terça-feira, 15 de julho de 2014

CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL - ORDEM DE CONHECIMENTO - CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO - PRINCÍPIO PRO ACTIONE




Proc 0471/09    Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo            26.08.2009
 
I — O tribunal «ad quem» deve observar a metodologia de conhecimento dos assuntos expressamente decidida pelo tribunal «a quo» e que não foi alvo de impugnação.
II — O prazo de um mês para o exercício do direito de acção administrativa conta-se nos termos do art. 279°, al. c), do Código Civil.
III — O prazo de um mês previsto no art. 101º do CPTA aplica-se a todos os casos de impugnação, previstos no artigo anterior.
IV — Nos termos desse art. 101º, ocorre a excepção de caducidade do direito de accionar se a autora conhecendo o programa e o caderno de encargos de um concurso em 4/3/2008, só em 7/4/2008 interpôs a acção de contencioso pré-contratual em que impugnava determinadas regras desses documentos.
V — O chamado princípio «pro actione», vertido no art. 7º do CPTA, só opera em caso de dúvida sobre o sentido das normas a interpretar.

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
A…, interpôs recurso de revista do acórdão do TCA-Norte, de fls. 530 e ss., que confirmou a sentença em que o TAF do Porto, julgando procedente a excepção de caducidade do direito de accionar, proferiu uma decisão absolutória da instância no processo de contencioso pré-contratual que a aqui recorrente movera contra o Ministério da Educação e onde figura como contra-interessada a B….
A recorrente terminou a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões:
Quanto à admissibilidade do recurso:
A) De acordo com o artigo 101.º do CPTA, “Os processos do contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto”.
B) O Acórdão recorrido aplicou tal artigo à pretensão em causa nos autos: uma pretensão impugnatória de normas concursais.
C) No entanto, a conformação legal do artigo 101.º não é suficientemente clara para suportar tal aplicação, avançando aliás, a totalidade das pistas que fornece, no sentido contrário.
D) De facto, o artigo 101.º apenas se refere (e fá-lo de forma expressa) a actos e omite qualquer referência (sequer implícita) a normas concursais.
E) Pelo que se o presente recurso versa sobre as seguintes questões:
a. O prazo de impugnação de normas concursais (que são regulamentos) no contencioso pré-contratual urgente está disciplinado pela lei, designadamente no artigo 101.º do CPTA, do mesmo modo que o prazo de impugnação de actos?
b. Decorre do artigo 101.º do CPTA que o prazo de impugnação de normas concursais é o mesmo da impugnação de actos praticados em procedimentos de formação de contratos?
c. Acto administrativo e norma equiparam-se para estes efeitos, apesar de o artigo 101.º não dar qualquer indicação (literal ou outra) nesse sentido?
F) Em suma, aquilo que importa tornar firme através deste recurso é o entendimento sobre se o prazo de impugnação previsto no artigo 101.º do CPTA deve, como defendido pelo Acórdão recorrido, aplicar-se às pretensões de impugnação de normas concursais apesar da sua expressa referência a actos e a da sua expressa omissão quanto a normas concursais e, em caso afirmativo, de que forma deve o mesmo prazo ser contado.
G) O STA nunca se pronunciou sobre esta questão e a doutrina considera que a questão não está tratada na própria lei (PEDRO GONÇALVES) havendo mesmo quem defenda na doutrina que, por se tratar de uma norma, não existe prazo de impugnação (ANDRÉ SALGADO MATOS).
H) A resposta a dar esta questão pelo STA é fundamental para a segurança e certeza jurídica das entidades que participam em procedimentos de contratação abrangidos pelo artigo 101.º do CPTA.
I) O STA tem vindo a conferir uma relevância social de importância fundamental às questões relativas ao contencioso pré-contratual, nomeadamente por as mesmas terem dado lugar à Directiva 89/665/CEE, de que o contencioso pré-contratual é transposição.
J) Estamos perante uma questão que se relaciona, de forma íntima e radical, com um direito fundamental constitucionalmente consagrado: o direito à tutela jurisdicional efectiva enquanto direito de acesso aos tribunais, porquanto aquilo que está em causa é a concreta definição, no que à sua caducidade diz respeito, da extensão do direito de impugnação de normas concursais enquanto direito comunitariamente imposto e legalmente previsto.
K) Porque o artigo 101.º apenas se refere (a actos e omite qualquer referência a normas concursais, a sua aplicação às pretensões impugnatórias de normas concursais exige um conjunto de operações exegéticas destinadas a demonstrar que quando a lei, neste artigo e só neste artigo, utiliza a palavra “acto” quer também nela incluir a palavra “norma”.
L) Tanto mais que a expressão “conhecimento do acto” ínsita no referido artigo 101.° remete para os casos de dispensa de notificação dos actos administrativos, razão pela qual não pode ser substituída, sem qualquer operação exegética, pela expressão “conhecimento da norma”.
M) A inexistência de referência, no artigo 101.°, às normas concursais pode ser explicada e fundamentada nos princípios constitucionais que impedem a convalidação de regulamentos ilegais e sugerir por recurso ao princípio da impugnação unitária e à transposição das Directivas Comunitárias, a indicação de que as mesmas poderão ser impugnadas até ao momento em que terminar o último prazo de impugnação de um acto invalidante do procedimento, tradicionalmente o acto que lhe coloca termo.
N) A presente questão ultrapassa os limites da situação singular, projectando-se na possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e que não está dependente da factualidade aqui apurada.
O) Estamos pois perante um recurso que deve ser admitido porquanto estamos perante a interpretação e aplicação de uma norma que (i) neste âmbito, não foi ainda tratada pelo STA, (ii) não oferece uma resposta unívoca, (iii) os tribunais são chamados a aplicar com frequência, conferindo-lhe uma diferente relevância, (iv) envolve a concreta definição da extensão do direito de acesso ao direito, (v) implica com a aplicação de Directivas comunitárias e (vi) extravasa o caso dos autos.
Quanto às questões a decidir:
P) A pretensão da Recorrente constitui uma pretensão impugnatória de normas, admitidas, sob forma urgente, no contencioso pré-contratual, nos termos do artigo 100º., n.° 2 do CPTA.
Q) O artigo 100.º do CPTA é muito claro no sentido de encontrar diferenças no tratamento processual a dar às várias pretensões que podem correr sob o processo urgente de contencioso pré-contratual.
R) O artigo 100º, n.° 1, por cotejo com o artigo 100.°, n.° 2 demonstra que o CPTA estabeleceu que o regime relativo à impugnação de actos administrativos só pode servir de auxiliar interpretativo quando estivermos perante pretensões que digam respeito a impugnação de actos administrativos pré-contratuais.
S) Tal opção é perfeitamente entendível tendo em conta que o regime relativo à impugnação de actos administrativos assenta nos pressupostos da notificação e publicitação, provindos de um desígnio constitucional, vertido no artigo 268°, n.°3 da Constituição da República Portuguesa, que não têm qualquer cabimento nem aplicação no âmbito das normas concursais.
T) O n.° 3 do artigo 100.°, por cotejo com o artigo 100°, n.° 2, demonstra que o CPTA não equipara, para os efeitos do disposto na secção relativa ao contencioso pré-contratual, os actos administrativos impugnados a normas concursais impugnadas, limitando-se, e de forma expressa, a equiparar a actos administrativos os actos dirigidos à celebração de contratos do tipo previsto no
n.° 1 do artigo 100.º que sejam praticados por sujeitos privados no âmbito de um procedimento
pré-contratual de direito público.
U) Assim, o CPTA não autoriza a que palavras e expressões como “norma”, “programa do concurso” ou “caderno de encargos” possam ser lidas como “actos”, pelo que quando o CPTA se refere, no contencioso pré-contratual, a actos administrativos, não pode presumir-se que está a referir-se também a normas concursais.
V) Estas precisões do artigo 100.º têm que ver com a diversa natureza das duas pretensões e em nada contrariam a vontade comunitária e nacional de colocar as pretensões impugnatórias de normas concursais sob um mesmo regime célere e eficaz pelo que não autorizam a que, por força da unificação do meio processual urgente em que ambas se inserem, se considere que todas as normas do processo urgente se aplicam, de igual forma e com igual extensão, às pretensões em causa.
W) Estas precisões do artigo 100.º obrigam a ler o artigo 101.º do CPTA tendo em conta aquilo que lá vem escrito e tendo em mente as distinções expressamente plasmadas no artigo 100.º.
X) Não decorre do artigo 101.º do CPTA que o prazo de impugnação de normas concursais é o mesmo da impugnação de actos praticados em procedimentos de formação de contratos porquanto tal artigo não se refere, sequer implicitamente, a normas.
Y) Ao procurar lidar com esta omissão, o Acórdão recorrido optou por equiparar o conceito de “norma” ao conceito de ‘acto” ínsito na letra do artigo 101.° do CPTA, esquecendo que o próprio artigo 100.º se encarregara de proibir tal equiparação, promovendo uma interpretação contra legem.
Z) Ainda a procurar lidar com aquela omissão, o Acórdão recorrido optou por aplicar, de forma subsidiária, o regime relativo à impugnação de actos administrativos, esquecendo também aqui que o próprio artigo 100.º se encarregara de proibir tal equiparação, promovendo uma interpretação contra legem.
AA) Não se diga que a utilização da expressão “acto” e não da expressão “acto administrativo” permite concluir por um conceito lato de “acto” onde caberão também as normas, porque essa não é a sistemática do CPTA e tal equiparação não resistiria a um cotejo com as restantes disposições do diploma. Se assim fosse, por exemplo, teríamos que concluir que o artigo 58.° do CPTA, manifestamente relativo aos prazos de impugnação de actos administrativos, abrangeria também a impugnação de normas uma vez que o mesmo se refere apenas a “actos” e não a “actos administrativos”...
BB) A substituição, proposta pelo Acórdão recorrido, da expressão “conhecimento do acto” por “conhecimento da norma”, assim aplicando o artigo 101.º ao caso dos autos não está autorizada porquanto:
a. teria por efeito equiparar actos administrativos a normas concursais, contrariando as precisas e claras indicações do artigo 100º.
b. teria por efeito aplicar subsidiariamente o regime da Secção I, do Capítulo II do título III do CPTA, contrariando as precisas e claras indicações do artigo 100.º.
c. teria por efeito o abastardamento da expressão “conhecimento do acto”, uma vez essa remete, de forma impressiva e sem ambiguidades, para o regime do conhecimento do acto no âmbito do regime da dispensa de notificação.
CC) Não se encontram sinais nem na Jurisprudência nem na Doutrina que permitam, sem acertos interpretativos, aplicar sem mais o artigo 101.º à pretensão dos autos, desconhecem-se, até ao momento, decisões de tribunais superiores a este respeito assim como se desconhecem posições claras e expressas da Doutrina a propugnar a aplicação do artigo 101.º à impugnação de normas concursais.
DD) A aplicação do artigo 101.º do CPTA ao caso dos autos, tal qual é feito pela sentença recorrida, viola assim os próprios comandos do artigo, aplicando-o onde este não quer, nem pode, ser aplicado.
EE) A inexistência de referência, no artigo 101.º, às normas concursais é explicada e fundamentada nos princípios constitucionais que impedem a convalidação de regulamentos ilegais e que, nessa medida, não suportam prazos de impugnação que abertamente lhes oferecem possibilidade de sobrevivência.
FF) A aplicação do artigo 101.º do CPTA ao caso dos autos, tal qual é feito pela sentença recorrida, presume que este oferece às normas concursais ilegais a possibilidade de se convalidarem após o decurso daquele prazo.
GG) A interpretação do artigo 101.º do CPTA, no sentido de que a sua disposição relativa ao prazo de impugnação é aplicável à impugnação de normas concursais, propugnada pela sentença recorrida, viola o artigo 112.° n.° 5 da CRP, uma vez que este artigo expressamente impede qualquer lei de criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.
HH) A aplicação desse artigo feita pela sentença ignora que os regulamentos têm obrigatoriamente, sob pena de desvirtuação da tipicidade dos actos normativos e do princípio da legalidade de se acomodar ao bloco de legalidade, aqui residindo novos vícios da sentença recorrida.
II) A sentença recorrida deveria, aliás, ter presente a obrigatoriedade de desaplicação dos regulamentos ilegais, por identidade de razão, nos termos do artigo 204.° da CRP, pelo que interpretação do artigo 101.º do CPTA, no sentido de que a sua disposição relativa ao prazo de impugnação é aplicável à impugnação de normais concursais, propugnada pela sentença recorrida viola o referido artigo 204.°.
JJ) A não aplicação do artigo 101.º do CPTA ao caso dos autos sugere a inexistência de prazo de impugnação das normas concursais, e por recurso ao princípio da impugnação unitária, podendo ser impugnadas até ao momento em que terminar o último prazo de impugnação de um acto invalidante do procedimento, tradicionalmente o acto que lhe coloca termo.
KK) Tal princípio da impugnação unitária, no cerne do Contencioso pré-contratual, desmente que a não aplicação do artigo 101.º ao caso dos autos possa sequer colocar em causa a urgência desejada pelo legislador na conformação processual do contencioso pré-contratual.
LL) Se acaso a sentença pretendesse insistir na (infundada) remissão para o regime vertido Secção 1, do Capítulo II do título III do CPTA, teria sempre de considerar que o prazo de impugnação começa a correr, conforme se depreende do disposto do n.° 2 do artigo 67.º do CPA, no dia seguinte ao da prática do acto ou no dia seguinte àquele em que ocorrer a intervenção” (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2005, pág. MM) Atenta a conclusão A) e considerando a profusão de várias soluções legais de possível aplicação ao caso aconselhava o recurso ao princípio pro actione, o qual aponta para a desconsideração de escolhos de cariz adjectivo e processual, de forma a oferecer primacialmente a resolução da questão levada a juízo.
NN) Esse princípio pro actione impunha à sentença que privilegiasse o conhecimento da questão de fundo, assim se assegurando a tutela jurisdicional efectiva, possibilitando o exame do mérito das pretensões deduzidas em juízo.
A B… contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
A) Ao abrigo de um pretenso recurso de revista, a Recorrente pretende levar ao conhecimento do STA a questão de saber se a impugnação directa de peças concursais, nos termos do art. 100/2 do CPTA deve ser arguida no prazo de um mês, a contar do conhecimento das mesmas, conforme exigido pelo art. 101º do CPTA. Sucede que,
B) O recurso de revista assume natureza excepcional, apenas quando um dos dois critérios qualitativos em que assenta a sua admissão se encontram verificados. Ora,
C) No caso dos autos, a questão suscitada pela Recorrente não se reveste de uma (i) relevância jurídica ou social, ou importância fundamental, em primeiro lugar porque não é verdade que todos os assuntos inerentes ao contencioso pré-contratual tenham essa característica, sob pena de se conferir a estas matérias um duplo grau de recurso, interpretação que não encontra qualquer acolhimento nos fins do legislador, na própria Lei e na CRR;
D) Antes pelo contrário, as suas especificidades impõe uma tramitação simplificada, célere e eficaz que não se compadece com impugnações directas de peças procedimentais, a todo o tempo.
E) Em segundo lugar, encontra-se expressamente previsto no art. 101º do CPTA que os processos de contencioso pré contratual devem ser intentados no prazo de um mês (...), sendo certo que
F) A Lei não distingue entre actos e normas, pelo que não cabe a interprete fazê-lo (menos ainda, quando o faz, porque perdeu um prazo); dito isto, a impugnação de normas estaria sujeita ao prazo de um mês.
G) Em terceiro lugar, o art. 100/2 encontra-se inserido na secção “contencioso pré contratual,” pelo que mais uma vez, é evidente a intenção do legislador, quando na mesma secção prevê a impugnação de actos, de normas, de actos equiparados e fixa um prazo uniforme para tal.
H) A Recorrente pretende que o Tribunal faça tábua rasa do disposto no referido artigo 101º do CPTA e sufrague uma interpretação ab rogante da Lei, de modo a permitir a apreciação de um pedido que a Recorrente fez, extemporaneamente. Ora, é este tipo de iniciativas — sob capa de uma pretensa tutela de terceiros e de guardião da legalidade — que não cura ao Direito proteger. Acresce que,
I) O art. 101º do CPTA não suscita qualquer dificuldade de interpretação, designadamente que justifique a necessidade de (ii) melhor aplicação do direito, por parte do STA, porque
J) A Recorrente já suscitou as suas questões ao tribunal de recurso, o TCAN, que entendeu que resposta às mesmas se encontrava no texto do art. 101º e na ratio do CPTA, à luz do direito comunitário, O prazo de impugnação conta-se um mês a contar do conhecimento das peças do concurso, proferiu o Tribunal.
K) Estando a resposta à questão da Recorrente expressa no art. 101º do CPTA, a verdade é que perfeitamente previsível a posição que o STA iria tomar nesta matéria; seguramente em consonância com a sua melhor jurisprudência, que entendeu, a título de exemplo, que os actos impugnados com fundamento em pedido de declaração de nulidade ou os actos tácitos seriam impugnáveis no prazo de um mês, sob pena de caducidade do direito de acção. A mesma ratio seria de aplicar ao caso em apreço, pelo que a impugnação de peças concursais estaria sujeita ao regime especial previsto na secção II do CPTA e ao prazo reduzido imposto pelo art. 101°: um mês.
L) O STA tem entendido que o recurso de revista apenas é admissível em casos muito restritos, restrição que não se verifica no caso dos autos, já que não se encontram verificados quaisquer dos pressupostos legais para a admissão do presente recurso, devendo ser o mesmo ser rejeitado. Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese de patrocínio apenas se admite.
M) Sempre se encontraria prejudicada a pretensão da Recorrente, porquanto na pendência do processo, foi proferido acto final de adjudicação, que a Recorrente não impugnou; não tendo procedido à modificação do objecto da instância no processo principal.
N) Tendo-se esgotado o prazo de impugnação acto final de adjudicação e consolidado a posição de vantagem da ora Contra Interessada (adjudicatária), não assiste utilidade na presente demanda na medida em que,
O) O acto de adjudicação se consolidou na ordem jurídica e o contrato se tomou inatacável, esvaindo-se assim de qualquer interesse ou beneficio, a apreciação das peças do procedimento.
P) Sendo manifesto que, mesmo em sede de execução de uma sentença anulatória, os interesses da Recorrente não estariam acautelados, pois que aquela não consente o pagamento de indemnização para reparação de danos causados pelo acto administrativo ilegal e os actos consequentes de actos anuláveis não são nulos quando haja interesses de contra interessados a tutelar, como seria o caso em análise (vide art. 133/i do CPA).
Q) Mesmo em face do provimento do recurso pelo douto Tribunal ad quem, o que apenas por mera hipótese de patrocínio se admite — sempre estaria o Tribunal a quo obrigado a declarar, nos termos do art. 287°, alínea e) do CPC, a extinção da instância, por ser manifesta a inutilidade superveniente da lide.
R) Se assim não se entendesse, sempre se diria que bem andou o acórdão em apreço, quando decidiu pela caducidade do direito de acção da Recorrente e consequentemente pela absolvição da Recorrida da instância.
S) A Recorrente pretendeu fazer uso de uma faculdade que consta do art. 100º, n.°2 do CPTA e que lhe permite a impugnação directa das peças do procedimento;
T) Possibilidade que não lhe assistia antes da entrada em vigor do CPTA. Ora,
U) O art. 102/2 do CPTA encontra-se inserido na secção de contencioso pré contratual, referente a processos que a Lei expressamente cominam de urgentes, nos termos dos arts. 36° e 101º do CPTA. De carácter urgente, o contencioso pré contratual está, por natureza, sujeito a prazos curtos e uma tramitação acelerada; de tal modo que,
V) O art. 101º do CPTA refere que os processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de um mês a contar da (...) da data do conhecimento do acto. É clara a indicação da Lei quanto aos prazos de impugnação, selam eles de peças do concurso, actos ou contratos: um mês. Todavia,
W) A Recorrente consultou as peças do concurso dia 04.03.2008, pelo que o seu direito de acção se esgotou um mês depois, ou seja, dia 04.04.2008. Prazo este contado nos termos quer do referido art. 101° do CPTA, quer por remissão para o art. 279°, alínea c) do CC.
X) Pretende em contrário a Recorrente arrogar-se da aplicação cumulativa das alíneas b) e c) do referido art. 279° do CC. Contudo, não lhe assiste razão porquanto,
Y) A Jurisprudência tem sido unânime na aplicação exclusiva da alínea c) do referido artigo, na medida em que este confere desde logo um beneficio ao interessado, pelo que não se justifica a tutela acrescida da alínea b) do art. 279° do CC e o consequente início da contagem do prazo no dia seguinte à consulta das peças do procedimento.
Z) Tendo o Tribunal entendido que o direito de acção da Recorrente caducara, pretende este defender que o seu pedido foi tempestivo, em virtude de os regulamentos serem impugnáveis a todo o tempo, sob pena de inconstitucionalidade, assim encetando uma desnecessária dissertação sobre matérias fora do objecto do presente litígio. Vejamos pois, como não lhe assiste razão:
AA) Em primeiro lugar, no caso em apreço não se pode aplicar o regime geral de impugnação de normas constante do art. 72° e seguintes do CPTA. Com efeito, a impugnação directa dos regulamentos, com tais pressupostos processuais, é uma excepção à regra, uma faculdade que a Lei confere apenas e em sede de procedimentos pré contratuais, nos termos do art. 100/2 do CPTA.
BB) Em larga escala, atendendo às especificidades da matéria e a imposições de direito Comunitário, em que apenas uma tutela célere poderá ser eficaz.
CC) Como bem refere Pedro Gonçalves (ob. cit), o art 100, n.º 2 do CPTA veio, em primeira linha, conferir legitimidade aos interessados sem exigir o preenchimento dos apertados requisitos do art. 73, n.° 1 e 2 do CPTA, pelo que
DD) Estamos perante um regime especial, que estará naturalmente sujeito aos prazos de propositura previstos na secção II, ou seja, observância do prazo de um mês, a contar do conhecimento.
EE) Em segundo lugar, se a própria jurisprudência do STA tem entendido que os pedidos de declaração de nulidade de actos relativos à formação de contratos devem ser intentados nesse mesmo prazo de um mês, por maioria de razão, a impugnação de peças procedimentais estará sujeita ao mesmo prazo.
FF) Não poderá assim admitir-se que a impugnação de normas, quando inserida num procedimento pré contratual, e porque voluntariamente autónoma, beneficie de um prazo superior ao legalmente previsto para a impugnação de actos.
GG) O mesmo entendimento resulta da doutrina, quer a citada no Acórdão recorrido (Maria João Estorninho e Aroso de Almeida), quer Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira onde, em anotação ao art. 74° do CPTA, se diz que os regulamentos relativos à formação a que se refere o art. 100/1 - os respectivos programas de concurso e cadernos de encargos, por exemplo — devem ser impugnados no prazo de um mês estabelecido no art. 101°”.
HH) Em terceiro lugar, dizer-se que a criação deste regime específico para o contencioso pré contratual é inconstitucional, unicamente porque os regulamentos não se podem convalidar na ordem jurídica é totalmente excessivo e censurável, porque seria o mesmo que dizer-se que actos inválidos não se podem convalidar e subsistir na ordem jurídica, quando tal é uma realidade pacífica na Lei, na doutrina e jurisprudência.
II) É evidente que, se o interessado tem conhecimento das peças do procedimento (porque voluntariamente as consultou) e as pretende impugnar - porque lhes assaca alguma ilegalidade - terá todo o direito de o fazer.
JJ) Agora, a existência desse direito não o impede de estar sujeito a um prazo, para o respectivo exercício; se a Recorrente optou pela impugnação directa, autónoma e antecipada das peças do procedimento deverá observar os prazos que a Lei lhe impôs, ou seja, fazê-lo no prazo de um mês a contar do respectivo conhecimento.
KK) São, por isso, questões de segurança jurídica que justificam que as ilegalidades de peças concursais estejam sujeitas a um prazo de arguição, prazo este plenamente conforme com o princípio da Legalidade, bem como
LL) Conforme ao disposto no art. 268°, n.° 4 da CRP, pois que o ónus de impugnação de peças concursais num período de um mês, em nada coarcta a tutela jurisdicional efectiva dos direitos da Recorrente; se a Recorrente descurou o prazo, não merece a tutela do Direito. É que, os direitos constitucionais, ao acesso à justiça e à tutela jurisdicional não garantem aos particulares a possibilidade de, a qualquer momento e por qualquer forma, requererem aos tribunais a tutela que pretendem; esses direitos garantem-lhes, sim, a possibilidade de requerer tal tutela com respeito pelas formas e prazos estabelecidos na lei processual.
MM) Nem sequer se vislumbra a violação do princípio pro actione porque, como bem defende Mário Esteves de Oliveira em CPTA anotado, pág 147, este princípio traduz-se num favorecimento do processo, não do pedido; valendo objectivamente para o processo, não para o Autor; ora se o pedido da A. foi extemporâneo, não há que exigir ao juiz, sob pena de parcialidade e injustiça, uma defesa dos interesses que a mesma desatendeu.
O Ministério da Educação também contra-alegou, pronunciando-se no sentido do não provimento do recurso, caso fosse admitido.
A revista foi admitida por acórdão de fls. 787 e ss., da responsabilidade da formação a que alude o art. 150°, n.° 5, do CPTA.
O acórdão recorrido considerara provados os seguintes factos:
a) Por anúncio publicado no Diário da República, II Série, n.° 40, de 26 de Fevereiro de 2008, foi aberto concurso público com vista à aquisição de serviços de dados, de serviço de Internet, de locação do equipamento terminal, de alojamento de servidores e interligação entre redes lógicas das escolas dos l.°, 2.° e 3.° ciclos no ensino básico público, das escolas secundárias do ensino público e para os organismos centrais, regionais e tutelados do Ministério da Educação;
b) No dia 4 de Março de 2008, os representantes da Autora dirigiram-se às instalações do Ministério da Educação, onde tomaram conhecimento das peças concursais visadas nos autos, conforme resulta expressamente admitido nos artigos 3° e 4° da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
c) A presente acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no dia 9 de Abril de 2008, tendo para aí sido enviada «pelo registo do correio» dois dias antes, isto é, em 7 de Abril da 2008 — facto que o aresto recorrido consignou a fls. 544, assim corrigindo o lapso em que a sentença incorrera a propósito de tal assunto.
Passemos ao direito.
Através da acção dos autos, que se insere no contencioso pré-contratual, a ora recorrente veio impugnar pontos determinados do programa e do caderno de encargos de um concurso público que o Ministério da Educação lançou para a aquisição de serviços, o qual está acima identificado. Contudo, as instâncias entenderam que a acção fora interposta para além do «prazo de um mês» previsto no art. 101° do CPTA, razão por que julgaram caduco o direito de accionar e absolveram da instância os demandados. E, na presente revista, a recorrente aduz múltiplos argumentos a fim de persuadir que deduzira tempestivamente a sua acção.
Portanto, o recurso trata primacialmente do problema de saber se, «in casu», deveras se verificava a referida excepção de caducidade. Mas, porque a recorrida B… diz que a lide é inútil — isto por suposta consolidação do acto final do procedimento, entretanto emitido — há que ver se o assunto pode ser tratado prioritariamente nesta revista. Ora, relendo-se o acórdão recorrido, constata-se que essa mesma questão já fora colocada ao TCA, que a considerou subsidiária e, «in fine», expressamente decidiu que a não conhecia. Esse juízo de subsidiariedade e o posterior juízo de não conhecimento não vêm questionados, seja pela recorrente (desprovida de interesse em fazê-lo), seja pela recorrida B… (nos termos do art. 684°-A, n.° 1, do CPC), Com efeito, a conclusão Q) desta recorrida, embora díspar com as três anteriores e a imediatamente seguinte, parece acatar a metodologia de apreciação que o TCA enunciou. E, se atentarmos no «corpus» dessa contra-alegação, vemos imediatamente que a recorrida B… quis sobretudo garantir que o problema da inutilidade superveniente da lide seria enfrentado pelo STA na hipótese de a revista obter êxito, o que também se infere do pormenor de a mesma minuta formular o pedido final de que o acórdão «sub censura» se mantenha integralmente. Deste modo, é de concluir que a contra-alegação da B… não ataca deveras os segmentos do aresto em que se definiu a ordem de conhecimento dos assuntos e em que se decidiu não conhecer da invocada inutilidade da lide; e, na falta de sindicância desses pontos, não estamos em condições de subverter a disposição metódica delineada no TCA — pelo que só veremos se a lide é inútil se acaso concluirmos que não ocorre a excepção de caducidade.
Debrucemo-nos, pois, sobre a revista. O seu âmbito está delimitado pelas conclusões P) a NN), já que as anteriores tiveram como destinatária a formação de juízes que admitiu o recurso. E tudo o que a recorrente ali disse pode ser sintetizado em três afirmações essenciais: que «o prazo de um mês», aludido no art. 101º do CPTA, não se aplica às impugnações de normas do programa ou do caderno de encargos; que, se todavia se considerar incerta essa não aplicabilidade, haverá então um estado de dúvida causal de que a excepção de caducidade improceda «ex vi» do art. 7º do CPTA; que, de todo o modo, a acção dos autos até observou aquele prazo de um mês. E é por este último assunto que devemos começar, pois a certeza que porventura adquiríssemos de que o prazo fora realmente observado tornaria inúteis quaisquer especulações quanto à ideal necessidade da sua observância.
A matéria de facto diz-nos que a recorrente tomou conhecimento das «peças concursais» no dia 4/3/2008, que foi uma sexta-feira; por outro lado, a acção tem-se por interposta no dia 7/4/2008, dados os arts. 150°, n.° 1, e 267°, n.° 1, do CPC. Ora, a recorrente socorre-se do art. 67º, n.° 2, do CPA, para defender que o dito prazo de um mês começou «no dia seguinte» a 4/3/2008, ou seja, em 7/3/2008, pelo que a acção teria fortuitamente respeitado o prazo. Mas esta tese, em que a própria recorrente parece acreditar pouco — donde a sua tímida Localização na conclusão LL) — não colhe.
Com efeito, os prazos relativos ao exercício do direito de acção administrativa, sendo de caducidade do exercício de um direito, têm índole substantiva (neste sentido, e v.g., «vide» Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. de 2004, pág. 381). Daí que o «dies a quo» do prazo fixado em meses continue a ser a data do evento, nos termos do art. 279°, al. c), do Código Civil — e não o dia seguinte, a que se refere a al. b) do artigo — findando «o prazo de um mês» no dia dele que àquela data corresponda. Aliás, este é um assunto pacífico na jurisprudência. Consequentemente, não pode sustentar-se que a recorrente, conhecedora em 4/3/2008 dos elementos por que se regia o concurso, atacou «no prazo de um mês» esses dados normativos, já que esse prazo, a ser exigível, findaria sempre em 4/4/2008 e a acção dos autos só foi interposta três dias depois. Portanto, o acórdão recorrido andou bem neste particular, improcedendo a conclusão LL) da alegação de recurso.
Todavia, permanece por resolver o problema fundamental posto na revista, isto é, o de apurar se «o prazo de um mês» previsto no art. 101° do CPTA se aplica só à impugnação de actos administrativos e equiparados ou também à «impugnação directa» de regras insertas no programa do concurso, no caderno de encargos ou noutros documentos análogos. E, como já dissemos, a recorrente prossegue uma dupla via: directamente, tenta persuadir que o art. 101° é alheio à impugnação de normas; indirectamente, pela força ou pelo número dos argumentos que esgrime, procura ao menos criar um estado de dúvida que, proporcionando o recurso ao chamado princípio «pro actione», assim conduza à improcedência da excepção de caducidade.
São três as razões fundamentais em que a recorrente se estriba para excluir do art. 101° do CPTA a impugnação de dados normativos dos concursos: a distinção que o art. 100º faz entre essas impugnações e as de actos administrativos ou equiparados; o teor literal do art. 101°, também conjugado com um critério sistemático; e a impossibilidade de convalidação de regulamentos ilegais, sob pena de ocorrerem inconstitucionalidades várias.
Mas os argumentos centrados no teor do art. 100º são inconsequentes e até reversíveis. Decerto que aí se distinguem as impugnações de normas das impugnações de actos («sensu lato»). No entanto, isso explica-se pela necessidade legislativa de logo se definir o âmbito possível do contencioso pré-contratual, que agora inovadoramente abrange as impugnações de normas de índole regulamentar. Ora, a recorrente precipita-se ao passar das diferenças entre os objectos possíveis das impugnações para as supostas diferenças no tratamento processual deles, pois nada legitima esse seu trânsito mental. Aliás, é mais natural o pensamento inverso: o art. 100° aponta tudo o que pode ser acometido e, depois desse indispensável preliminar, os artigos seguintes indicam o regime unitário a que todas as impugnação atrás previstas se sujeitarão. E essa naturalidade tem uma efectiva expressão nos arts. 101º e 102°, que aludem aos «processos de contencioso pré-contratual» no seu conjunto, sem os diferenciar pelos seus objectos.
Portanto, o art. 100º não aporta um qualquer subsídio favorável à tese da recorrente, a não ser na restrita medida em que possa residualmente esclarecer o sentido do termo «acto», incluso no artigo seguinte. O que nos permite passar à exegese desse art. 101°, «situs» onde se centra toda a problemática da revista.
Este preceito estabelece que «os processos do contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto». Para a recorrente, a alusão ao «acto» exclui «de plano» que o prazo previsto se aplique à impugnação de normas de concursos, já que isso fluiria da letra do preceito e do sentido que no CPTA geralmente se atribui ao uso do termo. É realmente verdade que a palavra «acto» costuma assumir, nesse e noutros diplomas, a conotação normal e específica de acto administrativo, e não o significado do género que também inclui os actos normativos e as suas determinações pontuais. Todavia, não é logicamente impossível que o «acto» dito no art. 101° tenha sido tomado pelo legislador naquele sentido geral; e, mesmo que assim não fosse, pode haver razões poderosas que nos obriguem a concluir que o legislador «minus dixit quam voluít», tornando-se então forçoso que a norma seja extensivamente interpretada de modo a que o conceito de «acto» ascenda da espécie ao género e abranja os elementos normativos susceptíveis de impugnação directa.
Tudo isto aponta para a necessidade de se olhar o art. 101º do CPTA muito para além da superficialidade da sua letra. Até porque esta parece ser desmentida por um argumento óbvio e imediato — e que, sozinho, também é primário ou elementar — o qual consiste na unidade de regime a que o preceito parece cingir todos os casos de contencioso pré-contratual. Há, pois, que ver as razões mais profundas que explicarão a necessidade ou a dispensa de se submeter a impugnação de normas concursais à observância do «prazo de um mês».
A este propósito, a recorrente assevera mesmo que as acções como a dos autos não estão sujeitas a prazo algum — por óbvia identidade com as acções administrativas de impugnação de normas, cuja ilegalidade «pode ser pedida a todo o tempo» (art. 74° do CPTA). Aliás, é aqui que a recorrente localiza os seus argumentos sobre a impossibilidade de convalidação de regulamentos ilegais e algumas inconstitucionalidades confinantes ou consequentes. Mas há dois firmes obstáculos que a argumentação da recorrente não logra transpor: «primo», o facto de o art. 100º remeter para o disposto «na secção I do capítulo II do título III» do CPTA, e não para a secção diversa que contém aquele art. 74º; «secundo», as consequências absurdas que adviriam da possibilidade de se atacar «a todo o tempo» as regras insertas no programa ou no caderno de encargos de um concurso público. Consciente disso mesmo, a recorrente acedeu em sacrificar a ideia de uma «inexistência de prazo» para impugnar actos normativos, substituindo-a pela fantasia de um prazo a definir «por recurso ao princípio da impugnação unitária», prazo esse que vigoraria «até ao momento em que terminar o último prazo de impugnação de um acto invalidante do procedimento». Ao enveredar por esse trilho, a recorrente incorre em dois ilogismos óbvios: desde logo, procura extrair da premissa de que não há prazo a consequência de que ele existe (embora em termos diversos dos previstos no art. 101°); depois, toma a «impugnação unitária» como antecedente justificativo de uma impugnação de outro tipo. Em ambos esses casos, depara-se-nos um claro «non sequitur». A que também acresce a fragilidade de assim se ressuscitar uma «impugnação unitária» que, com o CPTA, perdeu os favores de que anteriormente gozava.
Tudo isto mostra bem que os argumentos da recorrente não são persuasivos.
O que não exclui de todo que ela tenha razão, embora por acaso ou acidente, isto é, por fundamentos diversos. Donde a necessidade de vermos se o resultado hermenêutico a que as instâncias chegaram na análise do art. 101ºdo CPTA é o correcto.
A primeira coisa a reter prende-se com a inadmissibilidade de se pedir «a todo o tempo» a ilegalidade de normas inclusas no programa ou no caderno de encargos de um concurso. É que uma tal aplicação do art. 74° do CPTA às impugnações previstas no art. 100°, n.° 2, traria o efeito intolerável de nenhum procedimento desse tipo adquirir alguma vez estabilidade. Por isso mesmo é que a remissão operada pelo n.° 1 do art. 100º excluiu, «a contrario sensu», o uso daquele art. 74º no contencioso pré-contratual. E não se objecte que uma tal exclusão redunda na possibilidade de se convalidarem regulamentos ilegais; pois as normas que regem cada concurso, ao invés do que é normal na maioria dos regulamentos, carecem de uma vocação de aplicação sucessiva num tempo indefinido, sendo por isso sensato e curial que a sua impugnabilidade cesse nalgum momento — «in extremis» quando, até por imperativo dos interesses em presença, se justifique considerar que está esgotado e firmado o procedimento que servem.
Deve, pois, haver um prazo qualquer para o exercício das impugnações previstas no art. 100°, n.° 2, do CPTA. E esta mera certeza condena imediatamente as tentativas da recorrente de colher na CRP — «maxime» nos seus arts. 112°, 5, e 204°, mas também em «princípios» — argumentos longínquos que influenciariam a exegese do art. 101º do CPTA. E, porque vem a propósito, também diremos que se nos afigura inútil buscar nas remotas Directivas citadas pelo TCA-Norte e pela recorrente quaisquer contributos eficazes para se interpretar a extrema singularidade daquela norma; o que sobre isso se diga poderá ornar o discurso, mas nunca constituirá um argumento constringente. Para já, importa considerar adquirido o seguinte: porque se deve crer que o referido prazo exista, tudo logo aponta para que ele conste do art. 101º, afinal o preceito que se ocupa do «prazo» em que «devem ser intentados» os «processos do contencioso pré-contratual».
O «prazo de um mês» referido no art. 101º tem uma dimensão curta que é harmónica com os fins a que se inclinam as impugnações aí em causa. Normalmente, a impugnação de actos preparatórios ou de regras de um concurso cumpre finalidades preventivas, visando precaver a possibilidade de a Administração emitir um acto final desfavorável aos interesses do impugnante, fundado na pronúncia ou na norma impugnadas. Ao que acrescem propósitos correctivos, dado que a entidade demandada pode admitir o bem fundado da impugnação e corrigir, «motu proprio», o lapso que reconheça existir no procedimento ainda em curso. Ora, se tais prevenção e correcção supõem celeridade, também as impugnações que as possibilitem terão de ser instauradas com rapidez — fazendo sentido que o legislador onere o impugnante com um prazo curto a contar do conhecimento do vício por si detectado.
Tudo converge, portanto, para a bondade da interpretação feita pelas instâncias. As impugnações previstas no art. 100°, n.° 2, do CPTA exigem um prazo e o artigo seguinte, que anuncia aplicar-se a todos «os processos do contencioso pré-contratual» prevê-o, fixando-o num mês. A única dificuldade reside na circunstância desse art. 101º reportar o «dies a quo» do prazo à data do conhecimento do «acto», termo cuja «suppositio» é normalmente a de acto administrativo. Mas, e precisando o que «supra» deixáramos em esboço, o «acto» a que alude o art. 101º só pode significar ma de duas coisas: ou o género que inclua toda a previsão do art. 100º, ou a espécie que abranja o previsto nos ns.° 1 e 3 desse artigo, excluindo o n.° 2; e, nesta derradeira hipótese, ainda se pode colocar a possibilidade de a expressão ter traído o pensamento legislativo, impondo-se a passagem da espécie ao género próximo — que consiste propriamente na interpretação extensiva.
Ora, cremos que há razões sobejas para atribuir ao termo «acto» a amplitude genérica que as instâncias nele divisaram. Considerando que era inevitável estabelecer-se um prazo para a impugnação de actos normativos e que o art. 101° do CPTA está vocacionado para se aplicar a todos «os processos do contencioso pré-contratual», justifica-se concluir que aquele «acto» se refere a todas as modalidades contempladas no art. 100°, sem excepção. Até por uma razão coadjuvante: a recusar-se a aplicação do art. 101° às impugnações previstas no art. 100º, n.° 2, cair-se-ia na perplexidade de se necessitar de um prazo que o legislador esquecera; ao que se seguiria um qualquer exercício de imaginação donde brotasse um prazo «ad hoc», porventura o mais apetecível — recaindo-se sempre numa penosa explicação do «obscurus per obscurius».
Assim, o legislador disse mesmo tudo o que queria dizer quando, no art. 101° do CPTA, aludiu ao «conhecimento do acto». Este «acto» tem o sentido semântico — menos vulgar, mas ainda verdadeiro e irrecusável — de abranger os elementos normativos susceptíveis de serem objecto da «impugnação directa» prevista no art. 100°, n.° 2, do CPTA. Pelo que nem sequer é preciso recorrer a uma interpretação extensiva a fim de dar ao termo a amplitude genérica que ele, por si mesmo, já mínima e suficientemente detém. Aliás, a doutrina propende para esta solução — implicitamente acolhida por Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha no n.° 6 da sua anotação ao art. 101° (Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, ed. de 2005, pág. 513) e explicitamente afirmada por Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira acerca do art. 74° do CPTA (op. cit., pág. 448).
Portanto, o acórdão recorrido interpretou correctamente o art. 101° — não se percebendo em que medida isso feriu a remissão do art. 100°, n.° 1, como a recorrente clama; pelo que se mostram improcedentes ou irrelevantes todas as teses e argumentos que ela verteu nas suas conclusões P) a KK), inclusive.
E, tendo nós obtido a certeza de que o prazo previsto no art. 101° se aplica à hipótese dos autos, fica automaticamente excluído que, sobre o assunto, paire um estado de dúvida que justificasse o uso sucedâneo do mecanismo do art. 7º do CPTA. Assim, no há que recorrer ao princípio «pro actione», razão por que igualmente soçobram as duas últimas conclusões da alegação da recorrente.
Nestes termos, acordam em negar a presente revista e em confirmar o acórdão recorrido. Custas pela recorrente.

Lisboa, 26 de Agosto de 2009. – Madeira dos Santos (Relator) – Miranda de Pacheco – Jorge de Sousa

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