quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL – PRAZO



Proc. Nº 00026/15.0BEPRT  7.08.2015  TCAN

O prazo de 1 mês previsto no artigo 101.º do CPTA aplica-se a todos os casos de impugnação previstos no artigo 100.º do mesmo Código, sendo tal regime imperativo e não podendo o interessado optar pelo uso do meio processual comum, previsto no artigo 58.°/2-b) do CPTA.



Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte
1. Relatório
MF & ASSOCIADOS, SOCIEDADE DE ADVOGADOS, RL, interpõe recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto que rejeitou a providência cautelar de suspensão de eficácia do ato de adjudicação praticado no procedimento de ajuste direto para a prestação de serviços de advocacia, consultadoria e assessoria jurídica, que a Recorrente intentou contra o INSTITUTO SUPERIOR DE ENGENHARIA DO PORTO e, como contrainteressados, PA - MB & ASSOCIADOS, SOC. ADVOGADOS, RL; RB, OS & ASSOCIADOS – SOC. ADVOGADOS, RL; GMS, C..., Ce... & ASSOCIADOS – SOC. DE ADVOGADOS, RL; e Cc... GP E ASSOCIADOS, SOC. DE ADVOGADOS, RL; absolvendo os requeridos da instância, com fundamento em caducidade do direito de ação por desrespeito do prazo de um mês previsto no artigo 101.º do CPTA.
A Recorrente apresentou alegações, onde conclui nos seguintes termos, que delimitam o objeto do recurso:
1.Na sentença recorrida, salvo o devido e merecido respeito por melhor opinião, foi cometida uma errada interpretação da lei aplicável, já que se impunha uma solução totalmente inversa à decidida na decisão ora impugnada.
2. Compete, assim, a este Tribunal “ad quem” usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de alteração da decisão ora impugnada, e, por isso, o recurso de apelação agora interposto.
3. Tal recurso tem por objeto a matéria de direito aplicável ao caso em apreço, no que diz respeito à interpretação e aplicação das normas jurídicas, pois, salvo o devido e merecido respeito por melhor opinião, cometeram-se na douta sentença ora recorrida erros de julgamento em sede de apreciação da matéria de direito, já que se impunha uma solução diferente da decidida, competindo a este Tribunal “ad quem” usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de alteração da mesma em conformidade com o direito.
4. A questão a decidir assenta na dúvida, se a providência cautelar requerida podia ou não ser objeto de apreciação por parte do Tribunal “ a quo”, ou, se por outro lado, se a mesma havia ou não caducado.
5. A providência foi requerida no passado dia 2 de janeiro de 2015, e não em 5 de janeiro de 2015, tal como, certamente por lapso, vem referido na sentença.
6. Tendo em consideração que o acto de adjudicação foi notificado à ora recorrente, em 30 de Dezembro de 2014, temos de concluir que a providência cautelar foi instaurada no prazo de um mês a que se refere o artigo 101.º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (CPTA).
7. O n.º 1 do artigo 100.º do CPTA, dispõe que a impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos de prestação de serviços, como é o caso dos autos, rege-se pelo disposto na presente secção, e subsidiariamente, pelo disposto na secção I do capítulo II do título III.
8. Importa, portanto, analisar se a requerente fez ou não uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou, tal como estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA:
9. O prazo para que a lei aponta, quando refere “respectivo prazo” não pode deixar de ser considerado o de três meses que vem referido na alínea b) do mesmo artigo 123.º e ainda na alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA.
10. De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA, os pedidos constantes da petição inicial na acção administrativa apresentada em 16 de Março de 2015, a impugnação dos actos anuláveis praticados pelo R. ISEP, sempre poderia ser apresentada no prazo de três meses -
11. Contrariamente ao constante da sentença que aqui se impugna e se pretende ver esclarecida por esse Venerando Tribunal Central Administrativo, é nosso entendimento que à situação em apreço dever igualmente ser aplicável o disposto no artigo 46.º do CPTA, na medida em que estamos na presença de uma pretensão emergente da prática ilegal de actos administrativos, bem como da aplicação de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo, como são aquelas que o ISEP colocou em causa no que se refere à aplicação do Código dos Contratos Públicos ao procedimento em apreço.
12. Os pedidos formulados na referida acção principal, foram os seguintes:
I) Ser anulado o acto de adjudicação do Senhor Presidente do Instituto Superior de Engenharia do Porto, pela qual se procedeu à adjudicação do objecto do procedimento à concorrente PA, MB & Associados, Sociedade de Advogados, R.L., incluindo o Relatório Final em que se fundamenta;
II) Ser anulado o contrato com a concorrente PA, MB & Associados, Sociedade de Advogados, R.L., caso este já tenha sido assinado.
III) ser ordenada a readmissão da proposta da A. no procedimento;
IV) ser ordenado que o Exmo Júri proceda à elaboração de novo relatório final, com elaboração de nova proposta de adjudicação;
V) ser ordenado que o Senhor Presidente do ISEP proceda a novo despacho de adjudicação que tenha em consideração as anteriores decisões que aqui são pedidas.
13. À requerente era permitido lançar mão do disposto nos artigos 50.º e 51.º do CPTA, aliá, tal como já alegamos no nosso requerimento de 30 de Março de 2015.
14. Como ficou demonstrado nos articulados da providência cautelar e da acção, impõe-se a declaração de nulidade ou de inexistência jurídica dos actos administrativos impugnados, incluindo a suspensão do procedimento de formação do contrato, de modo a impedir que sejam causados outros danos aos interesses em presença.
15. O artigo 373.º do Código de Processo Civil, refere expressamente extinguir-se o procedimento cautelar, se, quando decretada a providência, o requerente não propuser a acção da qual a providência depende, dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado.
16. O tribunal a quo fez claramente uma errada interpretação das normas legais aplicáveis, pois aplicou uma solução absolutamente contraditória com aquela que resulta do Código de Processo Civil, e, com o artigo 9.º do Código Civil, o legislador pretendeu que na interpretação da lei, fossem aplicadas soluções coerentes entre as diferentes fontes de lei, já que «uma lei só tem sentido quando integrada num ordenamento vivo e, muito em especial, enquanto harmonicamente integrada na “unidade do sistema jurídico”» (J. BATISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, p. 191).
17. O artigo 101.º do CPTA, deverá ser interpretado no sentido que, respeitado aquele prazo de 30 dias na instauração da providência cautelar, a instauração da subsequente acção principal deveria respeitar os termos previstos no Código de Processo Civil, pois é notório que a harmonização do sistema jurídico impõe tal exercício de compatibilização normativa e interpretativa.
18. Invoca-se ainda uma eventual inconstitucionalidade, uma vez que a solução defendida pelo tribunal a quo contraria o princípio da unidade do sistema jurídico, com referência ao art. 13º da Constituição e subjacentes ao Estado de Direito Democrático (art. 2.º)., porque faz uma interpretação de normas especiais que colide com as normas substantivas e processuais de direito geral, sem qualquer fundamento que justifique a diferença.
19. A apreciação feita pelo tribunal “ a quo” nas páginas 6 e 7 da sentença, quanto à tempestividade da acção impugnatória intentada pela requerente, contraria também o disposto no n.º 2 do artigo 113.º do CPTA quando refere que: “ O processo cautelar é um processo urgente e tem tramitação autónoma em relação ao processo principal, sendo a pensado a este.”
20. O n.º 4 do artigo 364.º do CPC, dispõe que : ”Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal.
21. Tendo em conta o seu objecto, resulta claro que a acção principal, foi devidamente interposta ao abrigo dos artigos 50.º e 51.º do CPTA, sendo ainda notório que tal acção foi instaurada através de meio contencioso adequado à tutela dos interesses da A., e dentro do prazo previsto no artigo 58.º, n.º 2, al. b) do CPTA, pelo que não se verifica qualquer causa de caducidade da providência cautelar intentada pela Requerente.
22. A fundamentação constante da sentença ora recorrida no que diz respeito à interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, não merece acolhimento e, por isso mesmo, o Tribunal deveria ter prosseguido com a apreciação do mérito da providência aqui em causa, e, a final, proferir uma decisão que tivesse em consideração a matéria de facto e de direito invocada pela requerente, com vista ao decretamento das medidas cautelares requeridas.
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O Recorrido Instituto Superior de Engenharia do Porto contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, mas sem apresentar conclusões.
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2. Factos
A decisão recorrida deu como assentes os seguintes factos, que considerou relevantes para a apreciação da exceção de caducidade do direito de ação:
A) Nos presentes autos de processo cautelar que a requerente intentou em 5 de Janeiro de 2015, vem formulado o pedido de “ I) Suspensão de eficácia do ato de adjudicação do Senhor Presidente do Instituto Superior de Engenharia do Porto, notificado à Requerente no dia 30 de Dezembro de 2014 e pela qual se procedeu à adjudicação do objecto do procedimento à concorrente PA, MB & Associados, Sociedade de Advogados, R.L.. II) Abstenção da Entidade Adjudicante de proceder à celebração do respectivo contrato com a concorrente PA, MB & Associados, Sociedade de Advogados, R.L., ou caso este já tenha sido assinado, III) a suspensão dos efeitos do contrato celebrado e da respectiva execução, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir em sede de Ação Administrativa Especial sobre a invalidade do ato de adjudicação”.
B) Na ação administrativa especial que foi intentada em 16 de Março de 2015 vem formulado o pedido “I. Ser anulado o ato de adjudicação do Senhor Presidente do Instituto Superior de Engenharia do Porto, pela qual se procedeu à adjudicação do objecto do procedimento à concorrente PA, MB & Associados, Sociedade de Advogados, R.L., incluindo o Relatório Final em que se fundamenta; II) Ser anulado o contrato com a concorrente PA, MB & Associados, Sociedade de Advogados, R.L., caso este já tenha sido assinado. III) ser ordenada a readmissão da proposta da A. no procedimento; IV) ser ordenado que o Exmo. Júri proceda à elaboração de novo relatório final, com elaboração de nova proposta de adjudicação; V) ser ordenado que o Senhor Presidente do ISEP proceda a novo despacho de adjudicação que tenha em consideração as anteriores decisões que aqui são pedidas”.
C) No procedimento de ajuste direto nº ISEP/GJU2/23089/2014, submetido ao CCP, o ato de adjudicação à concorrente “PA, MB & Associados, Sociedade de Advogados, R.L..” foi notificado à ora requerente no dia 30 de Dezembro de 2014.
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3. Direito
A sentença recorrida considerou verificada a exceção de caducidade do direito de ação, por ter entendido que o regime de contencioso pré-contratual previsto no artigo 100.º e s. do CPTA é aplicável a todos os atos lesivos praticados em procedimentos tendentes à formação dos contratos aí taxativamente previstos, incluindo os de prestação de serviços, constituindo um regime especial que exclui a aplicação do regime comum de impugnação de atos administrativos. Mais concluiu a decisão recorrida que o ato de adjudicação aqui impugnado foi notificado à Recorrente em 30.12.2014 e que tendo a presente providência sido instaurada em 05.01.2015, sem a prévia instauração da ação principal, não foi cumprido o prazo de 1 mês previsto no artigo 101.º do CPTA, mostrando-se verificada a caducidade do direito de ação.
A Recorrente insurge-se contra este entendimento, sustentando, em síntese, que o prazo aqui aplicável – para o qual remete o artigo 123.º/b) do CPTA – é o prazo de 3 meses previsto no artigo 58.º/2-b) do CPTA, sendo permitido à Requerente lançar mão do disposto nos artigos 50.º e 51.º do CPTA. Mais suscita a inconstitucionalidade da solução defendida pelo tribunal a quo e considera que a mesma viola o disposto no artigo 113.º/2 do CPTA.
Sem qualquer razão, porém.
Como tem sido salientado na doutrina e uniformemente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo (em consonância com a jurisprudência deste Supremo Tribunal desde o início de vigência do Decreto-Lei n.º 134/98), o prazo de 1 mês previsto no artigo 101.º do CPTA aplica-se a todos os casos de impugnação previstos no artigo 100.º do mesmo Código, sendo tal regime imperativo e não podendo o interessado optar pelo uso do meio processual comum, previsto no artigo 58.°/2-b) do CPTA – cfr., por todos, os Acórdãos do STA (Pleno da Secção de CA), de 06.02.2007, P. 0528/06; de 26.08.2009, P. 0471/09, e de 27.01.2011, P. 0850/10; e, na doutrina, Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 12.ª ed., 2012, 236 e Mário Aroso de Almeida/ Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed., 602.
As razões subjacentes à imperatividade do prazo previsto no artigo 101.º do CPTA são conhecidas e estão amplamente explicitadas na jurisprudência e na doutrina citadas, que nos prescindimos de repetir e para a qual remetemos.
No caso dos autos, é inquestionável que a Recorrente pretende a suspensão de eficácia (instrumental da respetiva impugnação) de um ato de adjudicação praticado no âmbito de um procedimento de ajuste direito para a prestação de serviços (de advocacia, consultadoria e assessoria jurídica), que se inclui no âmbito de aplicação do artigo 100.º do CPTA. Além disso, ficou demonstrado que a Recorrente foi notificada de tal ato em 30.12.2014 e que intentou o presente processo cautelar em 05.01.2015 e apenas intentou ação administrativa especial de impugnação do mesmo ato em 16.03.2015. Pelo que se mostra irremediavelmente ultrapassado o prazo de 1 mês previsto no artigo 101.º do CPTA e caducado o direito de ação, sendo que a manifesta inviabilidade da ação principal determina inexoravelmente a inviabilidade da presente providência cautelar.
Neste contexto, não tem qualquer cabimento jurídico a invocada violação do artigo 113.º/2 do CPTA, que respeita à autonomia da tramitação do processo cautelar, ou seja, a matéria totalmente estranha à questão em apreço. Também não se vislumbra qualquer sustentáculo para a pretensa inconstitucionalidade da interpretação adoptada na decisão recorrida, que a própria Recorrente não soube enunciar minimamente.
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4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Porto, 07.08.2015
Ass.: Esperança Mealha
Ass.: Mário Rebelo
Ass.: Cristina da Nova

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