sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

EMPREITADA - HABILITAÇÃO DO EMPREITEIRO - CONSÓRCIOS OU AGRUPAMENTOS DE EMPRESAS

Proc.  939/11  STA   5.1.2012

I - Nos termos do artigo 31.º, n.º 2, do DL n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, a habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo;
II - A norma contida no artigo 31.º, n.º 2, é imediatamente aplicável, sem necessidade de qualquer intermediação do programa de concurso;
III - Violaria aquela disposição legal o programa de concurso que contivesse regra contrária;
IV - O artigo 26.º, n.º 2, do DL n.º 12/2004, deve ser interpretado com o sentido de que os consórcios ou agrupamentos de empresas aproveitam das habilitações das empresas associadas, desde que uma das empresas de construção detenha a habilitação que cubra o valor total da obra e respeite ao tipo de trabalhos mais expressivo e cada uma das outras empresas de construção a habilitação que cubra o valor da parte da obra que se propõe executar

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1
1.1. A………, S.A., propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro contra o MUNICÍPIO DE OLIVEIRA DO BAIRRO uma acção de contencioso pré-contratual relativo ao Concurso Publico para adjudicação da empreitada de obra pública denominada "CONSTRUÇÃO DA ESCOLA DO 1.º CICLO DO ENSINO BÁSICO E EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR DE BUSTOS", cujo respectivo anúncio foi publicado no Diário da República, 2a Série, nº 108, de 05-06-2008.
Como contrainteressados indicou:
(1) Consórcio das empresas B………, SA, e C………, LDA.
(2) D………, SA,
(3) E………, LDA., com
Formulou o pedido de que
«a) seja declarado que o acto administrativo de adjudicação praticado pelo R. – Município de Oliveira, de adjudicação ao concorrente consórcio B………, S.A. E C………, LDA.- assenta em errados pressupostos de facto e de direito;
b) Seja julgado nulo o acto administrativo referido no ponto anterior;
c) Seja julgado nulo e ineficaz tudo quanto tenha sido posteriormente praticado após o referido acto de adjudicação;
d) Seja condenado o Réu a repor tudo no estado anterior ao acto de adjudicação;
e) Seja excluído o concorrente constituído pelo Consórcio das firmas B………, S.A. E C………, LDA., atentos os motivos e fundamentos Supra expostos;
e) Seja excluir o concorrente D………,S.A., atentos os motivos e fundamentos supra exposto;
f) Seja corrigido, nos termos supra expostos, caso se entenda que não existe fundamento de exclusão do concorrente D………, S.A., no que se não consente nem concede e só por mera hipótese se concebe, as classificações atribuídas à proposta deste concorrente D………, S.A., para os valores supra expostos;
h) Seja corrigido, nos termos supra expostos as classificações atribuídas ao concorrente A………. S.A., - aqui Autora, para os valores supra expostos;
i) Seja reordenada a classificação final dos concorrentes do concurso ora em crise, devendo a classificação final do presente concurso passar a ser uma classificação final onde conste que a Autora é classificada em primeiro lugar;
j) Seja proferida decisão que adjudique a empreitada, objecto do presente concurso, à concorrente A………. S.A, aqui Autora, por ser esta a única decisão justa, legal, equitativa e possível no presente procedimento concursal».
Subsidiariamente, formulou pedido de indemnização.
1.2. Por sentença (de 5.4.2011, fls. 692/736,), o TACF de Aveiro veio a ponderar e decidir no seu segmento final:
«Tendo-se concluído pela ilegalidade da admissão ao concurso do consórcio formado pelas empresas B………, SA, e C………, LDA., não obstante tenham sido julgadas improcedentes as demais causas de invalidade, forçoso é julgar procedente, com tal fundamento, o pedido impugnatório dirigido ao acto de adjudicação, anulando-se o mesmo com todas as consequências legais.
[…]
[…] anulado o ato cumpre ao réu proceder, em conformidade com o regime de execução de sentença anulatória previsto nos artigos 173º e seguintes do CPTA, reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no facto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado, podendo ficar constituído no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, bem como no dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação - é o que resulta do disposto no art. 173° nºs 1 e 2 do CPTA.
No que vai, assim, o Réu, condenado - artigo 71° do CPTA.
***
DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se procedente a ação, concedendo-se procedência ao pedido impugnatório dirigido ao ato de adjudicação pelos fundamentos expostos, com todas as consequências legais.
Custas pelo Réu nos termos da Tabela 11 anexa ao Regulamento das Custas Processuais - artigo 446° n° 1 do CPC e artigo 7° n° 1 do RCP».
1.3. Dessa sentença interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte a Autora, o Município réu e o consórcio B………, SA, e C………, LDA.
1.4. Aquele Tribunal, por acórdão de fls. 1079/1158, negou provimento a todos os recursos.
1.5. É desse acórdão que o Município de Oliveira do Bairro e consórcio B………, SA, e C………, LDA interpõem para este Supremo Tribunal Administrativo o presente recurso de revista, sob invocação do artigo 150º do CPTA.
1.6. O Município de Oliveira do Bairro conclui nas respectivas alegações:
«1. O presente recurso vem interposto do Acórdão do TCA Norte, que confirmou a sentença de primeira instância proferida nos presentes autos que têm por objecto a adjudicação da empreitada de obra pública de "Construção da Escola do 1.º Ciclo do Ensino Básico e Educação Pré-Escolar de Bustos".
2. As questões que se colocam nos presentes autos relacionam-se com a legalidade da admissão e da adjudicação do concurso público a um Consórcio, constituído por duas empresas, tendo ambas alvará de empreiteiro ou construtor geral e sendo um deles (o Alvará da C………, Lda) de classe 5, sendo ainda necessário abordar as questões da inconstitucionalidade do programa do concurso (ou da interpretação que dele é feita), por violação do direito/liberdade fundamental de iniciativa económica privada (art. 61.º da CRP), e, por último, da legitimidade da Autora A……….
3. As questões que se debatem nos presentes revestem-se de uma particular relevância social, pois, na eventualidade de o acórdão recorrido ser mantido, a execução da construção da Escola de Bustos (que se encontra a ser executada pelo Consórcio) poderá ter que parar, por tempo indeterminado, colocando-se, assim mesmo, em causa a abertura do ano lectivo 2012/2013, com claro prejuízo para o interesse público em geral e o da comunidade escolar, em particular (sendo que a Escola irá servir, pelo menos, cerca de 144 alunos no 1.º Ciclo e 72 alunos do ensino pré-escolar).
4. Tudo isto quando as existentes instalações escolares são vetustas, obsoletas e degradadas, não dando, assim, o mínimo cumprimento aos direitos fundamentais ao ensino e acesso a uma educação de qualidade, com equipamentos e tecnologias adequadas à vida moderna e à própria dignidade da pessoa humana e ao desenvolvimento da personalidade, como supra se alegou (cfr. arts. 2.º, 9.º, aI. d) e f), 26.º, 74.º e ss. 81.º, a), todos da CRP).
5. O investimento público na construção da Escola de Bustos traduz-se no valor de € 2.408.167,08, acrescido do IVA à taxa legal em vigor (cfr. ponto 18 da matéria de facto provada) sendo que, caso a execução da obra tenha de ser paralisada e sejam incumpridos os prazos de conclusão, o Município corre o risco de perder o financiamento do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional), Que representa 80% do valor total do investimento, ou seja, cerca de € 1.970.342,00, correndo, assim, o risco de não poder concluir a construção da Escola (por falta de verbas, atento o estado depauperado das finanças locais, que é facto notório) ou, pelo menos, correndo o risco de ter se endividar em termos brutais para o efeito (o que, actualmente, nem será permitido) ou até de entrar em insolvência financeira, por falta de fundos.
6. Além disso e agudizando o que vimos de referir, a problemática em apreço reproduz-se, já actualmente, em diversos outros processos judiciais (em que se discute igualmente a legalidade da admissão e da adjudicação ao Consórcio em termos em tudo idênticos aos dos presentes autos): referimo-nos às adjudicações da construção da Escola de Oiã Poente (processo n.º 1076/10.8BEAVR, que corre termos no TCA Norte), da Escola de Vila Verde (processo n.º 278/11.2BEAVR, que corre termos no TAF de Aveiro) e da Escola de Oiã Nascente (processo n.º 413/11.4BEAVR e processo n.º 355/11.1BEAVR, correndo ambos termos no TAF de Aveiro).
7. Representando, assim, estas 4 escolas, um investimento público total (maioritariamente financiado pelo QREN) de valor superior a € 10 milhões de euros e que envolve um interesse comunitário particularmente importante, que se subjectiva em centenas, centenas e centenas de pessoas (alunos, funcionários, professores, para não falar, pelo menos, das famílias dos alunos), prevendo-se, pois, que a questão da legalidade da admissão e adjudicação ao consórcio se possam repetir, em breve, em diversos outros processos, apresentando capacidade de se expandir com reflexo em diversos casos, quer presentes, quer futuros - ultrapassando, pois e assim, os interesses em jogo os estritos limites do caso concreto e da esfera jurídica do recorrente, justificando-se, com evidência, a admissibilidade deste recurso de revista.
8. Por outro lado, as questões jurídicas que se colocam nos presentes autos (envolvendo a análise e interpretação, entre o muito mais, dos arts. 12.º, 26.º e 31.º do DL 12/2004, da Portaria n.º 104/2001, do Programa do Concurso, dos arts. 54.º e 57.º do RJEOP, do princípio da concorrência e da livre iniciativa privada, no concreto circunstancialismo de facto que entretece o caso em apreço, e envolvendo ainda conceitos indeterminados, como por exemplo "habilitação de empreiteiro geral") são de particular relevância jurídica, sendo patente a complexidade das operações lógicas e jurídicas indispensáveis para a resolução do caso.
9. Cumulativamente, e como demonstrámos relativamente a cada uma das questões que trazemos a este alto STA, a decisão recorrida afronta jurisprudência superior, quer seja deste STA, quer seja do Tribunal de Contas, quer seja do Tribunal Constitucional, revelando-se os erros de julgamento gravíssimos e ostensivos, e sendo, por conseguinte, a intervenção do STA claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nos termos do art. 150.º do CPTA.
******
10. Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 668.º, n.º 1, aI. d), 660.º, n.º 2 e 731.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1.º do CPTA.
11. Quer no que concerne à questão da alteração e revogação da Portaria n.º 114/2001 e dos concretos programas de concurso que violem o estatuído no DL 12/2004 (designadamente, os arts. 26.º e 31.º) - questão que foi levada às conclusões n.º 5, 10 e 11 das alegações de recurso para o TCA Norte, cujo conhecimento não foi prejudicado pela solução dada a qualquer outra questão, e que não foi, como devia, decidida pelo acórdão recorrido.
12. Quer no que respeita à questão da aplicação do princípio utile per inutile nom vitiatur, que foi levada às conclusões n.º 26 e 27 das alegações de recurso, pelo que, tendo sido suscitada, deveria ter sido apreciada, não tendo sido o seu conhecimento prejudicado pela solução dada a qualquer outra questão, como, por exemplo, a da legitimidade da A A………, pois a questão da aplicação do princípio utile per inutile nom vitiatur reveste-se de importância fundamental e independente da própria questão da legitimidade (em que não se esgota).
13. A primeira questão que se debate nos autos consiste em saber se, no caso das firmas que compõem um consórcio supostamente não apresentarem todas as autorizações para todas as subcategorias referidas no Ponto 6.2 do Programa do Concurso (o que, no entendimento do Tribunal a quo, seria determinado pelo Ponto 9.1), é suficiente a habilitação como empreiteiro ou construtor geral, adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, nos termos do art. 31.º do DL 12/2004.
14. Além de o Programa do Concurso no ponto 9 remeter para o ponto 15 e o ponto 15.2 remeter, apenas e expressamente, para o ponto 6.1 (e não para o ponto 6.2, ao contrário do que faz o modelo de programa de concurso constante da Portaria n.º 104/2001, de 21/02) e não permitir, assim, a sua aplicação, de acordo com o disposto no art. 9.º, n.º 2 do CC, aquela questão encontra-se resolvida pelo artigo 31.º, n.º 2 do Decreto-Lei 12/2004.
15. Ao contrário do que, em patente erro de julgamento, sustenta o acórdão recorrido, de acordo com o n.º 2 daquele normativo legal, a habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral serve para dispensar não só a exigência de "uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra", como para dispensar a "exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes", ambas previstas no n.º 1 do art. 31.º - pelo menos, por argumento de maioria de razão.
16. O que facilmente se compreende se se atentar no art. 12.º do mesmo diploma legal, que determina que o título de empreiteiro geral ou construtor geral de uma dada categoria habilita a coordenar não só a execução dos trabalhos enquadráveis nas subcategorias dessa categoria (no valor da classe para a qual está habilitado nessa categoria), mas também, acentue-se bem, nas subcategorias de outras categorias, desde que necessárias para a concretização da obra - e isto desde que a classe do respectivo alvará cubra o valor total da proposta, como sucede no presente caso.
17. Seja como for, certo é que no ponto 6.2, a) do PC não exige outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes (hipótese do art. 31.º, n.º 1, in fine), exigindo, sim, uma de duas subcategorias em classe que cubra o valor global da obra (hipótese da 1.ª parte do art. 31.º, n.º 1), o que expressamente é dispensado pelo art. 31.º, n.º 2.
18. Sendo este o entendimento o entendimento pacífico da jurisprudência do Tribunal de Contas - cfr. arestos citados no texto das alegações.
19. Além disso, o Tribunal a quo devia ter entendido terem sido revogadas as cláusulas da Portaria e dos concretos Programas de Concurso no que especificamente afrontem o estatuído no posterior Decreto-Lei n.º 12/2004, bastando para ser validamente admitido a concurso, nos termos do art. 31.º, n.º 2 do DL 12/2004, a habilitação de empreiteiro ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, como é o caso dos autos, tanto mais que este art. 31.º do DL 12/2004 é posterior à Portaria n.º 104/2001 e, além de ser posterior ao art. 54.º do RJEOP, constitui norma especial, derrogando, assim, a norma geral anterior, sendo certo que o PC, por seu turno, como regulamento administrativo que é, tem de coadunar-se e respeitar a lei vigente e não o inverso - como sustenta o citado Ac. n.º 02/2010 do TC.
20. O acórdão recorrido padece, assim, de flagrante erro de julgamento por afronta do art. 9.º, n.º 2 do CC, dos arts. 31.º, n.º 1 e 2 e 57.º, nº 1 do RJEOP, dos arts. 61.º, 17.º, 18.º da CRP, e do princípio da concorrência, nos termos melhor explanados nas alegações de recurso interposto para o TCA Norte e que aqui se consideram, por razões de economia processual, devidamente reproduzidas.
21. A segunda questão que se coloca é a de saber se para ser admitido a concurso público é necessário que cada uma das empresas de um consórcio detenha, per si, a habilitação exigida pelo ordenamento jurídico ou se é suficiente que apenas uma das empresas consorciadas disponha da habilitação necessária para que o consórcio se deva considerar habilitado a concorrer e a integrar validamente o concurso.
22. Quanto a esta matéria, já este STA se referiu expressamente, nos seus arestos proferidos no proc. nº 191/02, em 17/04/2002, e no proc. 01394/02, de 06/11/2002, que formaram firme jurisprudência nesta matéria, que tem sido seguida pelo Tribunal de Contas, que, inclusivamente, já decidiu recusar o visto a contratos públicos por exclusões ilegais de consórcios - cfr. arestos citados supra nas alegações.
23. Seguindo o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, não se compreende qual seria, então, a utilidade prática da apresentação de uma proposta em consórcio, nestes casos, como o dos autos, em que ambas as empresas do consórcio dispõem do Iicenciamento administrativo (alvará de empreiteiro geral ou construtor geral), sendo que uma delas detinha alvará, desde a apresentação da proposta, em classe que cobria o valor global da obra, e a outra dispunha de alvará em classe que cobria o valor da obra que se propõe executar - sendo que ainda antes da decisão final sobre a admissão do consórcio a outra empresa do consórcio comprovou a titularidade de alvará de classe 5, o que sempre permitiria o aproveitamento dos posteriores actos de admissão e de adjudicação, ao contrário do que, em patente erro de julgamento, o Tribunal recorrido decidiu.
24. Depois, e como é jurisprudência corrente, o Programa do Concurso reveste a natureza de um regulamento administrativo que auto-vincula a Administração, todavia este regulamento deve obediência ao ordenamento jurídico-Iegal, e, no caso de existência de um conflito entre normas regulamentares e normas legais, têm necessariamente de prevalecer as normas previstas na lei, não se podendo excluir candidatos com base em normas regulamentares ilegais ou mesmo inconstitucionais - cfr. pronúncia do Magistrado do Ministério Público junto do TCA Norte, no âmbito do processo n.º 1076/10.8BEAVR; cfr. Aresto do STA, de 11/04/2000, apud Jorge Andrade da Silva, Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, 7.ª ed., pág. 181; Ac. do STA de 17/01/2001 ou Ac. STA de 14/04/2004, no proc. n.º 0299/04.
25. O erro de julgamento do Acórdão recorrido é, assim e uma vez mais, evidente, por violação, entre o mais, do art. 26.º, n.º 2 do DL 12/2002, do art. 57.º do RJEOP, do art. 112.º da CRP, do princípio do aproveitamento dos actos administrativos, sendo imperativa a admissão e a procedência do presente recurso para melhor aplicação do direito.
26. A terceira questão que se levanta prende-se com a invocada inconstitucionalidade do ponto 9.1 (em articulação com os pontos 15 e 6) do programa do concurso e da interpretação que dele é feita, quer pela sentença de primeira instância, quer pelo acórdão ora recorrido, por violação da reserva de lei inerente ao direito/liberdade de iniciativa económica privada (art. 61.º da CRP).
27. Apesar de não se perceber a verdadeira razão de o Tribunal recorrido entender que tal direito não é um direito fundamental (e, assim, independentemente da nulidade decorrente da falta de fundamentação, de acordo com o art. 668.º, n.º, aI. b) do CPC), existe notório erro de julgamento, na medida em que o próprio Tribunal Constitucional tem vindo a reconhecer, na senda da melhor doutrina, que a liberdade consagrada no art. 61.º, n.º 1 da Constituição da República é um direito fundamental, que, gozando de natureza análoga, se encontra sujeito ao regime previsto no art. 17.º e 18.º da CRP - cfr. jurisprudência citada.
28. A quarta questão que se coloca nos autos respeita à aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur, pelo facto de ao ter-se decidido que o recurso da A. A……… era improcedente e que, fosse como fosse, esta nunca poderia, pois, vencer o concurso e que, por conseguinte, não poderia retirar qualquer efeito útil do julgado anulatório - o que deveria ter determinado que os vícios de que eventualmente padecesse o acto não relevariam como fundamentos de anulação (do acto), uma vez que falta, assim, legitimidade ou interesse em agir à A. A………, pelo menos, supervenientemente (o que determinaria a inutilidade superveniente da lide).
29. Ao não ter decidido assim, uma vez mais o acórdão encerra flagrante erro, por violação do princípio utile per inutile non vitiatur, que encontra expressão em firme e pacífica jurisprudência deste STA, ancorada, inclusivamente, em Acórdão do STA em Pleno. de 15/5/2003, proferido no proc. n.º 0650/03.
Termos em que, deve a presente revista ser admitida e ser considerada procedente, apenas desse modo se fazendo a necessária JUSTIÇA!»
1.7. O consórcio B………, SA, e C………, LDA conclui nas respectivas alegações:
«I. A sentença recorrida enferma de erro na aplicação do direito.
II. A douta decisão recorrida viola, de forma flagrante, o disposto no artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, os artigos 26.º e 31.º/2 do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 2 de Janeiro, a Portaria n.º 104/2001, de 21 de Fevereiro (diploma onde obrigatoriamente deveriam beber os Programas de Concurso e Cadernos de Encargos dos concursos para execução de empreitadas de obras públicas até à entrada em vigor do CCP) e bem a jurisprudência firme e em sentido contrário quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer do Tribunal de Contas.
III. O acto adjudicatório praticado pelo Município Réu não padece de qualquer ilegalidade tendo este cumprido escrupulosamente a lei ao admitir a concurso as firmas Recorrentes.
IV. Determina o artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 12/2004 de 9 de Janeiro que "nos concursos de obras públicas e no licenciamento municipal, deve ser exigida uma única _subcategoria em classe que cubra o valor global, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar nas classes correspondentes" (n.º 1), e que "a habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior” (n.º 2) - a de uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra.
V. O que acontece, nesta última hipótese (que foi o que aconteceu no processo de concurso sub judice), é que os empreiteiros gerais, por força do n.º 2 do referido artigo estão sempre habilitados a concorrer, não podendo, por isso, ser excluídos.
VI. O consórcio externo composto pelas Recorrentes, apresentou-se a concurso sendo detentor da classificação em empreiteiro geral da 1.ª categoria, mais concretamente em empreiteiro geral de edifícios de construção tradicional em classe que cobre o valor global da proposta apresentada - a 5.ª, detida pela firma C……… - (Ponto 20 da factualidade dada como provada pelo Tribunal de primeira instância).
VII. Classe de alvará que nos termos da Portaria n.º 6/2008, de 2 de Janeiro, abrangia, à data, os valores de € 1.280.000,00 até €2.560.000,00.
VIII. Ora, o valor da proposta apresentada pelo Consórcio Recorrente foi de Eur. 2.408.167,08, ou seja, perfeitamente dentro dos valores da classe detida pelo consórcio (Ponto 18 da factualidade dada como provada em primeira instância).
IX. Razão pela qual, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º do já amplamente mencionado artigo 31.° do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, jamais poderia ser excluída do concurso, independentemente do que a este propósito ali fosse exigido, porquanto esta norma sempre terá de prevalecer sobre as normas concursais.
X. Por outro lado, o n.º 2 do artigo 26.° do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro estipula que "Os consórcios ou agrupamentos de empresas aproveitam das habilitações das empresas associadas, devendo, pelo menos, uma das empresas de construção deter a habilitação que cubra o valor total da obra e respeite ao tipo de trabalhos mais expressivo e cada uma das outras empresas de construção a habilitação que cubra o valor da parte da obra que se propõe executar".
XI. A firma C………, ora Recorrente, e membro do consórcio, detinha a classe 5 de alvará em classe que cobria o valor global das suas propostas, sendo inequívoco que o outro membro do consórcio - a firma B………. S.A. - satisfazia as disposições legais relativas ao exercício da actividade de empreiteiro de obras públicas, na parte dos trabalhos que iria executar, pelo que também aqui é inexplicável o entendimento do Tribunal a quo - vide neste mesmo sentido Acórdão do Tribunal de Contas, 1.ª S-SS, de 30 de Maio de 2006, proferido no processo n.º 265/06 e Acórdão do STA, de 17 de Abril de 2002 proferido no processo n.º 0191/02 .
XII. Uma coisa é a habilitação detida pelos membros do consórcio para efeitos de comprovação de habilitação a um dado concurso outra, completamente distinta, é a detenção de habilitação para a execução dos trabalhos específicos em concreto que cada membro do consórcio, posteriormente, se propõe executar.
XIII. O Programa de Concurso não exigia que ambas as empresas fossem detentoras de alvará em classe que cubra a respectiva proposta, exigia, como determina a Portaria n.º 104/2001 de 21 de Fevereiro, o artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro e o artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, que uma empresa, pelo menos, do consórcio fosse detentora da alvará em classe habilitante que cobrisse o valor da respectiva proposta e o outro membro do consórcio fosse detentor de alvará que lhe permitisse o exercício da actividade e dos valores dos trabalhos que esta (dentro do consórcio) se propõe executar, beneficiando este último, para efeitos de concurso, da habilitação detida pelo primeiro;
XIV. Mas mesmo que se entendesse que exigia, como parece ser o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, que ambas as empresas fossem detentoras de alvará em classe que cobrisse o valor da proposta do consórcio - facto tanto mais absurdo, porquanto torna absolutamente inútil a simples constituição do mesmo - então sempre se terá que entender que essas exigências do Programa do Concurso, ao violar as normas imperativas atrás descritas, teriam que ser consideradas nulas e de nenhum efeito.
XV. É que sendo certo que as regras e condições do PC são imperativas, imutáveis a partir do momento em que este é dado a conhecer, isso não implica que o mesmo prevaleça à custa da violação da lei e de normas imperativas públicas.
XVI. Tal significaria a transformação de condições/ requisitos ilegais e, como tal, ilegítimos, em normas imperativas apenas porque previstas no procedimento, que por tal facto passariam a "intocáveis" ainda que limitando o acesso ao procedimento a empresas legalmente habilitadas.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemplando as conclusões atrás aduzidas, determine a total improcedência de todos os pedidos formulados pela Autora/Recorrida, tudo com as demais consequências.
Decidindo deste modo, farão V. Exas., aliás, como sempre, um acto de INTEIRA E SÃ JUSTIÇA».
1.8. A………, S.A contra-alegou, concluindo:
«I. Os recorrentes Réu e Município e Consórcio contra-interessado não se conformaram com a Douta sentença proferida, na parte em que o TCAN julgou procedente a peticionada exclusão do concorrente consórcio.
II. Contudo, o douto acórdão sob recurso julgou a questão sub judice com perfeita observância dos factos e da lei aplicável, não merecendo, pois, qualquer censura.
III. Considera a recorrida nos presentes autos não estar em causa nem um problema que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, nem a admissão deste recurso se torna necessária para uma melhor aplicação do direito.
IV. O presente recurso a que se responde resultará apenas da obstinação dos recorrentes na manutenção e prorrogação no tempo de um acto administrativo que doutamente foi julgado nulo pelo TCAN, e manter assim em obra um adjudicatário que à data de apresentação a concurso não era detentor das habilitações legal e regulamentarmente impostas.
V. O Venerando Tribunal Central Administrativo do Norte fez, tal como havia aliás feito o Tribunal de 1 ª Instância, uma correcta apreciação dos factos e uma criteriosa aplicação da lei quer substantiva, quer processual, ao julgar ilegal o acto de adjudicação a um concorrente consórcio que deveria ter sido excluído pelo Júri do procedimento.
VI. Os pressupostos que condicionam a admissibilidade do recurso de revista, que é de natureza excepcional, revelam que o legislador claramente não pretendeu introduzir uma nova instância de recurso generalizado. A intervenção do STA só se justifica em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de Revista.
VII. O Douto acórdão recorrido está devidamente fundamentado, de facto e de direito, não viola qualquer disposição legal subscrevendo-se e aqui se dando por integralmente reproduzidos os seus fundamentos de facto e de direito, por mera economia processual.
VIII. A resolução das questões levantadas pelos Recorrentes da revista não requer um esforço interpretativo particularmente acentuado, antes apresentando um grau de dificuldade que não ultrapassa o que é normal das controvérsias judiciárias, não se configurando, por isso, como de especial relevância jurídica.
IX. Em face da matéria dos autos e do direito aplicável, não pode aliás um qualquer Tribunal aplicar melhor o direito sem que o resultado final não venha a ser o mesmo.
X. Relativamente à alegada relevância social invocada pelo Recorrente Município no que se não concede ou consente que, sempre se dirá que, tal como decorre dos autos, apenas depois de ter sido citado dos presentes autos e da providência cautelar nos mesmos, reconheceu com recurso a resolução fundamentada o interesse público de uma obra cujo concurso havia sido lançado há mais de dois anos. Já em Abril de 2008, de acordo com o ponto 30 da própria resolução era do alegado interesse público a construção de escolas, pelo que em bom rigor, não está em causa a análise da relevância ou interesse público da execução da escola de Bustos, antes da urgência da execução da mesma. E data de 2008 a candidatura de tal obra ao QREN. O concurso foi lançado em 2008, tendo-se verificado a abertura de propostas em 30/07/2008, e apenas viu elaborado o seu 1º Relatório de mérito de propostas em Março de 2009, ou seja, 9 meses depois, o segundo relatório em Fevereiro de 2010, ou seja, quase um ano depois, o terceiro relatório, quatro meses mais tarde, e o último decorrido mais um mês. Decorreram assim cerca de dois anos sem que o procedimento concursal da obra fosse reconhecido, instruído e diligenciado como urgente e ou prioritário.
XI. O procedimento concursal em crise, lançado em 2007, só viu proferida uma decisão de adjudicação, ora em crise, em Julho de 2010. A existir qualquer tipo de invocação de urgência a mesma só poderá fundamentar-se em interesses políticos, o que não pode, de forma alguma, ser visto como interesse público, e consequentemente atendidos. Não se poderá afirmar que o interesse público sai fortemente prejudicado, pois que não se trata aqui da construção de um hospital, de uma ponte ou de outro equipamento público essencial à satisfação das necessidades colectivas, e embora a construção de uma escola básica de ensino nova, em qualquer região seja importante, é extremamente fácil para o Município de Oliveira do Bairro, obviar a esta limitação, porquanto a mesma escola é apenas para substituir uma escola em funcionamento pleno, com as instalações de que actualmente dispõe.
XII. No que respeita ao alegado pelo Recorrente Município, interesses público e da comunidade escolar em particular, considerando que se coloca em causa a abertura da escola de Bustos para o ano lectivo de 2012/2013, tal não passa de um falso argumento, pois como já supra se referiu, o concurso foi lançado em 2007, para fundamentar resolução fundamentada do Município de modo a impedir fosse decretada providência cautelar apensa nos presentes autos, foi usado o mesmo argumento, mas relativamente ao ano lectivo de 2011/2012. A verdade é que o ano lectivo já teve início e os interesses públicos e de educação e formação estão a ser assegurados nas actuais instalações escolares, capazes de satisfazer as necessidades escolares da população. Assim já no presente ano escolar a população de Bustos tem a anterior escola em actividade e laboração, pelo que o argumento utilizado pelo recorrente Município não é em boa verdade de interesse público mas apenas político. Não se pode assim admitir nem conceber que perante a Justiça se mascarem interesses políticos com alegados interesses públicos.
XIII. O município dispõe de escolas idênticas à que quer construir com o presente procedimento concursal na sua disponibilidade e em pleno funcionamento, pelo que, também poderia, se houvesse tal necessidade deslocar temporariamente para as mesmas os alunos que irão frequentar a escola em crise no presente concurso. Tratando a urgência apenas de motivos políticos, que não poderão ser considerados como ponderosos para o interesse público como pretende o requerido. Não se pode aceitar que a inércia, ineficácia e falta de zelo do requerido no tratamento, instrução e diligência do procedimento em crise, funcione a seu favor e prejudique claramente os direitos dos particulares legalmente afectados, com este tido de condutas.
XIV. Não se pode aceitar que após o decurso de dois anos em que o processo "foi fechado na gaveta", sirva agora para o Requerido Município utilizar o risco de perda de financiamento do QREN, por se estar a esgotar o limite temporal de recurso a tal financiamento, mesmo porque o cumprimento da decisão recorrida passaria pela elaboração de novo relatório de mérito de propostas, o que não tem claramente que demorar muito tempo, nem implica obviamente que a obra pare por tempo indeterminado. Em menos de um mês pode o recorrente Município ver novo adjudicatário em obra, tudo dependendo da diligência e competência dos serviços do próprio Município.
XV. Não se percepciona nem aceita assim a alegada pressa do recorrente, sem qualquer razão nos argumentos aduzidos por este, sendo os mesmos apenas decorrentes da vontade de relegar no tempo a douta decisão proferida pelo TCAN, prorrogando no tempo a execução de um acto administrativo ilegal.
XVI. Nos presentes autos está em causa apenas a escola de Busto, e não 4 ou 8 como pretende o Recorrente Município.
XVII. Por outro lado, o efeito suspensivo dos efeitos do Acórdão recorrido é passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, pelo que a Recorrida desde já requer seja atribuído ao mesmo efeito meramente devolutivo.
XVIII. De salientar que a recorrida, mesmo sem a exclusão da D……… tem interesse no cumprimento da decisão proferida, tanto que tem que ser elaborado novo relatório, e ainda que a recorrente pudesse vir a ser não 1 ª mas 2ª classificada, não decorre dos autos que a eventual 1 ª classificada D……… mantivesse interesse na execução da obra e como tal que mantivesse a sua proposta. Pelo que é manifesto o prejuízo que pode ocorrer para a recorrida, que cada dia aumenta pela continuidade de execução da obra pelo consórcio, sendo certo que com a continuidade dos trabalhos é de difícil reposição na situação anterior, para não falar de lesiva para o interesse público.
XIX. O contrato resultante deste procedimento administrativo terá a duração de doze meses e atinge o valor de € 2.408.167,08 (acrescido de IVA). Doze meses já decorreram desde a entrada da P.1. em Tribunal de 1 ª Instância. Trata-se de um contrato de elevado montante e de muito curta duração, importante para a economia de qualquer empresa deste sector, incluindo a requerente.
XX. Devido à continuação da realização dos trabalhos, já o contrato, provavelmente se encontrará executado e terminado quando o Município acatar a decisão do STA. De pouco ou nada adiantará à requerente ter conseguido provar a sua razão, e ter obtido uma sentença favorável na acção principal.
XXI. Só o efeito meramente devolutivo do presente recurso garantirá a imediata paragem dos trabalhos, de encontro ao decidido pelos Tribunais neste processo, e só com tal efeito fixado é que se salvaguardará todos os direitos da recorrida e os interesses públicos em questão.
XXII. A recorrida invocou a nulidade do relatório de Junho de 2010 (Doc. 7 da P.L), tendo-se invocado posteriormente a nulidade do relatório de Julho de 2010, cuja existência a A. só tomou conhecimento pela contestação do Réu Município, por os mesmos decidirem de forma infundamentada, incoerente, ilegal e desrespeitadora dos mais elementares Princípios de Direito que regem este tipo de procedimentos, violando ainda as regras que o próprio R. aqui recorrente, entidade adjudicante fixou no Caderno de Encargos e no Programa do Concurso em crise, e assim a legislação aplicável, nomeadamente o DL 59/99 de 2 de Março, ao readmitir a concurso o Concorrente formado pelo Consórcio B………, S.A. e C………, Ld.ª, aqui também recorrente, e propondo e decidindo a adjudicação a tal consórcio a referida empreitada.
XXIII. Violou assim o Réu recorrente, designadamente o Programa de Concurso nos pontos 9.1, 15.2 e 6 do Programa do Concurso, por nenhuma das identificadas empresas apresentaram as autorizações exigidas no programa do concurso, nem individual, nem conjuntamente.
XXIV. Sendo certo que o Programa do Concurso é o conjunto de regras e condições que rege todos os concorrentes ao Concurso Público, e tais regras são imperativas, e são imutáveis a partir do momento em que o Programa do Concurso é definido e dado a conhecer. Constituindo o programa de concurso a "Lei" fundamental de cada procedimento concursal adjudicatório, e vinculando o mesmo, quer a entidade adjudicante, quer os concorrentes, o que tem de suceder desde o momento da respectiva abertura até à celebração do contrato, o que não sucedeu.
XXV. Com os referidos relatórios e a decisão adjudicatória em crise, violou o Réu, entidade adjudicante, as regras que estava obrigado a respeitar durante todo o procedimento concursal. Regras que o próprio R definiu e estatuiu para o procedimento, ao definir requisitos para que os concorrentes possam ser habilitados, não só a concorrer, mas a contratar o objecto do concurso, nomeadamente critérios de habilitação técnica, não podendo o R, como fez, e bem reconheceu o Venerando TCAN admitir a concurso concorrentes que não possuam tais requisitos de habilitação e / ou credenciação, sob pena de violar, como violou as mais elementares regras de igualdade de tratamento aos concorrentes e as mais elementares regras de concorrência e transparência.
XXVI. A admissão de propostas a concurso de empreitada de obras públicas de concorrentes que não sejam titulares dos requisitos habilitacionais exigidos pelo programa de concurso consubstancia a prática pelo R de um acto nulo por falta de elemento de credenciação essencial e no caso em apreço, a prática de um acto de adjudicação nulo uma vez que a adjudicação foi praticada a tal concorrente em consórcio. Transmitindo-se ainda tal invalidade ao contrato administrativo respectivo.
XXVII. Ora, o Programa de concurso em apreço é claro quanto à exigência dos requisitos habilitacionais dos concorrentes, estipulando expressamente as específicas habilitações identificadas no ponto 6.2. do mesmo. Não se podendo aceitar, não bastando que os concorrentes apresentassem título de empreiteiro geral ou construtor geral. O R. apenas podia admitir a concurso os concorrentes titulares das específicas habilitações exigidas no seu programa.
XXVIlI. Estipula claramente o 6.2. do Programa do concurso: "O alvará previsto na alínea a) do n.º 6.1 deve conter as seguintes autorizações: ( ... )" Pelo que não se concede nem aceita a argumentação do recorrente Município no sentido de não ser aplicável o n.º 2 do Ponto 6. E sempre se dirá que inequivocamente o 6.2. se aplica no seguimento da aplicabilidade do ponto 6.1. do programa do procedimento, por remissão expressa do ponto 15 em conjugação com o ponto 9 do mesmo programa.
XXIX. Não vingando a tese de aplicação do n.º 2 do art.º 31 º do DL 12/2004 de 9 de Janeiro, no qual se refere que a habilitação genérica de empreiteiro geral dispensa a exigência a que se refere o n.º 1 do referido artigo. Tal qualificação não pode pois significar uma automática habilitação do empreiteiro geral para qualquer tipo de obra, nem para qualquer concurso.
XXX. A leitura e aplicação do referido art.º 31 º tem de ser feita conjugada com o disposto no DL 59/99 de 2 de Março, nomeadamente com o seu art.º 54º a), e consequentemente com as exigências específicas previstas no programa do concurso em causa.
XXXI. Uma vez que o ponto 9.1 do Programa do Concurso, supra citado, refere que podem apresentar-se ao concurso agrupamento de empresas, "desde que todas as empresas do agrupamento satisfaçam as disposições legais relativas ao exercício da actividade de empreiteiro de obras públicas e comprovem, em relação a cada uma das empresas, os requisitos exigidos no n.º 15." - negrito e sublinhado nosso, nenhuma das empresas do consórcio satisfaz tais requisitos. Conforme aliás foi reconhecido pela Comissão de análise das propostas, quando inicialmente excluiu tal consórcio, e conforme foi em determinado momento reconhecido e aceite pelo gabinete de advogados da Câmara, o gabinete ……….
XXXII. Por outro lado, as duas empresas integrantes do referido consórcio, não possuem as habilitações técnicas que lhe permitam, igualmente, a admissão ao concurso.
XXXIII. Ora se o artigo 54.º do D.L. n.º 59/99 de 2 de Março, impõe como condição sine qua non que os concorrentes a admitir a concurso possuam as habilitações técnicas necessárias pelo Programa do Concurso, no respectivo alvará - o que não sucede - e conforme o disposto no ponto 9.1 do Programa do Concurso, e bem assim, o disposto no artigo 57.º do mesmo decreto-lei, interpretado em conjugação com o disposto no já citado artigo 54.º, apenas podem ser admitidos a concurso os consórcios onde cada uma das empresas possua as habilitações técnicas impostas no programa do concurso. Não pode apenas uma das empresas possuir a habilitação necessária ao concurso.
XXXIV. E o facto do concorrente em consórcio se apresentar a concurso sob a forma de agrupamento não dispensa que individualmente cada uma das empresas tenha de possuir os específicos requisitos de habilitação ou qualificação exigidos, não suprindo sequer a posse de uma falta dos mesmos por parte da outra empresa do agrupamento, sendo que tal qualificação não se comunica ou transmite ao outro membro do consórcio.
XXXV. Atendendo assim ao regime fixado a todos os concorrentes do concurso, todos o têm de cumprir e respeitar integralmente atento o seu carácter imperativo e derrogador do regime regra. E a obrigação de respeitar tal regulamento é também da Edilidade e do respectivo Presidente de Câmara.
XXXVI. Pelo que, para cumprimento do regulado no programa do Concurso, para respeito da lei, da boa-fé, do Pr. da imparcialidade, do Pr. da Igualdade, do Pr. da transparência e do Pr. da Auto vinculação e do Pr. da Inderrogabilidade singular dos regulamentos, e até por uma questão de coerência intelectual e decisória o Município e respectivo Presidente deveriam ter excluído o Concorrente composto pelo consórcio B………, S.A. e C………, S.A.
XXXVII. A questão em apreço foi expressa e claramente regulamentada em sede de peças processuais, nomeadamente em sede de programa do procedimento, não resultando do mesmo, contrariamente ao que pretende o Réu recorrente qualquer ambiguidade interpretativa.
XXXVIII. Termos em que, a readmissão do concorrente consórcio implica a nulidade que expressam e imperativamente resulta do artigo 133.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, por estar em causa um elemento essencial de credenciação do concorrente, e por manifesta violação da Lei, que no caso em apreço é o Programa do Procedimento, violando ainda os Princípios Gerais de Direito que enformam este tipo de procedimentos concursais.
XXXIX. Mais se subscrevendo e reiterando o Parecer junto aos autos do Mestre Licínio Lopes, Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, respectivo aditamento, e Parecer da AICCOPN, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os legais e devidos efeitos, e cujos argumentos e fundamentos se fazem nossos.
XL. Parecer aquele que inclusivamente mereceu a concordância do I. Advogado Dr. ………, conforme Doc. 3 junto aos autos com a P.I.. E parecer que veio a ser confirmado e reafirmado pelo Mestre em Direito Administrativo Dr. Licínio Lopes Martins, Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pelo aditamento já junto aos autos e cujos argumentos se subscrevem reiteram e fazem nossos, aqui se dando por integralmente reproduzidos.
XLI. Salvo melhor opinião, as alegações apresentadas pelos recorrentes não põem minimamente em causa o bem fundado e bem fundamentado Acórdão que expõe e fundamenta clara e correctamente, no que à matéria sub judice respeita e cujos argumentos se reiteram, subscrevem e se fazem nossos, dando os mesmos como reproduzidos por questões de mera economia processual.
XLII. Os requisitos que as concorrentes devem cumprir, nomeadamente, a detenção de alvará com determinadas autorizações nas respectivas classes devem estar reunidos à data de entrega das propostas e não em momento posterior.
XLIII.O ponto 9.1 do Programa do Concurso obriga expressa, clara e inequivocamente que as empresas que concorram em agrupamento comprovem, em relação a cada uma das empresas, os requisitos exigidos naquele ponto 15, exigindo aquele ponto 15.2, que os concorrentes apresentem alvará nos termos do ponto 6.1, dispondo o ponto 6.2 sobre as referidas autorizações que aquele alvará deve conter para que os concorrentes possam ser admitidos a concurso, tal resultando provado na factualidade assente.
XLIV. Pelo que se subscreve integralmente a fundamentação da sentença de e bem assim do Acórdão proferidos no que concerne à necessária exclusão do consórcio, devendo esta decisão proferida ser mantida.
XLV. A questão em apreço trata-se apenas e tão só de ser ou não possível à entidade adjudicatária, em sede de regulamentação do procedimento concursal exigir, como exigiu, habilitações para ambas as empresas em consórcio.
XLVI. Ora, foi o que sucedeu no caso em concreto, quando o recorrente Município estipulou no seu programa do procedimento que TODAS as empresas deveriam apresentar habilitação na classe definida pelo dono de obra.
XLVII. Aliás, sempre se dirá como refere a Douta decisão proferida e ao contrário do alegado pelos recorrentes, não há qualquer violação do art.º 57 do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março. Neste sentido já se pronunciou o S.T.A. por Acórdão de 2003.06.18, in www.dgsi.pt. Proc. N.º 0911/03.
XLVIII. Contudo, sempre se dirá que, no que concerne à alegada ambiguidade interpretativa alegada pelo Réu recorrente Município, na qual não se concede nem aceita, que a recorrida pugnou desde o primeiro momento, desde o acto público de abertura de propostas, conforme resulta da respectiva acta junta aos autos, e reiterou em sede de audiência prévias, juntando inclusivamente ao procedimento concursal os pareceres do Mestre Licínio Lopes supra identificados.
XLIX. Não se pode assim aceitar que por persistência na ilicitude do Réu recorrente, em admitir a concurso o consórcio, depois inclusivamente de o ter excluído legitima e adequadamente, pretenda agora o recorrente ver premiadas as condutas e actos ilegais com conformação dos mesmos.
L. Até porque, não fica de modo algum o interesse público salvaguardado ao admitir-se e ao adjudicar um contrato a um concorrente que não satisfaz as capacidades técnicas conforme exigido e considerado essencial e imprescindível pelo próprio recorrente Município.
LI. Consubstanciando a conduta do Município um venire contra factum proprium.
LH. Pelo que não se concede nem aceita se proceda a qualquer aproveitamento de actos jurídicos nulos, sob pena de inclusivamente se estar a fazer tábua rasa de todo o legalmente imposto e bem assim regulamentado pela própria entidade adjudicante.
LIII. Por outro lado, acresce ainda que, contrariamente ao alegado pelo recorrente Município, a recorrida tem a legítima expectativa de ver a empreitada em causa ser-lhe adjudicada. Porquanto aguarda decisão em sede de recurso jurisdicional por si interposto nos presentes autos da parte da sentença julgada improcedente, recurso cuja procedência que aguarda, acompanhada da manutenção da decisão proferida na parte posta em crise no presente recurso, graduará a recorrida em 1.º lugar, pelo que deverá ser-lhe adjudicada a empreitada em apreço.
LIV. Sempre se dirá que, vem o Recorrente Município proceder à junção de documentos com as alegações apresentadas, no que se não concede, impugnando-se a junção dos mesmos, e bem assim qualquer alcance que com eles pretendem atingir.
LV. O erro subjacente aos argumentos dos recorrentes consórcio e Município subjaz em que esquecem, pretendem esquecer ou desvalorizar totalmente a existência de um Regulamento concursal através do qual a entidade adjudicante se propôs contratar.
LVI. Sendo que bem andou o Tribunal "A quo" ao julgar que por não cumprirem integralmente as normas procedimentais estipuladas no Programa do procedimento era forçoso e imperativa a exclusão do consórcio.
LVII. Sendo certo e inequívoco que o Programa do procedimento exigia que todas as empresas detivessem alvará que cobrisse o valor global da proposta, podendo o dono de obra efectivamente exigir as qualificações que entende pertinentes e essenciais à contratação.
LVIII.E tal é um direito que lhe assiste, estipular as condições que considera necessárias a contratar, não se concedendo de modo algum que tal comporte qualquer violação à Lei.
LIX. Por outro lado, vêm as recorrentes alegar, no que se não concede nem aceita, que, pelo alegado facto de ter sido concedido visto em sede de fiscalização prévia ao contrato de empreitada em crise pelo Tribunal de Contas, tal possa consubstanciar a eliminação de todas as nulidades e vícios invocados pela Recorrida, e nomeadamente da reconhecida em sede da douta sentença proferida pelo Tribunal "A Quo".
LX. Ora, não podemos naturalmente deixar de salientar a natureza do visto do Tribunal de Contas, que se cinge a uma avaliação do equilíbrio económico financeira do contrato e não à analise e apreciação jurídica de todos os actos do procedimento concursal. O Tribunal de Contas verificou certamente tratar-se de um contrato que teve por base um concurso público, como legalmente exigido, contudo, não terá certamente verificado cada um dos actos subjacentes ao mesmo, nomeadamente cada um dos vícios e nulidades invocadas pela Recorrida nos autos em crise. Tal análise exaustiva competiu e foi realizada pelo Tribunal “A Quo", estando na base da douta sentença recorrida.
LXI. Entende a aqui Recorrida, com o respeito devido, e face à clareza e fundamentação da douta sentença a quo que tal posição não poderá nunca prevalecer. Entendendo a aqui Recorrida, que a douta sentença não poderia ter sido proferida de outra forma.
LXII. A douta sentença, ora em crise, encontra-se devidamente fundamentada, e julgou a questão sub-judice sem merecer qualquer tipo de censura, uma vez que observou os factos e a lei aplicável de forma perfeita e adequada;
LXIII. Das alegações e conclusões das recorrentes não se vislumbra, salvo o devido respeito, nada que possa colocar em questão a oportunidade e qualidade do douto Acórdão em crise, andou bem o Tribunal a quo que fez uma análise correcta dos factos e uma adequada aplicação da lei aos mesmos. Pelo que devem improceder os argumentos e os efeitos pretendidos pelos recorrentes com o recurso que interposto.
LXIV. Pelo que e em suma, não deve ser alterada o Acórdão ora posto em crise pelos Recorrentes, devendo a mesma ser mantida e renovada, por não ter violado qualquer disposição legal e se encontrar devidamente instruída e fundamentada e, bem assim, conforme os ditames da lei e da mais elementar Justiça.
LXV. Devendo, pois, improceder, "in totum", todos os argumentos aduzidos pelas Recorrentes.
DESDE JÁ SE REQUER ESSE TRIBUNAL, EM SEDE DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR SUMÁRIA, E NOS TERMOS DO DISPOSTO NO AR.º 150º DO CPTA, SE DIGNE CONSIDERAR O RECURSO DE REVISTA A QUE SE RESPONDE INADMISSÍVEL.
CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, NO QUE SE NÃO CONCEDE E POR MERA HIPÓTESE ACADÉMICA SE REFERE, REQUER O TRIBUNAL FIXE AO PRESENTE RECURSO O EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE NÃO DEIXARÁ DE SER SUPRIDO POR V. EXAS., AMBOS OS RECURSOS INTERPOSTOS PELO RÉU MUNICÍPIO E PELAS CONTRA-INTERESSADAS DEVEM SER JULGADOS TOTALMENTE IMPROCEDENTES, E MANTENDO CONFIRMANDO E RENOVANDO O DOUTO ACÓRDÃO DO TCAN, QUE ALIÁS CONFIRMOU A SENTENÇA PROFERIDA EM SEDE DE 1ª INSTÂNCIA, COM AS NECESSÁRIAS CONSEQUÊNCIA LEGAIS, ALCANÇANDO-SE COMO É VOSSO APANÁGIO, A MELHOR, COSTUMADA, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!»
1.9. O recurso foi admitido por acórdão da formação prevista no art. 150.º, n.º 5, do CPTA.
Cumpre apreciar e decidir.
2.
2.1. O acórdão recorrido considerou em sede de matéria de facto
“Da decisão recorrida resultam assentes os seguintes factos:
1. «A Câmara Municipal de Oliveira do Bairro deliberou na sua reunião de 19-05-2008 (cfr. certidão de fls. 29 do Processo Administrativo) proceder à abertura do concurso Público para a empreitada “Construção da Escola do 1.º ciclo do ensino básico e educação Pré-escolar de bustos”, cujo respectivo anúncio foi publicado no Diário da República, 2a Série, nº 108, de 05-06-2008 (constante de fls. 38 ss. do Processo Administrativo).
2. Aquele Concurso Público teve o Programa de Concurso (PC) e o Caderno de Encargos (CE) e respectivos Anexos, constantes de fls. 19 a 25 e de fls. 2 a 18 do Processo Administrativo, respectivamente (cujo teor integral se dá aqui por reproduzido).
3. É o seguinte o disposto no Ponto 9.1 do Programa de Concurso:
«9 - Modalidade Jurídica de Associação de Empresas
9.1 - Ao concurso poderão apresentar-se agrupamentos de empresas, sem que entre elas exista qualquer modalidade jurídica de associação, desde que todas as empresas do agrupamento satisfaçam as disposições legais relativas ao exercício da actividade de empreiteiro de obras públicas e comprovem, em relação a cada uma das empresas, os requisitos exigidos no n.º 15.»
4. O Ponto 15.2 do Programa do Concurso dispõe o seguinte:
«Outros documentos a apresentar apenas pelos concorrentes titulares de certificado de inscrição em lista oficial de empreiteiros aprovados de um dos Estados mencionados no Anexo à Portaria nº 104/2001, de 21 de Fevereiro
a) alvará (ou cópia simples do mesmo) emitido pelo IMOPPI, contendo as autorizações referidas no 6.1, e se, for o caso, declaração que mencione os subempreiteiros.
(…)»
5. O Ponto 6.1 do Programa do Concurso dispõe o seguinte:
«6.1 - Podem ser admitidos a concurso
a) os titulares de Alvará emitidos pelo Instituto de Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI);
b)(…)
c) (…)»
6. O Ponto 6.2 do Programa do Concurso dispõe o seguinte:
«O Alvará previsto na alínea a) do n.º 6.1 deve conter as seguintes autorizações:
As autorizações da 1.ª Subcategoria da 1.ª Categoria, ou a 4.ª Subcategoria da 1.ª Categoria em classe que cubra o valor global da obra;
e
As autorizações da 4.ª, 5.ª, 7.ª e 8.ª Subcategorias da 1.ª Categoria em classe correspondente aos trabalhos a que respeitam cada subcategoria;
e
As autorizações da 1.ª, 7.ª e 10.ª Subcategorias da 4.ª Categoria em classe correspondente aos trabalhos a que respeitam cada subcategoria.»
7. O Ponto 6.3 do Programa do Concurso dispõe o seguinte:
«6.3 - Desde que não seja posto em causa o disposto no nº 3 do art. 265° do
Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, o concorrente pode recorrer a subempreiteiros, ficando a eles vinculado, por contrato, para a execução dos trabalhos correspondentes.
Nesse caso, deve anexar à proposta as declarações de compromisso dos subempreiteiros possuidores das autorizações respectivas, de acordo com o previsto no artigo 16.4.»
8. O ponto 14 do Programa de Concurso estabelece que o valor para efeito de concurso é de 1.960.000,00 €.
9. O ponto 16.1 do Programa do Concurso dispõe o seguinte:
«16.1 - A proposta é instruída com os seguintes documentos:
a) Nota justificativa do preço proposto;
b) Lista dos preços unitários com ordenamento dos mapas resumo de quantidades de trabalho;
c) Programa de trabalhos incluindo plano de trabalhos, plano de mão de obra e plano de equipamento;
d) Plano de pagamentos;
e) Memória justificativa e descritiva do modo de execução da obra;
f) Declaração do concorrente que mencione os trabalhos a efectuar em cada uma das subcategorias e o respectivo valor e, se for caso, declarações de compromisso subscritas pelo concorrente e por cada um dos subempreiteiros de acordo com o estabelecido no n.º 16.4; idêntica declaração deverá ser apresentada quando se tratar de agrupamentos de empresas.»
10. O ponto 16.4 do Programa do Concurso dispõe o seguinte:
«16.4 - As declarações de compromisso mencionadas na alínea f) do nº 16.1 devem ser acompanhadas dos alvarás ou dos certificados de inscrição em lista oficial de empreiteiros aprovados (ou cópia simples do mesmo) com as características indicadas no nº 6, consoante as situações. Deve ainda ser indicado o nome e endereço do(s) subempreiteiro(s) e a titularidade dos respectivos certificados, bem como o valor e a natureza dos trabalhos a realizar.»
11. O ponto 17.3 do Programa de Concurso dispõe o seguinte:
«17.3 - Todos os documentos que devam ser admitidos pelo concorrente serão assinados pelo mesmo, indicando, se se tratar de pessoa colectiva, a qualidade em que assina. Os documentos podem também ser assinados por procurador, devendo, neste caso, juntar-se procuração que confira a este último poderes para o efeito ou pública-forma da mesma, devidamente legalizada, a qual deverá ser incluída no invólucro "documentos. "»
12. O ponto 17.4 do Programa de Concurso dispõe o seguinte:
«É obrigatório que todos os documentos, quando formados por mais de uma folha, devam constituir fascículos indecomponíveis com todas as páginas numeradas, criados por processo que impeça a separação ou acréscimo de folhas, devendo a primeira página escrita de cada fascículo mencionar o número total de folhas que o mesmo integra.»
13. Àquele concurso apresentaram-se a Autora e mais quinze (15) concorrentes.
14. O acto público do concurso teve lugar nos dias 25-07-2008 e 30-07-2008 (cujas respectivas actas constam de fls. 113 a 123 do Processo Administrativo).
15. A abertura das propostas foi efectuada na continuação do Acto Público do concurso, levada a cabo na sessão do dia 30-07-2008 (cuja respectiva acta consta a fls. 123 ss. do Processo Administrativo), ali tendo a Autora A……… apresentado duas reclamações quanto à admissão das propostas das concorrentes Licínio Ramos, Lda. e D………, SA., a primeira pelo facto de não possuir a 7.a subcategoria da 1.a categoria, e a declaração do subempreiteiro declarar que executará a subempreitada ao abrigo da 7.a subcategoria da 4.a categoria, que também não possuía, as segunda e terceira pelo facto de não possuírem a subcategoria (1.a e 4.a) da 1.a categoria que cubra o valor da proposta, e a quarta pelo facto da nota justificativa do preço proposto apresentada, se referir à empreitada de restauro da Igreja de Albergaria-a-Velha.
16. Naquele Acto Público foi deliberado deferir as reclamações relativas às concorrentes Licínio Ramos, Lda. e D………, SA, tendo assim aquelas sido excluídas e admitir as demais (cfr. Anexo II à respectiva acta, constante de fls. 118 do Processo Administrativo).
17. A concorrente D……… apresentou naquele acto público do concurso recurso hierárquico da decisão da sua exclusão.
18. O valor da proposta da proposta do consórcio formado pelas empresas B………, SA e C………, Lda. era de 2 408 167,08 €.
19. Nos termos do certificado apresentado (junto a fls. 86 dos autos) a empresa B………, Lda. detinha o alvará de 1.a categoria (edifícios de construção tradicional), classe 4; classe 2 para as 1.a e 4.a subcategorias da 1.a categoria, além da habilitação para outras categorias e subcategorias, ali referidas.
20. Nos termos do certificado apresentado (junto a fls. 85 dos autos) a empresa C………, Lda. detinha alvará para a 1.a categoria (edifícios de construção tradicional), classe 5; e de classe 4 para a 1.a e 4.a subcategoria da 1.a categoria, além da habilitação para outras categorias e subcategorias, ali referidas.
21. Na sequência de Recurso Hierárquico apresentado pela concorrente D………, SA (constante de 145 ss. do Processo Administrativo), em reunião da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro de 28-08-2008, que deu procedência ao recurso, foi deliberado, nos termos da Informação de 14-08-2008 (constante de fls. 171 do Processo Administrativo), considerar rectificado o lapso de escrita constante da nota justificativa do preço proposto, da concorrente D………, SA, admitindo-se a mesma ao concurso.
22. Elaborado o respectivo Relatório Definitivo de Avaliação da Capacidade Financeira, Económica e Técnica em 22-10-2008 (constante de fls. 265 do Processo Administrativo) a Autora A……… dirigiu à Comissão de Análise das Propostas a exposição constante de fls. 311 a 314 do Processo Administrativo, ali pugnando pela exclusão do consórcio concorrente formado pelas empresas B………, SA, e C……..L, LDA., sustentando que o mesmo não possui as habilitações técnicas exigidas pelo concurso, exposição à qual juntou o Parecer elaborado pelo Dr. Licínio Lopes, Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, Mestre em Direito Administrativo, datado de 03-12-2008 (constante de fls. 282 a 404 do Processo Administrativo).
23. Em 11-03-2009 foi elaborado o Relatório do Mérito das Propostas (constante de fls. 318 a 320 do Processo Administrativo), tendo ali a respectiva Comissão de Análise deliberado no sentido da exclusão das seguintes concorrentes: o consórcio formado pelas empresas B………, SA, e C………, LDA., a F………, LDA. e a G………, LDA., todas com fundamento na apresentação de propostas cujo valor é superior à classe do alvará que detêm para as subcategorias solicitadas, e as duas últimas ainda pelo facto do valor das suas propostas ultrapassarem em 25% o preço base do concurso.
24. A Comissão de Análise das Propostas avaliou as propostas dos concorrentes admitidos (nos termos vertidos no Ponto 2 do Relatório do Mérito das Propostas, constante de fls. 318 a 320 do Processo Administrativo), tendo ordenado as mesmas para efeitos de adjudicação, nos seguintes termos:
1.ª D………, SA
2.ª A………, SA
3.ª E………, Lda.
25. Notificados os Concorrentes daquele Relatório, para se pronunciarem em sede de Audiência Prévia, a Autora A………, pronunciou-se através do requerimento constante de fls. 405 ss. do Processo Administrativo (cujo teor integral se dá aqui por reproduzido ).
26. Após o que foi elaborado em 19-02-2010 o Relatório Final (constante de fls. 406 a 410 do Processo Administrativo) no qual a comissão de análise das propostas entendendo que assistia razão à autora no que respeitava à alegada falta de fundamentação, reproduziu aí a referida fundamentação, deliberando que por esse motivo fosse facultada nova audiência prévia aos concorrentes, tendo ainda deliberado que não existia fundamento para excluir a concorrente D………, SA e que quanto os pontos atribuídos no que respeitava ao factor valia técnica os mesmos seriam resultado da subsunção das propostas aos vários subfactores daquele factor.
27. Quanto às alegações do consórcio B………, SA e C………, Lda., a comissão de análise das propostas entendeu não ter competência para a decisão da sua exclusão, tendo deliberado propor essa exclusão a Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, mantendo as classificações atribuídas no relatório atribuídas no Relatório do Mérito das Propostas de 11-03-2009 e respectiva graduação.
28. Em reunião da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro de 25-02-2010, (fls. 411 do Processo Administrativo) foi deliberado aprovar o relatório final da comissão.
29. Notificados os Concorrentes daquele Relatório Final, por ofícios datados de 18.03.2010, para se pronunciarem em sede de Audiência Prévia, a Autora A………, entre outros concorrentes, pronunciou-se através do requerimento constante de fls. 472 a 492 ss. do Processo Administrativo (cujo teor integral se dá aqui por reproduzido), onde pedia a exclusão da proposta da concorrente D………, SA e que a rectificação do relatório final, nomeadamente através da reclassificação dos vários sub-factores do factor valia técnica (fls. 453 a 493, do P A), com a qual juntou o Parecer elaborado pelo Dr. Licínio Lopes, Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, Mestre em Direito Administrativo, datado de 28-03-2009 (constante de fls. 453 a 470 do Processo Administrativo).
30. E o consórcio formado pelas empresas B………, SA e C………l, Lda, pronunciou-se (fls. 494 a 498 do Processo Administrativo) requerendo a sua readmissão imediata ao concurso.
31. Após o que foi elaborado em 21-06-2010 o Relatório Final Definitivo (constante de fls. 504 a 515 do Processo Administrativo, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido) onde se deliberou no sentido da readmissão ao concurso do Consórcio concorrente formado pelas empresas B………, S.A. e C………, LDa.", ali se procedendo de seguida a nova avaliação das propostas (nos termos vertidos no Ponto 9 daquele Relatório Final Definitivo), tendo sido subsequentemente ordenadas, para efeito de adjudicação, da seguinte forma:
1 ° B………, S.A. e C………, LD.ª
2° A………, SA
3° D………, S.A.
4° E………, Lda.
32. Em 24-06-2010, a Câmara Municipal de Oliveira do Bairro deliberou aprovar o relatório da comissão de análise de propostas de 21-06-2010.
33. Notificados os Concorrentes, por ofícios datados de 25-06-2010, daquele Relatório Final, para se pronunciarem em sede de Audiência Prévia, a Autora A………, entre outros concorrentes, pronunciou-se através do requerimento constante de fls. 577 a 662 do Processo Administrativo (cujo teor integral se dá aqui por reproduzido), ali pedindo a exclusão da proposta do consórcio B………, SA e C………, Lda. e da D………, SA, e a rectificação do relatório sobre o mérito das propostas.
34. A concorrente D………, SA, apresentou requerimento (fls. 563 a 576 do Processo Administrativo) em 07-07-2010 pelo qual requereu que fosse considerado nulo e sem efeito o relatório final definitivo de 21 de Junho de 2010, seguindo o procedimento para a fase de adjudicação.
35. Foi então elaborado em 23-07-2010 o Relatório Final (constante de fls. 671 a 688 do Processo Administrativo, cujo teor integral se dá aqui por reproduzido) no qual se manteve a admissão do Consórcio concorrente formado pelas empresas B………, SA, e C………, LDA. e da concorrente D………, SA, tendo ali rectificado a classificação da concorrente D………, SA no sub-factor "nota justificativa do preço proposto", de pouco satisfatório para satisfatório, tendo proposto a aprovação do relatório final, mantendo a ordenação para efeitos de adjudicação nos termos constantes do Relatório Final de 21-06-2010 (constando do Anexo, a fls. 670 do Processo Administrativo, a ponderação das avaliações atribuídas) ali se concluindo propondo a adjudicação ao identificado Consórcio, cuja proposta foi graduada em 1º lugar.
36. Submetido aquele Relatório Final à reunião da Câmara Municipal de 29-07-2010, nela foi deliberado aprovar aquele Relatório Final de 23-07-2010 e adjudicar a empreitada ao identificado consórcio nos termos propostos.
37. As empresas que formam aquele Consórcio foram notificadas daquela decisão de adjudicação por ofício de 01-08-201 O (constantes de fIs. 695 e 696 do Processo Administrativo), tendo também ali sido notificado, nos termos do artigo 108° do DL nº 59/99, de 2 de Março, para apresentação dos documentos ali referidos e com o qual foi ainda remetida, para aprovação, a minuta do respectivo contrato.
38. A Autora A………, bem como as demais concorrentes não adjudicatárias, foram notificadas daquela decisão de adjudicação por ofícios de 11-08-2010 (constantes de fIs. 713 ss. do Processo Administrativo).
39. Em 12-08-2010 foi celebrado entre o Réu MUNICÍPIO DE OLIVEIRA DO BAIRRO e o Consórcio formado pelas empresas B………, SA, e C………, LDA. o Contrato de Empreitada para a "CONSTRUÇÃO DA ESCOLA DO 1. o CICLO DO ENSINO BÁSICO E EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR DE BUSTOS" (constante de fIs. 717 ss. do Processo Administrativo)».
2.2. O acórdão recorrido manteve a decisão da 1ª instância que concluíra pela ilegalidade da admissão ao concurso do consórcio formado pelas empresas B………, SA, e C………, LDA.
E manteve a fundamentação em que assentara aquela decisão.
Os recorrentes Município de Oliveira do Bairro e consórcio B………, SA, e C………, LDA imputam ao acórdão diversos erros de julgamento. E recorrente Município de Oliveira do Bairro assaca ainda ao acórdão várias nulidades.
Abordaremos a matéria de nulidades em primeiro lugar.
2.2.1. A alegação de nulidade vem sintetizada nas seguintes conclusões:
«10. Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 668.º, n.º 1, aI. d), 660.º, n.º 2 e 731.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi do art. 1.º do CPTA.
11. Quer no que concerne à questão da alteração e revogação da Portaria n.º 114/2001 e dos concretos programas de concurso que violem o estatuído no DL 12/2004 (designadamente, os arts. 26.º e 31.º) - questão que foi levada às conclusões n.º 5, 10 e 11 das alegações de recurso para o TCA Norte, cujo conhecimento não foi prejudicado pela solução dada a qualquer outra questão, e que não foi, como devia, decidida pelo acórdão recorrido.
12. Quer no que respeita à questão da aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur, que foi levada às conclusões n.º 26 e 27 das alegações de recurso, pelo que, tendo sido suscitada, deveria ter sido apreciada, não tendo sido o seu conhecimento prejudicado pela solução dada a qualquer outra questão, como, por exemplo, a da legitimidade da A A………, pois a questão da aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur reveste-se de importância fundamental e independente da própria questão da legitimidade (em que não se esgota)».
E
«26. A terceira questão que se levanta prende-se com a invocada inconstitucionalidade do ponto 9.1 (em articulação com os pontos 15 e 6) do programa do concurso e da interpretação que dele é feita, quer pela sentença de primeira instância, quer pelo acórdão ora recorrido, por violação da reserva de lei inerente ao direito/liberdade de iniciativa económica privada (art. 61.º da CRP).
27. Apesar de não se perceber a verdadeira razão de o Tribunal recorrido entender que tal direito não é um direito fundamental (e, assim, independentemente da nulidade decorrente da falta de fundamentação, de acordo com o art. 668.º, n.º, aI. b) do CPC), existe notório erro de julgamento, na medida em que o próprio Tribunal Constitucional tem vindo a reconhecer, na senda da melhor doutrina, que a liberdade consagrada no art. 61.º, n.º 1 da Constituição da República é um direito fundamental, que, gozando de natureza análoga, se encontra sujeito ao regime previsto no art. 17.º e 18.º da CRP - cfr. jurisprudência citada».
Quanto à questão da alteração e revogação da Portaria n.º 114/2001 e dos concretos programas de concurso que violem o estatuído no DL 12/2004.
O acórdão apreciou a matéria no quadro do que aí se contemplava. Não deu razão ao município, mas esse não é problema de omissão.
O acórdão não descortinou qualquer violação do estatuído no DL 12/2004. Na verdade, como se verá na discussão sobre os erros de julgamento, o acórdão interpretou o DL 12/2004 em termos diferentes dos defendidos pelo recorrente; em consequência dessa interpretação, e no que era pertinente para a decisão, nem se lhe poderia suscitar a alteração e revogação alegadas.
Quanto à questão utile per inutile non vitiatur.
Nas conclusões 25 26 e 27 do seu recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte expusera o recorrente:
«25) Assim mesmo, por aplicação do princípio utile per inutile non vitiatur os vícios de que eventualmente padecesse o acto não relevariam como fundamentos de anulação (do acto), uma vez que ‘(…) o bem da vida jurídica que o recorrente procura – o id quod interest que o legitima a agir em juízo – não lhe poderá ser adjudicado pela procedência da causa de pedir invocada’
26) Tal jurisprudência é pacífica, podendo citar-se, a título de exemplo, o acórdão do STA de 15.05.2003, no processo 0650/03:
‘II – Por força do princípio ‘utile per inutile non vitiatur’ os vícios de violação de lei com potencial relevância a nível da pontuação com que é feita a classificação dos candidatos a concurso, não relevam como fundamentos de anulação do acto se for de concluir que da eliminação daqueles não resultaria alteração da posição relativa do recorrente no concurso.’
27) Neste conspecto, a sentença recorrida sofre igualmente de erro de julgamento, por violação do princípio utile per inutile non vitiatur».
O recorrido reconhece que o acórdão enfrentou a questão, só que o terá feito numa única perspectiva, claudicando na apreciação de outras perspectivas pelas quais se deveria discutir o problema.
Mas não tem razão.
O acórdão expressamente discutiu na perspectiva da legitimidade e também na perspectiva da utilidade da anulação, e aderiu, ainda, à sentença. E concluiu que não se poderia afirmar como inevitável que a autora nunca poderia ver-lhe adjudicada a obra. Expressamente concluiu, «questão diferente é se lhe gerará direitos [à autora] que lhe permitam vir a executar a obra […]».
Por isso, o problema foi apreciado. Se não foi bem abordado é uma questão de erro, não de nulidade.
Quanto à falta de fundamentação.
Verdadeiramente, o recorrente não alega falta de fundamentação, pois o que invoca é «não se perceber a verdadeira razão de o Tribunal recorrido entender que tal direito não é um direito fundamental».
Mas há que distinguir entre o não perceber, caso que poderia levar, sendo essa falha objectiva, a um pedido de esclarecimento, que não foi feito, e a ausência de fundamentação.
E só há a nulidade do artigo 668.º, n.º 1, b), do CPC na ausência de fundamentação, não na sua mera debilidade (por todos, o acórdão deste Tribunal, de 14.4.2010, proc. 442/09 e os nele indicados − www.dgsi.pt).
O acórdão considerou que «não se vislumbra a existência de qualquer inconstitucionalidade uma vez que não podemos equiparar o direito de iniciativa económica privada aos direitos/liberdades fundamentais». O recorrente entende diversamente, entende que há violação de direitos fundamentais. É matéria de eventual erro de julgamento, não de omissão de pronúncia.
Passemos aos alegados erros de julgamento.
2.2.2. A adjudicação foi anulada por se entender que o adjudicatário, o consórcio formado pelas empresas B………, SA, e C……… havia sido ilegalmente admitido no concurso, pois não preenchia as habilitações necessárias.
Para chegar a esse entendimento, o acórdão, seguindo a sentença, foi considerando diversas razões, que se somavam, qualquer delas podendo conduzir à ilegalidade da admissão dos ora recorrentes.
O erro do acórdão não vem apontado nos mesmos termos nos recursos dos recorrentes.
Analisaremos as questões independentemente da ordem pela qual são enunciadas em cada um dos recursos.
2.2.2.1. Comecemos por recordar as disposições relevantes do programa de concurso.
“6 – Admissão dos Concorrentes
6.1 - Podem ser admitidos a concurso
a) Os titulares de Alvará, emitidos pelo Instituto de Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI);
b) Os não titulares de Alvará […];
c) Os não titulares de Alvará […];
6.2. O Alvará previsto na alínea a) do n.º 6.1 deve conter as seguintes autorizações:
As autorizações da 1.ª Subcategoria da 1.ª Categoria, ou a 4.ª Subcategoria da 1.ª Categoria em classe que cubra o valor global da obra;
e
As autorizações da 4.ª, 5.ª, 7.ª e 8.ª Subcategorias da 1.ª Categoria em classe correspondente aos trabalhos a que respeitam cada subcategoria;
e
As autorizações da 1.ª, 7.ª e 10.ª Subcategorias da 4.ª Categoria em classe correspondente aos trabalhos a que respeitam cada subcategoria.
6.3. Desde que não seja posto em causa o disposto no n.º 3 do art. 265.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, o concorrente pode recorrer a subempreiteiros […]”.
«9 - Modalidade Jurídica de Associação de Empresas
9.1 - Ao concurso poderão apresentar-se agrupamentos de empresas, sem que entre elas exista qualquer modalidade jurídica de associação, desde que todas as empresas do agrupamento satisfaçam as disposições legais relativas ao exercício da actividade de empreiteiro de obras públicas e comprovem, em relação a cada uma das empresas, os requisitos exigidos no n.º 15.
9.2. […]
9.3. […]»
«14 – Valor para Efeito do Concurso
O valor para efeito do concurso é de 1.960.000,00 € (um milhão novecentos e sessenta mil euros), não incluindo o imposto sobre o valor acrescentado.»
«15 – Documentos de Habilitação dos Concorrentes
15.1. Documentos a apresentar por todos os concorrentes:
[…].
15.2 - Outros documentos a apresentar apenas pelos concorrentes titulares de certificado de inscrição em lista oficial de empreiteiros aprovados de um dos Estados mencionados no anexo I da Portaria nº 104/2001, de 21 de Fevereiro
a) Alvará (ou cópia simples do mesmo) emitido pelo IMOPPI, contendo as autorizações referidas no 6.1, e se, for o caso, declaração que mencione os subempreiteiros;
ou, caso o concorrente não possua o certificado indicado na alínea a):
b) Certificado de inscrição em lista oficial de empreiteiros aprovados (ou cópia simples do mesmo), adequado à obra posta a concurso, que indique os elementos de referência relativos à idoneidade, à capacidade financeira e económica, e à capacidade técnica que permitiram aquela inscrição e justifique a classificação atribuída nessa lista, e se for o caso, declaração que mencione os subempreiteiros».
Relembradas estas disposições, retenha-se da matéria de facto:
«19. Nos termos do certificado apresentado (junto a fls. 86 dos autos) a empresa B………, Lda. detinha o alvará de 1.a categoria (edifícios de construção tradicional), classe 4; classe 2 para as 1.a e 4.a subcategorias da 1.a categoria, além da habilitação para outras categorias e subcategorias, ali referidas.
20. Nos termos do certificado apresentado (junto a fls. 85 dos autos) a empresa C………, Lda. detinha alvará para a 1.a categoria (edifícios de construção tradicional), classe 5; e de classe 4 para a 1.a e 4.a subcategoria da 1.a categoria, além da habilitação para outras categorias e subcategorias, ali referidas».
Julgou o acórdão recorrido que ao admitir-se o consórcio teria sido violada a exigência do ponto 9.1. do programa de concurso, por falta de alvará para a 1ª e 4ª subcategoria correspondente ao valor global da obra.
Vejamos.
2.2.2.2. Não se coloca em dúvida no processo que as duas empresas do consórcio adjudicatário satisfaziam as disposições legais relativas ao exercício da actividade de empreiteiro, conforme exigência da primeira parte do ponto 9.1 do programa de concurso
Afirma-se é que elas não demonstravam satisfazer os requisitos exigidos na segunda parte do mesmo ponto, isto é, não satisfaziam a exigência aí constante de comprovação em relação a cada uma delas dos requisitos do n.º 15 mesmo programa.
Ora, quanto a este ponto 15, também não foi questionada a apresentação de qualquer dos documentos indicados em 15.1., nem foi avançado que tivesse sido apresentado o certificado previsto em 15.2.b).
O que se controverteu foi que os documentos apresentados satisfizessem a exigência do 15.2.a), por referência, portanto, ao 6.1.
Ora, quanto a esta matéria impõe-se precisar, ainda.
Não está em discussão que qualquer das empresas do consórcio é titular de «Alvará, emitido[s] pelo Instituto de Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI)», conforme expressamente prevê o 6.1.a) do programa de concurso.
O que está apenas em discussão é se esses alvarás satisfazem, por sua vez, o disposto no ponto 6.2.
Na verdade, no ponto 6.2. indica-se o que é o que o alvará previsto em 6.1. deve conter: «O Alvará previsto na alínea a) do n.º 6.1 deve conter as seguintes autorizações:
As autorizações da 1.ª Subcategoria da 1.ª Categoria, ou a 4.ª Subcategoria da 1.ª Categoria em classe que cubra o valor global da obra;
e
As autorizações da 4.ª, 5.ª, 7.ª e 8.ª Subcategorias da 1.ª Categoria em classe correspondente aos trabalhos a que respeitam cada subcategoria;
e
As autorizações da 1.ª, 7.ª e 10.ª Subcategorias da 4.ª Categoria em classe correspondente aos trabalhos a que respeitam cada subcategoria.»
O acórdão enfrentou a questão de saber se o ponto 15, ao referir apenas o ponto 6.1., deve ser considerado como bastando-se com alvará emitido pelo Instituto de Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPIi, independentemente da exigência de conteúdo constante do 6.2., ou se se reporta ao 6.1 tendo já em consideração que ele é integrado pelo 6.2.
O acórdão julgou correcta a segunda hipótese.
E na verdade, o 6.1 e o 6.2 constituem uma previsão complexa e incindível; é que o ponto 6.1 existe com o preenchimento que nele é feito através da previsão de 6.2.; é o 6.2 que indica o que é necessário para se dar por satisfeito o 6.1.
E sendo assim, também o ponto 15, ao remeter para o 6.1 não precisava de fazer qualquer referência expressa ao 6.2, pois que ela decorria do ponto 6 no seu todo. E aliás, logo se vê que em 15.2.a) se remete para «as autorizações referidas no 6.1», quando o 6.1. por si mesmo, não tem qualquer previsão de autorizações, essas, sim, que estão em 6.2.
Assim, o acórdão não errou no entendimento que perfilhou.
2.2.2.3. Agora, note-se que o número 9.1 exige a comprovação, em relação a cada uma das empresas, dos requisitos exigidos no n.º 15.
O acórdão julgou que era necessário que ambas as empresas do consórcio satisfizessem o requisito de titularidade de alvará contendo as autorizações da 1.ª Subcategoria da 1.ª Categoria, ou a 4.ª Subcategoria da 1.ª Categoria em classe que cobrindo o valor global da obra.
A matéria vem discutida pelo seu confronto com o regime legal.
2.2.2.3.1. Há dois artigos do DL 12/2004, de 9 de Janeiro, que vêm especialmente convocados.
Recordemo-los:
«Artigo 26.º
Consórcios e agrupamentos de empresas
1 - Para a realização de obras, as empresas de construção podem organizar-se, entre si ou com empresas que se dediquem a actividade diversa, em consórcios ou em qualquer das modalidades jurídicas de agrupamento de empresas admitidas e reguladas pelo quadro legal vigente, desde que as primeiras satisfaçam, todas elas, as disposições legais relativas ao exercício da actividade.
2 - Os consórcios ou agrupamentos de empresas aproveitam das habilitações das empresas associadas, devendo pelo menos uma das empresas de construção deter a habilitação que cubra o valor total da obra e respeite ao tipo de trabalhos mais expressivo e cada uma das outras empresas de construção a habilitação que cubra o valor da parte da obra que se propõe executar».
«Artigo 31.º
Exigibilidade e verificação das habilitações
1 - Nos concursos de obras públicas e no licenciamento municipal, deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes.
2 - A habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior.
3 - Os donos de obras públicas, os donos de obras particulares nos casos de isenção ou dispensa de licença ou autorização administrativa e as entidades licenciadoras de obras particulares devem assegurar que as obras sejam executadas por detentores de alvará ou título de registo contendo as habilitações correspondentes à natureza e valor dos trabalhos a realizar, nos termos do disposto nas portarias referidas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 4.º e no n.º 5 do artigo 6.º
4 - A comprovação das habilitações é feita pela exibição do original do alvará ou do título de registo, sem prejuízo de outras exigências legalmente previstas, podendo em qualquer caso a sua verificação ser efectuada no sítio do IMOPPI na Internet.
5 - Nenhuma obra poderá ser dividida por fases tendo em vista subtraí-la à consideração do seu valor global para efeitos de determinação da classe de valor de trabalhos exigível».
O juízo do acórdão foi o de que apenas podiam ser admitidas a concurso os consórcios onde cada uma das empresas possuísse as habilitações técnicas impostas no PC não bastando que os concorrentes se apresentassem com o título de empreiteiro geral ou construtor geral.
Por isso, remeteu para o seguinte segmento da sentença, que acompanhou:
«Por outro lado, o artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, permite o agrupamento de empresas, obrigando apenas a que todas as empresas do agrupamento satisfaçam as disposições legais relativas ao exercício da actividade de empreiteiro de obras públicas, deixando para a entidade adjudicante a definição das autorizações necessárias à execução da empreitada e a classe a que corresponderá o valor da proposta, conforme dispõe o artigo 54. alínea a) do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, já supra citado. Acresce ainda que, no caso sub judice nenhuma das empresas que constituem o referido consórcio cumpre o disposto no artigo 26.º nº 2 do Decreto-Lei nº 12/2004, de 2 Janeiro, uma vez que este dispõe que: ‘Os consórcios ou agrupamentos de empresas aproveitam das habilitações das empresas associadas, devendo pelo menos uma das empresas de construção deter a habilitação que cubra o valor total da obra e respeite ao tipo de trabalhos mais expressivo e cada uma das outras empresas de construção a habilitação que cubra o valor da parte da obra que se propõe executar", uma vez que não resulta do disposto no artigo 31.º, n.º 1 e 2, do mesmo Diploma que o cumprimento daquele ponto 9.1 do Programa do Concurso se bastava com o facto de uma daquelas empresas deter a classe 5 da habilitação de empreiteiro geral. Na verdade, o artigo 31., n.º 1, dispõe que: ‘Nos concursos de obras públicas e no licenciamento municipal, deve ser exigida uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra, a qual deve respeitar ao tipo de trabalhos mais expressivo, sem prejuízo da eventual exigência de outras subcategorias relativas aos restantes trabalhos a executar e nas classes correspondentes’ e o n. º 2 deste mesmo artigo que: ‘A habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior’", pelo que, a possibilidade a que se reporta o n.º 2 deste artigo, e que dispensa a detenção de autorizações da determinada subcategoria que cobrisse o valor global da obra, deveria constar expressamente do Programa do Concurso, o que não sucede no caso em apreço, até porque obriga a uma ponderação por parte da entidade adjudicante, ao fixar as regras de admissão dos concorrentes sobre se habilitação de empreiteiro geral e a adequação à obra em causa.
Afastada que está por isso a violação por parte daquele ponto 9.1 do Programa do Concurso, destes normativos legais, sempre se acrescentaria, no entanto, que nenhuma destas normas impossibilitaria a entidade adjudicante de fixar no anúncio e no programa de concurso regras mais restritivas em relação àquelas […]».
2.2.2.3.2. Comece por se observar que não está em discussão que nenhuma das empresas do consórcio cumpre o requisito do primeiro parágrafo do ponto 6.2 do programa de concurso, isto é, nenhuma delas detém autorização da 1.ª Subcategoria da 1.ª Categoria, ou da 4.ª Subcategoria da 1.ª Categoria em classe que cubra o valor global da obra.
E isso, desde logo, poderia confirmar que a decisão recorrida teria estado bem, pois que o artigo 26.º, n.º 2, se bem que prevendo que os consórcios ou agrupamentos de empresas aproveitam das habilitações das empresas associadas exige que pelo menos uma das empresas de construção detenha a habilitação que cubra o valor total da obra e respeite ao tipo de trabalhos mais expressivo.
O que, afinal, não aconteceria, pois nenhuma das empresas deteria a dita habilitação.
Porém, esse preceito tem de ser conjugado com o artigo 31º.
2.2.2.3.3. Neste sector de discussão, o problema é, unicamente, o da eventual da violação do n.º 2 desse artigo 31.º.
Como resulta do texto desse n.º 2, a habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência a que se refere o número anterior, o n.º 1 do artigo 31.º.
Isto significa que se o candidato preencher as condições do n.º 2 está dispensado de cumprir a exigência constante do programa e estabelecida em cumprimento do n.º 1.
O candidato tem, simplesmente, que demonstrar que preenche a previsão do n.º 2.
Porém, o acórdão, reiterando a sentença, julgou que «a dispensa de detenção de autorizações das determinadas subcategorias que cobrisse o valor global da obra, deveria constar expressamente do Programa do concurso, o que não sucede no caso em apreço, até porque obriga a uma ponderação por parte da entidade adjudicante, ao fixar as regras».
Vejamos.
2.2.2.3.4. Em primeiro lugar, há que ter em atenção quais são os destinatários das normas do artigo 31, n.º 1, e do artigo 31.º, n.º 2.
O artigo 31.º, n.º 1, tem como destinatário imediato o dono da obra. Ao elaborar o programa de concurso ele deve exigir uma única subcategoria em classe que cubra o valor global da obra. Se exigir autorização em mais que uma subcategoria em classe que cubra o valor global da obra está a desrespeitar o artigo 31.º, n.º 1.
Já o artigo 31.º, n.º 2, não é preceito dirigido directamente ao dono da obra, para a formulação do programa de concurso.
É uma norma imediatamente aplicável, sem necessidade de qualquer intermediação do programa de concurso.
Note-se que é no programa de concurso que se define o tipo de trabalhos mais expressivo. É essa definição, desde logo, que importará para a definição da subcategoria que por sua vez relevará para verificar se o alvará dos candidatos respeita a classe cobrindo o valor global da obra.
Mas estando feita essa definição, o programa de concurso não tem de conter um texto reproduzindo a norma do artigo 31.º, n.º 2.
Essa norma não exige intermediação. É que ela, ao contrário do que também parece ao acórdão, não confere liberdade de determinação ao dono da obra. Nesse ponto específico, pois que se trata de norma auto-suficiente, não há nada a regulamentar por parte do dono da obra.
O dono da obra regulamenta o que respeita aos trabalhos mais expressivos, indicando as categorias e subcategorias que os representam. Depois, perante o n.º 2 do artigo 31, desde que existam candidatos que preencham as condições de aplicação da norma, tem que se aplicar o preceito.
É que ele confere um direito imediato ao candidato. A habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral, desde que adequada à obra em causa e em classe que cubra o seu valor global, dispensa a exigência específica estabelecida no programa de concurso, no respeito do n.º 1 do artigo 31.º.
Quer dizer, ao contrário do que ajuizou o acórdão recorrido, o facto de não estar textualizado no programa de concurso uma regra equivalente à do n.º 2 do artigo 31.º não significa que ela não se aplique.
Aliás, a ser como o acórdão ponderou, então, poderia o programa de concurso formular uma regra contrária à do artigo 31.º, n.º 2. Imagine-se que o programa textualizava algo como: “Não se encontram dispensados da exigência de autorização da 1.ª Subcategoria da 1.ª Categoria, ou da 4.ª Subcategoria da 1.ª Categoria em classe que cubra o valor global da obra, os candidatos com habilitação em empreiteiro geral ou construtor geral, mesmo que adequada à obra e em classe cobrindo o seu valor global”.
Logo se percebia que esse programa entraria em directa infracção do artigo 31.º, n.º 2.
É que o artigo 31.º, n.º 2, não confere discricionariedade ao dono da obra nessa dispensa. Ele, como se disse, confere um direito de dispensa.
Por isso, tanto vale o programa conter texto reproduzindo a norma, como não o conter.
É que, de qualquer modo, não poderia conter o contrário.
E neste sentido vai, também, a jurisprudência do Tribunal de Contas, como alegado, podendo indicar-se, nomeadamente o acórdão n.º 27/06, de 2 de Maio, processo n.º 2485/2005, no qual se reitera posição anterior:
«Por sua vez, o n.º 2 [do art. 31.º] permite que os detentores de alvará de empreiteiro geral ou construtor geral adequado à obra em causa e em classe que cubra o respectivo valor global possam concorrer ao concurso, independentemente de tal possibilidade se encontrar, ou não, expressamente prevista no programa de concurso e nos avisos de abertura do procedimento» (em www.tcontas.pt).
2.2.2.3.5. E assim, a questão apenas estará em saber se a habilitação em empreiteiro geral detida pelo candidato é adequada à obra e em classe cobrindo o seu valor global. Se for, o candidato está dispensado da exigência específica acima vista.
Afinal, do que se trata é de que se obtém o objectivo de confiança quanto à idoneidade e capacidade dos candidatos, por duas vias. Ou a via do n.º 1, do artigo 31, que está plasmada no 6.2., primeiro parágrafo ou a via do n.º 2 do mesmo artigo 31.º.
E esse objectivo é garantido através da via do artigo 31.º, n.º 2, exactamente porque subjacente a essa norma está que a «classificação de empreiteiro geral ou construtor geral habilita o seu titular a subcontratar a execução de trabalhos enquadráveis nas subcategorias necessárias à concretização da obra, sendo responsável pela sua coordenação global», (do artigo 12, n.º 1), sendo que a obtenção dessa classificação supõe, nomeadamente, «a capacidade de coordenação avaliada pela experiência profissional detida» (do artigo 12.º, n.º 2).
Repare-se que se acompanha a alegação da Autora, ora recorrida, de que aquela habilitação «não pode, pois, significar uma automática habilitação do empreiteiro geral para qualquer tipo de obra, nem para qualquer concurso» (da conclusão XXIV).
É necessário verificar a concreta habilitação perante o concreto concurso.
No caso dos autos, o que temos é que o consórcio é constituído por duas empresas construtoras em que uma delas, a «C………, Lda. detinha alvará para a 1.a categoria (edifícios de construção tradicional), classe 5» (do ponto 20 da matéria de facto.
Conforme o 2.º da Portaria n.º 19/2004, de 10 de Janeiro, «A classificação em empreiteiro geral ou construtor geral, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, depende da posse cumulativa das subcategorias determinantes de acordo com o seguinte quadro».
Ora, conforme documento de fls. 85 dos autos, para que remete o ponto 20 da matéria de facto, a C………, Lda. detinha alvará para as duas subcategorias determinantes (1ª Estruturas e elementos de betão; 4ª Alvenarias, rebocos e assentamento de cantarias) da 1ª categoria, Edifícios de construção tradicional.
E essas subcategorias e categoria haviam sido consideradas respeitantes ao tipo de trabalhos mais expressivo, pois foi por elas (as subcategorias até em alternativa) que foi exigida habilitação cobrindo o valor global da obra.
A C………, Lda. detinha, pois, habilitação de empreiteiro geral ou construtor geral adequada à obra.
Além disso, conforme o mesmo documento de fls. 85, a classificação foi-lhe concedida na classe 5.
Esta classe 5, nos termos da Portaria n.º 6/2008, de 2 de Janeiro, confere habilitação para obras de valor até 2560000 euros.
Ora, o «valor para efeito do concurso é de 1.960.000,00 € (um milhão novecentos e sessenta mil euros), não incluindo o imposto sobre o valor acrescentado» (do 14 da matéria de facto).
E o valor da proposta apresentada pelo consórcio era de 2 408 167,08 €. (18. da matéria de facto.
O que significa que um dos elementos do consórcio continha habilitação capaz de o dispensar da exigência do 6.2., do programa de concurso, por estar abrangido pela dispensa directamente resultante do artigo 31.º, n.º 2, do DL 12/2004.
Por isso, não esteve bem o acórdão nesta parte.
2.2.2.4. Resta apreciar a ponderação do acórdão quando entendeu, com a sentença, que, em qualquer caso, não bastava que um dos elementos do consórcio preenchesse as condições de habilitação em classe cobrindo o valor global da obra.
2.2.2.4.1. Voltemos, ao regime legal, em particular ao 26.º, n.º 2, do DL 12/2004.
«2 - Os consórcios ou agrupamentos de empresas aproveitam das habilitações das empresas associadas, devendo pelo menos uma das empresas de construção deter a habilitação que cubra o valor total da obra e respeite ao tipo de trabalhos mais expressivo e cada uma das outras empresas de construção a habilitação que cubra o valor da parte da obra que se propõe executar».
A primeira parte do preceito dispõe do aproveitamento por parte dos consórcios ou agrupamentos das habilitações das empresas associadas.
Mas, para esse aproveitamento, o preceito faz uma exigência: uma das empresas tem de deter habilitação cobrindo o valor total da obra e respeite ao tipo de trabalhos mais expressivo e cada uma das outras a habilitação que cubra o valor da parte da obra que se propõe executar.
Ora, a questão está em saber o real alcance dessa exigência.
Ou seja, poderá entender-se que o artigo 26.º, n.º 2, impõe uma exigência mínima, por isso que não impede que se exija mais do que essa condição mínima. É que não se diz que não se pode exigir que todas as empresas detenham habilitação cobrindo o valor global da obra, ou que mais que uma detenha tal habilitação, ou que tal habilitação se verifique numa qualquer percentagem de empresas face ao número total de participantes em cada eventual consórcio ou agrupamento. Assim, encontrar-se-ia na disponibilidade do dono da obra, em face dos interesses a prosseguir, manter-se no mínimo imposto, ou ir mais além. Violação haveria, sim, se não se exigisse que pelo menos uma das empresas de construção detivesse a habilitação cobrindo o valor total da obra.
Ou poderá entender-se que, cumprida a exigência expressa no texto do n.º 2, os consórcios aproveitam imediatamente das habilitações das empresas associadas.
Afigura-se que a melhor solução é esta última.
A solução contrária recolhe apoio na expressão literal «devendo, pelo menos». Esta expressão poderia significar, como se disse, que se tratava, afinal, de uma condição mínima, de modo que se poderia exigir mais, poder-se-ia exigir mais que esse mínimo.
Mas não se deverá interpretar o texto com esse sentido.
Repare-se que essa condição, «devendo pelo menos», não está inscrita apenas para a habilitação respeitante ao valor total da obra, mas também para habilitação das empresas quanto ao valor da parte da obra que se propõem executar.
Não teria sentido que houvesse nesta última parte discricionariedade, que se pudesse exigir que cada uma das empresas detivesse mais que do que a habilitação que cobrisse o valor da parte da obra que se propõe executar. Afinal, a ser assim, poder-se-ia esfumar por completo o aproveitamento pelo consórcio das habilitações das empresas associadas. Poder-se-ia chegar ao ponto de exigir que todas as empresas detivessem habilitação cobrindo o valor total da obra, caso em que nenhum aproveitamento se tiraria.
A melhor interpretação é a de ler aquela expressão no sentido «desde que». Ou seja, os consórcios ou agrupamentos de empresas aproveitam das habilitações das empresas associadas, desde que uma das empresas de construção detenha a habilitação que cubra o valor total da obra e respeite ao tipo de trabalhos mais expressivo e cada uma das outras empresas de construção a habilitação que cubra o valor da parte da obra que se propõe executar.
Esta interpretação tem correspondência verbal no texto (artigo 9.º, n.º 2 do CC), e é a que permite dar conteúdo à parte introdutória do preceito, assim correspondendo ao real aproveitamento das habilitações das empresas associadas.
É este, aliás, o princípio que tem sido declarado neste STA.
Na verdade, este Tribunal teve oportunidade de ponderar ainda antes do DL 12/2004:
«Nos termos do art. 57.º, n.º 1, do citado DL 59/99 “os agrupamentos de empresas podem apresentar propostas sem que entre elas exista qualquer modalidade jurídica de associação, desde que todas as empresas do agrupamento satisfaçam as disposições legais relativas ao exercício da actividade de empreiteiro de obras públicas.”
Acrescentando o seu n.º 2 que “a constituição jurídica dos agrupamentos não é exigida na apresentação da proposta, mas as empresas agrupadas serão responsáveis solidariamente perante o dono da obra pela manutenção da sua proposta, com as legais consequências.”
“No caso de adjudicação, as empresas do agrupamento associar-se-ão obrigatoriamente, antes da celebração do contrato, na modalidade jurídica prevista no caderno de encargos.” – prescreve o seu n.º3.
Resulta do preceito acima transcrito que as empresas que detenham o alvará relativo ao exercício de empreiteiro de obras públicas se podem associar tendo em vista a apresentação de uma proposta conjunta num concurso de obra pública sem que essa associação tenha de revestir a constituição jurídica de uma nova entidade diferenciada das associadas e sem que essa associação faça perder a identidade própria de cada uma delas.
E é por ser assim que, apesar da associação, cada uma dessas empresas é, perante o dono da obra, solidariamente responsável pela manutenção da proposta apresentada conjuntamente – vd o transcrito n.º 2 -, o que quer dizer que, muito embora a proposta seja conjunta, certo é que cada uma das associadas mantém a sua individualidade jurídica e fica obrigada a assumir a responsabilidade da proposta conjunta, podendo o dono da obra exigir a cada uma das associadas a sua manutenção.
Por outro lado, a constituição de um consórcio desta natureza só dará origem a uma nova entidade diferenciada das associadas quando o mesmo o concurso for ganho e a obra lhe for adjudicada, o que significa que até à celebração do contrato a única ligação existente entre elas é meramente fáctica e movida por um objectivo muito concreto, a de possibilitar a apresentação de uma proposta mais competitiva.
Esta, circunstância, todavia, não invalida que o concorrente seja a associação e não cada um dos seus associados de per si.
O que fica dito permite-nos concluir que a motivação, senão exclusiva pelo menos predominante, que leva duas ou mais empresas a associarem-se para concorrer a um concurso de obra pública é de natureza prática e objectiva, somar as capacidades de cada uma para que, dessa forma, possam potenciar as suas vantagens competitivas e multiplicar as suas possibilidades de êxito.
E se assim é então também se deverá concluir que, no momento em que se processa a apreciação do grau satisfação dos requisitos exigidos no aviso do concurso, o que importará é saber em que medida é que tais requisitos são satisfeitos pelo conjunto das empresas e não saber se cada uma das empresas, por si e em separado, satisfaz esses requisitos.
Nesta conformidade, para que o consórcio satisfaça os requisitos exigidos para o concurso bastará que uma das associadas os possua. A não se entender deste modo a complementaridade visada com a associação não teria qualquer sentido e poder-se-ia cair no absurdo de uma empresa que poderia ser qualificada se concorresse isoladamente ver o consórcio em que se integrava ser desqualificado porque a (ou uma das) empresa com que se associara não cumpria um dos itens exigidos.
Ou seja, a associação seria limitativa e não criativa, o que contrariando inteiramente o espírito da lei não pode ser aceite como uma boa interpretação» (do ac. de 17.4.2002, proc. N.º 191/02, ponderação reiterada no ac. de 6.11.2002, proc. 1394/02 (ambos em www.dgsi.pt).
E nessa linha tem seguido o Tribunal de Contas, este tendo já em atenção directamente o DL 12/2004:
«Dispõe o art.º 57.º do DL n.º 59/99, de 2 de Março, sob a epígrafe “Agrupamentos de empreiteiros”, que:
“1- Os agrupamentos de empresas podem apresentar propostas sem que entre elas exista qualquer modalidade jurídica de associação, desde que todas as empresas do agrupamento satisfaçam as disposições legais relativas ao exercício da actividade de empreiteiro de obras públicas1.
2- (…).”.
Dispõe o art.º 26.º, do DL 12/2004, de 2 de Janeiro, sob a epígrafe “Consórcios e agrupamentos de empresas”, que:
1. Para a realização de obras, as empresas de construção podem organizar-se, entre si ou com empresas que se dediquem a actividade diversa, em consórcios ou em qualquer das modalidades jurídicas de agrupamento de empresas admitidas e reguladas pelo quadro legal vigente, desde que as primeiras satisfaçam, todas elas, as disposições legais relativas ao exercício da actividade.
2. Os consórcios ou agrupamentos de empresas aproveitam das habilitações das empresas associadas, devendo, pelo menos, uma das empresas de construção deter a habilitação que cubra o valor total da obra e respeite ao tipo de trabalhos mais expressivo e cada uma das outras empresas de construção a habilitação que cubra o valor da parte da obra que se propõe executar
3. (…).”.
Do disposto no nº 2 do artigo 26.º do DL 12/2004, conjugado com os nºs 1 dos artigos 26.º e 57.º dos diplomas supra referenciados podemos concluir que os consórcios e agrupamentos de empresas só podem ser excluídos do processo concursal, quando: (i) alguma das empresas de construção associadas não detenha alvará relativo ao exercício de empreiteiro de obras públicas; (ii) detendo todas as empresas de construção associadas alvará relativo ao exercício de empreiteiro de obras públicas, pelo menos, uma dessas empresas não detenha habilitação que cubra o valor total da obra e respeite ao tipo de trabalhos mais expressivo; (iii) detendo todas as empresas de construção associadas alvará relativo ao exercício de empreiteiro de obras públicas e, pelo menos, uma dessas empresas detenha habilitação que cubra o valor total da obra e respeite ao tipo de trabalhos mais expressivo, cada uma das outras empresas de construção não detenha a habilitação que cubra o valor da parte da obra que se propõe executar» (do Ac. n.º 55/06, de 14.11.2006, proc. N.º 813/2006, em www.tcontas.pt).
2.2.2.4.2.2. Fixado o regime legal, diferente, pois, do considerado pelo acórdão recorrido, vejamos se o programa do concurso o violou.
Já vimos o 9.1 do programa de concurso: «Ao concurso poderão apresentar-se agrupamentos de empresas, sem que entre elas exista qualquer modalidade jurídica de associação, desde que todas as empresas do agrupamento satisfaçam as disposições legais relativas ao exercício da actividade de empreiteiro de obras públicas e comprovem, em relação a cada uma das empresas, os requisitos exigidos no n.º 15».
E observámos que o 15 do programa remete para o 6.
Assente-se que assim como perante as leis se deve ensaiar uma interpretação conforme com a Constituição, assim também perante os regulamentos se deve ensaiar uma interpretação conforme com as leis habilitantes.
Apenas se não for possível essa interpretação conforme é que haverá lugar a declarar a ilegalidade dos regulamentos.
Na circunstância, é possível descortinar que a exigência de cumprimento por parte das empresas constituintes de agrupamento ou consórcio dos requisitos a que se reportam os números 6. 9. e 15, se contém no respeito dos preceituado legal.
Com efeito, se bem se vir o número 9. do programa do concurso, utiliza-se nele uma dupla expressão literal: no que respeita à satisfação das disposições legais relativas ao exercício da actividade de empreiteiro de obras públicas, exige-se que «todas as empresas do agrupamento» o preencham; já no que respeita aos requisitos do n.º 15, exige-se que comprovem em «relação a cada uma», e não que todas comprovem todos os requisitos.
Esta diferença literal, conjugada com o disposto na lei, permite ver, entre o «todas» e o «em relação a cada uma», que o que em rigor se exige no programa é que «todas» as empresas do agrupamento satisfaçam as disposições legais relativas ao exercício da actividade de empreiteiro de obras públicas (o que corresponde à parte final do artigo 26.º, n.º 1, do DL 12/2004) e que já não todas, mas «cada uma», no que lhe respeitar e for devido, comprove os requisitos exigidos no n.º 15.
Ora, o que respeita a cada uma das empresas depende das condições em que se apresenta cada um dos consórcios ou agrupamentos.
No caso concreto, tem de se ter em atenção o que já se viu quanto à integração do consórcio adjudicatário na previsão dos artigos 26.º e 31.º, n.º 2, do DL 12/2004.
Assim, ainda nos termos do programa de concurso, não tinham todos os membros do consórcio de deter todas as autorizações constantes do seu n.º 15.
A exigência realizada em 9 do programa de concurso para cada uma das empresas integrantes de consórcios, deve ser interpretada como referindo-se às autorizações exigíveis a cada uma delas, tendo pois em atenção o que resulta da aplicação dos citados dispositivos legais (26.º e 31.º).
Assim, não tinha o consórcio adjudicatário de comprovar que além da C………, LDA, também a B………, SA, preenchia a previsão do artigo 31.º, n.º 2, ou que era ela mesmo titular de alvará com autorizações da 1.ª Subcategoria da 1.ª Categoria, ou da 4.ª Subcategoria da 1.ª Categoria em classe cobrindo o valor global da obra.
E se assim é, não poderia a adjudicação ter sido anulada pela falta de habilitação do consórcio descortinada pela sentença e pelo acórdão.
Neste quadro, têm razão os recorrentes, não sendo necessário discutir as demais discordâncias.
3. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e julgando-se improcedente a acção.
Custas pela autora e ora recorrida.
Lisboa, 5 de Janeiro de 2012. – Alberto Augusto Andrade de Oliveira (relator) – Fernanda Martins Xavier e Nunes – Jorge Manuel Lopes de Sousa

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