quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

CONTRATAÇÃO PÚBLICA - EXCLUSÃO PROPOSTA - -ERROS MATERIAIS PROPOSTAS - CORRECÇÃO/RECTIFICAÇÃO - ESCLARECIMENTOS JÚRI PROCEDIMENTO - ANULABILIDADE DERIVADA CONTRATOS.



Proc. Nº 00301/14.0BEPNF    15.07.2015   TCAN

I – Perante a detecção de erros de cálculo, escrita ou outros constantes de proposta concursal, facilmente compreensíveis como tais no contexto da declaração ou das circunstâncias em que foi efectuada, o júri/entidade adjudicante deve proceder oficiosamente à sua correcção (ou permiti-la), abstendo-se de a excluir do inerente procedimento concursal – cfr. artigos 249.º e 295.º do CC. A tal não obstando os princípios da intangibilidade das propostas ou da concorrência já que o exercício do poder/dever em causa se destina a restituir a proposta à sua verdade original.
II – A situação dos autos – indicação num dos campos do formulário principal da proposta da Recorrida da referência “65F/DMOA/13-Município de L...” em vez de “1.0, 2.0, 3.0, 4.0 e
5.0” (lotes), – configura um erro material perceptível no contexto geral e global da proposta, não constituindo causa de exclusão da mesma, antes justificando um pedido de esclarecimento do júri destinado a aclarar o que já se encontrava na candidatura, ainda que de forma menos inteligível – artigo 72.º do CCP.
III – A anulabilidade contratual derivada da ilegalidade de actos destacáveis ou finais de procedimentos pré-contratuais pode ser afastada por decisão judicial ou arbitral, mas apenas e só se, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do acto procedimental, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé ou quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjectiva nem uma alteração do contrato celebrado – cfr. artigo 283.º n.º 4 do CCP.
Tal cláusula de salvaguarda visa evitar anulações que, em concreto, se mostrem desproporcionadas ou contrárias à boa-fé, ou, então, irrelevantes dado que a adjudicação, conforme à legalidade levaria a outorgar o contrato ao mesmo adjudicatário e sem alterações do seu conteúdo essencial. O que não sucede no caso dos autos


Acordam, em conferência, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo do Norte:
I – RELATÓRIO
G... POWER, S.A. e E... ENERGÍA, S.A, - SUCURSAL EM PORTUGAL, respectivamente Contra-interessada adjudicatária e Autora na acção de contencioso pré-contratual proposta contra o MUNICÍPIO DE L..., interpuseram recurso jurisdicional do Acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou parcialmente procedente a referida acção, e em consequência, condenou a Entidade demandada “a admitir no procedimento concursal m.i. na alínea A) do probatório a proposta apresentada pela Autora e, por ser a de mais baixo preço, ordená-la em 1º lugar no que se refere aos lotes 2, 4 e 5 e, ainda, proceder à respectiva adjudicação, prosseguindo, no mais, segundo as circunstâncias do caso concreto, com aplicação de todo o quadro legal aplicável, e no exercício das atribuições da pessoa colectiva ED e competências dos seus órgãos.”.

*
A Recorrente G... apresentou as respectivas alegações de recurso, nas quais formulou as seguintes conclusões:
“1.ª A falha em que incorreu a E..., S.A. no preenchimento do formulário principal da proposta que apresentou ao procedimento de concurso público internacional para “fornecimento de energia elétrica” aberto pelo Município da L... não pode ser qualificada – como sustenta a sentença recorrida – como um erro de escrita;

2.ª Com efeito, um vício da vontade deste tipo só ocorre quando alguém emite uma declaração cujo sentido efetivamente querido não corresponde ao sentido declarado, ou seja, quando alguém escreveu ou representou, por lapso, coisa diversa do que ia escrever ou representar;

3.ª Ora, no caso em apreço, tal falha traduziu-se no facto de o concorrente ter preenchido o campo 1.1.3 desse formulário, destinado à indicação dos códigos dos lotes a que pretendia concorrer, com a referência “65F/DMOA/13 – Município da L...”, que nada tem a ver com a codificação que lhe era solicitada;

4.ª Ou seja, não se está perante um caso em que o concorrente tivesse representado um caracter numérico correspondente a um determinado código, mas por lapso de escrita, tivesse redigido eletronicamente no formulário um carácter em alguma medida distinta; estamos, antes, perante uma situação em que o sentido declarado pelos elementos textuais utilizados – a referência “65F/DMOA/13 – Município da L...” – corresponde exatamente ao sentido efetivamente querido pelo seu autor, mas não ao tipo de informação que a declaração negocial deveria conter em face da regulamentação aplicável;

5.ª Isto é, a Recorrida representou “65F/DMOA/13 – Município da L...” e escreveu “65F/DMOA/13 – Município da L...”, não se apercebendo, por negligência grosseira, que o dado solicitado respeitava à codificação da sua proposta, e falhando, portanto, em absoluto, a inserção da informação através da qual se pretendia obter a indicação, no formulário principal, de quais os lotes a que o concorrente pretendia apresentar proposta;

6.ª Inexistindo, no caso em apreço, qualquer vício de vontade na emissão da declaração negocial que possa ser qualificado como um erro de escrita, não impendia sobre o júri de concurso – ao contrário do que erradamente concluiu o Tribunal “a quo” – o dever de aplicar o artigo 249.º do Código Civil, permitindo à Recorrida a correção desse suposto erro, ou procedendo à sua retificação oficiosa;

7.ª Mas ainda que se admitisse que a omissão da indicação do código da proposta no formulário principal pudesse ser qualificada como um erro de escrita – o que se concebe por mera cautela de patrocínio – nem desse modo haveria lugar a qualquer correção ou retificação daquela declaração;

8.ª Com efeito, a jurisprudência administrativa, quando aprecia a possibilidade de aplicação do artigo 249.º do Código Civil às propostas emitidas no âmbito de procedimentos de formação de contratos públicos, tem vindo a adotar um entendimento particularmente restritivo das condições em que essa aplicação é possível, apenas admitindo que recaia sobre a Administração a obrigação de atender aos eventuais vícios da vontade quando se esteja perante “erros materiais ostensivos apreensíveis da mera leitura da proposta apresentada, ou seja, erros que incidem sobre os elementos não variáveis que os concorrentes tiverem que tomar em consideração na elaboração das respectivas propostas”;

9.ª Sucede que, no caso em apreço, o aspeto sobre o qual incidiu o vício de vontade em que a Recorrida alegadamente incorreu não configura um elemento não variável da sua proposta - com efeito, a informação a inserir no campo 1.1.3 do formulário principal, destinando-se a explicitar, nesse documento, qual ou quais o(s) lote(s) a que o concorrente pretendia concorrer, não configura um elemento que se possa considerar determinável em termos objetivos e diretos ou comum a todos os concorrentes; trata-se, ao invés, de um aspeto que é específico de cada uma das propostas e que traduz o modo concreto como cada concorrente pretende responder à solicitação ao mercado da entidade adjudicante;

10.ª Neste sentido, à luz da referida jurisprudência, o erro em que incorreu a Recorrida, na elaboração do formulário principal da proposta, não pode ser qualificável como um erro de escrita suprível, uma vez que incide sobre um elemento variável daquela proposta;

11.ª Assim, ao não ter procedido à correção oficiosa desse (pretenso) erro de escrita, nem ter permitido à Recorrida a sua retificação, a Entidade Demanda não incorreu – ao contrário do que erradamente sustenta o Tribunal “a quo” – em qualquer violação do artigo 249.º do Código Civil;

12.ª Também inexiste, por parte daquela Entidade, qualquer violação do artigo 72.º do CCP, não decorrendo deste preceito qualquer vinculação para que o júri do concurso tivesse solicitado à Recorrida um esclarecimento por forma a sanar a falha em que esta incorreu na elaboração da sua proposta;

13.ª Com efeito, como a doutrina e a jurisprudência têm unanimemente reconhecido, a formulação de um pedido de esclarecimentos só é legítima quando se destinar a tornar mais compreensível o que já se encontrava na proposta e/ou aclarar o sentido de algo que nela constava, ainda que de forma menos inteligível; neste quadro, considera-se que, sempre que os esclarecimentos tenham por objeto a interpretação de elementos da proposta, eles têm necessariamente como limite o exato enunciado linguístico utilizado, não podendo deles decorrer um sentido que não tenha em tal declaração um mínimo de correspondência verbal;

14.ª Ora, isto significa que, no caso em apreço, das duas uma: ou se entende que ao incluir no campo 1.1.3 do formulário a referência “65F/DMOA/13 – Município da L...” e não o código numérico corresponde aos lotes a que Recorrida pretendia concorrer esta incorreu numa omissão do preenchimento desse campo – caso em que o esclarecimento não é atendível porque, por natureza, ele não pode servir para suprir omissões da proposta (cfr. artigo 72.º, n.º 2, do CCP);

15.ª Ou se considera que não está em causa uma verdadeira omissão – uma vez que o campo foi efetivamente preenchido, ainda que com um elemento que nada tinha a ver com o solicitado –, mas, nem assim, o esclarecimento deixa de ser inadmissível, uma vez que ele não pode ser utilizado para suprir situações como esta, em que inexiste qualquer correspondência textual entre a referência efetivamente introduzida (“65F/DMOA/13 – Município da L...”) e a codificação exigida (“1.0”, “2.0”, etc.);

16.ª Em qualquer dos casos, a conclusão a tirar é que não estão reunidos os pressupostos para que pudessem ter sido solicitados esclarecimentos ao concorrentes E... Energia, S.A., pelo que, ao não pedir esses esclarecimentos, o júri do concurso não incorreu em qualquer ilegalidade;

17.ª Acresce que, mesmo que se considerasse que tais pressupostos estão efetivamente preenchidos – o que se admite por mera cautela de patrocínio – , nem assim se deveria concluir pela incorreção da conduta do júri; com efeito, importa ter em consideração que, tal como configurado pelo artigo 72.º do CCP, o pedido de esclarecimentos configura, para o júri do procedimento, uma mera faculdade, e não uma decisão objeto de uma qualquer vinculação legal;

18.ª Em suma, ao considerar que a decisão da Entidade Demandada de excluir a proposta da E... Energia, S.A. é ilegal por violação do artigo 249.º do Código Civil e do artigo 72.º do CCP, e ao ordenar, em consequência, a admissão dessa proposta, o Tribunal “a quo” incorreu num conjunto de manifestos erros de julgamento, que justificam a revogação da sentença recorrida.
Termina, requerendo que por errada interpretação dos factos constantes dos autos, bem como das regras concursais seja concedido provimento ao recurso e revogado o Acórdão recorrido.
*
A Recorrente E... no recurso apresentado concluiu da seguinte forma:
1.º A presente acção tem por objecto a declaração de anulabilidade do acto de adjudicação no âmbito do concurso público internacional 65F/DMOA/13, que é Adjudicante o MUNICÍPIO DE L... e concorrentes a I... GENERACIÓN, S.A.U., a G... POWER, S.A. e a EDP COMERCIAL, S.A..
2.º Tendo sido requerida a ampliação do objecto do processo com vista à declaração de anulabilidade dos contratos de comercialização de energia eléctrica celebrados em 1/07/2014 com a contra-interessada G... Power S.A e em 7/07/2014 com a contrainteressada EDP Comercial, S.A. (referidos em Q) dos Factos Provados), ao abrigo do disposto no artigo 63.º e n.º 4 do artigo 102.º do CPTA.
3.º Tal ampliação foi deferida por despacho proferido imediatamente antes da prolação do acórdão recorrido.
4.º Tendo o douto acórdão recorrido decidido que “Nos termos e com os fundamentos expostos antes, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se a ED a admitir no procedimento concursal m.i. na alínea A) do probatório a proposta apresentada pela Autora e, por ser a de mais baixo preço, ordená-la em 1.º lugar no que se refere aos lotes 2, 4 e 5 e, ainda, proceder à respectiva adjudicação, prosseguindo, no mais, segundo as circunstâncias do caso concreto, com aplicação de todo o quadro legal aplicável, e no exercício das atribuições de pessoa colectiva ED e competências dos seus órgãos.”.
5.º Descurando por decidir sobre a ampliação do pedido, ou seja, da anulabilidade dos contratos de comercialização de energia eléctrica assinados, tendo em conta a invalidade contratual derivada das ilegalidades dos actos pré-contratuais consideradas no douto acórdão recorrido.
6.º Pelo que enferma o douto acórdão recorrido do vício de nulidade, por omissão de pronúncia, atento o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do CPTA.
7.º Devendo ser substituído por douto acórdão deste Tribunal que declare a anulabilidade dos contratos administrativos celebrados em 1 e 7/07/2014, sem prejuízo da possibilidade de suprimento da nulidade do douto acórdão recorrido atento o disposto no n.º 2 do artigo 617.º do CPC.”.
*
O Recorrido MUNICÍPIO DE L... não contra-alegou.
*
A fls. 425 e ss dos autos o tribunal a quo profere o seguinte despacho:

“E... Energia, SA – Sucursal em Portugal, veio recorrer do acórdão proferido nos presentes autos invocando a sua nulidade, nos termos do disposto no art. 615º n.º 1 al. d) do CPC, por entender que o tribunal deixou de pronunciar-se sobre questão que deveria apreciar, nomeadamente, sobre a deferida ampliação do objecto do processo e do pedido de anulabilidade dos contratos celebrados entre a Entidade Demandada e as Contra-interessadas G... Power, SA e EDP Comercial, SA.
Nos termos do art. 617.º nº 1 do NCPC, se a questão da nulidade da sentença for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, e se o juiz suprir a nulidade considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objecto a nova decisão.
Assim, cumpre apreciar, nos termos do art. 617º, nº1, do CPC, aplicável ex vi do art.1º do CPTA:
Por força do disposto na alínea e) do nº1 do art 615° CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Nos presentes autos está em causa o acto administrativo de adjudicação proferido no âmbito do Concurso Público Internacional nº 5919/2013 que tinha como Objecto o Fornecimento de Energia em Média Tensão, Baixa Tensão Especial, Baixa Tensão Normal >20,7, Baixa Tensão Normal ≤20,7 e Baixa Tensão Normal ≤2,3 para o Município de L..., tendo na sua petição inicial a Autora formulado os seguintes pedidos:
-anulação do acto de exclusão da proposta por esta apresentada, bem como do acto de adjudicação e dos contratos entretanto celebrados com as CI G... e EDP;
-a condenação da Entidade Demandada a retomar o procedimento administrativo, avaliando a proposta apresentada pela Autora proferindo novo Relatório Final de avaliação das Propostas e, cumulativamente, condenada a adjudicar a proposta da Autora por ser a de mais baixo preço de entre as não excluídas.
A fls.306/308 foi proferido pelo tribunal despacho de deferimento do pedido formulado pela Autora de ampliação do objecto do processo aos contratos celebrados entre a Entidade Demandada e as Contra-interessadas G... Power, SA e EDP Comercial, SA, no qual a Autora pretende que o tribunal decrete a anulação dos referidos contratos.
A fls.328/359, foi proferido Acórdão nos presentes autos, do qual consta o seguinte segmento decisório:
“ (…) Nos termos e com os fundamentos expostos ante, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se a ED a admitir no procedimento concursal m.i. na alínea A) do probatório a proposta apresentada pela Autora e, por ser a de mais baixo preço, ordená-la em 1º lugar no que se refere aos lotes 2, 4 e 5 e, ainda, proceder à respectiva adjudicação, prosseguindo, no mais, segundo as circunstâncias do caso concreto, com aplicação de todo o quadro legal aplicável, e no exercício das atribuições da pessoa colectiva ED e competências dos seus órgãos. (…)”.
Ora, não obstante se entender que dos efeitos jurídicos decorrentes da execução do Acórdão proferido resulta a necessária anulação parcial dos contratos já celebrados entre a ED e as Contra-interessadas no que se refere aos lotes 2,4 e 5, uma vez que não só o acto de adjudicação na sua génese desparece da ordem jurídica, como também a subsistência destes contratos nessa parte é incompatível com o contrato que terá de ser ex novo celebrado entre a ED e a Autora e, ainda, porque a presente acção surge configurada como uma Acção Administrativa Especial (de tramitação urgente) de Condenação à Prática do Acto Devido e que neste tipo de acções o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória - cfr. nº2 do do art° 66° do CPTA, entende o tribunal que da decisão proferida nos presentes autos decorre inexorável e consequentemente a anulação parcial dos contratos celebrados entre a Entidade Demandada e as Contra-interessadas G... Power, SA e EDP Comercial, SA no que se refere aos lotes 2,4 e 5.
Porém, também entende este tribunal que, com vista a evitar outras interpretações divergentes da referida supra, se impõe aclarar e complementar o segmento decisório do Acórdão proferido.
Assim sendo, reforma-se o Acórdão e onde se lê:
"4-DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos ante, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se a ED a admitir no procedimento concursal m.i. na alínea A) do probatório a proposta apresentada pela Autora e, por ser a de mais baixo preço, ordená-la em 1º lugar no que se refere aos lotes 2, 4 e 5 e, ainda, proceder à respectiva adjudicação, prosseguindo, no mais, segundo as circunstâncias do caso concreto, com aplicação de todo o quadro legal aplicável, e no exercício das atribuições da pessoa colectiva ED e competências dos seus órgãos.”,
deverá ler-se
“4-DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos ante, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se a ED a admitir no procedimento concursal m.i. na alínea A) do probatório a proposta apresentada pela Autora e, por ser a de mais baixo preço, ordená-la em 1º lugar no que se refere aos lotes 2, 4 e 5 e, ainda, proceder à respectiva adjudicação, prosseguindo, no mais, segundo as circunstâncias do caso concreto, com aplicação de todo o quadro legal aplicável, e no exercício das atribuições da pessoa colectiva ED e competências dos seus órgãos, com a consequente anulação parcial dos contratos entretanto celebrados entre a ED e as Contra-interessadas G... Power, SA e EDP Comercial, SA, m.i. na alínea Q) do probatório, no que se refere aos lotes 2,4 e 5.".
O presente despacho deve considerar-se como complemento e parte integrante do Acórdão proferido, ficando o recurso interposto a ter como objecto a nova decisão.
Face ao exposto, notifique as partes, nos termos e para os efeitos previstos no art. 617° nº3 do CPC..(…).”.
*
Notificados os Recorrentes, ao abrigo do disposto no artigo 617.º n.º 3 do CPC, na sequência do suprimento de nulidade suscitada, veio a Recorrente G... proceder à alteração do objecto do recurso interposto nos termos constantes de fls. 437 e ss, por ampliação ao segmento do Acórdão que anulou os contratos celebrados entre a Entidade demandada e as Contra-interessadas G... POWER SA e da EDP COMERCIAL, SA, concluindo padecer o mesmo de erro de julgamento por violação do artigo 283.º, n.º 4 do CPC.
*
Notificado o Recorrido para responder à alteração do objecto do recurso – artigo 617.º n.º 3 in fine do CPC –, nada disse e/ou requereu.
*
O Ministério Público foi notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146.º do CPTA.
*
Dispensados os vistos legais, face à natureza urgente do presente processo (cfr. artigo 36.º do CPTA), foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
**
II – DO ÂMBITO DO RECURSO – Questões a apreciar e a decidir
O âmbito do presente recurso jurisdicional, cujo objecto mediato é a decisão recorrida, encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelas Recorrentes a partir da respectiva motivação – artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 639.º do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, caso existam, e do disposto no artigo 149.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões a apreciar e a decidir, resumem-se a saber se o Acórdão sob recurso enferma de erro de julgamento ao considerar que a decisão da Entidade Demandada de excluir a proposta da E... Energia, S.A. viola o artigo 249.º do CC e do artigo 72.º do CCP, bem como de erro de julgamento por violação do artigo 283.º, n.º 4 do CCP no segmento do Acórdão que anulou os contratos celebrados entre a Entidade demandada e as Contra-interessadas G... POWER SA e da EDP COMERCIAL, SA.

No que concerne ao invocado vício de nulidade, por omissão de pronúncia, atento o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, tendo o Acórdão previamente recorrido sido substituído pelo tribunal a quo no seu segmento decisório por outro que determinou a anulabilidade dos contratos administrativos celebrados entre a Entidade Demandada e a G... Power, SA e EDP Comercial, SA no que se refere aos lotes 2, 4 e 5, em 01-07-2014 e 07-07-2014, foi a mesma suprida de acordo com o disposto no artigo 617.º n.º 2 do CPC, ficando o seu conhecimento prejudicado por inutilidade.
***
III – FUNDAMENTAÇÃO:

A/DE FACTO
O Tribunal a quo, com interesse para a decisão da causa, considerou provados os seguintes factos:
A) Mediante anúncio publicado a 27-11-2013, no Diário da República II série, nº203 e em 29-11-2013 no JOUE, a ED, na qualidade de entidade adjudicante, procedeu através do anúncio 5919/2013 à abertura de um concurso público (internacional) para fornecimento de energia pelo período de um ano, prorrogável até três anos (1095 dias), com divisão em lotes: Lote Um - Média Tensão (preço base € 43.370,00); Lote Dois - Baixa tensão especial (preço base € 642.680,00); Lote Três - Baixa Tensão Normal> 20,7 (preço base € 580.880,00); Lote Quatro - Baixa Tensão normal <20,7 (preço base € 1.167.540,00) e Lote Cinco - Baixa Tensão Normal = ou <2,3 (preço base € 995.420,00) – (cfr. fls.287 a 289 e 276 a 280 do PA e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);
B) O Concurso público referido em A), obedecia aos termos constantes do programa de procedimento junto de fls.307 a 309v, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, e do qual consta, além do mais o seguinte:
(imagem omissa)
(…)

C) As cláusulas com as condições a incluir no contrato a celebrar constam do respectivo caderno de encargos aprovado para o efeito (fls. 319 a 325 do PA cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);

D) Apresentaram propostas os seguintes concorrentes:
- I… Generacion, SAL para o lote 1 e 2 (fls.252 a 272 do PA cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);
- E... Energia, SA - Sucursal em Portugal para os lotes 1 a 5 (fls 219 a 251 do PA cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);
- G... Power, SA para os lotes 1 a 2 (fls. 194 a 218 do PA cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);
- EDP Comercial - Comercialização de Energia, SA para os lotes 1 a 5
(fls. 151 a 193 do PA cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);

E) Do campo 1 do formulário principal da proposta apresentada pela Autora consta o seguinte:
(imagem omissa)

F) A 24 de Janeiro de 2014 o júri do procedimento elaborou relatório preliminar com o seguinte teor:
(fls. 130 a 133 do PA e documento nº4 junto à PI):
(imagem omissa)
G) Em 31-01-2014 foi comunicado aos concorrentes via plataforma “Vortal” a aceitação liminar do relatório preliminar e para a partir daquela data os concorrentes exercerem, querendo, o direito de audiência prévia no prazo de cinco dias (fls. 129 do PA cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);

H) Em 03-02-2014, na plataforma "Vortal" a Autora submeteu a seguinte mensagem (fls. 127 do PA):"no relatório preliminar indicam anexar o parecer jurídico justificativo da exclusão das propostas da E... e da I.... Contudo não o conseguimos visualizar, solicitando o seu envio.

Em virtude desse facto solicitamos que o prazo para nos pronunciarmos acerca do relatório preliminar somente comece a contar a partir do envio do documento acima referido" (…);

I) Em 04-02-2014 foi disponibilizado o parecer jurídico da autoria do Dr. AMM aos concorrentes (junto a fls. 136 a 150 do PA e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais), informando-os ainda que o prazo de audiência prévia começava a contar da sua disponibilização (fls. 125 do PA);

J) Em 10-02-2014 a Autora apresentou ao abrigo do direito de audiência prévia reclamação contra o relatório preliminar identificado em G) conforme documento de fls. 119 a 123 do PA cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, no qual peticiona que seja “elaborado novo Relatório Preliminar em que seja a proposta da Concorrente admitida, graduando-se o lugar da mesma no lugar que lhe competir”;

K) Em 28-02-2014, foi elaborada a informação nº 95/LMS/DAJRH/2014 pela Divisão de Assuntos Jurídicos e Recursos Humanos da ED junta a fls.110/113 e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, da qual consta, além do mais, que “no código da proposta do formulário principal vem colocar [o concorrente] uma referência que nada aparenta com a informação básica e essencial que lhe é solicitada no formulário principal (…)” e, ainda, que “Assim, entendemos que o júri fez uma “leitura” rigorosa do parecer jurídico que usou para sustentar a decisão do concorrente “E...”, pelo que, nesse sentido, nada há a apontar à decisão do júri do concurso.”;

L) Em 25-03-2014 foi elaborado o Relatório Final do concurso referido em A) com o seguinte teor
(fls.108/109v e documento nº9 junto à PI):
(imagem omissa)

M) Em 26-03-2014 foi comunicado aos concorrentes via plataforma “Vortal” a aceitação liminar do Relatório Final referido em L) e para a partir daquela data os concorrentes se pronunciarem, querendo, no prazo de cinco dias (fls. 107 do PA cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);

N) Na sequência de nova audiência prévia (quanto à alteração da ordenação das propostas admitidas na sequência de reclamação da G... Energia) o júri, em 07-04-2014, elaborou novo relatório final tendo proposto a adjudicação dos lotes 1 e 2 à concorrente G... Energia e os lotes 3, 4 e 5 à concorrente EDP Comercial (fls. 103 a 104 do PA cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);
O) Por despacho do Presidente de Câmara de 11-04-2014 foi efectuada a adjudicação conforme proposto pelo júri, acto entretanto ratificado por deliberação camarária de 22-04-2014 (fls. 102 do PA cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);

P) Em 11-04-2014 foi comunicado aos concorrentes identificados em D) a decisão de adjudicação dos contratos de fornecimento identificados em A) às concorrentes G... e EDP (fls.99 do PA cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais);

Q) Em 01-07-2014 e 07-07-2014 foram assinados os contratos de fornecimento entre as empresas referidas em P) e a ED (fls.269/274 e 281/286);

R) A presente acção foi intentada em 24-04-2014 (fls.1/2 dos autos).”.
*
B/ DE DIREITO
O presente recurso visa a revogação do Acórdão do TAF de Penafiel que julgou parcialmente procedente a acção interposta pela Autora também Recorrente, na qual formulou os seguintes pedidos: – de anulação do acto de exclusão da proposta por esta apresentada no âmbito do Concurso Público Internacional n.º 5919/2013 que tinha como Objecto o Fornecimento de Energia em Média Tensão, Baixa Tensão Especial, Baixa Tensão Normal > 20,7, Baixa Tensão Normal ≤20,7 e Baixa Tensão Normal ≤2,3 para o Município de L..., bem como do acto de adjudicação e dos contratos entretanto celebrados com as CI G... e EDP; – de condenação da Entidade Demandada a retomar o procedimento administrativo, avaliando a proposta apresentada pela Autora proferindo novo Relatório Final de avaliação das Propostas e, cumulativamente, condenada a adjudicar a proposta da Autora por ser a de mais baixo preço de entre as não excluídas; e de anulação dos contratos celebrados entre a Entidade Demandada e as Contra-interessadas G... Power, SA e EDP Comercial, SA – pedido formulado pela Autora, de ampliação do objecto do processo aos contratos identificados.

O Acórdão recorrido julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenou a “ED a admitir no procedimento concursal a proposta apresentada pela Autora e, por ser a de mais baixo preço, ordená-la em 1º lugar no que se refere aos lotes 2, 4 e 5 e, ainda, proceder à respectiva adjudicação, prosseguindo, no mais, segundo as circunstâncias do caso concreto, com aplicação de todo o quadro legal aplicável, e no exercício das atribuições da pessoa colectiva ED e competências dos seus órgãos, com a consequente anulação parcial dos contratos entretanto celebrados entre a ED e as Contra-interessadas G... Power, SA e EDP Comercial, SA, m.i. na alínea Q) do probatório, no que se refere aos lotes 2, 4 e 5.".

Apreciemos.

Do exposto resulta que nesta instância recursiva se colocam as seguintes questões:
– A falha em que incorreu a E... Energia, S.A. no preenchimento do formulário principal da proposta que apresentou ao procedimento de concurso público internacional para “fornecimento de energia elétrica” aberto pelo Município da L... pode ou não qualificar-se como um erro de escrita?
Na afirmativa, poderia/deveria o júri efectuar um pedido de esclarecimentos ao abrigo do artigo 72.º do CCP?

– O segmento do Acórdão que anulou os contratos celebrados entre a Entidade demandada e as Contra-interessadas G... POWER SA e a EDP COMERCIAL, SA, padece de erro de julgamento por violação do artigo 283.º, n.º 4 do CCP?
*
Para apreciação das duas primeiras questões em discussão – ligadas entre si – vejamos o inerente quadro normativo, presente e reflectido na decisão recorrida:

Conforme o artigo 56.º do CCP a “proposta é a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo …” (n.º 1) e para “… efeitos do presente Código, entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos …” (n.º 2).
“A proposta é constituída pelos seguintes documentos: a) Declaração do concorrente de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao presente Código, do qual faz parte integrante; b) Documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar; c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento que contenham os termos ou condições, relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule; d) Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço anormalmente baixo, quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento …”. – artigo 57.º n.º 1 do mesmo Código.
No artigo 62.º n.º 1, sob a epígrafe “Modo de apresentação das propostas”, consta que Os documentos que constituem a proposta são apresentados directamente em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante, através de meio de transmissão escrita e electrónica de dados, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 115º”, e que “os termos a que deve obedecer a apresentação e a recepção das propostas nos termos do disposto nos nºs 1 a 3 são definidos por diploma próprio.” (n.º 2).

Por seu lado, o artigo 72.º n.º 1 do CCP estabelece que “o júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas.”.

De acordo com o artigo 146.º n.º 2 al. l) e n.º 4 do CCP “no relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas “que não observem as formalidades do modo de apresentação das propostas fixadas nos termos do disposto no artigo 62º”, e “do relatório preliminar deve ainda constar a referência aos esclarecimentos prestados pelos concorrentes nos termos do disposto no artigo 72º.”.

Por outro lado, o Decreto-lei n.º 143-A/2008, de 25/07, prevê no artigo 13.º n.º 1 que “as plataformas electrónicas devem disponibilizar aos concorrentes um formulário específico para preenchimento, cujo modelo é aprovado pela portaria a que se referem os nºs 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, o qual constitui a base da informação a enviar posteriormente ao portal único dos contratos públicos”, acrescentando o seu nº 2 que “o não preenchimento do formulário referido no número anterior é causa de exclusão da proposta ou da candidatura.”.

Por último, e porque a essência da discordância do Acórdão recorrido pela Recorrente G... se prende com o alegado “erro de escrita e manifesto” que aquele, em procedência do alegado pela Autora e em sintonia com a lei e o direito convocável, deu como verificado, importa transcrever o artigo 249.º do CC segundo o qual “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.”, bem como, atenta a sua pertinência, o artigo 56.º do CPA que estatui que os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exigir.”.
**
A Recorrente G... não aceita a tese da Autora e, consequentemente, a decisão recorrida, no sentido do erro no preenchimento do campo 1.1.3 do formulário principal da proposta daquela constituir um erro de escrita material e manifesto, mas compreensível na globalidade da proposta apresentada, justificativo, além do mais, de pedido de esclarecimentos à Autora, pelo júri do concurso, sobre o ponto em causa da sua proposta (o que não sucedeu). Na sua óptica tal “erro” não é manifesto ou material ou de escrita, mas sim um erro não sanável, atento o princípio da indisponibilidade e da intangibilidade das propostas, não tendo o júri qualquer dever de pedir tais esclarecimentos.

Diga-se, desde já e em primeiro lugar, que a possibilidade de correcção de lapsos materiais é admissível relativamente a quaisquer actos jurídicos, ao abrigo do disposto nos artigos 249.º e 295.º do CC – assim, e generalizadamente, o defende a doutrina (cfr., entre outros, Vaz Serra in: RLJ Ano 111.º, pág. 383) e a jurisprudência (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.12.1993 - Proc. n.º 083756, de 04.05.2000 - Proc. n.º 00B262, de 05.03.2002 - Proc. n.º 01A3987, de 16.04.2002 - Proc. n.º 02A713, de 28.01.2003 - Proc. n.º 02A3518 in www.dgsi.pt/jstj; os Acs. do STA de 07.03.2002 - Proc. n.º 048413, de 09.04.2003 - Proc. n.º 048396, de 28.05.2003 - Proc. n.º 0132/03 in www.dgsi.pt/jsta, ao abrigo do disposto nos arts. 249.º e 295.º do CC.

Para o preenchimento daquela permissão de correcção consideram-se como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, facilmente detectáveis e identificáveis como tais pelo contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita e que respeitem à expressão material da vontade (já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade).
A rectificação dos erros materiais de que enferma uma proposta concursal no âmbito de um procedimento administrativo pode assim ser realizada por aplicação do princípio geral de direito ínsito no art.º 249.º do CC relativo às declarações negociais regidas pela lei civil ou outra.

Especificamente sobre a questão objecto de polémica entre as partes na presente acção, e como o sublinha a decisão recorrida, foi acordado quer pelo STA nos seus Acórdãos de 09.04.2003, de 16.06.2005 e de 20.06.2013, respectivamente Procs. n.ºs 048396, 01204/03 e 0467/13 quer pelo TCAN, mormente no seu Acórdão de 14.06.2007, Proc. n.º 01657/05.1BEPRT in www.dgsi.pt/jtcn, ser admissível que a entidade adjudicante proceda à correcção ou consideração oficiosa de propostas de concorrentes admitindo a sanação de correcções de pormenor ou a rectificação de erros manifestos, de cálculo, de escrita ou outros constantes da proposta, nos termos do artigo 249.º do CC, sem exigir para o efeito, quer o consentimento prévio, quer o assentimento posterior por parte dos respectivos concorrentes; na doutrina, em sentido semelhante, vide Esteves de Oliveira, Os princípios gerais da contratação pública in “Estudos da Contratação Pública”, tomo I, pág. 83 e Paulo Otero, Intangibilidade das Propostas em concurso Público in “O Direito”, Ano 131º, I/II, pág. 91 e ss, pronunciando-se sobre a relevância do erro de facto na formação da vontade subjacente a uma proposta.

No último acórdão do STA de 20.06.2013, supra citado julgou-se o seguinte:

“(…) a proposta tem um «lapsus calami» ostensivo e se é absolutamente seguro o que, na vez do que aí se escreveu, se pretendera escrever, deve o júri aceitar a retificação da proposta à luz do princípio geral de direito acolhido no art. 249.º do Código Civil, abstendo-se de propor a exclusão dela. (…) Uma tal retificação limita-se a, suprimindo a anomalia derivada do erro, restituir a proposta à sua verdade original, pelo que não fere os princípios da estabilidade das propostas ou da concorrência …”, extraindo-se, ainda, da sua linha argumentativa que se trata “… de um erro ou lapso notório e evidente, pois a referida expressão, aposta a propósito de uma especificação técnica a que a proponente deveria aderir - sob pena de negar, «ipso facto», essa sua qualidade - carece de um qualquer significado declarativo. (…) Isto mostra que a menção … se apresentava como um erro de escrita revelado no próprio contexto da declaração e, inclusivamente, através das circunstâncias em que ela foi feita. Portanto, o mencionado «lapsus calami» era perfeitamente integrável na previsão do art. 249.º do Código Civil. (…) Ora, esta norma acolhe e exprime um princípio geral de direito, aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes, o qual permite a retificação desses lapsos desde que sejam ostensivos, ou seja, conhecidos do declaratário - o que, aliás, surge na linha da solução prevista no art. 236.º, n.º 2, do Código Civil. (…) o júri conhecia, ou devia conhecer dadas as circunstâncias do caso, aquela vontade real (…); e, perante este estado de coisas, o júri não podia obstar a que a proponente exercesse o «direito à retificação» previsto no art. 249.º do Código Civil. Assim, e à luz deste preceito de aplicação universal, que incorpora uma regra de bom senso, o júri do concurso, perante aquele ostensivo erro de escrita, localizado na proposta da recorrente … devia ter admitido a respetiva correção, abstendo-se de propor a exclusão depois acolhida pelo ato. E este «modus faciendi» não era recusado pelas regras e princípios por que se regem os concursos do género. É que a singela retificação de um erro evidente - sabendo-se o que devia estar na vez da declaração errada - não contende com a estabilidade das propostas, nem afeta a concorrência, nem absurdamente envolve a dedução de uma qualquer proposta variante. Com efeito, corrigir um lapso é colocar «in situ» o que se sabe que lá estaria «ab initio», não fora o erro cometido. E, desde que o processo retificador se faça com plena segurança, o seu resultado nenhuma inovação traz - a não ser no que toca à supressão da anomalia; pois, e no fim de contas, limita-se a restituir o escrito, v.g., a proposta, à sua verdade original (…)”.

Ora, as propostas apresentadas por particulares a um concurso público (artigo 56.º n.º 1 do CCP) encerram não uma declaração unitária, mas um complexo de declarações heterogéneas respondendo às diversas solicitações ou exigências postas pela lei ou pela entidade adjudicante quanto aos aspectos e questões considerados procedimentalmente relevantes para aferir das vantagens que cada proposta lhe trará (…)”, pelo que a mesma corresponde a “ (…) um processo documental em que, além da manifestação da pretensão («modelada») de celebrar o contrato objecto do procedimento e da aceitação do conteúdo do caderno de encargos, o concorrente há-de incluir, basicamente, os documentos - qualquer que seja a forma (…) - nos quais exprime os atributos e características das prestações que se propõe realizar e(ou) receber (…)” – cfr. M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, 2011, p… 570.
Tais propostas “têm o valor jurídico de verdadeiras propostas, apesar de dotadas de estatuto sui generis, encerrando, por consequência, uma declaração negocial de um concorrente privado em relação à Administração Pública” (…) aplicando-se também aqui a teoria dos vícios da vontade, designadamente o erro na formulação das propostas, que deve ser atendido pela Administração e ao que se não opõem os princípios da intangibilidade e da imutabilidade das propostas – cfr. Paulo Otero, in ob. cit., pp. 92 e 101.
Pelo que recai sobre a Administração a obrigação de atender aos eventuais vícios da vontade de que possam enfermar as declarações negociais dos concorrentes, nomeadamente os erros materiais ostensivos apreensíveis pela leitura contextual das propostas apresentadas.

Presente o quadro normativo antecedente e a factualidade provada, nomeadamente a constante das alíneas E), F), G), L) e N), não se vislumbra o alegado erro de julgamento da decisão recorrida quando concluiu “no sentido de que o erro do preenchimento pela Autora do campo 1.1.3 do formulário principal configura um erro/lapso de escrita material e manifesto que é perfeitamente perceptível se contextualizado com toda a documentação apresentada e que faz parte integrante da proposta na sua globalidade.”.
Com efeito – citando a sentença recorrida – “se é certo que a proposta da Autora continha um erro/lapso de escrita ou incorrecção terminológica [a falta de identificação de cada um dos lotes a que concorria no campo 1.1.3 do formulário principal] temos que, ainda assim, não se descortina, dentro do contexto em que a proposta foi apresentada, devidamente complementado por toda a restante informação e documentação junta, que o mesmo ponha em causa a proposta a ponto de se poder concluir, como o fez o júri do concurso, a ED e, bem assim, as CIs que, no caso, a proposta apresentada contém um erro que justifica a exclusão pura e simples da mesma proposta.”.
“(…) lida na sua integralidade toda a proposta em questão, com todos os seus documentos e declarações, presente todo o contexto espácio-temporal e procedimental em que a mesma foi dirigida, produzida e se inseriu/insere, dúvidas não nos parecem poder existir quanto a estarmos em presença duma efectiva proposta dirigida ao procedimento concorrencial identificado em A) do probatório, que a Autora i) - concorre a todos os lotes e ii) quais os valores que a Autora oferece para cada deles, e isso não obstante o erro/lapso/incorrecção nela inserto, que melhor seria não existir, mas que, ainda, assim, não contende com a sua adequada leitura, inteligibilidade e percepção e que não põem minimamente em causa a manifestação duma vontade expressa de concorrer e em que termos pela Autora, neste concreto procedimento, integrando-se no entendimento do tribunal perfeitamente na previsão do art. 249.º do CC, segundo o qual “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.”.(negrito nosso)”.

Em síntese, o erro constante do campo 1.1.3 do formulário principal da proposta apresentada pela concorrente Autora configura um erro de escrita, material e manifesto, porque revelado no contexto da proposta apresentada, sendo rectificável.

A rectificação da proposta da Autora deveria ter sido previamente precedida de pedido de esclarecimento do júri à concorrente (excluída) ao abrigo do disposto no artigo 72º do CCP, e dos valores, entre outros, de transparência, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade, boa fé, e do interesse público (artigo 56.º do CPA).
Com efeito, nos termos do artigo 72.º do CCP “(…) o júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas …” (n.º 1) fazendo os esclarecimentos prestados pelos respectivos concorrentes parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respectivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º (…)” (n.º 2), sendo que os “(…) esclarecimentos referidos no número anterior devem ser disponibilizados em plataforma electrónica utilizada pela entidade adjudicante, devendo todos os concorrentes ser imediatamente notificados desse facto (…)” (n.º 3). – Itálico nosso.

Ora, neste contexto, os pedidos de esclarecimento aos concorrentes permitem à Administração adjudicante concluir pela existência ou não de qualquer erro e bem assim da sua dimensão. ”Verificando a Administração Pública, pelos esclarecimentos prestados pelo concorrente que a formulação da sua proposta se encontra viciada de erro por omissão ponderativa de elementos não variáveis, deverá sempre reconhecer a este a possibilidade de introduzir as rectificações necessárias. Só deste modo, esclareça-se, a Administração Pública dará acolhimento à tutela de todos os valores subjacentes ao efeito invalidante que os princípios gerais de Direito atribuem aos vícios da vontade sobre as declarações negociais, zelando, consequentemente, pela reposição da legalidade. Negar relevância aos vícios da vontade será, em boa verdade, pactuar com uma situação de desconformidade com a juridicidade, isto atendendo a que os princípios gerais de Direito reconhecem efeito invalidante aos actos feridos de erro, ou, em alternativa, entender que a Administração Pública constitui um “mundo à parte”, imune aos princípios gerais de Direito e, deste modo, ressuscitar a velha teoria da impermeabilidade de certas zonas da actividade administrativa à legalidade.”. – Vide Paulo Otero, in ob. cit. pág. 103.

A aplicabilidade pelo júri do mecanismo previsto neste artigo em sede da contratação pública, seus pressupostos, finalidade e limites, tem sido igualmente objecto de análise pela jurisprudência administrativa, transcrevendo-se, a propósito, pela sua relevância, parte do Acórdão do TCAN – citado e transcrito pela decisão recorrida – proferido no processo n.º 02363/12.6BELSB:

“(…) temos que um dos princípios gerais que importa considerar em matéria da contratação pública é o da intangibilidade da proposta [ou também denominado de princípio da indisponibilidade ou da imutabilidade da proposta], princípio esse que, tal como é afirmado por R. Esteves de Oliveira, sendo uma “… refração, também aqui, dos princípios da concorrência e da igualdade, é um princípio fundamental da contratação pública e significa que, com a entrega da proposta (e com o termo do prazo para a sua apresentação) o concorrente fica vinculado a ela e, consequentemente, já não a pode retirar nem alterar até que seja proferido o ato de adjudicação ou até que decorra o respetivo prazo de validade. As propostas apresentadas ao procedimento adjudicatório não devem, pois, após o decurso do prazo para a sua apresentação, considerar-se na disponibilidade dos concorrentes, de ninguém, aliás, tornando-se intangíveis, documental ou materialmente. Em suma, valem pelo seu conteúdo (e informação) inicial, pelo que nelas se contém, por mais nada. (…) Após o termo do prazo para a sua apresentação, a proposta, além de não poder ser retirada (efeito de indisponibilidade) - há portanto uma obrigação de manutenção das propostas (art. 65.º do CPP), que só termina com o decurso do prazo de 66 dias, salvo se outro maior estiver estabelecido no programa ou no convite -, não pode ser alterada, tornando-se intangível (efeito de congelamento ou petrificação) …” [em loc. e ob. cit. págs. 76/77].
LI. Tal princípio válido e vigente para todos os procedimentos concorrenciais, salvo normativo legal em contrário, para além de ser uma decorrência natural do princípio da concorrência e da igualdade entre os concorrentes e, bem assim, do princípio da imparcialidade, o mesmo emerge do que se dispõe no supra citado art. 72.º do CCP, tanto mais que, como vimos, pese embora o júri do procedimento possa pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que repute ou considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas temos, contudo, que os esclarecimentos que venham a ser prestados para que possam fazer parte integrante da proposta importa que os mesmos não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não podendo alterar ou completar os respetivos atributos, nem podem ter por fim suprir omissões que deveriam ter conduzido ou sido fundamento de exclusão da proposta.
LII. É sabido que a admissibilidade da formulação por parte do júri/entidade adjudicante de pedido de esclarecimentos sobre a proposta admitido, como vimos no art. 72.º do CCP, se posiciona em domínio potencialmente conflituante ou de risco com o citado princípio da intangibilidade da proposta, impondo-se, assim, uma leitura e aplicação do mesmo normativo compatível com os interesses em confronto de molde a que ao se assegurar e promover o princípio do favor do concurso ou do procedimento não se ponha em causa a imparcialidade, a concorrência e igualdade entre os concorrentes.
LIII. Nessa medida, as situações de atendibilidade do pedido de esclarecimentos e os limites que estes devem respeitar para se manterem nos contornos do instituto são matéria que importa caraterizar devidamente à luz do que decorre em especial do n.º 2 do art. 72.º do CCP.
LIV. Ora tais esclarecimentos, como afirma R. Esteves de Oliveira, devem ter “… uma mera função de explicação ou de aclaração de algo menos nítido ou menos claro, não podendo por isso servir para dizer coisa diferente do que estava expressamente assumido na proposta (…), nem para completar ou aperfeiçoar algum atributo seu, nem para integrar lacunas existentes nos atributos ou nos elementos da proposta (preço, prazo, produto, etc.) cuja omissão justificasse a sua exclusão. (...) não é admitido ao concorrente «mexer» ou alterar a proposta durante a pendência do procedimento, integrando, modificando, reduzindo ou aumentando a pretensão ou a oferta inicialmente apresentada, seja para a tornar conforme aos parâmetros vinculativos constantes das peças do procedimento, seja para a tornar mais competitiva sendo irrelevante que a alteração resulte da iniciativa dos interessados ou da iniciativa da entidade adjudicante (ou do respetivo júri) …” [in: loc. e ob. cit., pág. 78].
LV. A ideia basilar ínsita no n.º 2 do art. 72.º é, pois, a de que os esclarecimentos são algo que se destina a aclarar, explicitar, clarificar algum elemento da proposta que está ou parece estar enunciado de modo pouco claro, ou de não ser apreensível, ou unívoco o sentido duma expressão, dum aspeto ou elemento da proposta, na certeza de que para a atendibilidade do esclarecimento que se prenda com a interpretação de elemento/aspeto da proposta importa que o mesmo tenha nesta ainda uma normal, uma razoável correspondência verbal sob pena de se poder por em causa a concorrência e igualdade dos concorrentes.
LVI. Tem-se, assim, como inadmissíveis esclarecimentos prestados pelos concorrentes que contrariem elementos constantes de documentos das propostas, que alterem ou completem estas nas respetivas caraterísticas/atributos ou que se destinem ou visem suprir omissões da proposta a que faltasse algum dos atributos submetidos à concorrência pelo caderno de encargos e que seriam conducentes à sua exclusão [arts. 70.º, n.ºs 1 e 2 e 72.º, n.º 2 ambos do CCP].
LVII. Não será, além disso, possível admitir a formulação de pedido de esclarecimento quanto a proposta apresente graves defeitos que a tornem insuscetível de avaliação quanto a um determinado atributo da mesma já que tal se traduziria num esgotar da previsão da al. c) do n.º 2 do art. 70.º do CCP, sendo que o mesmo já não ocorrerá quando se trate de caso de mera dificuldade de leitura do atributo que esteja em causa [cfr. M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: ob. cit., pág. 602].
LVIII. Já se à proposta falte um termo ou condição exigido pelo programa de concurso/caderno de encargos afigura-se-nos possível tal falta ser objeto de pedido de esclarecimento de molde a que o concorrente possa explicitar que termo ou condição pretende formular porquanto, como sustentam M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira, além “… do dito termo ou condição não relevar para a avaliação da proposta, ela não é proibida pelo artigo 72.º/2 do CCP, pois não há aqui contradição com qualquer elemento constante dos documentos da proposta (pelo simples facto de, nesse aspeto, dela não constar), nem se trata de alterar, completar ou suprir a omissão ou a ininteligibilidade de um atributo …” [in: ob. cit., págs. 602/603].
LIX. Resulta do sumário e fundamentos do acórdão do STA de 11.04.2012 [Proc. n.º 01166/11 in: «www.dgsi.pt/jsta»] que o “pedido de esclarecimentos só é legítimo quando for indispensável à compreensão e/ou à análise dos documentos já apresentados ou à avaliação da candidatura, isto é, quando se destinar a tornar mais compreensível o que já se encontrava na candidatura e/ou aclarar ou fixar o sentido de algo que nela constava, ainda que de forma menos inteligível”, sendo que não podem “os esclarecimentos previstos na lei servir para alterar ou suprir omissões da candidatura, designadamente dos documentos que a acompanham, por maioria de razão ter-se-á de concluir que, depois de apresentadas, as mesmas não podem ser corrigidas ou completadas através da junção de documentos que a deveriam instruir e que a não acompanharam”.
LX. Frise-se, ainda, que um pedido de esclarecimento ou um esclarecimento feitos em termos ilegais devem ter-se os mesmos por não escritos, não podendo conduzir à exclusão da proposta com tal fundamento já que aquela carece de ser aferida de “per si” tendo por referência a observância do programa de concurso, do caderno de encargos e das demais regras legais que disciplinem o concreto procedimento concorrencial.
LXI. Temos, por outro lado, que face ao que decorre da al. a) do n.º 2 do art. 70.º do CCP serão compreensivelmente excluídas as propostas que “não apresentem algum dos atributos” exigidos já que, mercê de tal falta, as mesmas são insuscetíveis de serem alvo duma avaliação completa à luz do modelo de avaliação definido pelo programa do procedimento, na certeza de que a definição do que seja um atributo importa ser encontrada do cotejo do que se mostra disciplinado nos arts. 56.º, n.º 2, 75.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1 do CCP.
LXII. Ora nas palavras de M. Esteves de Oliveira e de R. Esteves de Oliveira são “… atributos da proposta as prestações (com as suas caraterísticas e circunstâncias) aí oferecidas ou pedidas à entidade adjudicante em relação aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, logo, com correspondência necessária no ou nos fatores de adjudicação, e de acordo com as quais, em caso de adjudicação, o concorrente fica obrigado a contratar …” [in: ob., cit., pág. 929].
LXIII. Ocorre que uma coisa é falta dum atributo a uma proposta outra será a falta de uma especificação inserta no programa do procedimento, na certeza de que a falta dum termo ou condição a uma matéria em relação à qual a entidade adjudicante pretenda que o concorrente se vincule apesar de se tratar de aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência não conduzirá à necessária exclusão da proposta, salvo se as peças do procedimento assim o determinem, impondo-se ou a sua integração automática pela especificação que conste, como limite máximo ou mínimo, do caderno de encargos ou, então, por não se tratar de algo que tenha sido submetido à concorrência a omissão poder ser suprida através de pedido de esclarecimentos da proposta nos termos do art. 72.º, n.º 2 do CCP [cfr. M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in: ob. cit., págs. 930/932]. (…)”.

Ponderado todo o exposto e aplicando-o ao caso vertente, não cabe censurar a decisão recorrida na interpretação e aplicação do direito convocável, ao “concluir com segurança que o erro/lapso cometido pela Autora no campo 1.1.3 do formulário principal se subsume inequivocamente a um erro de natureza meramente formal, perfeitamente perceptível a um declaratário normal segundo o critério do bonus pater familiae e irrelevante no contexto geral e global da proposta e da documentação que acompanha a mesma, não contendendo com nenhum atributo, nem tão pouco de nenhuma especificação, razão pela qual poderia e deveria o júri do concurso, por razões de equidade e transparência, diligenciar oficiosamente junto da Autora e ao abrigo do seu poder do inquisitório, previsto no artigo 56º do CPA e em especial do artigo 72º do CCP, esclarecimentos que, in casu, mais não seria do que uma aclaração e correcção de um erro material e manifesto constante de um dos campos do formulário principal da proposta, no qual, e no lugar da indicação de “1.0, 2.0, 3.0, 4.0 e 5.0” foi indicada a referência “65F/DMOA/13 – Município de L...”.
(…)
E que “pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, entendemos que a proposta apresentada pela Autora, não obstante conter um erro no preenchimento do campo 1.1.3 do formulário principal, tal erro configura um erro de escrita, material e manifesto, que se revela no próprio contexto da proposta apresentada na sua globalidade, o qual seria e deveria ter sido rectificado através de um pedido de esclarecimento do júri do concurso ao proponente (no caso, a Autora), ao abrigo dos poderes que lhe assistem por via do disposto no artigo 72º nº1 do CCP e, bem assim, do principio do inquisitório previsto no artigo 56º do CPA que pende sobre todas as entidades públicas, de forma a que, se materializassem no procedimento sub juditio os já referidos princípios da igualdade, da concorrência, da imparcialidade, da proporcionalidade, da transparência, da publicidade e da boa fé, que constituem as traves mestras da contratação pública, o que, não sucedeu in casu com a exclusão tout court da proposta da Autora, que se mostra assim ilegal”.
Em síntese, o erro aqui em causa apresentado na proposta da Autora consubstancia um erro evidente e palmar que assim deveria ter sido objecto de esclarecimento por parte do Recorrido – o qual, nos moldes tidos de acordo com a sua vontade negocial, não contrariariam os elementos constantes dos documentos que constituem a sua proposta, não alterariam ou completariam os respectivos atributos, nem supririam omissões que devessem ter conduzido ou sido fundamento de exclusão da proposta (artigo 70.º n.º 2 alínea a)) –, sem com isso pôr em causa os princípios gerais de direito e da contratação pública, mormente os da concorrência, igualdade, transparência, boa-fé e da imparcialidade que presidem à actividade desenvolvida pelo júri do concurso.

Pelo que, a decisão recorrida não padece dos alegados erros de julgamento por violação do artigo 249.º do Código Civil e do artigo 72.º do CCP.
**
No que concerne ao alegado erro de julgamento do Acórdão recorrido no segmento que anulou os contratos celebrados entre a Entidade demandada e as Contra-interessadas G... POWER SA e a EDP COMERCIAL, SA, por violação do artigo 283.º, n.º 4 do CCP:

O Acórdão rectificado sustentou que “não obstante se entender que dos efeitos jurídicos decorrentes da execução do Acórdão proferido resulta a necessária anulação parcial dos contratos já celebrados entre a ED e as Contra-interessadas no que se refere aos lotes 2,4 e 5, uma vez que não só o acto de adjudicação na sua génese desaparece da ordem jurídica, como também a subsistência destes contratos nessa parte é incompatível com o contrato que terá de ser ex novo celebrado entre a ED e a Autora e, ainda, porque a presente acção surge configurada como uma Acção Administrativa Especial (de tramitação urgente) de Condenação à Prática do Acto Devido e que neste tipo de acções o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória - cfr. nº 2 do artigo 66.º do CPTA, entende o tribunal que da decisão proferida nos presentes autos decorre inexorável e consequentemente a anulação parcial dos contratos celebrados entre a Entidade Demandada e as Contra-interessadas G... Power, SA e EDP Comercial, SA no que se refere aos lotes 2,4 e 5.
Porém, também entende este tribunal que, com vista a evitar outras interpretações divergentes da referida supra, se impõe aclarar e complementar o segmento decisório do Acórdão proferido.
Assim sendo, reforma-se o Acórdão e onde se lê:
"4-DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos ante, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se a ED a admitir no procedimento concursal m.i. na alínea A) do probatório a proposta apresentada pela Autora e, por ser a de mais baixo preço, ordená-la em 1º lugar no que se refere aos lotes 2, 4 e 5 e, ainda, proceder à respectiva adjudicação, prosseguindo, no mais, segundo as circunstâncias do caso concreto, com aplicação de todo o quadro legal aplicável, e no exercício das atribuições da pessoa colectiva ED e competências dos seus órgãos.”,
deverá ler-se
“4-DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos ante, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se a ED a admitir no procedimento concursal m.i. na alínea A) do probatório a proposta apresentada pela Autora e, por ser a de mais baixo preço, ordená-la em 1º lugar no que se refere aos lotes 2, 4 e 5 e, ainda, proceder à respectiva adjudicação, prosseguindo, no mais, segundo as circunstâncias do caso concreto, com aplicação de todo o quadro legal aplicável, e no exercício das atribuições da pessoa colectiva ED e competências dos seus órgãos, com a consequente anulação parcial dos contratos entretanto celebrados entre a ED e as Contra-interessadas G... Power, SA e EDP Comercial, SA, m.i. na alínea Q) do probatório, no que se refere aos lotes 2,4 e 5.". (itálico nosso).

Em síntese, o fundamento geral da contestada anulação dos contratos, nos moldes supra expostos, reside na comunicabilidade das causas de ilegalidade do acto de adjudicação aos contratos enquanto acto que constitui o suporte de tais contratos. Ou, por outras palavras, na designada invalidade derivada com consagração expressa no artigo 283º do CCP do qual se retira, entre o demais, o princípio da anulabilidade ou nulidade dos contratos administrativos quando sejam anuláveis ou nulas as decisões (destacáveis ou finais) dos procedimentos que hajam precedido a sua celebração e que tenham assim tido repercussão na decisão de contratar, conforme sucede no caso dos autos.
A Recorrente G... contesta a anulabilidade dos contratos alegando que, de acordo com o regime inovatório do nosso ordenamento jurídico-administrativo, ínsito no artigo 283.º do CCP, a ilegalidade de acto pré-contratual (com consequente eliminação da ordem jurídica) em que assente contrato público celebrado não é suficiente para invalidar tal contrato, como o demonstra o disposto no n.º 4 do referido preceito, na parte em que estabelece que o efeito anulatório pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do acto procedimental em causa, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa fé ou quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjectiva no contrato celebrado nem uma alteração.”. Sublinhando ter a decisão recorrida qualificado como ”impreterível uma decisão invalidante” sem ter efectuado no presente caso a ponderação exigida pelo legislador.
Apreciemos.
Estabelece o artigo 283º do CCP sob a epígrafe (Invalidade consequente de actos procedimentais inválidos) o seguinte:
“1 - Os contratos são nulos se a nulidade do acto procedimental em tenha assentado a sua celebração tenha sido judicialmente declarada ou possa ainda sê-lo.
2 - Os contratos são anuláveis se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis os actos procedimentais em que tenha assentado a sua celebração.
3 - O disposto no número anterior não é aplicável quando o acto procedimental anulável em que tenha assentado a celebração do contrato se consolide na ordem jurídica, se convalide ou seja renovado, sem reincidência nas mesmas causas de invalidade.
4 - O efeito anulatório previsto no n.º 2 pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral, quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença e a gravidade da ofensa geradora do vício do acto procedimental em causa, a anulação do contrato se revele desproporcionada ou contrária à boa fé ou quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação subjectiva no contrato celebrado nem uma alteração.”
Resulta da normação transcrita, entre o demais, que a ressalva/excepção invocada pela Recorrente G... e prevista no artigo 283.º n.º 4 do CCP, “configura uma válvula de escape do instituto da invalidade derivada do contrato, que visa evitar anulações que, em concreto, se mostrem desproporcionadas ou contrárias à boa-fé, ou, então, se mostrem irrelevantes dado que a adjudicação, segundo a legalidade, levaria a outorgar o contrato ao mesmo adjudicatário e sem alterações do seu conteúdo essencial” – cfr. Acórdão do TCAN de 07-10-201100858/10.5BEAVR e Carlos Alberto Fernandes Cadilha/António Cadilha, O contencioso pré-contratual e o regime de invalidade dos contratos públicos, Coimbra, 2013, p. 275 – cabendo ao juiz o papel de avaliar a oportunidade da pronúncia invalidante ponderando os interesses em presença (as consequências antecipáveis para os mesmos) dentro dos limites traçados na norma em causa.
Ora, apesar do Tribunal a quo ter sido parco na ponderação dos valores em presença aquando da determinação da anulação dos contratos em causa, não deixou de a ter implicitamente presente efectuando-a com apelo à “necessária anulação parcial dos contratos já celebrados entre a ED e as Contra-interessadas no que se refere aos lotes 2, 4 e 5, uma vez que não só o acto de adjudicação na sua génese desaparece da ordem jurídica, como também a subsistência destes contratos nessa parte é incompatível com o contrato que terá de ser ex novo celebrado entre a ED e a Autora (…) considerando que da decisão proferida nos presentes autos decorre inexorável e consequentemente a anulação parcial dos contratos celebrados entre a Entidade Demandada e as Contra-interessadas G... Power, SA e EDP Comercial, SA no que se refere aos lotes 2,4 e 5.”.

Mas vejamos se, tal como a Recorrente sustenta, não podia a decisão recorrida ter determinado o efeito anulatório dos contratos dado verificarem-se no caso concreto os requisitos e/ou condições para aplicação da cláusula de salvaguarda prevista no artigo 283.º n.º 4 do CCP.

Assim – e sem prejuízo da Recorrente não ter alegado quaisquer factos ou elementos demonstrativos de que na ponderação a efectuar o tribunal deve ou devia ter afastado o efeito anulatório dos contratos derivado da violação pelos identificados actos procedimentais dos artigos 249.º do CC e 72.º do CCP – ponderando os interesses públicos e privados em presença nos autos, a gravidade da ofensa geradora do vício do acto procedimental em causa (acto de exclusão da proposta da autora e do inerente acto adjudicatório), dos mesmos não resulta que a anulação dos contratos se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé e muito menos que as ilegalidades em causa não impliquem uma modificação subjectiva nos contratos celebrados ou alteração.

Com efeito, e desde logo, não podemos deixar de atestar a gravidade do vício em causa (de violação de lei (dos artigos 249.º do CC e 72.º do CCP)), de natureza não meramente formal ou procedimental mas substantiva, cuja errada apreciação e aplicação pela entidade adjudicatária conduziu à exclusão da proposta da Autora, a qual, apresentava o melhor preço. O que, aliás, nos leva a antecipar, com segurança, que a procedência das referidas causas de invalidade é susceptível de conduzir no concurso sob apreciação a resultado final diferente na ordenação das propostas, nos moldes, aliás, efectuados pela decisão recorrida.
Concludentemente, o interesse privado da Autora em ver a sua proposta, por ser a de mais baixo preço, ordenada em 1.º lugar no que se refere aos lotes 2, 4 e 5, e adjudicada em conformidade, coincide com o interesse público em escolher a melhor proposta, que, in casu, considerando os critérios de adjudicação estabelecidos pela entidade adjudicante e aos quais esta se auto vinculou, é a “do mais baixo preço”.
Não resultando dos autos quaisquer elementos ou dados que permitam ao Tribunal ajuizar que a anulação dos contratos em causa consubstancia uma medida desproporcionada ou contrária à boa-fé. Sendo que, no demais, é inequívoco que tal anulação não é irrelevante uma vez que a não exclusão da Autora do procedimento concursal e respectiva adjudicação quanto aos lotes identificados, segundo a legalidade, implica uma modificação subjectiva nesses contratos, agora a outorgar a diferente adjudicatário (a Autora) e com alteração do seu conteúdo (no que respeita ao preço (mais baixo)).

Improcede assim o erro de julgamento de direito imputado ao Acórdão recorrido de violação do artigo 283.º, n.º 4 do CCP, confirmando-se a decisão recorrida, nesta parte, com a presente fundamentação.
****
IV – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento aos recursos, e confirmar a decisão recorrida
.
Custas pela Recorrente G....
Notifique. DN.
Porto, 15 de Julho de 2015
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Helena Ribeiro

Sem comentários:

Enviar um comentário