quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL - EQUIVALÊNCIA - ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS

Proc. nº 00775/14.0BEBRG  11.09.2015  TCAN

1 – Nos termos do n.º 2 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), são de excluir as “propostas cuja análise revele (…) que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência”.
A referida norma contém, no entanto, exceções, enunciadas no artigo 49.º, números 4, 6 e 8 a 11, do CCP, relativas às situações em que as soluções apresentadas satisfaçam de forma equivalente, as exigências definidas por determinadas especificações.
Acresce que, nos termos do n.º 5 do artigo 50.º do CCP, as respostas apresentadas referentes aos pedidos de esclarecimento fazem parte integrante das peças do procedimento a que dizem respeito.
2 – Verificando o júri do concurso a existência de diferenças entre os produtos constantes do caderno de encargos e os propostos pelos concorrentes admitidos, não pode limitar-se a concluir, sem mais, que tal não produz “efeitos significativos no valor e na ponderação apresentada”, impondo-se fazer uma análise detalhada e fundamentada, relativamente aos requisitos técnicos e especificações de referência do material a fornecer, importando que fique demonstrada a adequação e suficiência das soluções apresentadas, em termos, designadamente, de equivalência face às exigências constantes das especificações


Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
A AVE – Cooperativa de Intervenção Psico Social, CRL e a E... – Produtos Ergonómicos e Ajudas Técnicas, Lda., no âmbito do identificado Processo de Contencioso Pré-Contratual intentado pela D... – Mobiliário, Lda. contra a identificada AVE, CRL, tendente, em síntese, à “impugnação do ato de adjudicação relativo à formação do contrato de Fornecimento, entrega e montagem de equipamentos do centro de atividades ocupacionais e lar residencial “Casa da Boavista”, não se conformando com a decisão proferida no TAF de Braga, em 29 de Maio de 2015, que veio a julgar a ação “parcialmente procedente”, vieram, separadamente, a E..., Lda., em 22 de Junho de 2015, e a AVE CRL, em 23 de Junho de 2015, recorrer jurisdicionalmente da mesma.
Formulou a aqui Recorrente/E... nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 399 a 400 Procº físico):
“1. A Decisão recorrida incorreu num manifesto erro de julgamento ao ter considerado que alguns dos produtos apresentados pela Recorrente não respeitavam as especificações técnicas exigidas no Caderno de Encargos.
2. As alegações apresentadas nas peças, bem como os documentos juntos aos autos (pedido de esclarecimento e manuais/fichas técnicas dos produtos) não foram analisadas com o pormenor necessário, levando assim a que certas informações não fossem consideradas nem valorizadas.
3. A resposta apresentada pela AVE relativamente ao pedido de esclarecimento solicitado pela Recorrente faz parte integrante das peças do procedimento a que dizem respeito e prevalecem sobre estas em caso de divergência, devendo por isso ser considerado e valorizado.
4. A lei é clara ao afirmar que ainda que as soluções apresentadas não respeitem integralmente as especificações técnicas exigidas pela Entidade Adjudicante, não poderão ser excluídas caso satisfaçam de forma equivalente as mesmas, devendo ser aceites.
5. Por tudo o quanto se expôs acima, resulta de forma clara dos documentos anexos aos autos que todos os produtos apresentados pela Recorrente preenchem as especificações técnicas exigidas ou satisfazem de forma equivalente as mesmas, não existindo, por isso, fundamento para a exclusão da proposta.
6. Deste modo, é possível concluir que tanto o ato de adjudicação como o contrato celebrado entre a Recorrente e a AVE é totalmente válido não padecendo de qualquer vício, devendo, nessa medida, manter-se em execução.
Nestes termos e nos melhores supridos por V. Exas requer-se, muito respeitosamente, que o presente Recurso seja admitido e julgado procedente, devendo, em consequência:
i. A lista dos factos considerados relevados e provados ser alterada, incluindo-se os termos expostos;
ii. Ser revista a Decisão recorrida na parte em que foi declarada a existência de desconformidades na proposta da Recorrente justificativas da exclusão da mesma, bem como na anulação do contrato celebrado entre a Recorrente e a AVE, com as legais consequências.”
Formulou a aqui Recorrente/AVE CRL nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 426 a 430 Procº físico):
“1 - Em todo o processo não existe por parte do Tribunal a quo qualquer pronuncia quanto á prova testemunhal requerida pela recorrente.
2 - A possibilidade que assiste ao Juiz de proferir uma decisão de mérito, deve observar a verificação de determinados pressupostos, designadamente que não haja diligências probatórias que se devam realizar.
3 - Acontece que, no presente processo, foram requeridas diligências probatórias – a prova testemunhal – que não foi atendida, aquando da decisão proferida pelo Tribunal a quo, pelo que tal decisão se encontra ferida de nulidade, nos termos dos arts. 201°, n° l do CPC, aplicável ex vi do artigo 1° e 87°, n° l alínea b) a contrario sensu, ambos do CPTA.
4 - No processo dos autos, torna-se evidente que se omitiu a fase do saneamento do processo, na medida em que não foi proferido despacho saneador na sequência do termo da fase dos articulados.
5 - No contencioso pré-contratual, a dispensa de produção de prova maxime de prova apenas suscetível de produção em audiência de julgamento, passa pela fundamentação da respetiva decisão, o que, necessariamente implica a elaboração e notificação às partes da especificação, isto é, do elenco da matéria de facto considerada como assente.
6 - Findos os articulados cumpria proferir despacho saneador.
7 – No presente caso tal não aconteceu.
8 – Existiu uma irregularidade de tramitação com consequente nulidade absoluta e de conhecimento oficioso, impondo-se anular os atos jurídicos consequentes que do ato omitido dependem absolutamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 201º nºs 1 in fine e 2, CPC.
9 - O concurso público em questão pautou-se pelo rigoroso e escrupuloso cumprimento da Lei, nomeadamente do Código dos Contratos Públicos e foi devidamente fiscalizado pelo POPH.
10 - O júri que decidiu a classificação final do concurso teve exclusivamente em conta, o prazo de entrega urgente e o preço mais baixo, e, daí ter adjudicado a quem fornecia os mesmos materiais pelo menor preço e em menos tempo.
11 - Não ocorreu qualquer desrespeito ou violação dos parâmetros base fixados nas especificações técnicas do CE.
12 - Não foram subtraídos á concorrência quaisquer aspetos, nem houve violação ostensiva dos princípios da prossecução do interesse publico, da proporcionalidade e da imparcialidade.
13 - Não andou bem o Tribunal a quo na análise que efetuou a cada um dos itens no sentido de considerar que os mesmos não cumpriam as especificações técnicas do Caderno de Encargos (CE) e que por essa razão deveriam ser excluídas.
14 - A recorrida foi classificada em ultimo lugar, não com base na violação das especificações do CE mas sim e tão só por ter sido a proposta com o maior preço e com o prazo de entrega mais dilatado.
15 - A contra interessada E... Lda., na sua Contestação, nomeadamente nos artigos 13º e 14º reconhece e confirma a existência de um lapso de escrita em relação às medidas dos colchões de reabilitação ou fitness, sendo que, o que efetivamente foi fornecido foram 6 colchões de reabilitação ou fitness com as medidas 200x100x10 cm.
16 - A Concorrente E..., Lda., apresenta um espaldar de acordo com a norma EN12346, como resulta das instruções do equipamento juntas ao processo administrativo.
17 - Mesmo que se entenda que a forma de fixação á parede do espaldar não consta da proposta da E..., sempre se dirá que essa alegada omissão estaria suprida com a junção por parte da mesma da supra referida norma e com as respetivas instruções do equipamento.
18 - A recorrida não refere na sua Proposta, nem em qualquer outro momento do processo, a conformidade do equipamento proposto com a respetiva norma.
19 - Não existe violação das especificações técnicas do caderno de encargos relativamente á espaldeira.
20 - Da análise desta proposta da E... facilmente se verifica que a escada de plano inclinado cumpre com as especificações técnicas do caderno de encargos, e tem o acréscimo em termos de segurança, pois apresenta degraus e rampa de madeira revestidos a tela antiderrapante.
21- A contra interessada E... Lda., na sua Contestação, nomeadamente nos artigos 22º e 23º vem informar que as barras paralelas são extensíveis até 3 metros.
22 - O Tribunal a quo ao proferir o douto Acórdão não teve em consideração todo o alegado pela contra interessada na sua Contestação e nomeadamente todos estes esclarecimentos, e nem justificou tal tomada de decisão.
23 - O Tribunal a quo decidiu mal, ao entender que a contra interessada apresentou na sua proposta “cama articulada com colchão em tubo de aço inox com cabeceira e peseira em melamina de faia” (reproduzido texto do Acórdão)
24 - As camas não podem ser articuladas (o que são articulados são os estrados), e os colchões não podem ser em tubo de aço.
25 – As camas para estes fins – hospitais, lares etc. – nunca podem ser em madeira maciça mas sim em melaminas.
26 – No que se refere á Picadora pretende-se uma Picadora para carne refrigerada, ou seja em descongelação.
27 - Houve por parte da recorrente um lapso de escrita, pois, em vez de “refrigerado” queria dizer “refrigerada”, ou seja, em descongelação.
28 - A picadora apresentada pela D... é indicada para atividades exclusivamente ligadas às carnes, como por exemplo talhos, que não é o caso da Recorrente, sendo, por isso, muito mais dispendiosa.
29 - A máquina de café patente na proposta da E... cumpre os parâmetros base das especificações técnicas do caderno de encargos.
30 – Foram pedidas no CE dois tipos de mesas de refeições - o Tribunal a quo não verificou tal facto.
31 - A E... apresentou proposta para os dois tipos de mesas de refeição, tudo conforme se alcança dos itens 42 e 74 da sua proposta.
32 - O carro de limpeza, quer da proposta apresentada pela interessada E..., quer das instruções dos produtos constantes dos autos facilmente se verifica que o carro apresentado é um “ Carro de Limpeza em inox…” e que, ainda que por outras palavras, satisfaz as características da descrição da recorrente.
33 – Não há motivo para a exclusão da proposta da interessada E... com fundamento no artigo 70º nº 2 do CCP.
34 - A própria recorrida D..., apresenta desconformidades com o solicitado no Caderno de Encargos, nos itens “Passadeira de correr com monitor motivacional”; “Andarilho de alumínio com 4 rodas”; “Mesas apoio – lacadas c/ 4 pés em inox – 1 prateleira 80cmx80cmx42cm”.
35 - O art. 70º n.º 2 do Código dos Contratos Públicos, comporta exceções, que estão previstas no art. 49º, n.º 4 e 6 e 8 a 11 do Código dos Contratos Públicos.
36 - A contra interessada E..., porque apresentava para os mesmos itens o menor preço e o menor prazo de entrega, demonstrou, de forma adequada e suficiente que as soluções por si apresentadas na sua proposta satisfaziam as exigências definidas por aquelas especificações.
37 - A recorrente entendeu, que as especificações técnicas de todos os equipamentos preenchiam os parâmetros base das especificações técnicas do CE.
38 - Não foram preteridas todas as outras concorrentes por violação das especificações técnicas do CE.
39 - A proposta da recorrida não foi preterida por ter violado especificações técnicas, mas sim e tão só porque apresentava o preço mais alto de todas as propostas e o prazo de entrega mais tardio.
40 - Não houve por parte da recorrente qualquer alteração às regras do jogo para sua conveniência.
41 - A decisão de adjudicação do júri bem como todo o procedimento patente no P.A. não padece de qualquer irregularidade e/ou nulidade e deverá ser mantida.
42 - O ato impugnado não incorre em manifesto erro de apreciação das circunstâncias do caso.
Termos em que, e nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.Ex.as deve ser concedido provimento ao presente recurso revogando-se a decisão recorrida com as inerentes consequências assim se fazendo JUSTIÇA!”
O Recurso Jurisdicional veio a ser admitido por despacho de 29 de Junho de 2015 (Cfr. Fls. 435 a 437 Procº físico).
Não foram apresentadas Contra-alegações de Recurso.
A Juiz titular do Processo em 1ª instância veio a pronunciar-se relativamente a nulidade suscitada pela AVE CRL, referindo que “a decisão recorrida não preenche a nulidade invocada pela Recorrente” (Cfr. Fls. 446 e 447 Procº físico).
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 20 de Agosto de 2015, nada veio dizer, requerer ou promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo que o objeto dos Recursos se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, “erro de julgamento”.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
“Com interesse para a decisão dos presentes autos resulta apurada a seguinte factualidade:
1 – Pelo anúncio de procedimento nº 876//2014, publicado no DR nº 36, II Série, de 20/02/2014, foi aberto pela ACIP – Ave, Cooperativa de Intervenção Psico Social, CRL o concurso público para celebração de um contrato de Fornecimento, entrega e montagem de equipamento do centro de atividades ocupacionais e lar residencial “Casa da Boavista”.
2 – Apresentaram-se a concurso as concorrentes D... – Mobiliário, Lda.; MLM – Mobiliário, Lda.; E... – Produtos Ergonómicos e Ajudas Técnicas, Lda. e Dt... – Decorações, Lda..
3 – O Concurso referido em 1) tem como peças do procedimento o Caderno de Encargos e o Programa do Concurso, os quais se dão aqui por inteiramente reproduzidos.
4 – Em 5 de Março de 2014, o Júri do concurso, no Relatório Preliminar, admitiu todas as concorrentes ao concurso e propôs a adjudicação do mesmo à concorrente E... - Produtos Ergonómicos e Ajudas Técnicas, Lda. e graduou a proposta da Autora em terceiro lugar, o qual se dá aqui por reproduzido.
5 – Em 10 de Março de 2014, a Autora, em sede de audiência prévia, pronunciou-se no sentido de que as propostas das restantes concorrentes deveriam ser excluídas por violação das especificações técnicas vinculadas pelo Caderno de Encargos.
6 – Em 11 de Março de 2014, o Júri emitiu a seguinte deliberação: “
Relativamente à Resposta ao Relatório Preliminar apresentado em 10/03/2014 pela D..., Mobiliário, Lda. Cumpre-nos esclarecer o seguinte:
1. A vossa reclamação não surpreendeu o júri do concurso, na medida em que, o mesmo, fez uma análise exaustiva a todas as propostas apresentadas e verificou que existiam diferenças em diversos produtos em todos os concorrentes admitidos a concurso, mas as mesmas não produziam efeitos significativos no valor e na ponderação final apresentada.
2. Considerando os produtos referidos na vossa resposta ao Relatório Preliminar, aferimos que o posicionamento dos concorrentes se mantem, como apresentado no respetivo Relatório Preliminar.
3. Os prazos de entrega apresentados são da responsabilidade dos concorrentes.
4. Em contraponto à vossa resposta, entende o júri que foram cumpridos os Princípios de Transparência, da Igualdade e da Concorrência. (…)”.
7 - Em 24 de Fevereiro de 2014, a concorrente E... – Produtos Ergonómicos e Ajudas Técnicas, Lda. apresentou um pedido de esclarecimentos, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido.
8 - O júri prestou os esclarecimentos pedidos, os quais se dão aqui por inteiramente reproduzidos.
9 - Em 13 de Março de 2014, no Relatório Final, o Júri do concurso manteve as conclusões constantes do Relatório Preliminar e manteve a proposta de adjudicação, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido.
10 - Em 13 de Março de 2014, a Direção da Ave Cooperativa de Intervenção Psico Social, CRL deliberou a adjudicação da empreitada à firma E...-Produtos Ergonómicos e Ajudas Técnicas, Lda.
11 – Em 14 de Março de 2014, a E... - Produtos Ergonómicos e Ajudas Técnicas, Lda. foi notificada da adjudicação.
12 – Em 3 de Abril de 2014, foi outorgado o Contrato Administrativo, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido.
8 – Dá-se aqui por reproduzida a proposta apresentada pela Autora;
9 – Dão-se aqui por reproduzidas as propostas apresentadas pelas Contra- interessadas.
Factos não provados
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir.
IV – Do Direito
A presente ação intentada pela D... – Mobiliário, Lda. visava, em síntese, “a anulação da decisão de adjudicação sindicada nos Autos”.
No âmbito da presente Ação, decidiu o Tribunal de Primeira Instância julgar:
“(…) a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, anula-se o contrato celebrado, bem como se anulam todos os atos praticados no procedimento concursal até à análise das propostas, com obrigatoriedade do júri excluir as propostas das contrainteressadas E... – Produtos Ergonómicos e Ajudas Técnicas, Lda., MLM – Mobiliário, Lda. e Dt... – Decorações, Lda., e novamente avaliar a proposta da Autora.”
Vejamos então:
O Tribunal a quo entendeu que alguns dos produtos apresentados pela E..., aqui Recorrente não respeitavam as especificações técnicas constantes no Caderno de Encargos, afirmando, em síntese, que a mesma:
a) Não respeitou as medidas exigidas para o item “Colchão de Reabilitação ou Fitness”, apresentando um produto com apenas 3 cm de espessura e não 10 cm;
b) É omissa quanto às características dos Trellis do item “Espaldeira de Reabilitação”.
c) Não cumpriu com as especificações exigidas para o item “Escada Plano Inclinado”;
d) Não cumpriu com as especificações exigidas para o item “Paralelas” pois não respeita as medidas requeridas.
e) Não cumpriu com as especificações exigidas para o item “Camas com estrado articulado”;
f) Não cumpriu com as especificações exigidas para o item “Picadora”;
g) Não cumpriu as especificações exigidas para o item “Máquina de Café”;
h) Não cumpriu com as especificações exigidas para o item “Mesa para sala de refeições”;
i) Não cumpriu com as especificações exigidas para o item “Carro de Limpeza em inox”;

Sublinha-se que o n.º 2 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), prevê a exclusão das “propostas cuja análise revele (…) que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência”.

A referida norma contém, no entanto, exceções que não podem ser ignoradas, enunciadas no artigo 49.º, números 4, 6 e 8 a 11, do CCP, relativas às situações em que as soluções apresentadas satisfaçam de forma equivalente, as exigências definidas por determinadas especificações.

Acresce que, nos termos do n.º 5 do artigo 50.º do CCP, as respostas apresentadas referentes aos pedidos de esclarecimento fazem parte integrante das peças do procedimento a que dizem respeito.

Os recursos em apreciação assentam predominantemente nos seguintes pressupostos:
1- Preterição de um meio de prova requerido, que se mostrava essencial para a descoberta da verdade (prova testemunhal) e
2- Erro na apreciação da prova por parte do tribunal a quo.

Primeira questão,
Preterição de meio de prova requerido, e que se mostrava essencial para a descoberta da verdade.

Nos presentes autos foi indicada, designadamente, prova testemunhal, o que não foi atendido pelo Tribunal a quo, o que determinaria a nulidade do processo.

O procedimento processual do contencioso pré-contratual cumpre o estatuído nos artºs. 78º a 96º, com as especificidades estatuídas nos artºs. 102º e 103º do CPTA.

Por despacho de 22 de Janeiro de 2015, o tribunal a quo determina que as partes sejam notificadas para, querendo, apresentarem Alegações escritas (Cfr. Fls. 312 Procº físico), o que permite presumir que se não vislumbraram quaisquer exceções a decidir. Aliás, tratando-se a prova face aos presentes autos, predominantemente documental, a prova testemunhal mostrar-se-ia inútil e redundante, sendo que, em qualquer caso, foi facultada a apresentação de Alegações pelas partes.

No “Saneamento Processual” inserto na decisão recorrida, refere-se ainda, a fls 373 Procº físico:
“Foi proferido despacho saneador e dispensada a realização de prova testemunhal por desnecessária atentos os elementos constantes dos autos.
(…)
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da hierarquia, da matéria e do território.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e mostram-se devidamente representadas.
Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do objeto do processo e ao seu prosseguimento.”

Assim, não se reconhecendo igualmente a existência de matéria factual controvertida, mas tão-só divergências quanto à interpretação a dar ao seu alcance, o que é diverso, não merece censura o entendimento adotado ao dispensar a realização de prova testemunhal, que se entendeu como se mostrando inútil e desnecessária, atentos os elementos documentais disponíveis.
Não se reconhece pois a suscitada nulidade

No que concerne à segunda questão, a saber,
Erro notório na apreciação da prova por parte do Mm Juiz a quo:
Foi originariamente peticionada, designadamente, a anulação do ato de adjudicação da proposta apresentada pela E..., mais se peticionando a consequente condenação da Ré á prática do ato de adjudicação da proposta apresentada pela D....
Ao concurso público foram apresentadas as seguintes quatro concorrentes:
- A E... – Produtos Ergonómicos e Ajudas Técnicas, Lda.;
- A MLM – Mobiliário, Lda.;
- A DT... – Decorações Lda. e
- A concorrente D... – Mobiliário Lda.

Esquematizando a questão, em função da factualidade dada como provada, refira-se o seguinte:
Em 05/03/2014 o júri do concurso admitiu todas as concorrentes ao concurso e propôs a adjudicação do mesmo á concorrente E....
Logo em sede de audiência prévia, em 10/03/2014, a D..., respondeu ao relatório preliminar, pronunciando-se no sentido das propostas dos restantes concorrentes deverem ser excluídas por violação das especificações técnicas vinculadas pelo caderno de encargos.
Em 11/03/2014 o júri do concurso respondeu, referindo que havia feito uma análise exaustiva de todas as propostas apresentadas, mantendo o posicionamento dos concorrentes.
Em 24/02/2014 a E... apresentou um pedido de esclarecimentos, tendo o júri procedido aos consequentes esclarecimentos, tendo acabado por elaborar em 13/03/2014 o relatório final, propondo a aceitação da proposta da E....
Em 13/03/2014 foi aprovado o relatório final, notificado no dia seguinte.
Em 18/03/2014 a E... apresentou os documentos de habilitação.

Independentemente do decidido em 1ª Instância, importa sublinhar que se é certo que o júri reconhece que “verificou que existiam diferenças em diversos produtos em todos os concorrentes admitidos a concurso”, conclui, no entanto e sem mais, que tal não produziu “efeitos significativos no valor e na ponderação apresentada” (Cfr. Doc. 9 PI).

Assentando os critérios de adjudicação no menor preço e menor prazo de entrega, não poderão, no entanto, ser ignorados os requisitos técnicos do material a fornecer.

Como se sublinhou já, não é lícito nem legitimo que o júri do concurso afirme, sem mais, que “verificou que existiam diferenças em diversos produtos em todos os concorrentes admitidos a concurso”, para daqui nada concluir, quanto à ponderação final feita, não relevando para efeitos de fundamentação processual aquela que pontualmente foi feita apenas em sede de Recurso do acórdão proferido em 1ª instância, onde, em qualquer caso, afirmou singelamente que as detetadas divergências não produziram “efeitos significativos no valor e na ponderação apresentada”, o que se mostra insuficiente para que se possam dar como verificadas as exceções ao regime contratual vigente

No que aqui releva, refere-se no Artº 49º co CCP:
(…)
4 - Não podem ser excluídas propostas com fundamento em desconformidade dos respetivos bens ou serviços com as especificações técnicas de referência, fixadas de acordo com o disposto nas alíneas a) ou b) do n.º 2, desde que o concorrente demonstre, de forma adequada e suficiente, que as soluções apresentadas na sua proposta satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas por aquelas especificações.
(…)
6 - No caso referido no número anterior, cabe ao concorrente demonstrar, de forma adequada e suficiente, que a obra, o bem ou o serviço conforme com a norma corresponde ao desempenho ou cumpre as exigências funcionais fixadas pela entidade adjudicante.
(…)
8 - Para os efeitos do disposto no número anterior, o caderno de encargos pode indicar que se presume que os bens ou serviços munidos de rótulo ecológico satisfazem as especificações técnicas nele definidas, sem prejuízo de a entidade adjudicante dever aceitar qualquer meio adequado de prova para o efeito apresentado pelo concorrente.
9 - Para efeito do disposto nos n.ºs 4, 6 e 8, o concorrente pode apresentar um dossier técnico do fabricante ou um relatório de ensaio de um organismo reconhecido.
10 - Entende-se por organismo reconhecido os laboratórios de ensaio ou de calibração e os organismos de inspeção e de certificação que cumprem as normas europeias aplicáveis.
(…)”

Assim sendo, se confessadamente a AVE, CRL reconhece a existência de “diferenças em diversos produtos em todos os concorrentes admitidos a concurso”, sem que daí retire quaisquer consequências, tal teria de se mostrar justificado e fundamentado, de modo a que insofismavelmente se pudesse concluir que, porventura, essas “diferenças” preenchiam as exceções enunciadas.

Se as referidas e confessadas “diferenças” “satisfazem, de modo equivalente, as exigências definidas por aquelas especificações” tal teria necessariamente de ser demonstrado e justificado, não podendo o adjudicante refugiar-se em afirmações meramente conclusivas.

Por outro lado, ao contrário do efetuado em 1ª instância, não compete ao Tribunal substituir-se ao júri do concurso, fazendo a análise pormenorizada das características técnicas de cada produto a fornecer (vg. Características da tostadeira, máquina de café, carro limpeza, etc.), devendo antes limitar-se a verificar se essa análise e ponderação se mostram adequadamente feitas no procedimento concursal.

Consequentemente e no que concerne à condenação “à prática do ato devido” tal implica acrescida ponderação.

Com efeito, se é verdade que a D... peticionou, designadamente, a condenação da R. a excluir as demais propostas apresentadas e a adjudicar-lhe o contrato objeto do concurso, tal não poderá, no entanto, vincular o tribunal, o qual está necessária e logicamente condicionada pela letra do nº 2 do Artº 71º do mesmo CPTA, no qual se refere que “quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.”

O requerido baseia-se, designadamente, na alínea b) do nº 2 do Artº 47º do CPTA, o qual refere que:
“Com qualquer dos pedidos principais podem ser cumulados outros, nomeadamente “o pedido de condenação da Administração à adoção dos atos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado e dar cumprimento aos deveres que ela não tenha cumprido com fundamento no ato impugnado.”

A este propósito refere Mário Aroso e outro em anotação ao Artº 4º do CPTA (in Comentários ao CPTA – 2005 – pag. 38) que “…o interessado pode cumular o pedido de anulação contenciosa com um pedido de condenação à adoção dos atos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.

Mais aí se refere que “…se a cumulação abarcar atos ou operações necessários ao restabelecimento das situações atual hipotética, são aplicáveis as regras constantes do Artº 173º (CPTA) visto que estamos … no domínio de aspetos relativos à execução de uma decisão anulatória. Neste caso … o tribunal poderá proferir decisão nos termos previstos no nº 3 do Artº 95º (CPTA) …”.

Para melhor enquadrar o que infra se decidirá, transcreve-se ainda, parcialmente, o nº 1 do Artº 173º do CPTA:
“1 - … a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.”

Ainda em conexão com a presente questão, refere o Artº 95º nº 3 do CPTA que “quando, com o pedido de anulação … de um ato administrativo, tenha sido cumulado pedido de condenação da Administração à adoção dos atos e operações necessários para reconstituir a situação que existiria se o ato impugnado não tivesse sido praticado, mas a adoção da conduta devida envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, sem que a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma atuação como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo da conduta a adotar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela administração”.

Importará pois ter em atenção que a reconstituição da situação atual hipotética, a efetuar, implica que, em juízo de prognose anterior objetivo, se retroceda ao momento em que, no caso, o ato anulado foi praticado, procurando repristinadamente reconstituir a situação que existiria caso o ato tivesse sido, desde logo, legal.

Na realidade, ao Tribunal está vedada a possibilidade de obstar a que a Administração pratique atos inseridos no âmbito do seu poder discricionário, sem prejuízo de lhe ser lícito impor que os mesmos, a serem executados, cumpram os desideratos e formalismos legal e regulamentarmente aplicáveis.

Assim, estando-se perante requerida prática de ato legalmente devido, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 71.º do CPTA, não poderá, no entanto, o tribunal “obrigar” a AVE a excluir as propostas apresentadas, com exceção da apresentada pelo D..., adjudicando-lhe necessariamente o contrato, podendo pois e tão-só, determinar que seja dado cumprimento pontual aos normativos aplicáveis, já que trata de um ato dependente da formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, não estando o Tribunal na posse de todos os elementos factuais relevantes e conexos.

Assim, terá o Tribunal de limitar-se a impor à Administração que renove o procedimento invalidamente praticado, cuidando-se de determinar o cumprimento agora pontual de todas as normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente, determinando, tal como decidido em 1ª instância, a anulação do “contrato celebrado”, procedendo-se agora à reanalise de todas as propostas, ainda que já sem a liminar exclusão das propostas das contrainteressadas, mas com a vinculação de serem verificadas as compatibilidades e conformidades do material proposto, por todos os candidatos face ao que constava do caderno de encargos.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento aos recursos apresentados, determinando-se:
a) A anulação do contrato celebrado;
b) A Reanalise de todas as propostas apresentadas, com ponderação expressa das compatibilidades e conformidades do material proposto por todos os candidatos, relativamente às especificações técnicas vinculadas pelo caderno de encargos.

Custas, partes iguais, pelas Recorrentes (E... e AVE) e Recorrida D....

Porto, 11 de Setembro de 2015
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
 

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