinção do primeiro procedimento sem adjudicação.
Como sustenta Rodrigo Esteves de Oliveira, “Se valores jurídicos fundamentais – como o da concorrência, da transparência, da imparcialidade e da igualdade – não funcionarem, é dizer, não impuserem a anulação do acto da entidade adjudicante ou dos actos dos concorrentes, então deve dar-se primazia aos valores sócio – administrativos inerentes à abertura do procedimento e aos sacrifícios e incómodos, muitas vezes desmesurados, que apresentar uma candidatura ou proposta envolve” (“Os princípios gerais da contratação pública, nos Estudos de Contratação Pública”, Tomo I, CEDIPRE, Coimbra Editora, 2008, página 113).
Concluindo, sem boa causa para a não adjudicação, esta foi ilegal.
Impõe-se, pois, manter a decisão recorrida, que no mais nela contido não vem atingido na crítica impugnatória colocada a recurso, e coloca à salvaguarda os efeitos que retirou.
Vejamos.
Da nulidade
O recorrente aponta que “A decisão recorrida não apreciou um dos fundamentos que estiveram subjacentes à decisão de extinção do procedimento ADAQ/3/2013, a saber, a circunstância de não ter sido convidada a apresentar proposta uma das entidades abrangidas pelo Acordo Quadro AQ-VS-2010 – Lote 17, ao abrigo do qual foi lançado aquele procedimento, concretamente a Ch..., Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância S.A.”.
Vê aí nulidade por omissão de pronúncia, que subsume ao disposto no 615º, nº 1, d), do CPC.
Refutada pela recorrida, que sustenta que assim não acontece pelo trânsito do que decidido ficou em despacho saneador.
Impõe o caso que nos debrucemos quanto ao que foi o saneador, no que aqui é pertinente.
Tratou-se aí do seguinte:
«(…)
A entidade demandada alerta que a autora não imputou qualquer vício ou ilegalidade ao acto que decidiu a extinção do procedimento ADAQ/3/2013, na parte em que se fundamentou na não inclusão da entidade Ch..., Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância e que implicava directamente com a validade da decisão de contratar (artigo 135.º do CPA). Pelo que, a decisão de extinguir o procedimento de ajuste directo teria sempre de se manter válida, uma vez que a autora se insurge apenas quanto ao fundamento da decisão que se relaciona com a recomendação da ACT; verificando-se a excepção de caso resolvido administrativo quanto a um dos segmentos ou fundamentos da decisão.
Sustenta, assim, dever manter-se válido na ordem jurídica o acto que determinou a extinção do procedimento n.º ADAQ/3/2013, quanto mais não seja por aplicação do princípio do aproveitamento dos actos administrativos.
A este propósito cabe desde já adiantar que o aproveitamento do acto e a sua permanência na ordem jurídica pressupõe que o seu conteúdo seja vinculado. Ou seja, não obstante o tribunal verifique enfermar o acto em crise do vício que lhe é imputado, não deverá proceder à anulação do acto, pois existe a garantia firme que, se fosse anulado, sempre o novo acto praticado, após expurgação do vício, seria de igual conteúdo.
Ora, no caso concreto, manifestamente, não estamos perante tal certeza.
Por um lado, percorridas as normas potencialmente aplicáveis, não encontramos no acervo pertinente qualquer imposição de extinção do procedimento para formação de contratos. Na verdade, não obstante o convite dever ser formulado por escrito, devendo a entrega ou o envio ocorrer simultaneamente quando for convidada a apresentar proposta mais do que uma entidade (cfr. artigo 115.º, n.º 4 do Código dos Contratos Públicos), a entidade adjudicante não está obrigada, na falta de envio simultâneo de convite a uma das entidades, a proceder à extinção do procedimento de formação de contrato.
Note-se que, não estando presente um acto vinculado, várias circunstâncias e vicissitudes podem moldar ou fazer alterar o comportamento e o sentido decisório da entidade adjudicante.
Como refere a autora, o princípio do aproveitamento do acto administrativo só poderia operar se se demonstrasse que o conteúdo do acto só podia ser aquele que nele se contém, ou seja, que sempre teria lugar a extinção do procedimento ADAQ/3/2013, ainda que motivado apenas na necessidade de extensão do convite à entidade não convidada. Demostração que a entidade demandada não efectuou.
Por outro lado, a jurisprudência tem entendido, em geral, que os actos administrativos que impõem obrigações (que não é propriamente o caso), que são naturalmente divisíveis, sendo-o também juridicamente, são passíveis de anulação parcial.
Ora, essa anulação parcial é sempre admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do acto, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial.
No caso concreto, o acto decisório é incindível, não sendo juridicamente divisível, pois está em causa a extinção de procedimento de formação de contrato. Ou seja, ou é permitida a apresentação de propostas ou não, pois ou o procedimento existe na ordem jurídica ou não.
Logo, não é possível, na situação específica em análise, a anulação parcial do acto por força de eventual vício de violação de lei de que possa enfermar, pelo que constatando-se inexistir necessidade legal de conformação do procedimento com recomendação da ACT e consequente vinculação à mesma pelos opositores ao procedimento, haverá que determinar a sua anulação, tout cours.
Assim, a prática de novo acto caberá ao Município demandado, não podendo os interessados ser privados da possibilidade de discutir a legalidade do novo acto que, eventualmente, venha a ser praticado, utilizando todos os meios de reacção que a lei lhes proporciona.
Pelo exposto, mantém-se útil o conhecimento do pedido de adjudicação formulado pela autora no procedimento n.º ADAQ/3/2013, bem como o pedido de anulação do procedimento n.º ADAQ/1/2014/DMC; o que por si só é suficiente para a prossecução dos autos.
(…)».
Como se sabe, a nulidade prevista na primeira parte do art. 615.º, n.º 1, al. d), do NCPC (2013), resulta da inobservância do preceituado na parte final do n.º 2 do art. 608.º do mesmo diploma.
O que o recorrente vem agora brandir é a bondade de um dos fundamentos - falta de convite -, que (e também por si só) justificará a legalidade decisória de extinção do primeiro procedimento.
Mas não foi assim, e com isso, que o tribunal “a quo” foi confrontado: em síntese, do que havia para resolver era saber se a circunstância de um dos fundamentos da extinção do primeiro procedimento não vir impugnado - vertendo em caso resolvido -, sempre vingava para improcedência da acção.
Diferente questão.
A resposta do tribunal “a quo” foi negativa; melhor ou pior que o tenha feito, deu resposta à questão, não podendo dela novamente ocupar-se; e acaso com erro de julgamento, certo é que, tratando nessa parte do mérito, a decisão transitou (nos termos do artigo 644.º, nº 1, alínea b), primeira parte, cabe recurso de apelação do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa).
Do mérito
“Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado.” – cfr. Acs. do STA, de 13-11-2013, proc. nº 01460/13; de 05-11-2014, proc. nº 01508/12.
Dentro do que era objecto da acção, admitida ampliação, a decisão recorrida apreciou segundo lógica de precedência, apreciando da extinção do primeiro procedimento, vendo do fundamento – e só este fundamento de ilegalidade versou, não podendo o recurso conhecer do que não foi tratado, atestando ou afastando outra razão de desvalor [“Os arts. 95º nº2 do CPTA e 660º nº2 do CPC inscrevendo-se nos respectivos diplomas, na fase da decisão em primeira instância, não se aplicam aos Tribunais de recurso, cuja actividade está vinculada ao conhecimento do objecto do recurso, dentro dos limites objectivos legalmente impostos, designadamente dos que resultam, desde logo, do valor da causa, da natureza da matéria, das conclusões vertidas nas alegações de recurso” – Ac. do STA, Pleno, de 15-11-2012, proc. nº 0159/11] - relativo à recomendação da ACT à luz das causas de não adjudicação previstas no art.º 79º do CCP.
Seguiu “o entendimento de que só as causas no mesmo elencadas permitem a não adjudicação”.
Naquilo que consagra o direito positivado, fora de dúvidas que o não acautelamento da recomendação da ACT se não integra em nenhuma das hipóteses colocadas a jogo, do art.º 79º, nº 1, alíneas c) e d) do CCP, respectivamente:
- por circunstâncias imprevistas, seja necessário alterar aspectos fundamentais das peças do procedimento após o termo do prazo fixado para a apresentação das propostas;
- circunstâncias supervenientes ao termo do prazo fixado para a apresentação das propostas, relativas aos pressupostos da decisão de contratar, o justifiquem;
O caso nada liga com circunstâncias imprevistas ou supervenientes; notar-se-á que, sendo a recomendação já de 2012, não se pode subsumir a um imprevisto ou circunstância superveniente o confronto no procedimento de 2013; haveria a adjudicante de demonstrar, mais até que apenas um simples desconhecimento, que não estava de pretérito em condições de a ter em conta; e nada em tal sentido sequer consubstanciadamente esboçou.
A propósito do art.º 79º do CCP, escreve-se no Ac. do TCAS, de 10-10-2013, proc. nº 10318/13 :
Tal artigo não é taxativo, mas meramente exemplificativo.
Contudo, considerar exemplificativo o artigo 79º não significa que em regra a entidade contratante, uma vez aberto o procedimento de concurso e fazendo-o prosseguir, não fique obrigada a terminá-lo adjudicando a proposta vencedora (cf. artigo 76º do CCP). Essa é a regra, tal adjudicação é um acto tendencialmente devido, corolário dos princípios da boa fé e da confiança.
Admite-se, contudo, que em situações excepcionais, que serão as previstas no artigo 79º do CCP, ou outras similares, a entidade contratante possa revogar a decisão de contratar e não prosseguir o concurso com a correspondente adjudicação (cf. neste sentido, Acs. do TCAS n.º 8222/11, de 19.01.2012; na doutrina, vide, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação, Livraria Almedina, Coimbra, 2001, págs. 1053 a 1055; Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 307 e 308 - anotações ao artigo 76º, 3 e 6 - págs. 318, 319 e 320 - anotações ao artigo 79º, 2 a 5 e 8 - pág.321, anotações ao artigo 80º; Maria João Estorninho, Curso de Direito dos Contratos Públicos, Livraria Almedina, Coimbra, 2012, págs. 408 a 413, 460 a 465 e 461; Tiago Duarte, «A Decisão de Contratar no Código dos Contratos Públicos: Da Idade do Armário à Idade dos Porquês», em Estudos de Contratação Pública I, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 177; Bernardo Azevedo, «Adjudicação e Celebração do Contrato no Código dos Contratos Públicos», em Estudos de Contratação Pública II, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, págs. 227 a 252; João Amaral e Almeida e Pedro Fernández Sánchez, «Abertura de Procedimento Pré-contratual e Dever de Adjudicação», em Temas de Contratação Pública, I, Coimbra Editora, 2011, págs. 275 a 289. Aparentemente em sentido diferente ao defendido neste acórdão, mas referindo-se à não admissão de um «poder discricionário de livre apreciação das propostas», vide Sérvulo Correra, Lino Torgal e Pedro Fernández Sánchez, «Alteração de Circunstâncias e Modificação de Propostas em Procedimentos de Contratação Pública», em Estudos de Contratação Pública III, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, págs. 179 a 200. Notamos que estes Autores não se pronunciam nesta análise a uma situação totalmente similar à dos autos. Acabam, porém, por defender a possibilidade dos contraentes, público e privado, se “desvincularem” das suas obrigações, que conduzem a um “negócio ruinoso”, assim como a preponderância do interesse público. Consequentemente, nessa medida, o sentido do seu estudo não é completamente diverso ao propugnado neste acórdão).
Em todos os casos de não adjudicação, ficará a Administração com a obrigação e indemnizar os concorrentes cujas propostas não tenham sido excluídas nos termos do n.º 4 daquele artigo 79º do CCP (cf. ainda o artigo 334º relativo à resolução do contrato por razões de interesse público).
Esta indemnização é o reverso da frustração das expectativas legítimas e juridicamente tuteladas dos concorrentes que viram as suas propostas manterem-se no concurso e em posição de serem as adjudicadas. Ou visto de outra forma, é o corolário do sacrifício dos princípios da boa fé e da tutela da confiança e dos direitos que decorriam para os concorrentes por imposição desses princípios.
Porque estes princípios da boa fé e da tutela da confiança não são absolutos e têm de conviver com os demais princípios e regras, aqui se avultando os princípios da prossecução do interesse público, da economia, da boa gestão da coisa pública e da sã concorrência, são admissíveis excepções à regra do artigo 76º do CCP. Daí a previsão do artigo 79º do mesmo código. E pela mesma razão, a defesa do carácter meramente exemplificativo deste último artigo.
Julga-se dever seguir nesta linha de pensamento.
Não esquecendo que “a consagração de um dever legal de adjudicar assenta na lógica de que a entidade adjudicante, quando inicia um procedimento pré-contratual, dando dele conhecimento ao mercado (através de convite ou de anúncio), fica vinculada a essa espécie de “oferta ao público”, não podendo, em nome do princípio da boa -fé, defraudar as expectativas legítimas de contratar que suscitou junto dos operadores económicos” (Sérvulo Correia & Associados, no seu Manual de Procedimentos – Contratação Pública de Bens e Serviços (do início do procedimento à formação do contrato), ed. 2008, pág. 43 e ss.), certo é também que se tem de admitir que casos haverá em que o interesse público sobreleva em diferente solução.
A jurisprudência comunitária produzida ao longo das directivas relativas à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos vai-nos dando exemplos de que se não pretende uma regulamentação de normas fechada, antes convivendo com o que é apelo à directa aplicação dos princípios (v. Ac. Fracasso e Leitschutz, C-27/98, EU:C:1999:420, n.ºs 23 e 25; Ac. HI, C-92/00, EU:C:2002:379, n.°s 41, 45, 46).
Ainda assim, não caberá, no caso, julgar como justificada a não adjudicação.
Teve este TCAN ensejo de reflectir a propósito no Ac. de 06-12-2013, proc. nº 02363/12.6BELSB, do seguinte modo:
«(…) importa ter presente que os valores dos preços finais insertos na recomendação da «ACT» documentada nos autos e referida sob o n.º (…) dos factos apurados são valores meramente indicativos, recomendados, não constituindo ou gozando dum qualquer valor impositivo obrigatório e absoluto como valor mínimo que importe ser estritamente observado sob pena de ilegalidade.
LXXXVII. Temos, por outro lado, que os valores recomendados, de referência, nela apostos foram produto dum cálculo no qual foram incluídos os vários custos/encargos obrigatórios que derivam de imposições legais diversas, mas desse cálculo não fazem parte unicamente tais custos porquanto para o mesmo contribuíram todos os outros custos variáveis imanentes ao funcionamento, operacionalidade e rentabilidade duma empresa do setor da prestação de serviços de segurança privada.
LXXXVIII. Nessa medida, a proporção com que uns custos e outros contribuem para o resultado obtido na operação de estudo e cálculo a que a «ACT» chegou é ou poder ser muito diverso, tal como muito diverso será, necessariamente, a estrutura de custos fixos e variáveis que cada empresa possui e terá de suportar no desempenho da sua atividade, pelo que não se descortina ou encontra consistência/razoabilidade na argumentação/tese sustentada pela A. para concluir pela ilegalidade do ato impugnado à luz da al f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP com apelo nas operações de cálculo que realizou tão só por reporte aos dados de referência insertos na Recomendação da «ACT» de 12.04.2012, conferindo-lhe quer um carater absoluto quer uma força jurídica e de normatividade que não possui.
LXXXIX. Não poderá assentar-se um juízo de ilegalidade duma determinada proposta no quadro de procedimento concorrencial e proceder à sua integração na referida alínea do n.º 2 do citado normativo do CCP com apelo tão-só a uma alegada infração duma determinada Recomendação da «ACT», mormente, daquela que está em presença, tanto para mais que o preço indicado numa proposta por cada concorrente é fruto da análise e ponderação daquilo que é a sua vontade de ganhar o procedimento face à concorrência, considerando o objeto/custos do procedimento concorrencial a que se apresenta e daquilo que é o conhecimento da sua estrutura de custos [varáveis e fixos/impostos legal e contratualmente] e da margem de lucro com que opera/funciona.
XC. Inexiste prova e demonstração factual nos autos que o preço constante da proposta da R./contrainteressada implique ou acarrete um qualquer incumprimento por parte da mesma daquilo que são as suas obrigações e vinculações legais/contratuais quer face a entidades públicas ou privadas, quer face aos seus trabalhadores.
(…)
XCIII. Frise-se que para além dos custos fixos/impostos legal, administrativa e contratualmente, uma empresa defronta-se com uma gama muito variada de custos variáveis que não estão fixados ou taxados de forma alguma e em que entram fatores que se prendem com capacidades de organização e de gestão detidas ou não, com capacidades comerciais e de negociação, pelo que não poderemos deixar de ter em consideração esta realidade no juízo concreto que importa fazer quando haja de se aferir se a situação em questão preenche ou não a previsão da al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP.
XCIV. Neste juízo se é certo que, por um lado, não poderemos esquecer que importa assegurar o respeito estrito da legalidade, daquilo que são as obrigações e vinculações impostas sem margem de manobra para as empresas e que se apresentam a estas como custos fixos, bem como daquilo que sejam os valores duma sã e transparente concorrência, temos, por outro lado, que não poderemos esquecer aquilo que constitui uma realidade evidente e notória que se prende com a diversidade de custos e de estrutura destes que cada empresa possui, a margem de lucro com que cada empresa opera no mercado concorrencial, com aquilo que é e são as decorrências da liberdade de empresa, da liberdade de organização e de gestão duma empresa.
XCV. De notar, frisando o que supra se referiu quanto ao valor da referida recomendação da «ACT» de 12.04.2012, que lidos os seus próprios termos e pressupostos em que assenta, aquela recomendação parte de dados/parâmetros que não se reportam apenas a custos/encargos obrigatórios/fixos decorrentes da lei visto ter levado em consideração toda uma gama de variáveis muito diversas e em que se terá partido de valores ou médias ponderadas do setor, pelo que o seu resultado/produto só pode ser lido com possuindo um cariz meramente indicativo, referencial, sem que detenha ou possa ser considerado de molde automático enquanto comando impositivo absoluto que haja de ser observado de forma estritamente vinculada, sob pena daquela recomendação se traduzir ou se poder vir a traduzir numa ingerência ilegítima na aludida liberdade de empresa, da sua gestão e organização e mesmo da própria concorrência que visa assegurar.
XCVI. Uma proposta só poderá ser alvo de exclusão no quadro da al. f) do n.º 2 do art. 70.º do CCP se resultar demonstrado que a mesma não permite ao concorrente dar cumprimento às suas obrigações impostas por lei, por regulamento/instrumento de regulamentação coletiva.
XCVII. Os autos não permitem pelo que neles foi alegado e provado assim concluir, deles não derivando a demonstração de que a R./contrainteressada haja incumprido ou potencialmente ocorra, mercê da proposta apresentada, um risco de incumprimento daquilo que são as estritas vinculações e obrigações legais.
XCVIII. A apresentação daquele preço unitário por parte da referida R. decorre ou teve de decorrer, assim, de aferição e avaliação global que a mesma fez do que constituem os seus concretos e efetivos custos, na consideração das opções organizativas, de gestão meios humanos e recursos de que dispõe, razão pela qual aquele preço proposto pode meramente espelhar uma estratégia comercial da proponente sem que com isso esteja a necessariamente violar a legislação em vigor.
(…)».
Transponível esta ponderação para a fase e acto do procedimento agora em questão, evidencia-se que fraqueja o fundamento avançado (relativo à Recomendação da ACT) para extinção do primeiro procedimento sem adjudicação.
Como sustenta Rodrigo Esteves de Oliveira, “Se valores jurídicos fundamentais – como o da concorrência, da transparência, da imparcialidade e da igualdade – não funcionarem, é dizer, não impuserem a anulação do acto da entidade adjudicante ou dos actos dos concorrentes, então deve dar-se primazia aos valores sócio – administrativos inerentes à abertura do procedimento e aos sacrifícios e incómodos, muitas vezes desmesurados, que apresentar uma candidatura ou proposta envolve” (“Os princípios gerais da contratação pública, nos Estudos de Contratação Pública”, Tomo I, CEDIPRE, Coimbra Editora, 2008, página 113).
Concluindo, sem boa causa para a não adjudicação, esta foi ilegal.
Impõe-se, pois, manter a decisão recorrida, que no mais nela contido não vem atingido na crítica impugnatória colocada a recurso, e coloca à salvaguarda os efeitos que retirou.
*
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal
Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.
Custas: pelo recorrente.
Porto, 19 de Junho de 2015.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
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