quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

ACTO DE ADJUDICAÇÃO CONCURSAL - NULIDADE - ART. 133º DO CPA

Proc. Nº 4727/09  TCASul

O acto de adjudicação concursal datado de 25.06.2008, referente a uma prestação de serviços a executar em 2007, constitui um acto administrativo cujo objecto é impossível, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 133º do Cód. Proc. Administrativo, pelo que enferma de nulidade.

Acordam em conferência no 2º Juízo do TCA Sul

1. Relatório.
S..., S.A., intentou no TAF de Sintra acção administrativa especial de impugnação de actos administrativos relativos a formação de contratos, nos termos e para os efeitos do artigo 100º e seguintes do CPTA, destinada a impugnar o concurso público para prestação de serviços de segurança e vigilância das instalações do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE (Hospital S. José, Hospital dos Capuchos e Desterro, e Hospital D. Estefânia), para o ano de 2007, contra o Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, e as contrainteressadas V... Vigilância Prevenção e Segurança, Lda, P... Empresa de Segurança S.A., C... Segurança Privada, S.A., G..., Vigilância e Prevenção Electrónica, Lda, 2... Empresa de Segurança, S.A. e P... Companhia de Segurança, Lda.
Por sentença de 23.10.2008, a Mma. Juiz do TAF de Sintra, julgou a acção improcedente, declarando nulo o acto de adjudicação.
Inconformado, o Centro Hospitalar de Lisboa interpôs recurso jurisdicional para este TCASul, em cujas alegações enunciou as conclusões de fls. 13 e seguintes, nas quais imputa à sentença recorrida a violação da alínea c) do nº 2 do artigo 133º do CPA, da alínea a) do nº 1 do art. 58º do Dec-Lei nº 197/99, de 8 de Junho, e dos princípios do “utile per inutile non vitiatur”, ou do aproveitamento do procedimento concursal, “pacta sunt servanda” e da protecção da confiança e da boa fé.
A Securitas Serviços e Tecnologia de Segurança, S.A. contraalegou, pugnando pela manutenção do julgado.
O Digno Magistrado do MºPº emitiu douto parecer no sentido de ser julgado improcedente o recurso.

2. Matéria de Facto.
A sentença recorrida considerou indiciariamente adquirida a seguinte matéria de facto:
a) Em 14.06.2007 foi publicado no Diário da República, II Série, o anúncio de abertura do concurso para prestação de serviços de segurança e vigilância das instalações do Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.;
b) O anúncio de abertura do concurso previu como prazo de duração do contrato ou prazo para a sua execução, o período de 1.11.2007 a 31.12.2007
c) Constitui a regulamentação escrita do concurso, o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos;
d) Foi definido como critério a proposta economicamente mais vantajosa, nos termos da Acta nº 1, de 21.06.2007, e foram definidos os sub-critérios densificadores do critério de adjudicação: Preço 80% e Mérito Técnico da Proposta 20%, nos seguintes termos:
“1. Preço 80%
2. Mérito Técnico da Proposta 20%
Para avaliação do mérito Técnico da proposta o Juri efectuará uma avaliação qualitativa e quantitativa, considerando os seguintes sub-critérios.
2.1. Plano de rondas e sistemas de controlo e garantia da qualidade a implementar nos Hospitais do Centro Hospitalar 6%
(…)
2.1.3 - Sistema de Controlo da Qualidade a aplicar na execução do contrato 1%
O Juri valoriza as propostas dos concorrentes que apresentem sistemas de controlo da qualidade ou metodologias com certificação de qualidade emitidos por organismos independentes para a prestação dos serviços objecto do presente concurso de acordo com os requisitos da Norma NP EN ISSO 900/200 (…)” cfr. Acta nº 1, junta aos autos;
e) A ora A. e as contrainteressadas identificadas em juízo apresentaram proposta ao concurso;
f) Nos dias 5, 6, 7, 8 e 9 de Novembro de 2007, reuniu o juri do concurso a fim de proceder à avaliação das propostas apresentadas a concurso, elaborando o projecto de Relatório Final, tendo graduado a Viprese em 1º lugar, com 91,17 pontos, e a ora A. Securitas em 2º lugar, com 90.71 pontos, seguidas das demais concorrentes;
g) Em 4.01.2008, a ora A. pronunciou-se em audiência prévia (cfr. doc. 14, junto aos autos);
h) Em 29.02.2008, o Juri do concurso remeteu ofício à Viprese, com conhecimento a todos os concorrentes, notificando-a para em 10 dias se pronunciar sobre as questões alegadas pela ora A., em sede de audiência prévia;
i) A Viprese respondeu, em 10.03.2008, dizendo que os seus preços reflectiam os custos directos acrescidos de uma reduzida margem de lucro;
j) Em 15, 16, 17 e 18 de Abril de 2008, reuniu o Juri do Concurso, a fim de apreciar as reclamações apresentadas em sede de audiência prévia e esc a melhor proposta, elaborando o Relatório Final, no qual se pode ler:
“(…) 1.6. O Juri, atento às alegações da V.. e da P..., considera o seguinte:
1.7. A V... apresentou a sua proposta alicerçada num valor global dos custos para a prestação do serviço ao Centro Hospitalar (…);
2.1. Porque em verdade, o preço final apresentado para a prestação do serviço posto a concurso era fundamental para a discussão e para a pontuação dos concorrentes, não era afectado;
22. Assim, o Juri do concurso não considera que tal falha seja motivo de exclusão da concorrente V... (…)
24. Das alegações da Securitas
(…)
27. Verificamos que, para o mesmo serviço e para as mesmas condições de trabalho, a V... apresenta um lucro de 1.377.13 €uros e a SECURITAS de 2.133.47 €uros;
28. Verificamos também que a V... apresenta custos indirectos na ordem dos 2,97% dos custos totais, enquanto a Securitas apresenta um valor significativamente superior (5,71%);
29. Ora, se a S... tivesse prescindido de um lucro significativamente superior à V..., por certo o resultado do concurso poderia ter sido outro, e o Juri não poderia ter sido acusado de imparcialidade e de uso indevido da sua competência
30. De facto, se os custos indirectos e as margens de lucro da concorrente S... fossem de igual valor percentual ao apresentado pela concorrente V..., o valor total da proposta da Securitas seria de 75.369,72 €uros, e não o apresentado de 77.630.00 €uros, o que permitiria a esta concorrente, sem mais, obter, após aplicação da formula estipulada para classificação do preço, a pontuação de 73,11 pontos, o que a colocaria em posição de poder vencer o concurso (…)”, deliberando não considerar as reclamações apresentadas e manter a classificação anteriormente atribuída, propondo a adjudicando à empresa V.. cfr. doc. 8 junto ao proc. cautelar e doc. 6 junto aos autos);
k) Por despacho de 25.06.2008, o C.A. do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, adjudicou o objecto do concurso à contra-interessada V...;
l) A Autora foi notificada do despacho que antecede por ofício de 14.07.2008;
m) A Autora encontra-se a prestar serviços de segurança para a entidade pública requerida em área abrangida pelo concurso, o Hospital de S. José;
n) A ora A. instaurou autos de processo cautelar em 29.07.2008, mediante envio por correio electrónico, os quais seguiram termos por correio electrónico sob o nº 816/08 0BESNT, encontrando-se apensos aos presentes autos;
o) A A. instaurou a presente acção de contencioso pré-contratual em 12.08.2008, mediante envio por correio electrónico.
x x
3. Direito Aplicável
Nas conclusões das suas alegações, o Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, imputa à sentença recorrida a violação da alínea c) do nº 2 do artigo 133º do C.P.A., da alínea a) do nº 1 do artigo 58º do Dec-Lei nº 197/99, de 8 de Junho, e dos princípios “utile per inutile non vitiatur”, ou do aproveitamento do procedimento concursal, “pacta sunt servanda”, e da protecção da confiança e da boa fé.
Para tanto, alega que a indicação do ano a que se destina a prestação de serviços concursada não constitui um elemento essencial do objecto do concurso, e que o acto de adjudicação praticado não consubstancia a prática de um acto nulo, nos termos previstos na alínea c) do número 2 do artigo 133º do C.P.A., visto que é juridicamente possível (conclusões 1ª a 4ª).
Segundo o recorrente, é de aplicar no caso concreto o princípio do utile per inutile non vitiatur, ou do aproveitamento do procedimento concursal, com vista a garantir o interesse público do procedimento concursal de um serviço essencial ao funcionamento de qualquer unidade hospitalar, bem como o princípio do aproveitamento do procedimento, o qual determina, no caso concreto, que em vez de o contrato ser executado nos meses de Novembro de 2007, sê-lo-á nos mesmos meses, Novembro e Dezembro de 2007, devendo prevalecer a substância sobre a forma (conclusões 5ª e 6ª).
Ainda na tese do recorrente, tributam a favor da solução preconizada os princípios “pacta sunt servanda” e da protecção da confiança e boa fé do adjudicatário no procedimento de 2007, plasmados no artigo 266º da CRP e no artigo 6º A do CPA (conclusão 7ª).
Por último, entende o recorrente que não é aplicável ao concurso “sub judice” a alínea a) do nº 1 do artigo 58º do Dec. Lei nº 197/99 (conclusão 8ª).
Salvo o devido respeito, entendemos que o recorrente não tem razão.
A sentença recorrida considerou, no essencial, que o acto de adjudicação datado de 25.06.2008, referente a uma prestação de serviços a executar em 2007, constitui um acto administrativo cujo objecto é impossível, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 133º do Cód. Proc. Administrativo, pelo que enferma de nulidade.
Observa a mesma decisão que todas as propostas foram apresentadas com valores para 2007, pelo que, em consequência, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 58º do Dec-Lei nº 197/99, a entidade adjudicante estava obrigado estava obrigada a anular o procedimento concursal, não funcionando aqui o princípio da parte final do artigo 56º do Cod. Proc. Administrativo, segundo o qual a Administração procedimental pode “decidir coisa mais ampla ou diferente” do que da que se propusera, pois, pelo contrário, os concorrentes têm o direito ao bem em vista do qual o procedimento foi aberto e o contrato deve ser celebrado em conformidade com o que resulta dos termos desse procedimento.
Assim, no caso trazido a juízo, pretende a Administração adjudicar uma prestação de serviços que já foi prestada por outros e que é impossível por natureza de ser prestado.
A nosso ver a sentença recorrida julgou correctamente.
Senão vejamos:
O anúncio de abertura do concurso previu como prazo de execução do contrato o período de 1.11.2007 a 31.12.2007 (cfr. alínea b) da factualidade assente), constituindo a regulamentação do concurso o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos (cfr. alínea c) da factualidade assente).
Ao procedimento contratual trazido a juízo pela Autora é aplicável o regime jurídico previsto no Dec-Lei nº 197/99, de 8 de Junho, bem como o artigo 100º e seguintes do CPTA, relativo a impugnação urgente de actos administrativos.
E estamos, como notou a sentença recorrida, “perante um procedimento administrativo de concurso público, relativo a formação de contrato de prestação ou fornecimento de serviços, sujeito ao disposto no Dec-Lei nº 197/99, de 8 de Junho, que estabelece o regime jurídico de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços.
O caderno de encargos do procedimento concursal em análise define como objecto do concurso “a prestação de Serviços de Segurança e vigilância das instalações do Centro Hospitalar de Lisboa Central EPE, para 2007”.
Como é sabido, o caderno de encargos é o documento que contém, ordenado por artigos numerados, as clausulas jurídicas e técnicas, gerais e especiais, a incluir no contrato a celebrar” (cfr. artigo 42º do Dec-Lei nº 197/99, de 8 de Junho).
E é inequívoco que o período temporal do contrato a celebrar foi definido, por opção da entidade adjudicante, para os meses de Novembro e Dezembro de 2007, sendo este, a nosso ver, um elemento essencial do objecto do concurso, destinado a prever a satisfação das necessidades de segurança da Administração durante o período em causa.
E isto, como refere, como refere o Digno Magistrado do MºPº, “desde logo para efeitos de verificação do cabimento orçamental da despesa, bem como as regras da transparência e da concorrência ínsitas a qualquer concurso, sob pena de ficar na disponibilidade do adjudicante a escolha do período a que se reporta do período a que se reporta a prestação do serviço, após a apresentação das propostas.
Assim, situando-se o pertinente acto de adjudicação em 25.06.2008, tal acto é, manifestamente, um acto cujo objecto é impossível, quer juridicamente , quer de facto, pois que se não vislumbra como possa aquela adjudicação produzir os respectivos efeitos para um período de tempo já esgotado ou passado (Novembro e Dezembro de 2007)”.
“Por outro lado, e ao contrário do defendido pela recorrente, não tem aqui aplicação o disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 86º do Decreto-Lei nº 197/99, pois que tal norma legal apenas permite a possibilidade de, findo o objecto do concurso, poder haver lugar ao procedimento de ajuste directo.
Sucede, porém, que o ajuste directo, tal como se entendeu na decisão recorrida, pressupõe e existência e validade do primeiro procedimento concursal, na base do qual este é celebrado.
Ora, no caso, nunca chegou a existir qualquer prestação do serviço à luz do concurso em apreço, pela que tal prestação inexiste.
Não se verifica, portanto, a violação do princípio “pacta sunt servanda”. –
Finalmente, e por via da disposição constante da alíne a) do artigo 58º do Dec-Lei nº 197/99, havendo que alterar a data de execução do contrato, sempre o procedimento concursal deveria ser anulado.
Bem andou, pois, a sentença recorrida, ao concluir pela procedência da presente acção administrativa especial, por provado o vício de violação de lei, uma vez que o acto de adjudicação impugnado se mostra impossível, de facto e de direito, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 133º do Cód. Proc. Administrativo.
x x
4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela entidade demandada em ambas as instâncias, com redução a metade (artigo 73º E, do Código das Custas Judiciais).

Lisboa, 12.02.09

as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Mário Frederico Gonçalves Pereira
António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos

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