quarta-feira, 23 de julho de 2014

CONTRATAÇÃO PÚBLICA - CONCURSO - APRESENTAÇÃO DE CANDIDATURA A UM DOS LOTES POSTOS A CONCURSO - INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE - ILEGITIMIDADE SUPERVENIENTE - NULIDADE DA SENTENÇA - PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - PROGRAMA CONCURSO PARA AQUISIÇÃO SERVIÇOS MANUTENÇÃO E OPERAÇÃO DE MEIOS AÉREOS PRÓPRIOS E LOCAÇÃO DE MEIOS AÉREOS COMPLEMENTARES PARA MISSÕES DO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA E DO INSTITUTO NACIONAL DE EMERGÊNCIA MÉDICA



Proc. Nº 01370/12.3BEBRG   TCANorte                    31  Maio  2013

1. Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica, pelo que não se pode considerar actividade inútil o prosseguimento do processo quando ele se destine a expurgar da ordem jurídica um acto ilegal e a proporcionar a tutela efectiva dos direitos daqueles a quem o mesmo atinge.
2. Ainda que esteja apenas em causa a apreciação da legalidade do acto, a utilidade da lide mantém-se, pois que ”sendo a anulação de um acto um imperativo do princípio da legalidade, continua, sempre a haver utilidade no prosseguimento da lide que visa anular acto ferido de ilegalidade, ainda que esteja em causa acto de adjudicação de obra que se diz já estar concluída.
3. Apenas padece de nulidade, nos termos da alínea b) do n.º 1, do art.º 668º do Código de Processo Civil, a sentença que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade.
4. A contradição a que alude a alínea c) do n.º 1, do art.º 668º do Código de Processo Civil é uma incongruência lógica ou jurídica que pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar.
5. O princípio da concorrência “impõe, por um lado, que ninguém possa ser impedido de deduzir ou apresentar a sua candidatura em procedimento concursal pelo facto deste se mostrar disciplinado ou assente em exigências arbitrárias e, por outro lado, que cada candidatura apresentada seja avaliada de per si, ou seja, de acordo com os seus méritos e deméritos intrínsecos, sem que possam ou que sejam valoradas quaisquer situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos candidatos ou que exijam pronúncias ou emissões de declarações de vontade de entes terceiros que aqueles candidatos não controlem ou não possam controlar e que condicionam a possibilidade de candidatura ou interfiram com os critérios de avaliação das propostas.
6. O princípio da proporcionalidade em sentido amplo tem sido tradicionalmente decomposto em três subprincípios constitutivos: 1 - o da conformidade ou adequação de meios; 2 - o da exigibilidade; e 3 - o da proporcionalidade stricto senso; a adequação impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público seja apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes; a exigibilidade a necessidade coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível. Assim, exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão; a proporcionalidade em sentido estrito, visa-se apurar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim, trata-se, pois, de uma questão de “medida” ou “desmedida” para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.
7. São ilegais, por violação dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, as normas do Programa do Concurso para aquisição de serviços de manutenção e operação de meios aéreos próprios e locação de meios aéreos complementares para missões do Ministério da Administração Interna e do Instituto Nacional de Emergência Médica, na parte em que exigem que os concorrentes apresentem na sua proposta os manuais de voo das aeronaves a utilizar no âmbito da execução do contrato o que implica que os concorrentes sejam proprietários ou locatários das aeronaves ou tenham celebrado promessa de comprar ou locar essas mesmas aeronaves a quem seja o proprietário delas, por ser uma exigência que restringe drasticamente o leque de possíveis concorrentes e que é financeiramente desproporcionada face à probabilidade de o objecto do concurso não ser adjudicado.  
EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
H.T.A.H - Operações Actividade e Serviço Aéreo, Lda, H – Trabalhos e Transporte Aéreo, Representações, Importação e Exportação, S.A., INAERHP, L.da., e H – Aviação L.da., vieram, cada uma por si, interpor RECURSOS JURISDICIONAIS da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 14.01.2013, a fls. 514 e seguintes, pela qual pela foi julgada parcialmente procedente a acção de contencioso pré-contratual movida pela E – Aviação Executiva, S.A. contra a EMA – Empresa de Meios Aéreos, S.A., e o INEM, I.P., e em que as ora Recorrentes foram indicadas como Contra-Interessadas, tendo em vista a declaração de ilegalidade das seguintes normas do Programa do Concurso para aquisição de serviços de manutenção e operação de meios aéreos próprios e locação de meios aéreos complementares para missões do Ministério da Administração Interna e do INEM: artigo 9.º, n.º 3, al. d); n.º 4, al. d); n.º 5, al. d); n.º 6, al. d); n.º 8, al. c), d), e) e f), e anexo XVII do Caderno de Encargos, por remissão do artigo 9.º, n.º 6, alínea e) do Programa do Concurso e a cláusula 4.ª, n.º 4 do Caderno de Encargos, parte A.
Invocaram para tanto e em síntese que a sentença é nula por falta e contradição na fundamentação; sustentam ainda que a decisão recorrida incorreu em erros de julgamento da matéria de facto e quanto ao enquadramento jurídico, ao dar por verificada parte das ilegalidades arguidas pela Autora; isto para além de suscitarem a excepção da ilegitimidade superveniente activa e a questão da inutilidade superveniente da lide.
Pediram ainda a condenação da Recorrida como litigante de má-fé.
A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido e a improcedência da matéria obstativa do conhecimento de mérito.
A Recorrente H… veio juntar, com o requerimento de fls. 831 e seguintes, um documento.
A Recorrida veio responder a este requerimento solicitando que o mesmo seja considerado não escrito por extravasar a mera junção de um requerimento.
O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

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São estas as conclusões das alegações do primeiro recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto:
1ª - A apresentação de fotocópias dos manuais de voo indexados ao número de série destina-se a provar que as aeronaves existem efectivamente no mercado e que os concorrentes têm a disponibilidade de as apresentar.
2ª- A apresentação de fotocópias dos manuais de voo como resulta das normas impugnadas não obriga os concorrentes a apresentarem o título de propriedade das aeronaves nem a pré¬-contratualização da aquisição e locação.
3ª - Os concorrentes contrariamente ao que foi entendido pela decisão decorrida não têm de suportar avultados investimentos com a apresentação dos manuais, uma vez que não é exigido qualquer pré-contratualização.
4ª - A apresentação do manual genérico de voo comum a todas as aeronaves não assegura às Entidades Adjudicantes nem que as aeronaves existem efectivamente no mercado nem que os concorrentes têm a disponibilidade para as apresentar.
5ª - A sentença recorrida não demonstrou que o manual genérico de voo é adequado para assegurar o cumprimento dos contratos.
6ª - A exigência dos manuais de voo constitui o requisito mínimo de capacidade técnica exigível aos concorrentes, é adequada ao fim a que se destina e à garantia da prossecução do interesse público subjacente ao concurso.
7ª - A apresentação de fotocópias dos manuais de voo é o mínimo que as Entidades Adjudicantes dispõem para se salvaguardarem e garantirem que as aeronaves a contratar serão apresentadas pelos concorrentes.
8ª - A apresentação de simples fotocópias dos manuais de voo não gera qualquer situação desigualitária e não é atentatória ao princípio da proporcionalidade e concorrência.
9ª - A sentença recorrida ao considerar que a apresentação dos manuais de voo viola os princípios da proporcionalidade e concorrência e que a apresentação do manual genérico das aeronaves é adequado para garantir o cumprimento dos contratos, por erro de interpretação e aplicação do sentido e alcance dos arts. 9 nº 3 al. d), n ° 4 al. d), n 5 al. d), n ° 6 al. d) e n° 8 al. c), d) e f) do Programa de Concurso e do disposto no art. 48 n.º 3 da Directiva Comunitária 2004/18/CE de 03/03, violou o disposto nos arts. 1 n ° 4, 72 n ° 2 c), 92 e 93 do CCP.
10ª - A acção tem por objecto a declaração de ilegalidade das normas do Programa de Concurso que impediam a A. de participar no procedimento, por não poder apresentar os manuais de voo das aeronaves.
11º- A A. na pendência da acção participou no concurso apresentando uma proposta para o lote 3 acompanhada dos manuais de voo indexados à matrícula e número de série das aeronaves, aceitando as regras do Programa de Concurso que havia impugnado.
12ª - A A. deixou de ter qualquer interesse legítimo na acção, uma vez que o fim que pretendia assegurar, que era a participação no concurso, já foi atingido com a proposta apresentada ao lote 3.
13ª - A perda superveniente do interesse em agir, agora suscitada, é do conhecimento oficioso pelo que pode ser apreciada neste recurso jurisdicional.
14ª - A perda do interesse da A. em agir como excepção dilatória inominada obsta ao conhecimento do mérito da causa e importa a absolvição da instância, arts. 288° nº 1 e) e 493° n° 2 b) do CPC por força do art. 1 do CPTA.
15ª - A A. posteriormente à instauração da acção veio participar no concurso, tendo a sua proposta apresentada para o lote 3 sido classificada em primeiro lugar pelo relatório preliminar do Júri. (Docs. nºs 1 e 2)
16ª - O fim que a A. pretendia assegurar com a presente acção foi atingido com a apresentação da proposta.
17ª – A participação da A. No concurso tem como consequência a inutilidade superveniente da lide, uma vez que a A. já não tem qualquer interesse na declaração da ilegalidade das normas que impugnou.
18ª - A inutilidade superveniente da lide é do conhecimento oficioso e pode ser apreciada neste recurso jurisdicional.
19ª - A participação da A. no concurso retirou-lhe a utilidade que pretendia assegurar com esta acção, o que nos termos do art. 287° e) do CPC determina a extinção da instância.
20ª - A A. tem o dever de cooperação na condução e intervenção do processo com vista à boa administração de justiça, arts. 266° e 266°-A do CPC.
21ª - A A. ao não comunicar ao Tribunal a sua participação no concurso cometeu uma omissão grave do dever de cooperação, condicionando a sentença recorrida a decidir no pressuposto errado que a A. estava impedida de participar no concurso.
22ª - A A. que não podia ignorar que na pendência da acção veio a participar no concurso, agiu pelo menos com negligência grave pelo que deverá ser condenada em multa como litigante de má-fé nos termos dos arts. 266°, 266°-A e 456° c) do CPC.
Nestes termos deverá:
- Ser anulada a sentença recorrida com todas as consequências legais;
- Ser julgada procedente a invocada excepção dilatória inominada por perda do interesse da A. em agir, absolvendo-se o recorrente da instância;
- Ser julgada extinta a instância por nulidade superveniente da lide.
São estas as conclusões das alegações do segundo recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto:
I. A sentença recorrida decidiu incorrectamente o ponto 8 da matéria de facto onde se diz “Apenas quem é proprietário da aeronave ou é titular, relativamente a esta, de um contrato-promessa que lhe permita assegurar a disponibilidade do bem [contrato-promessa de compra e venda ou contrato-promessa de locação] é que dispõe do manual de voo, indexado ao número de série da aeronave.”, no sentido em que se afere que apenas quem é proprietário da aeronave ou é titular, relativamente a esta, de um contrato-promessa que lhe permita assegurar a disponibilidade do bem [contrato-promessa de compra e venda ou contrato-promessa de locação] é que se encontra em condições de apresentar cópia do manual de voo, indexado ao número de série da aeronave;
II. Prova tal facto que o concorrente, Requerente E…, apresentou proposta ao lote 3, disponibilizando via plataforma 25 manuais de voo, com 25 matrículas distintas, tendo sido qualificado e notificado de relatório preliminar de adjudicação da sua proposta.
III. A apresentação do manual de voo das aeronaves propostas a concurso destina-se a comprovar atributos da proposta que o concorrente apresenta;
IV. Não exigem que o concorrente as adquira ou contrate promessa de aquisição expressamente para efeitos de concurso, do que quer que seja, onerando-se excessivamente, como decidiu, erradamente, a sentença recorrida;
V. Nos termos do artigo 685º, nº 7, do Código de Processo Civil (por remissão do art. 140º do CPTA) deve proceder-se à modificação da matéria de facto.
VI. Deve ser dado como não provado o facto 8 da matéria de facto.
VII. Acresce que a sentença recorreu a um facto não provado, que “em concursos anteriores, apenas era exigido o manual de voo genérico emitido pelo fabricante da aeronave fornecido pelo fabricante ou outro operador no mercado”, termos em que padece de nulidade, por violação do disposto no artigo 668º, nº 1, b) e c) do Código de Processo Civil, ex vi 140.º CPTA.
De Direito
VIII. A sentença recorrida recorreu a facto que é totalmente omisso na fundamentação, e não foi dado como provado, pelo que não pode fundar no mesmo qualquer conclusão;
IX. Pode ler-se na sentença recorrida que “Sendo certo que, em concursos anteriores, apenas era exigido o manual de voo genérico emitido pelo fabricante da aeronave fornecido pelo fabricante ou outro operador no mercado.”, ora tal facto carece de prova porquanto não é notório nem foi confessado ou era confessável;
X. A sentença decidiu sobre a matéria de facto constante do ponto 8. sem qualquer suporte documental, sem admissão por acordo entre as partes, sem confissão, termos em que viola o disposto no artigo 659.º do CPC, devendo ser revogada.
Acresce ainda que,
XI. A sentença a quo padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto no art. 266° da Constituição, artigo 3.º e 5.º do CPA e 1.º, n.º 4 do CCP quanto ao sentido e alcance com que subsumiu a factualidade apurada aos Princípios da Proporcionalidade, da Imparcialidade, Legalidade e Igualdade.
XII. Não existe violação do princípio da proporcionalidade quando as entidades adjudicantes, na sequência de incumprimentos vários no passado, determinam que todos os concorrentes ao concurso público devem demonstrar os atributos da sua proposta, do preço A pelo serviço X que é com o equipamento B, sem que se pretenda confundir preço mais baixo com propostas economicamente mais vantajosa;
XIII. Perante o objecto do concurso em crise, dada a sua inquestionável relevância para o interesse público nacional e atendendo à dimensão e custo subjacente a um concurso desta dimensão, é adequado, ajustado, exigível e necessário, bem como proporcional, como bem entenderam as entidades adjudicantes, exigir aos concorrentes a apresentação de cópias dos manuais de voo concretos com base no qual dão o preço;
XIV. Obedecem ao Princípio da Proporcionalidade a escolha de medidas idóneas à prossecução dos interesses públicos, em integral respeito pelos interesses dos particulares, não sendo a exigência de apresentar os manuais de voo das aeronaves apresentadas gravosa ou ilegal;
XV. De tal modo assim foi que a concorrente, tendo alegado ser impedida de concorrer por tal facto, apresentou proposta que, preliminarmente, aparenta e proclama vencedora;
XVI. A exigência dos manuais de voo permite o equilíbrio entre o interesse público e os direitos dos particulares, não lesando o princípio da proporcionalidade, não sendo exigência discricionária;
XVII. O Artigo 57º nº 1 alínea b) consagra a obrigatoriedade de entrega de documentos que atestem ou contenham os atributos da proposta, e mesmo que se entendesse haver uma expressa vontade de vincular o concorrente a termos e condições de aspectos relativos à execução do contrato, da alínea c) do mesmo nº 1, nunca tal facto sobressairia como critério limitativo de concorrer, pois o modo idóneo para proporcionalmente atingir essa desproporcionalidade seria exigir COA e COTA com indicação expressa das aeronaves averbadas;
XVIII. Estamos perante um contrato plurianual e por lotes, sendo mais do que compreensível que para além de se saber quanto custa, se possa perceber quanto custa o quê;
XIX. Causa outrossim, perplexidade invocar o contrário.
XX. Pugnar que no passado não era exigido o manual concreto, para se compreender o preço, não é sequer argumento válido, pois "Uma coisa é aprender com o passado; outra é ficar lá preso."
São estas as conclusões das alegações do terceiro recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto:
A. A autora recorrida propôs a presente acção, no essencial se fundamentando na exigência do artigo 9º do programa de concurso que designadamente exigia a apresentação de cópias dos manuais de voo, indexadas ao número de série e matrículas.
B. Estribou-se na alegação de que tal exigência só podia ser satisfeita se o concorrente já fosse proprietário ou promitente comprador das aeronaves, condições imperativas e incontornáveis para pode dispor de cópias dos manuais indexados aos números de série.
C. Desmentindo objectivamente tal alegação, a recorrida E… apresentou-se a 25 de Outubro de 2012 ao lote 3 do concurso em causa, exactamente o que exigia um elevado número de aeronaves, no caso 25 helicópteros.
D. Para o fazer e desmentindo a sua absoluta impossibilidade de ir a concurso em que baseou o pedido da presente acção, juntou afinal 25 fotocópias de manuais de voo, com indexação aos números de série e matrículas.
E. A autora, pela sua actuação incorreu em “venire contra factum proprium”.
F. De outra parte, a concorrente foi afinal classificada no concurso e lote 3, relativamente a 25 aeronaves, como tendo o melhor preço, posicionando-a por isso, as entidades rés, em posição vencedora desse lote.
G. A autora perdeu objectivamente o interesse no prosseguimento da acção, por estar claramente e afinal ultrapassado o fim que com ele tinha em vista, que era assegurar a possibilidade de ir a concurso e, até mesmo, de o poder ganhar no todo ou em parte.
H. A objectiva perda do interesse por parte do autor, conduz à ilegitimidade superveniente activa da parte com todas as consequências legais.
I. Também pelas conclusões que vêm sendo aduzidas, se verifica igualmente que o autor não retirara já neste momento qualquer vantagem no prosseguimento da acção, tendo já participado efectivamente no concurso e satisfeito o requisito da clausula nona do concurso, em identidade com os demais concorrentes, pelo que se afigura verificar-se a inutilidade superveniente da lide, com todas as correlatas consequências legais.
J. A apresentação da cópia do manual de voo das aeronaves propostas, destina-se a comprovar atributos da proposta do mesmo concorrente.
K. Não foi provado e não ocorre que o concorrente, para lhe serem disponibilizados fotocópias de manuais indexados a números de série e matrículas, tenha incontornavelmente de ser já proprietário ou promitente comprador ou promitente locatário dessas aeronaves, nem foi isso que foi exigido pelo programa de concurso e respectiva cláusula 9ª.
L. O tribunal errou ao decidir concretamente o ponto 8º da matéria de facto, onde em síntese, deu por assente que “apenas quem é proprietário da aeronave ou é titular relativamente a esta de um contrato de promessa que permita assegurara a disponibilidade do bem…” é que dispõe do manual de voo indexado ao número de série da aeronave.
M. Contrariamente ao que refere o senhor juiz na sua sentença, tal facto não resulta do probatório dos autos, de qualquer documento ou de confissão expressa das partes.
N. Tendo tal facto sido expressamente impugnado quer pelos réus quer por outros interessados, e tendo sido arrolada prova testemunhal nesse contraditório e designadamente para dirimir esta controvérsia, não era lícito ao tribunal, como erradamente o fez, assumir este facto como provado.
O. Igualmente se não provou que na decorrência da errada assunção do facto que se refere na conclusão antecedente, o concorrente tivesse ficado por isso absolutamente impossibilitado de ir a concurso.
P. Pois na verdade e como se alega e se fará prova em certidão que brevemente se protesta juntar, o recorrido foi a concurso, apresentou os manuais e até ficou em 1º lugar da lista de preços do lote3.
Q. Não se provando esses dois factos que alicerçam a sentença, prejudicadas ficam as invocadas violações dos princípios da proporcionalidade e da concorrência.
R. Em qualquer caso, atenta a dimensão deste concurso plurianual e a relativa acessibilidade para afinal obter fotocópias de manuais indexados a números de série como a concorrente afinal obteve, não se mostram violados os princípios da concorrência e da proporcionalidade, contrariamente ao concluído pela douta sentença recorrida.
S. A sentença é nula por força do erro de fundamentação que a vicia no que diz respeito ao seu ponto 8º, pelo que deve ser correlatamente revogada e substituída por outra que mantenha os seus exactos termos, o disposto na cláusula 9ª do caderno de encargos e nos demais preceitos correlatos, abrangidos pela sentença recorrida.
São estas as conclusões das alegações do quarto recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto:
A. Constitui objecto do presente recurso a sentença recorrida na parte em que julgou a acção parcialmente procedente e determinou a correcção das normas declaradas ilegais;
B. A sentença recorrida padece, desde logo, das nulidades previstas no art. 668º, nº 1, als. b) e c) do CPC, na medida em que, ao não ter especificado, no lugar próprio, todos os fundamentos de facto que justificam a decisão tomada, acarretou a deficiência da fundamentação e, por outro lado, fez com que os fundamentos invocados estejam em oposição com a decisão, em resultado da quebra ou desvio do raciocínio lógico empreendido face às premissas de que o mesmo partiu, fruto de ter sido considerado novos factos, não incluídos no probatório assente;
C. Atendo o disposto no art. 205º, nº 1 da CRP, e numa interpretação conforme à Constituição, a al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC deverá ser interpretada no sentido de que uma sentença é nula quando não especifique todos os fundamentos de facto (e/ou de direito) que justificam a decisão, assim se considerando também nulas as sentenças cuja fundamentação é deficiente, sob pena de ser inconstitucional a referida norma se interpretada de modo diverso;
D. Também por decorrência do disposto no art. 205º, nº 1 da CRP, a al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC deverá ser interpretada no sentido de que uma sentença também é nula quando a sua motivação que justifica a decisão não consta, na totalidade ou parcialmente, da respectiva fundamentação de facto, existindo, por essa razão, contradição, sob pena de ser inconstitucional a referida norma se interpretada de modo diverso;
E. Errou o Tribunal a quo no julgamento efectuado quanto à decisão sobre a matéria de facto, que aqui se impugna, nos termos do art. 685º-B do CPC;
F. Errou no seu julgamento o Tribunal a quo quando deu como provado o Facto nº 8, uma vez que o mesmo, tal como se encontra descrito, não resulta nem dos documentos constantes do processo administrativo, nem da vontade concordante das partes, conforme decorre das contestações e alegações apresentadas pelos Réus e pelas Contra-Interessadas;
G. Tendo o Tribunal a quo, no despacho saneador, decidido, indevida e infundadamente, pela não abertura de instrução, não podia dar como provado um facto, como o Facto nº 8, que permanecia controvertido nos autos, sob pena de violar o art. 659º, nº 3 do CPC;
H. Deverá ser alterada a Matéria de Facto e dado como não provado o Facto nº 8;
I. Errou ainda o Tribunal a quo no julgamento efectuado quanto à decisão sobre a matéria de facto uma vez que a matéria de facto dada como assente na sentença recorrida é manifestamente insuficiente para a correcta fixação do direito aplicável, atenta a existência de muitos outros factos com interesse para os presentes autos que ou deveriam - estes sim - ter sido dados como provados pelo Tribunal a quo, ou pelo menos, deveriam ter sido levados à base instrutória, com a consequente abertura de instrução, a fim de permitir a sua prova através da audiência de discussão e julgamento e da prova a efectuar na mesma, designadamente a prova testemunhal;
J. Ao ter julgado desnecessária a abertura de instrução, o Tribunal a quo violou os direitos de defesa dos Réus e das Contra-Interessadas e o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva, constitucional e legalmente consagrado, não lhes permitindo que fossem tidos em consideração factos relevantes para o exame e decisão da causa, segundo a sua solução para as questões de direito, dando origem a um probatório claramente insuficiente;
K. E o resultado da não abertura da instrução foi a existência, na sentença recorrida, de um probatório manifestamente insuficiente, para além da assunção, indevida, em sede de fundamentação de direito, de factos tidos como verdadeiros que o não são;
L. Ao não ter ordenado a abertura de instrução, o Tribunal a quo violou, para além do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos art. 20º, nº 1 e 268º, nº 4 da CRP e no art. 2º do CPTA, o disposto nos arts. 87º, nº 1, al. c) e 90º, nºs 1 e 2 do CPTA e nos arts. 265º, nº 3 e 511º, nº 1 do CPC, e assim os direitos de defesa dos Réus e Contra-Interessadas;
M. A insuficiência da matéria de facto pode constituir fundamento de recurso da decisão final, dirigido a que o tribunal de apelação determine a ampliação da matéria de facto quanto tal se torne necessário para fixar o direito aplicável;
N. Em face da manifesta insuficiência e deficiência da matéria de facto constante da sentença recorrida, requer-se a este Venerando Tribunal a sua alteração e ampliação, nos termos previstos no art. 149º do CPTA e nos arts.685-B e 712º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 1º do CPTA, com a inclusão na mesma dos factos anteriormente enunciados;
O. Para além do erro de julgamento quanto à matéria de facto, incorreu ainda o Tribunal a quo, na sentença sob recurso, em manifesto erro de julgamento ao julgar e declarar a ilegalidade do artigo 9.º, n.º 3, al. d), n.º 4, al. d), n.º 5, al. d), n.º 6, al. d) e n.º 8, als. c), d), e) e f) do Programa do Concurso e ao determinar que os Réus procedam à sua correcção,
P. Nos termos das referidas alíneas do art. 9º do Programa do Concurso, era exigido aos concorrentes a apresentação, como documento da proposta, do “Manual de voo das Aeronaves (…) propostas, indexado ao número de série da aeronave, incluindo obrigatoriamente as tabelas de pesos e centragens”, para os lotes abrangidos pelas mesmas, ou seja, os lotes 3 a 6, uma vez que o lote 8 integra a totalidade dos bens a locar e dos serviços a adquirir objecto dos lotes 3 a 6;
Q. Para verificação do respeito e cumprimento das prescrições dos princípios gerais da contratação pública, não é adequado ou suficiente um simples processo de subsunção das situações de facto às mesmas, sob pena de, por absurdo, ter de se concluir que toda e qualquer norma concursal delimitadora do objecto do concurso e, em decorrência do mercado habilitado a concorrer ao mesmo, e bem assim definidora das características, requisitos e especificações técnicas do mesmo, acarreta uma violação de vários, senão mesmo de todos, desses princípios;
R. Para que se possa concluir pela existência da violação de um princípio jurídico tona-se necessário que a hipótese, por uma qualquer perspectiva relevante do ponto de vista da função e lógica da contratação pública, implique ou constitua uma lesão séria e efectiva dos interesses e valores a cuja tutela ele vai votado nesse domínio,
S. Ora, isso é precisamente que não se verifica no caso dos presentes autos e das normas do Programa do Concurso cuja ilegalidade foi erradamente declarada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, uma vez que as referidas normas não acarretam qualquer violação nem do princípio da concorrência, nem do princípio da proporcionalidade, nem inclusive dos princípios da imparcialidade e da igualdade, e, bem assim, de qualquer outro princípio geral ou específico da contratação pública;
T. Assegurando a maior e mais ampla participação por parte dos interessados em contratar do universo do mercado habilitado a participar no procedimento, em obediência ao princípio da concorrência, e ao mesmo tempo garantindo a mais adequada prossecução do interesse público, foi adoptado pelos Réus Entidades Adjudicantes, como procedimento pré-contratual, o Concurso Público Internacional, estando prevista a adjudicação por lotes, e tendo inclusive sido fixado como critério da adjudicação relativa a cada lote concursado o critério do mais baixo preço;
U. Nenhum requisito de acesso ao procedimento foi fixado em termos de limitar o mercado habilitado a participar no mesmo, como não foi fixado nenhum requisito de acesso e/ou avaliação das propostas que não tenha ligação directa e estreita com o objecto concursado e que não seja por este justificado e ou requerido;
V. O objecto concursado, no que aos lotes 3 a 6 respeita, é a locação de aeronaves, e bem assim, a aquisição dos correspectivos serviços de manutenção e de operação, nos termos definidos na regulamentação do Concurso, mais precisamente no Programa do Concurso e no Caderno de Encargos;
W. O objecto ou objectos concursados não são contratos de fornecimento, ou contratos de aquisição de bens móveis ou simples contratos de prestação de serviços;
X. O contrato a celebrar, na sequência da adjudicação, para cada lote, abrange, para além dos serviços abarcados pelo lote em questão, a locação de bens móveis;
Y. Estes contratos não abrangem a locação de bens móveis indeterminados ou indetermináveis, antes abrangendo as Aeronaves Complementares que reúnam as características, especificações e requisitos técnicos constantes dos anexos ao Caderno de Encargos (conforme definições constantes do art. 2º do Programa do Concurso e da cláusula 2º da Parte B do Caderno de Encargos);
Z. Assim, as aeronaves cujo gozo temporário os concorrentes se propõem proporcionar às Entidades Adjudicantes devem reunir as características, especificações e requisitos técnicos constantes dos anexos ao Caderno de Encargos;
AA. As características técnicas e operacionais das aeronaves a locar foram definidas em função das missões que as mesmas devem desempenhar e que justificam precisamente a sua locação e a contratação dos correspectivos serviços de manutenção e operação - missões de combate a incêndios florestais e missões de emergência médica, para além de outras missões definidas na Cláusula 4ª da Parte B do Caderno de Encargos (por exemplo, missões de busca, de evacuação e de deslocação);
BB. A importância do interesse público e a relevância nacional, pública, económica e social destas operações e missões - verdadeiras missões de Estado – constituem factos públicos e notórios;
CC. Em conformidade com o objecto concursado e com os fins de interesse público inerentes às missões e operações a executar, e por forma a permitir não só a melhor prossecução do interesse público, como a ampla participação dos concorrentes do mercado habilitado a participar no procedimento, em condições de igualdade e de concorrência, foram definidas, de modo totalmente justificado, adequado, necessário, razoável e proporcional, as regras aplicáveis a este Concurso Público, nestas incluindo-se as referentes aos documentos que constituem as propostas a apresentar pelos concorrentes e, bem assim, as respeitantes às características, especificações e requisitos técnicos das aeronaves a locar;
DD. Ora, a maior parte dos documentos que, nos termos previstos no art. 9º do Programa do Concurso, deve constituir as propostas apresentadas pelos concorrentes, nestes se incluindo os manuais de voo das aeronaves propostas, indexados aos números de série das mesmas, respeitam às aeronaves a locar e destinam-se precisamente a comprovar a sua adequação às missões e operações a executar e aos serviços a prestar e bem assim a demonstrar que as mesmas reúnem as características técnicas e operacionais definidas no Caderno de Encargos e necessárias à prestação dos serviços a contratar;
EE. A exigência dos manuais de voo nada tem que ver com a demonstração da capacidade técnica e ou financeira dos concorrentes (a que se refere o art. 165º do CCP), nem com quaisquer situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes, mas tem unicamente que ver com as aeronaves a locar e com a demonstração de que as aeronaves em concreto propostas pelos concorrentes são adequadas às missões e operações a desempenhar e executar, na medida em que reúnem as características técnicas e operacionais exigidas para o efeito;
FF. E para tanto torna-se necessário que os concorrentes demonstrem que as aeronaves existem (ainda que se encontrem em processo de fabrico), pois caso contrário não é possível proceder à referida - e necessária – demonstração;
GG. Deste modo, a exigência da apresentação dos referidos manuais de voo afigura-se necessária, adequada, justificada e proporcional, face aos fins e efeitos a que se destina, não acarretando por isso, qualquer violação do princípio da concorrência ou do princípio da proporcionalidade, na medida em que não limita, e ainda muito menos, de forma substancial, o mercado de concorrentes habilitados a participar no procedimento, não condicionando, em consequência, o resultado do concurso, nem implica, além do mais, para nenhum dos concorrentes a realização de avultados investimentos;
HH. E ainda que acarretasse uma limitação do referido mercado - o que em absoluto não se concede e só por cautela de patrocínio se equaciona – ainda assim, o princípio da concorrência não sairia violado pois tal limitação sempre seria proporcional, igualitária e plenamente justificada, atento o objecto do concurso e as suas finalidades e a natureza do contrato a celebrar;
II. Sucede, que, a Autora, ora Recorrida, não alegou, na p.i., que ficou condicionada ou impedida de concorrer face às normas estabelecidas no Programa do Concurso;
JJ. A Autora apresentou efectivamente uma proposta para um dos lotes objecto do Concurso em apreciação nos presentes autos – o Lote 3 -, proposta essa que, de acordo com o relatório preliminar elaborado pelo júri do concurso, é inclusive, à data, a proposta adjudicatária;
KK. Caso se entenda que originariamente a Autora detinha legitimidade activa, ainda assim ter-se-á de considerar que, após ter apresentado proposta a concurso – o que aconteceu a 25 de Outubro de 2012 –, nada alegando, nos autos da acção ou do procedimento concursal, quanto à dificuldade ou condicionamento da sua apresentação, a Autora deixou de ter interesse em agir, ocorrendo uma situação de ilegitimidade activa superveniente;
LL. Decorre do facto de a Autora ter apresentado a concurso uma proposta para o lote 3, sem quaisquer reservas, que a presente lide não tem utilidade para a Autora pois o seu prosseguimento não lhe trará quaisquer consequências benéficas ou quaisquer efeitos práticos dignos de protecção jurídica, pelo que deverá ser extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos previstos no art. 287º, al. e) do CPC, aplicável ex vi art. 1º do CPTA.
Nestes termos, e nos demais de Direito cujo suprimento se espera e invoca, deve o presente recurso ser admitido e julgado totalmente provado e procedente e, nessa medida ser:
a) Declarada a falta de interesse em agir e a ilegitimidade activa superveniente da Autora ora Recorrida, com a consequente absolvição da instância, nos termos dos arts. 1º e 89° n.º 1 alínea d) do CPTA, e arts. 288º, n.º1, alínea e), 493º, n.º 2, e 494º, alínea e), estes do CPC;
b) Declarada a inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância, nos termos previstos no art. 287º, al. e) do CPC, aplicável ex vi art. 1º do CPTA;
c) Declarada a nulidade da sentença recorrida, nos termos previstos nas als. b) e c) do nº 1 do art. 668º do CPC, aplicável ex vi art. 1º do CPTA;
d) Alterada e ampliada a Matéria de Facto constante da sentença recorrida, nos termos supra descritos e previstos no art. 149º do CPTA e nos arts.685-B e 712º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 1º do CPTA;
Em qualquer caso,
e) Revogada ou anulada a sentença recorrida na parte em que julgou parcialmente procedente a Acção, com todas as consequências legais daí decorrentes.
I - Questões prévias.
1. O documento de fls. 836-843.
Dada a simplicidade da questão cabe desde já apreciar o seguinte sem necessidade de assegurar o contraditório.
A fls. 831-835, a H…, S.A., veio requerer a junção de um documento, a pronúncia da E… em sede de audiência prévia sobre o projecto de adjudicação do lote 3, invocando a sua relevância para “a descoberta da verdade”.
Aproveitou no entanto para desenvolver o requerimento com referências à postura da ora Recorrida que invocou as normas cuja legalidade aqui põe em causa precisamente para pedir a exclusão do consórcio formado pelas ora Recorrentes, do concurso.
Vejamos.
O documento em si mesmo é útil para a análise das questões tempestivamente suscitadas, da ilegitimidade activa e da inutilidade supervenientes.
E justifica-se a sua apresentação neste momento dado que apenas posteriormente à apresentação das suas alegações esta Recorrente teve conhecimento do documento em apreço.
No entanto a “verdade” que cabe ao Tribunal indagar é apenas a que constitui objecto do processo, neste caso o conteúdo das alegações das Recorrentes e a posição assumida pela Recorrida nas contra-alegações.
Não está previsto na lei um articulado de resposta às contra-alegações, o que o requerimento em apreço, para além da junção do documento, acaba por traduzir.
E suscita-se uma questão nova - a posição da Recorrida no procedimento administrativo, a invocar as normas que aqui quer ver declaradas ilegais para pedir a exclusão do consórcio concorrente, onde esta Recorrente se integra - que vai para além do objecto definido pelas conclusões das alegações nos recursos jurisdicionais; o que a lei também não prevê.
Assim, face ao disposto no invocado artigo 524º, n.º1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto nos artigos 1º e 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, admite-se a junção deste documento.
Mas, ao abrigo do disposto no artigo 265º, n.º1, do Código de Processo Civil, impõe-se ter como não escrito todo o teor do requerimento com excepção da parte em que pede a junção desse mesmo documento.
O que se determina.
2. A ilegitimidade superveniente e a inutilidade superveniente da lide.
Defendem as Recorrente que tendo a Recorrida, E…, apresentado uma proposta para o Lote 3 que foi admitida e até graduada em primeiro lugar, perdeu interesse na presente acção o que determina a sua ilegitimidade superveniente, com a consequente absolvição da instância, face ao disposto nos artigos 288° nº 1, alínea e), e 493°, n° 2, b), do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo Civil.
E a inutilidade superveniente da lide, o que, nos termos do disposto no artigo 287° e) do Código de Processo Civil determina a extinção da instância.
Mas sem razão.
Temos de ter por assente - porque a Recorrida aceita esse facto e está documentado - que apresentou uma proposta no âmbito do Lote 3 do Concurso aqui em causa.
Assim como está assente que apresentou, com a sua proposta, 25 manuais de aeronaves, nos termos exigidos pela alínea c) do n.º 3 do artigo 9.º do Programa de Concurso.
Sucede que o concurso em causa abrange outros lotes para além daquele a que se candidatou a Recorrida porque satisfez os requisitos exigidos pelo Programa.
E, por outro lado, as normas cuja ilegalidade põe em causa não são apenas as que dizem respeito a esse lote mas também as de idêntico conteúdo, que dizem respeito aos restantes lotes.
Pelo que apenas na parte da acção que se refere ao Lote 3 e apreciação da legalidade das normas relativas a este lote se poderia colocar em causa a manutenção do interesse em agir (legitimidade) e da utilidade da lide.
Mas mesmo nesta parte a Recorrente mantém a sua legitimidade e a lide a respectiva utilidade.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.12.2012, processo n.º 992/12 “só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica, pelo que não se pode considerar actividade inútil o prosseguimento do processo quando ele se destine a expurgar da ordem jurídica um acto ilegal e a proporcionar a tutela efectiva dos direitos daqueles a quem o mesmo atinge”.
E ainda que esteja apenas em causa a apreciação da legalidade do acto, a utilidade da lide mantém-se, pois que ”sendo a anulação de um acto um imperativo do princípio da legalidade, continua, sempre a haver utilidade no prosseguimento da lide que visa anular acto ferido de ilegalidade, ainda que esteja em causa acto de adjudicação de obra que se diz já estar concluída” – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.01.2001, recurso n.º 46.727. Neste sentido os acórdãos do mesmo Tribunal de 30.09.1997, recurso 38.858, de 23.09.1999, recurso 42.048, de 03.07.2002, processo n.º 028775, 30.10.2002, processo n.º 038242, e de 28.01.2004, processo n.º 047310.
Mesmo, portanto, em relação ao Lote 3 e às respectivas normas, cuja legalidade a ora Recorrida veio aqui discutir, se mantém a utilidade da lide e o seu interesse em agir.
A ora Recorrida tem interesse em discutir a legalidade das normas relativas ao Lote 3 a que se candidatou dado que, a entenderem-se ilegais, poderá vir a reclamar o ressarcimento dos invocados acréscimos de custos na apresentação da candidatura.
E que não se trata da mera junção de fotocópias dos manuais de voo pois, como adiante melhor se verá, as normas postas em crise exigem a titularidade, ao menos, de um contrato promessa relativo às aeronaves incluías em cada uma das propostas.
Improcedem pois a suscitada excepção de ilegitimidade activa e de inutilidade da lide.

*

II - Matéria de facto.
Nos recursos apresentados pelas Contra-Interessadas H… (arts. 7.º a 31.º), I… (pp. 6 a 11), H… (arts. 8.º a 45.º) e HTA (arts. 4.º a 31.º) são suscitadas as seguintes questões quanto ao julgamento da matéria de facto:
Em primeiro lugar, o ponto 8 da matéria dada como provada na sentença recorrida: “apenas quem é proprietário da aeronave ou é titular, relativamente a esta, de um contrato-promessa que lhe permita assegurar a disponibilidade do bem [contrato-promessa de compra e venda ou contrato-promessa de locação] é que dispõe do manual de voo, indexado ao número de série da aeronave”.
Este ponto - e toda a restante matéria de facto – resultou provado, na motivação apresentada pelo Tribunal a quo, “essencialmente da análise crítica dos documentos constantes do processo administrativo, bem da vontade concordante das partes”.
E bem, adianta-se.
Desde logo, face ao pedido de esclarecimento apresentado pela E… quanto às alíneas d) dos números 3, 4 e 5 do Programa do Concurso, as Entidades Adjudicantes esclareceram o seguinte (com sublinhado nosso):
“(…) as Entidades Adjudicantes estão a exigir a apresentação de manuais de voo indexados ao número de série das aeronaves com o propósito de se assegurarem de que as unidades de aeronaves que o concorrente se propõe locar existem efectivamente no mercado e que este tem um qualquer vínculo contratual com o respectivo fabricante ou proprietário (ainda que um mero contrato-promessa), o que lhe permite assegurar a disponibilidade das aeronaves” (Esclarecimento n.º 350, p. 180 da Resposta ao pedido de esclarecimentos, cujo extracto se junta, junto como documento n.º 2 às contra-alegações).
Também em resposta a um outro pedido de esclarecimento, as Entidades Adjudicantes declararam que “os concorrentes devem apresentar a versão integral do manual de voo de cada uma das aeronaves que integram o lote” (Esclarecimento n.º 2, p. 5, da Resposta ao pedido de esclarecimentos, cujo extracto se junta, junto como documento n.º 3 às contra-alegações).
Finalmente, as Entidades Adjudicantes, quando colocada a questão de as empresas concorrentes estarem em vias de adquirir aeronaves novas e ainda não entregues, esclareceram que poderia ser apresentada uma declaração do fabricante que confirmasse as características das aeronaves desde que se juntasse “uma declaração de compromisso do fabricante quanto à data de entrega das aeronaves ao concorrente” (cf. Esclarecimento n.º 4, p. 90-91 da Resposta ao pedido de esclarecimentos e documento n.º 2 às contra-alegações).
O que a própria Recorrente H.T.A. acaba por reconhecer no ponto 6 das suas alegações:
“A apresentação dos manuais destina-se assim a garantir a capacidade e idoneidade técnica dos concorrentes, nomeadamente a demonstrar perante as Entidades Adjudicantes que dispõem no seu certificado de operadoras ou através de sub-contratação dos meios necessários para assegurarem as operações objecto do concurso.”
E no ponto 7 da mesma peça:
“Esta exigência prende-se com os requisitos mínimos de capacidade previstos nos arts. 164 e 165 do CCP.”
Existe, portanto, prova documental bastante, sendo desnecessária a testemunhal, para fixar, como a sentença recorrida fixou, o facto em apreço.
E não se diga que o facto de a Recorrida ter apresentado a candidatura ao Lote 3 afasta esta realidade.
Isto porque a circunstância de se ter candidatado – e apenas – ao Lote 3 não demonstra, pelo contrário, que tinha capacidade financeira para satisfazer as exigências impostas pelas normas do concurso para todos os lotes.
E, por outro lado não está demonstrado, antes a circunstância de ter sido admitida a sua candidatura o corrobora, que a Recorrida não satisfez, quanto ao Lote 3 a que se candidatou, a exigência, ao menos, de “sub-contratação dos meios necessários para assegurarem as operações objecto do concurso”.
Foi, por tudo o exposto, correctamente fixado este facto.
Insurgem-se ainda as Recorrentes porque apesar de não constar, do elenco dos factos provados, mencionou-se na sentença recorrida, incorrectamente na sua perspectiva, que “em concursos anteriores, apenas era exigido o manual de voo genérico emitido pelo fabricante da aeronave fornecido pelo fabricante ou outro operador no mercado.”
Trata-se, na verdade, de um facto.
E, como tal, deveria constar da matéria assente até porque efectivamente está assente por acordo tal como decorre da posição assumida, em particular, pela Recorrente H… (veja-se o ponto 27 das suas alegações).
Não se refere aí, com efeito, que em todos os concursos anteriores as exigência eram menores. Apenas se diz que em concursos anteriores (alguns presume-se) assim sucedeu.
Tal facto deverá assim manter-se, no seu local adequado e com o esclarecimento de que tal circunstância apenas se verificou nalguns concursos anteriores.
Com total respeito pelas normas processuais pretensamente violadas, em particular pelo disposto no artigo 659º do Código de Processo Civil.
Devemos assim dar por assentes os seguintes factos:
Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 55/2012, publicada no Diário da República, 1.ª Série, n.º 128, de 4 de Julho de 2012, determinou-se que o INEM, I.P., procedesse, sob a forma de agrupamento de entidades adjudicantes, com a EMA, ao lançamento do procedimento concursal necessário à aquisição dos serviços de manutenção e operação dos meios aéreos próprios e dos serviços de disponibilização e locação de meios aéreos para a prossecução das missões públicas atribuídas ao Ministério da Administração Interna e ao INEM, I.P., durante os anos de 2013 a 2017.
2 – No Diário da República, II.ª Série, n.º 136, de 16 de julho de 2012, foi publicado o Anúncio de Procedimento n.º 2854/2012, com o seguinte teor:
MODELO DE ANÚNCIO DO CONCURSO PÚBLICO
1 - IDENTIFICAÇÃO E CONTACTOS DA ENTIDADE ADJUDICANTE
NIF e designação da entidade adjudicante:
…07 - EMA - …, SA.
…26 - INE, IP
Endereço: Av. CR… n.º -/- 3º
Código postal: 1000 ---
Localidade: Lisboa
Telefone: 00351 21… …
Fax: 00351 21… …
Endereço Electrónico: geral@ …. .pt
2 - OBJETO DO CONTRATO
Designação do contrato: Concurso Público n.º 04/EMA-2012
Descrição sucinta do objecto do contrato: Aquisição dos serviços de manutenção e operação dos meios aéreos próprios e locação de meios aéreos complementares para missões do Ministério da Administração Interna e do Instituto Nacional de Emergência Médica.
Tipo de Contrato: Aquisição de Serviços
Valor do preço base do procedimento 189291000.00 EUR
[…]
5 - DIVISÃO EM LOTES, SE FOR O CASO
Lote n.º 1
Designação do lote: Aquisição dos serviços de manutenção e operação das aeronaves médias próprias e do respectivo material de apoio operacional complementar, bem como dos serviços de actualização de manuais e publicações e de assistência técnica.
Preço base do lote: 64000000.00 EUR
[…]
Lote n.º 2
Designação do lote: Aquisição dos serviço de manutenção e operação das aeronaves ligeiras próprias e do respectivo material de apoio operacional complementar, bem como dos serviços de actualização de manuais e publicações e de assistência técnica.
Preço base do lote: 16500000.00 EUR
[…]
Lote n.º 3
Designação do lote: Locação de 25 aeronaves complementares (helicópteros ligeiros A), bem como aquisição dos correspectivos serviços de manutenção e operação.
Preço base do lote: 41323000.00 EUR
[…]
Lote n.º 4
Designação do lote: Locação de 8 aeronaves complementares (helicópteros médios), bem como a aquisição dos correspectivos serviços de manutenção e de operação.
Preço base do lote: 21288000.00 EUR
[…]
Lote n.º 5
Designação do lote: Locação de 4 aeronaves complementares (aviões anfíbios médios), bem como a aquisição dos correspectivos serviços de manutenção e operação.
Preço base do lote: 13680000.00 EUR
[…]
Lote n.º 6
Designação do lote: Locação de 4 aeronaves complementares (helicópteros ligeiros B), bem como a aquisição dos correspectivos serviços de manutenção e operação.
Preço base do lote: 32500000.00 EUR
Lote n.º 7
Designação do lote: Aquisição dos serviços manutenção e operação das aeronaves médias próprias, das aeronaves ligeiras próprias e do respectivo material de apoio operacional complementar, bem como dos serviços de actualização de manuais e publicações e de assistência técnica.
Preço base do lote: 80500000.00 EUR
[…]
Lote n.º 8
Designação do lote: Locação de 25 aeronaves complementares (helicópteros ligeiros A), de 8 aeronaves complementares (helicópteros médios), de 4 aeronaves complementares (aviões anfíbios médios) e de 4 aeronaves complementares (helicópteros ligeiros B), bem como a aquisição dos correspectivos serviços e de manutenção e operação.
Preço base do lote: 108791000.00 EUR
[…]
7 - PRAZO DE EXECUÇÃO DO CONTRATO
Restantes contratos
Prazo contratual de 60 meses a contar da celebração do contrato
[…]
12 - CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
Mais baixo preço
[…]
Regime de contratação: DL nº 18/2008, de 29.01
[….]”
[cfr. doc. 1 junto com a petição inicial do processo cautelar e cujo teor se tem por reproduzido]
3 – Constituem peças do procedimento do concurso o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos e respectivos anexos – disponíveis em suporte informático cujo teor se tem integralmente por reproduzido.
4 – As aeronaves complementares, cuja locação constitui objecto dos lotes 3 a 6 e 8 destinam-se à execução de missões de combate a incêndios florestais e missões de emergência médica.
5 – Os períodos de operação, no que tange aos lotes 3 a 5, iniciam-se, em regra, em Junho do próximo ano e, no que tange ao lote 6, no início de Janeiro de 2013 – cfr. cláusula 5.ª do Caderno de Encargos.
6 - O artigo 9.º do Programa de Concurso dispõe o seguinte:
“[…]
ARTIGO 9.º
Documentos que constituem as propostas
1. A proposta apresentada para o lote 1 deve ser constituída pelos seguintes documentos:
[…]
2. A proposta apresentada para o lote 2 deve ser constituída pelos seguintes documentos:
[…]
3. A proposta apresentada para o lote 3 deve ser constituída pelos seguintes documentos:
[…]
d) Manual de voo das AERONAVES COMPLEMENTARES (HELICÓPTEROS LIGEIROS A) propostas, indexado ao número de série da aeronave, incluindo obrigatoriamente as tabelas de pesos e centragens;
[…]
4. A proposta apresentada para o lote 4 deve ser constituída pelos seguintes documentos:
[…]
d) Manual de voo das AERONAVES COMPLEMENTARES (HELICÓPTEROS MÉDIOS) propostas, indexado ao número de série da aeronave, incluindo obrigatoriamente as tabelas de pesos e centragens;
[…]
5. A proposta apresentada para o lote 5 deve ser constituída pelos seguintes documentos:
[…]
d) Manual de voo das AERONAVES COMPLEMENTARES (AVIÕES ANFÍBIOS MÉDIOS) propostas, indexado ao número de série da aeronave, incluindo obrigatoriamente as tabelas de pesos e centragens;
[…]
6. A proposta apresentada para o lote 6 deve ser constituída pelos seguintes documentos:
[…]
d) Manual de voo das AERONAVES COMPLEMENTARES (HELICÓPTEROS LIGEIROS B) propostas, indexado ao número de série da aeronave, incluindo obrigatoriamente as tabelas de pesos e centragens;
8. A proposta apresentada para o lote 8 deve ser constituída pelos seguintes documentos:
[…]
c) Os documentos referidos nas alíneas c), d) e e) do n.º 3;
d) Os documentos referidos nas alíneas c), d) e e) do n.º 4;
e) Os documentos referidos nas alíneas c), d) e e) do n.º 5;
f) Os documentos referidos nas alíneas c), d), e) e f) do n.º 6;
[realce da nossa autoria]
7 – Da cláusula 4.ª, n.º 4 do Caderno de Encargos, parte A, que dispõe sobre as cláusulas jurídicas aplicáveis aos lotes 1, 2 e 7 consta o seguinte:
“CLÁUSULA 4.ª
Missões
[…]
4. As A… devem ainda estar permanentemente aptas a desempenhar missões no âmbito da emergência médica, incluindo, designadamente:
a) Transporte de equipas de emergência médica e/ou de coordenação;
b) Evacuações de emergência de vítimas de sinistros, doença súbita ou catástrofes;
c) Transporte inter-hospitalar de doentes;
d) Transporte relacionado com a colheita de órgãos.
8 – Apenas quem é proprietário da aeronave ou é titular, relativamente a esta, de um contrato-promessa que lhe permita assegurar a disponibilidade do bem [contrato-promessa de compra e venda ou contrato-promessa de locação] é que dispõe do manual de voo, indexado ao número de série da aeronave.
9 – As especificações técnicas das aeronaves que fazem parte do lote 6 constam do Anexo XVII ao Caderno de Encargos cujo teor se dá por reproduzido.
10- Em alguns concursos anteriores, apenas foi exigido o manual de voo genérico emitido pelo fabricante da aeronave fornecido pelo fabricante ou outro operador no mercado.
III - Enquadramento jurídico.
1. A nulidade da sentença.
Invocam as Recorrentes que a sentença é nula, nos termos do artigo 668º, nº 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil, por ter dado como assentes factos sem o necessário suporte probatório e a suficiente motivação.
A Recorrente H... acrescenta que a sentença é também nula por contradição; neste sentido entende que as citadas normas devem ser interpretadas no sentido de que a simples deficiência de fundamentação, de facto ou de direito, também determina a nulidade da sentença, assim como a indicação e um facto não provado como fundamento da decisão é gerador de contradição determinante de nulidade, face à imposição de fundamentação das decisões judiciais que decorre do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.
Mas em razão.
Apenas padece de nulidade a sentença que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (art.ºs 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07).
Não vemos razão para nos afastarmos deste entendimento, uniforme e secular.
A Constituição impõe o dever de fundamentar as decisões judiciais mas não estabelece o regime de invalidade decorrente da falta ou insuficiência da fundamentação.
E o legislador ordinário, do Código de Processo Civil, perante esta posição doutrinal e jurisprudencial anterior, não tomou diferente opção.
Quanto à contradição a que alude a alínea c) do n.º 1, do art.º 668º do Código de Processo Civil é uma incongruência lógica ou jurídica.
Esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar.
Ver neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.11.2005, no processo n.º 01051/05.
A nulidade aqui prevista pressupõe um vício lógico de raciocínio; “a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” - Alberto dos Reis, obra citada, p. 141; “nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, n.º 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 690; “se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” - Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, p.670).
Como diz Alberto dos Reis, obra citada, nas páginas 130 e 141, convirá notar que a contradição entre os fundamentos e a decisão nada tem a ver, seja com o erro material – contradição aparente, resultante de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real: escreveu-se uma coisa, quando se queria escrever outra –, seja com o erro de julgamento – decisão errada, mas voluntária, quanto ao enquadramento legal ou quanto à interpretação da lei; o erro material e o erro de julgamento não geram a nulidade da sentença, como sucede com a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, tão-só, e apenas, a sua rectificação ou a eventual revogação em via de recurso.
“Não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável…” - Antunes Varela, obra citada, página 686.
Também aqui não se vê qualquer inconstitucionalidade nesta interpretação da lei processual civil. A mesma mostra-se perfeitamente consentânea – aliás a única possível – com a exigência constitucional de fundamentação, clara e coerente, das decisões judiciais.
Sucede que a sentença recorrida fixou os factos necessários e suficientes para a decisão e apresentou a devida motivação, em particular os documentos juntos aos presentes autos e ao processo instrutor, bem como a posição das partes.
Sem qualquer erro de julgamento e apenas com a incorrecção formal de incluir no enquadramento jurídico um facto.
Sucede que este erro formal não constitui sequer qualquer irregularidade relevante e insanável; menos ainda uma qualquer nulidade.
Não se trata de qualquer insuficiência ou contradição, menos ainda insanável. Apenas a colocação, formal, de um facto no enquadramento jurídico.
Inexiste, pois, qualquer nulidade na decisão recorrida.
2. Os invocados erros de interpretação e aplicação do direito.
As Recorrentes imputam à decisão recorrida erro de julgamento, por entenderem não se verificar a violação dos princípios da concorrência e da proporcionalidade nas normas cuja ilegalidade foi posta aqui em causa, ao contrário do decidido.
Comecemos pelo princípio da concorrência.
O n.º 4 do artigo 1º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, determina:
“À contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência”.
Como se refere no acórdão do Tribunal de Contas n.º 40/2010, no processo n.º 1303/2010, “A mais livre e intensa concorrência possível é indissociável dos “interesses financeiros públicos, já que é em concorrência que se formam as propostas competitivas e que a entidade adjudicante pode escolher aquela que melhor e mais eficientemente satisfaça o fim pretendido. Donde resulta que para a formação de contratos públicos devem ser usados procedimentos que promovam o mais amplo acesso à contratação dos operadores económicos nela interessados na certeza de essa concorrência permitirá que surja deste jogo concorrencial, as melhores propostas possíveis”.
Também a propósito deste princípio Maria João Estorninho, Curso de Direito dos Contratos Públicos, 2012, Almedina, p. 391: o concurso público permite encontrar a melhor solução para o interesse público, uma vez que quantos mais interessados se apresentarem a querer negociar maior a possibilidade de escolha a entidade adjudicante terá e mais os concorrentes procurarão optimizar as suas propostas.
E para Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, 2011, págs. 185 a 187, o princípio da concorrência constitui “… a verdadeira trave-mestra da contratação pública uma espécie de umbrela principle …”, sendo que “… um procedimento concorrencial regulado pelo direito administrativo, realiza-se pública ou abertamente no mercado, através dele, dirigindo-se à concorrência aí existente, para que o maior número de pessoas ou empresas se interessem pela celebração do contrato em causa …”, na certeza de que a concorrência se manifesta na exigência de que “… dentro da modalidade escolhida os procedimentos de contratação pública sejam organizados de maneira a suscitar o interesse do maior (e melhor) número de candidatos ou concorrentes, abrindo-se tendencialmente a todos os que a eles queiram aceder (ou candidatar-se), sem quaisquer condições que tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência …”, tendo como corolário ou reflexo que salvo justificação pertinente “… os requisitos de acesso ao procedimento não deverem ser definidos de tal maneira (vg., por referência ao número e valores das obras ou serviços iguais ou similares já prestados ou à proveniência dos bens a fornecer) que resultem numa limitação desproporcionada do mercado com capacidade para participar nesse procedimento …”.
Finalmente, importa reter o que se decidiu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 16.12.2011, no processo n.º 00322/11.5 BEBRG, o princípio da concorrência “impõe, por um lado, que ninguém possa ser impedido de deduzir ou apresentar a sua candidatura em procedimento concursal pelo facto deste se mostrar disciplinado ou assente em exigências arbitrárias e, por outro lado, que cada candidatura apresentada seja avaliada de per si, ou seja, de acordo com os seus méritos e deméritos intrínsecos, sem que possam ou que sejam valoradas quaisquer situações, qualidades/características ou outros elementos de facto relativos aos candidatos/concorrentes ou que exijam pronúncias ou emissões de declarações de vontade de entes terceiros que aqueles candidatos/concorrentes não controlem ou não possam controlar e que condicionam a possibilidade de candidatura ou interfiram com os critérios de avaliação das propostas” (ponto IX do sumário).
E, mais adiante no mesmo acórdão: ”as entidades adjudicantes não podem, por exemplo, estabelecer requisitos de acesso ou de avaliação das propostas em termos tais de que resulte uma limitação desproporcionada e desigualitária quanto ao mercado habilitado a participar no procedimento ou então um condicionamento, ainda que potencial, dos resultados do próprio procedimento concursal. É que a definição dos factores de avaliação não poderá ser feita em abstracto sem qualquer ligação ao contrato que se visa vir a outorgar na sequência do procedimento de formação aberto, sendo que tal definição terá de considerar e de se ajustar ao objecto daquele contrato, na certeza de que na concretização dos requisitos terão sempre de estar presentes as exigências de proporcionalidade, de necessidade e de adequação à luz e atentos os termos do ulterior contrato, devendo ainda atentar nos deveres de prossecução do normal funcionamento do mercado e da protecção subjectiva dos potenciais concorrentes de molde a assegurar o mais amplo acesso aos procedimentos por parte dos interessados em contratar.”
O cerne da questão aqui a dirimir centra-se na exigência, constante das referidas normas, de os concorrentes apresentarem na sua proposta os manuais de voo das aeronaves a utilizar no âmbito da execução do contrato.
Tal como ficou provado e face aos esclarecimentos prestados no procedimento concursal apresentação desses documentos exige que o concorrente seja proprietário ou locatário das aeronaves ou tenha celebrado promessa de comprar ou locar essas mesmas aeronaves a quem seja o proprietário delas.
A obtenção destes documentos exige, portanto, um excessivo investimento, tendo em conta o conjunto de aeronaves dos lotes postos a concurso, desproporcionado para quem não tem a garantia de lhe ser adjudicado qualquer dos lotes.
Deixando naturalmente de fora a esmagadora maioria das empresas que pudessem estar interessadas e deixando a porta aberta apenas para as empresas, que já dispõe de tais equipamentos, designadamente em virtude de concursos anteriores.
O que constitui uma clara restrição à concorrência.
Restrição que se mostra desproporcionada para as finalidades do concurso.
O que nos reconduz à violação do segundo princípio, o da proporcionalidade.
Como se refere na decisão recorrida, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo tem sido tradicionalmente decomposto em três subprincípios constitutivos: 1 - o da conformidade ou adequação de meios; 2 - o da exigibilidade; e 3 - o da proporcionalidade stricto senso.
A adequação impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público seja apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes.
A exigibilidade a necessidade coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível. Assim, exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão.
A proporcionalidade em sentido estrito, visa-se apurar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim, trata-se, pois, de uma questão de “medida” ou “desmedida” para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim
Neste sentido Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina, págs. 266 e seguintes.
Reportando-nos de novo ao caso concreto, não justifica, desde logo, a restrição imposta com o fundamento apontada pelas Recorrentes, em particular a Recorrente H.T.A. de que a “apresentação dos manuais destina-se assim a garantir a capacidade e idoneidade técnica dos concorrentes, nomeadamente a demonstrar perante as Entidades Adjudicantes que dispõem no seu certificado de operadoras ou através de sub-contratação dos meios necessários para assegurarem as operações objecto do concurso.”
Isto porque nos termos do n.º 1 do artigo 75.º do Código dos Contratos Públicos a avaliação das propostas apresentadas não pode “dizer respeito, directa ou indirectamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes”.
Por isso, nos concursos públicos “a apresentação de uma proposta passa a ser uma possibilidade de qualquer interessado, sabendo que não irá ser analisada, ou de qualquer forma tida em conta, a respectiva capacidade, mas apenas as qualidades da sua proposta” .
Assim, como se decidiu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 07.10.2011, no processo n.º 225/11.3BECBR as exigências relativas à qualificação dos candidatos “são incompatíveis com o disposto no artigo 75.º do Código dos Contratos Públicos, onde se veda a utilização de factores de avaliação de propostas que digam respeito, directa ou indirectamente, a qualidades ou características dos concorrentes” (no mesmo sentido o acórdão deste Tribunal de 12.10.2012, no processo n.º 371/11.3BEBRG).
A exigência em causa também não se mostra necessária para as finalidades do concurso: tanto assim que houve outros concursos com o mesmo objecto e sem essa exigência.
Também não se justifica a restrição em causa para prevenir possíveis situações de incumprimento.
Isto porque o gravoso regime sancionatório regulado nos artigos 455º e seguintes do Código dos Contratos Públicos, dissuade situações de incumprimento doloso, antecipadamente conhecido dos concorrentes
Impõe-se, face ao exposto, manter a decisão impugnada.
IV. A má-fé processual da Recorrida.
Entendem as Recorrentes que a Recorrida agiu de má-fé por não dar a conhecer o facto de se ter sido aceite a candidatura desta ao Lote 3, por ter satisfeito as condicionantes normativas do concurso, determinante, na perspectiva daquelas, da superveniente inutilidade da lide e ilegitimidade activa.
Mas não existe conduta de má-fé por parte da Recorrida que justifique o seu sancionamento face ao disposto nos invocados artigos 266°, 266°-A e 456°, alínea c), do Código de Processo Civil.
A Recorrida veio sustentar uma tese que obteve ganho de causa no Tribunal Recorrido e neste Tribunal, sendo que o facto de ter sido admitida a sua candidatura a um dos lotes posto a concurso é, no caso, irrelevante, como se viu.
E ainda que assim não fosse, sempre seria aceitável o entendimento defendido pela Recorrida, da irrelevância desse facto para o destino da presente lide.
Termos em que se conclui não merecer a sua conduta processual a censura que as Recorrentes lhe fazem.

*

Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelas Recorrentes.

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Porto, 31 de Maio de 2013
Rogério Martins
João Beato de Sousa
Antero Salvador

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