quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

CONCURSO PÚBLICO DE FORNECIMENTO - CORRECÇÃO PROPOSTA - PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DA PROPOSTA - PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - CONHECIMENTO PREJUDICADO - DOCUMENTO

Processo nº 703/2009  Supremo Tribunal Administrativo  -   2009-09-30


I - Por força do princípio da concorrência a Administração deve providenciar no sentido de garantir aos interessados em contratar o mais amplo acesso aos procedimentos pré-contratuais, dentro dos limites traçados por regras imperativas e pelos princípios a que devem obedecer os procedimentos administrativos relativos à formação dos contratos públicos.
II - O princípio constitucional e legal da proporcionalidade (arts 266.º, n.º 2, da CRP e 5.º, n.º 2, do CPA) impõe à Administração a obrigação de providenciar no sentido de serem sanadas deficiências dos documentos apresentados pelos interessados em procedimentos pré-contratuais, desde que essa sanação não contenda como outras regras ou princípios que regem a contratação pública.
III - Tendo o concorrente a um concurso público de fornecimento de refeições apresentado a sua proposta calculando o preço de cada refeição tendo em conta os encargos com o pessoal derivados de uma convenção colectiva de trabalho que deixou de ser aplicável, é admissível a rectificação da proposta na parte em se faz aplicação da convenção colectiva de trabalho revogada.
IV - A rectificação de proposta nos termos referidos não contende com o princípio a princípio da intangibilidade das propostas, porque não altera o seu conteúdo real, pois a correcção consiste em operações aritméticas de acerto dos encargos a ter em conta, que, por imposição legal, passaram a ser diferentes dos que foram considerados na elaboração da proposta.
V - Julgando o Supremo Tribunal Administrativo em último grau de jurisdição, se concluir que o acto impugnado deve ser anulado com fundamento num vício que impede a sua renovação é de considerar prejudicado, por ser inútil, o conhecimento de outros vícios que lhe tenham sido imputados, desde que da procedência da acção com outros fundamentos não possa ter diferentes efeitos a nível de execução do julgado.
VI - Em recurso excepcional de revista, o Supremo não pode substituir-se às instâncias na apreciação em primeiro grau de jurisdição das questões que são colocadas na acção.


 Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1 – A…, S.A., instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de ... acção administrativa especial para impugnação de acto administrativo pré-contratual pedindo a anulação da deliberação do Conselho Directivo do Instituto do ... de 9-9-2008, que a excluiu do concurso público internacional n.º ... para prestação de serviços e fornecimento de refeições e serviço de bar no Centro de Formação Profissional de ....
Aquele Tribunal julgou a acção improcedente e absolveu o Instituto do ....
A autora interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal para o Tribunal Central Administrativo Sul, que lhe negou provimento, confirmando a sentença recorrida.
Do acórdão do Tribunal Central Administrativo foi interposto o presente recurso excepcional de revista, nos termos do art. 150.º do CPTA.
A formação deste Supremo Tribunal Administrativo prevista no n.º 5 daquele art. 150.º, admitiu o recurso.
A Recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
I A admissibilidade do recurso – Eficácia retroactiva de lei superveniente ao anúncio do concurso
Alteração do quadro legal regulador do concurso após o anúncio do concurso e de publicitação do programa do concurso.
1 Com o presente recurso pretende-se a determinação no plano de direito se, no período de temporal entre a data da abertura do anúncio e do programa do concurso público e a data da apresentação das propostas, uma alteração superveniente do quadro legal constitutivo do bloco de legalidade, tem ou não reflexo directo no parâmetro de conformidade das propostas a apresentar.
2 Pode uma alteração legal superveniente ao anúncio e ao programa do concurso ter eficácia imediata e retroactiva passando a integrar o regime do concurso, constituindo critério de aferição das propostas?
3 No concurso público pelo Programa do Concurso, ponto a.4), alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º, estabelece que o critério de adjudicação tem em conta os encargos directos obrigatórios do pessoal, que por sua vez são estabelecidos na Convenção Colectiva de Trabalho entre a ARESPE e a FETESE, publicado no BTE n.º 24 de 29.06.2004, acordo que deste modo constitui parte integrante do bloco de legalidade do concurso.
4 O concurso público foi aberto pelo anúncio publicado no Diário da República de 27.02.2008, II Série, e a data limite para apresentação das propostas é o 17.04.2008.
5 Na data do anúncio do concurso e de publicitação do programa do concurso, vigoravam os encargos com o pessoal expressos no CCT entre a ARESPE e a FETESE, publicado no BTE n.º 24 de 29.06.2004, alterado pelo BTE n.º 34 de 15.09.2006.
6 Os encargos com o pessoal do CCT foram actualizados no BTE n.º 13 de 08.04.2008, no período temporal entre a data do anúncio e da publicitação do Programa do Concurso e a data limite de apresentação das propostas.
7 Pretende-se, pois, a determinação no plano de direito, se as alterações introduzidas no bloco de legalidade do concurso pelo CCT publicado no BTE n.º 13 de 08.04.2008, têm aplicação imediata e retroactiva ao regime do concurso, constituindo critério de aferição das propostas.
8 Devem os concorrentes conformar as suas propostas pela lei vigente na data publicação do anúncio e do caderno de encargos ou pela alteração superveniente publicada depois dessa data?
9 Como proceder para os concorrentes que apresentam as suas propostas antes do BTE n.º 13 de 08.04.2008 com os encargos do pessoal vigentes na alteração ao CCT publicada no BTE n.º 34 de 15.09.2006?
10 Como proceder para os concorrentes que apresentam as suas propostas já depois do BTE n.º 13 de 08.04.2008 com os encargos do pessoal vigentes na alteração ao CCT publicada no BTE n.º 34 de 15.09.2006?
11 Pense-se, por exemplo, se uma concorrente apresentar a proposta antes da actualização dos encargos obrigatórios publicado no BTE de 08/04/2008, e outra concorrente tivesse apresentado a sua proposta no dia 09-04-08 já depois da publicação dos novos encargos, como se comparam as propostas? Qual é o regime legal aplicável?
12 Estas questões e outras têm como denominador comum a necessidade de definição se uma alteração de uma regra legal sobre matérias atinentes ao critério de conformação das propostas, ocorrida já depois do anúncio do concurso e da publicitação do programa do concurso, tem ou não aplicação imediata e retroactiva no regime do concurso devendo ser observada pelos concorrentes.
13 Sendo certo que, a definição da questão de direito supra revelada, é também fundamental para todos os outros procedimentos administrativo pré contratuais de concurso público, e que não se esgotam no campo da composição dos interesses no presente processo.
II A admissibilidade do recurso
Jurisprudência anterior em sentido contrário ao decidido no Acórdão Recorrido
Acórdão do Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo, recurso 01204/03
14 A questão de direito relativa à publicação e vigência de lei posterior sobre o regime legal dos custos com o pessoal e respectiva repercussão no regime do concurso público, já foi objecto de apreciação pelo Acórdão do Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo, recurso 01201/03.
15 O referido acórdão, indiscutivelmente faz doutrina no sentido de que alterações supervenientes do regime legal por virtude das actualizações do CCT quanto ao regime dos encargos do pessoal, em obediência ao princípio da concorrência, devem oficiosamente ser considerados pelo júri do concurso, assim se assegurado a uniformização e comparabilidade das propostas.
16 No entanto, não foi esta a doutrina seguida pelo Acórdão recorrido que negou provimento ao recurso, entendendo-se são os concorrentes que devem assegurar a conformidade das propostas apresentadas de acordo com as alterações do CCT verificadas após a publicação do anúncio do concurso, podendo o Júri do Concurso proceder a actualizações oficiosas desses encargos, não sendo o referido Acórdão recurso 01204/03 aplicável ao caso.
17 Está justificada a admissão do recurso, claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, sendo que uma decisão sobre esta matéria com inequívoca repercussão em todos futuros processos em que a questão seja suscitada.
III Fundamentos do Recurso
18 No critério da douta sentença de que se recorre, a Recorrente deveria ter apresentado a sua proposta a concurso fazendo reflectir uma alteração do contrato colectivo de trabalho – CCT — ocorrida após a data da publicação o anúncio do concurso e da entrega Programa do Concurso e do Caderno de Encargos, não podendo apresentar os encargos de pessoal do CCT vigente na data da publicação do anúncio abertura do concurso.
19 Os encargos com o pessoal constituem um dos factores que compõem o preço final de remuneração dos serviços proposto pelos concorrentes no concurso público para efeito de adjudicação dos serviços, são estabelecidos pelo contrato colectivo de trabalho — CCT – que rege as relações da Recorrente com os seus trabalhadores.
Consequentemente, o CCT faz parte do bloco de legalidade do concurso, devendo as concorrentes remunerar os trabalhadores de acordo com os encargos obrigatórios que aí se estabelecem.
20 Uma alteração do CCT quanto aos encargos mínimos obrigatórios do pessoal a considerar pelos concorrentes na composição do preço proposto a concurso, implica uma alteração das regras do concurso já que com a actualização salarial o preço proposto a concurso tem também uma actualização.
21 Com a publicação do anúncio do concurso, em obediência ao princípio da estabilidade do concurso, congelam-se as regras que regem o anúncio, o programa do concurso e o caderno de encargos e as regras para apresentação das propostas não podem sofrer flutuações, alterações ou modificações à medida que o tempo passa entre a data do anúncio e data limite da apresentação das propostas.
22 O anúncio do concurso foi publicado no Diário da República II Série, de 27/02/08, a data limite de apresentação das propostas é até às 17.00 horas do dia 16/04/2008, o regime legal do concurso permanece inalterado para todos os concorrentes entre estas duas datas.
23 As actualizações salariais por decorrem do contrato colectivo de trabalho aplicável não estão na livre disponibilidade dos concorrentes e, não é exigível a nenhum concorrente, que esteja ligada segundo a segundo aos serviços do Boletim do Trabalho e Emprego só para saber quando é que vai ser publicada a nova tabela salarial.
24 Ocorrendo uma alteração das regras do concurso, já depois da publicação do anúncio do concurso, passando a vigorar novas regras legais que fixam os encargos mínimos obrigatórios com o pessoal que devem ser considerados pelos concorrentes no cálculo do preço proposto a concurso, esse novo regime legal não constitui parâmetro de conformidade das propostas a apresentar pelos concorrentes, determinado a sua admissão ou exclusão sob pena de violação do princípio da estabilidade.
25 Consequentemente, as concorrentes podem não considerar alterações supervenientes do CCT aplicável, alterações que no caso concreto foram publicadas no BTE n.º 13, de 08/04/2008, uns escassos 8 dias antes da data limite para apresentação das propostas e onde se procedeu à actualização dos encargos obrigatórios com o pessoal.
26 A Recorrente cumpriu cabalmente o artigo 8.º n.º 3 e n.º 4 do Programa do Concurso, preceito que estabelece o dever das propostas serem instruídas com a nota justificativa do preço da refeição, a elaborar conforme modelo constante do Anexo VI, com a nota justificativa do preço da refeição os encargos com o pessoal vigentes na data da publicação do anúncio.
27 As propostas devem ser avaliadas Júri pelo direito vigente na data limite da apresentação das propostas ou em data posterior – ponto a.4) do artigo 4.º do Programa do Concurso.
28 Não pode a Recorrente ser excluída por incumprimento de uma norma, o ponto a.4) do artigo 4.º do Programa do Concurso, que não lhe diz respeito, que não deve cumprir e que estabelece estritos deveres para o Júri do Concurso: o de avaliar as propostas de acordo com o CCT em vigor à data da apresentação das propostas.
29 Também é este o entendimento sufragado no ilustre parecer do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul, para quem: “o n.º 3 do artigo 8.º obriga à instrução das propostas conforme o modelo constante do anexo 1/1, que refere expressamente que o CCT aplicável é o de 15.09.2006, atendendo a que os preços aí referidos são os relativos a esse CCT. E isto porque só poderiam revelar os preços em vigor à data de abertura do concurso e não os que estivessem em vigor à data da apresentação das propostas. Na verdade, se se optasse pela última hipótese, nunca poderia haver igualdade de critérios para todas as propostas uma vez que o CCT foi alterado no decurso do prazo para apresentação das mesmas.
O Júri em cumprimento do ponto a.4) do Artigo 4.º do Programa do Concurso, e em obediência ao princípio da concorrência e da comparabilidade das propostas, devia ter rectificado oficiosamente a proposta da Recorrente fazendo constar a tabela salarial publicada no BTE n.º 13 de 08/04/2008, ou oficiosamente devia tê-la convidado a rectificar a proposta nessa medida.
30 As consequências da vigência de lei superveniente sobre os custos com o pessoal, obrigando o Júri ao dever de rectificação oficioso das propostas, já foi objecto de apreciação por Acórdão do Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo, Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo, recurso 01204/03, publicado em www.dgsi.pt/jsta, onde se entende:
— Num concurso para o fornecimento de serviços de refeição, aberto em Março de 2002 e para prestar nesse mesmo ano, em que um dos factores de avaliação das propostas era o encargo com o pessoal, sendo os documentos do concurso omissos quanto ao Acordo Colectivo de Trabalho (se o 2001 ou o de 2002) que os concorrentes deviam ter em conta para elaborarem os mapas de vencimentos e encargos obrigatórios a apresentar, perante a constatação de que todos eles, com excepção de um, apresentavam os referidos mapas com referência à tabela salarial do ACT de 2002, a Administração deveria informar os concorrentes a qual dos ACTs se deviam reportar, convidando-os a corrigir as respectivas propostas quanto a esse item, ou até, oficiosamente, ela própria corrigir os valores apresentados de acordo com os valores mínimos legais aplicáveis consoante a tabela (única) que elegesse (2002 ou 2001),
– Tal atitude não buliria com o princípio da intangibilidade das propostas – não altera o conteúdo das mesmas uma vez que o quadro de pessoal se mantinha tal como foi indicado pelo concorrentes, consistindo a alteração em operações aritméticas de acerto dos vencimentos (e respectivos encargos obrigatórios) com o mínimo obrigatório face ao ACE considerado de acordo com o esclarecimento prestado, e a ter lugar tão só nos casos em que esse mínimo não tenha sido respeitado – antes asseguraria a observância do princípio da concorrência permitindo a comparabilidade das propostas.
— Não o tendo feito e tendo procedido à apreciação das propostas tal qual as mesmas foram apresentadas, a Administração comparou realidades diferentes, pelo que foi violado o princípio da comparabilidade das propostas, uma das vertentes do princípio da concorrência, verdadeira trave mestra do procedimento concursal.
31 Doutrina que se aplica ao presente caso, pense-se, por exemplo, se uma concorrente tivesse apresentado a proposta no dia 7 de Abril de 2008, antes da actualização dos encargos obrigatórios da tabela salarial publicada no BTE n.º 13 de 08/04/08 e outra concorrente tivesse apresentado a sua proposta no dia 09-04-08, já com a nova tabela salarial, como é que o Júri procederia à comparação das propostas?
32 Neste exemplo e sufragando a tese do Acórdão supra citado, o Júri lançado mão o artigo 4.º n.º 1, alínea a) ponto a.4 do Programa do Concurso, deveria proceder à rectificação oficiosa da proposta da concorrente que não tinham os encargos com o pessoal de acordo com o novo regime legal.
33 No citado Acórdão, faz-se doutrina no sentido do dever de rectificação das propostas fazendo aplicar o CCT vigente, fazendo aplicar a lei vigente, fazendo reflectir alterações supervenientes da lei, de forma a cumprir o princípio da concorrência e da comparabilidade das propostas.
34 Contrariamente ao sustentado na sentença Recorrida, o citado acórdão não versa propriamente sobre as omissões ou imprecisões do Programa do Concurso, define sim doutrina no sentido de que há do dever de rectificação das propostas para assegurar a observância do princípio da comparabilidade, da concorrência e da igualdade, desde que essa rectificação não interfira no conteúdo das propostas.
35 Acresce que o regime do concurso é de facto omisso quanto aos encargos obrigatórios com o pessoal a considerar pelos concorrentes: se os vigentes na data da publicação do anúncio, se os vigentes na data da apresentação das propostas.
36 Na tese do acórdão a que se adere inteiramente as “ ... operações aritméticas de acerto dos vencimentos (e respectivos encargos obrigatórios) com o mínimo obrigatório face ao ACT considerado (...) e a ter lugar tão só nos casos em que esse mínimo não tenha sido respeitado “não substancia qualquer alteração à proposta, que permanece inalterada.
37 A proposta da Recorrente por ter considerado os encargos com o pessoal vigentes antes da publicação do BTE de 08/04/2008, não viola qualquer preceito do concurso - as actualizações salariais decorrem da lei e não substanciam o conteúdo da proposta e não constituem cláusula de exclusão das propostas.
38 Constitui critério de adjudicação o do mais baixo preço, cuja fórmula de cálculo é: Preço = (Preço da Refeição x 80%) + (Preço médio de Produtos de Bar obrigatórios x 20%) - cf. artigo 4.º do Programa do Concurso.
39 O acto de adjudicação é totalmente vinculado, é consequência da aplicação de uma equação aritmética e, para a sua prática, não são necessários e aplicáveis quaisquer juízos de mérito, juízos de oportunidade ou juízos técnicos.
40 Podendo o Tribunal, por se tratar de um acto totalmente vinculado, substituir-se ao Júri, determinando qual é a proposta que apresenta melhor preço em função da fórmula constante no artigo 4.º do Programa do Concurso, a quem os serviços devem ser adjudicados.
41 Os serviços devem ser adjudicados à Recorrente, por ter o mais baixo preço da refeição preço e o mais baixo preço médio da proposta, assim se assegurando o cumprimento do artigo 4.º do Programa do Concurso.
Termos em que:
É admissível o recurso devendo ser apreciado as questões suscitadas para melhor definição do direito
A sentença recorrida, ao decidir pela improcedência da acção, violou os artigos 4.º e 8.º do Programa do Concurso bem como os princípios da legalidade, da igualdade e da estabilidade devendo ser substituída por outra que dê como procedente a acção.
Assim decidindo farão V.Exas. sã e serena JUSTIÇA
O Réu contra-alegou concluindo da seguinte forma, na parte relativa aos fundamentos do recurso:
16 Na presente revista, a Recorrente apenas se limita a reproduzir o já por si alegado no recurso jurisdicional interposto da douta Sentença de 1ª instância, não procedendo à identificação da questão de direito resultante do decidido pelo douto Acórdão recorrido e a ser dirimida pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo.
17 De facto, em síntese, a Recorrente apenas insiste que cumpriu o previsto no art. 8º, n.ºs 3 e 4 do Programa do Concurso e que não lhe cabia observar o determinado no o 40, n.º 1, al. A), ponto a.4) da mesma peça concursal, defendendo que, isso sim, o Júri do Concurso é que tinha o dever oficioso de rectificar a sua proposta ou, então, deveria ter sido convidada a corrigir a mesma.
18 Nas suas conclusões 18ª a 41ª a Recorrente não apresenta nenhum argumento que contrarie os fundamentos específicos do douto Acórdão recorrido, insistindo unicamente em invocar as razões pelas quais reputa o acto impugnado na acção de ilegal.
19 Ora, tal como reconhece de forma expressa, a proposta da Recorrente foi excluída do Concurso dos autos por não apresentar os vencimentos e respectivos encargos directos obrigatórios com pessoal de acordo com o C.C.T. em vigor para o sector à data da apresentação das propostas, conforme vem de forma clara exigido no ponto a.4) alínea A) do n.º 1 do art. 40 do Programa do Concurso.
20 De facto, no ponto a.4) alínea A) do n.º 1 do art. 40 do Programa de Concurso, estabelece-se que as propostas devem ter em conta os encargos directos obrigatórios com o pessoal estabelecidos no C.C.T. para o sector em vigor à data da apresentação das mesmas.
21 Por outro lado, como também reconhece a Recorrente, os encargos directos obrigatórios com o pessoal são um dos elementos que compõem o preço proposto pelos concorrentes, integrando-se no respectivo conteúdo das propostas, cujos parâmetros e pressupostos encontram-se claramente definidos na citada norma do Programa do Concurso.
22 Assim, não faz qualquer sentido vir alegar que houve uma alteração superveniente do quadro legal que rege o Concurso, dado que, desde a publicação do respectivo Anúncio, a exigência inequívoca constante do Programa do Concurso é a de que os concorrentes formulem os preços propostos com base nos encargos com o pessoal estabelecidos no C.C.T. em vigor à data da apresentação das propostas.
23 Ora, tal como constatou o douto Acórdão recorrido, a Recorrente apresentou a sua proposta desconforme com o exigido no Programa do Concurso, nos seus arts. 40, n.º 1, al. A), ponto a.4) e 8º, n.ºs 3 e 4, tomando-a insusceptível de comparação com as restantes propostas que cumpriram o exigido naquele regulamento e, por isso, foi excluída.
24 Nenhuma censura, pois, merece o douto Acórdão recorrido quando sufraga o entendimento da P instância quanto à exclusão da proposta da Recorrente não padecer de nenhuma ilegalidade.
25 Não está em causa, pois, que o Programa do Concurso estabeleça que as propostas devem atender aos encargos directos obrigatórios com o pessoal previstos no C.C.T. em vigor à data da apresentação das mesmas, pretendendo apenas a Recorrente, de forma descabida, que essa exigência não lhe diz respeito nem lhe é aplicável e que o Júri do Concurso tem o dever oficioso de proceder à rectificação das propostas.
26 Porém, como é evidente, os concorrentes estavam obrigados a elaborar as suas propostas em conformidade com esse requisito do Programa do Concurso, sob pena de ficar vedado ao Júri proceder à sua comparabilidade, em virtude de aquelas conterem pressupostos (encargos) diferentes, com repercussão no preço proposto.
27 Como refere no douto Acórdão recorrido, em relação ao pretenso dever de rectificação oficiosa das propostas pelo Júri do Concurso ou do convite aos concorrentes para as corrigirem, o Acórdão do STA invocado pela Recorrente não tem aplicação no caso dos autos, pois assenta em pressupostos diversos dos aqui verificados.
28 Na verdade, o referido Acórdão reporta-se a um concurso em que os elementos patenteados eram omissos quanto à definição do C.C.T. a ter em conta para a elaboração das respectivas propostas, quando é certo que, no Concurso dos autos, o Programa do Concurso é claro, preciso e expresso sobre o C.C.T. que os concorrentes devem observar, ou seja, o que se encontrar em vigor à data da apresentação das propostas.
29 Nestes autos o que está em causa é a inobservância da proposta da Recorrente quanto a um aspecto exigido no Programa do Concurso, o qual, como a própria reconhece, constitui um dos elementos que formam o preço final proposto e integram o conteúdo das propostas dos concorrentes, contendendo com o princípio da intangibilidade das mesmas a sua pretendida rectificação oficiosa.
30 De resto, não pode a Recorrente pretender que os encargos mínimos obrigatórios com o pessoal constantes do C.C.T. fazem parte do bloco de legalidade do Concurso e integram o seu conteúdo e, ao mesmo tempo, vir sustentar que o Júri deveria proceder à rectificação destas ou convidar os concorrentes a corrigi-las após a sua abertura, sem que tal afecte o princípio da sua intangibilidade.
31 Tanto mais que nada autoriza o Júri do Concurso a presumir que a Recorrente apenas consideraria os valores mínimos constantes do CCT e não outros superiores, como lhe é lícito fazê-lo, não podendo o Júri substituir-se ao concorrente na elaboração da proposta.
32 Por isso, tal como confirmou o douto Acórdão recorrido, a exclusão da proposta da Recorrente, com fundamento no incumprimento do Programa do Concurso, não padece de qualquer violação da lei ou dos princípios concursais.
33 Daí que também, dada a incomparabilidade da sua proposta com as dos restantes concorrentes que se conformaram com o estabelecido no Programa do Concurso e face à insusceptibilidade da sua rectificação oficiosa ou do convite para a sua correcção, não poderia a decisão de U instância, confirmada pelo douto Acórdão recorrido, condenar o I..., I.P. a adjudicar os serviços objecto do Concurso dos autos à Recorrente.
34 Por outro lado, nem sequer a adjudicação constitui um acto totalmente vinculado, já que, nos termos do art. 40 do Programa do Concurso, a escolha da proposta mais vantajosa tem de atender aos vários aspectos aí elencados, cabendo ao Júri do Concurso a respectiva verificação da conformidade das propostas apresentadas com todos os aspectos exigidos e ainda que fosse possível efectuar a pretendida correcção oficiosa das propostas quanto aos encargos resultantes do C.C.T. em vigor à data da apresentação das mesmas.
35 Por conseguinte, não só as conclusões apresentadas pela ora Recorrente se mostram totalmente improcedentes, como também o douto Acórdão recorrido não se revela susceptível de quaisquer reparos ou censura que aquela lhe pretenda imputar.
NESTES TERMOS, como nos demais e melhores de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Ex.a, o presente recurso de revista não deverá ser admitido, porém, caso assim não se entenda, mas sem jamais conceder, deverá ser negado provimento ao mesmo, mantendo-se in totum o douto Acórdão ora recorrido.
A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Em nosso entender o acórdão sob censura não se poderá manter.
Muito embora o Programa do Concurso, no seu art. 4º, n.º 1, A), a.4), refira expressamente, quanto a encargos directos obrigatórios com pessoal, que a Convenção Colectiva de Trabalho (CCT) a ter em consideração é a vigente à data da apresentação de propostas, o que é certo é que a este propósito se suscitavam sérias dúvidas.
Por um lado, não era esse o sentido que se extraía do anexo VI do Programa do Concurso, considerado o seu ponto 2.9; este dispositivo apontava no sentido de que a CCT a atender pelas concorrentes era a vigente à data da abertura do concurso, ao tomar como referência, no tocante a “encargos com alimentação, n.º de funcionários”, um valor estabelecido por esta CCT.
Acresce que se veio a verificar terem sido duas as Convenções Colectivas de Trabalho em vigor no decurso do prazo de apresentação das propostas, sendo que era de rejeitar, à partida, o entendimento de que ambas eram aplicáveis, em conformidade com a data da apresentação de cada proposta em concreto, por contrário a uma exigida igualdade de critérios.
Sendo assim, havendo objectivamente dificuldades em perceber qual a CCT que deveria ser tida em conta pelas concorrentes — o que, aliás, estava patente na falta de uniformidade revelada pelas propostas no seu conjunto — e entendendo a Administração que a CCT a observar era a que entrara em vigor em 2008.04.08, parece-nos que se exigia, em nome dos princípios da boa fé, da transparência e da justiça, que a Administração esclarecesse oficiosamente todas as concorrentes desse entendimento, a fim de que todas elas ficassem cientes, quanto a esse ponto, do critério estabelecido, dando a Administração à ora recorrente a faculdade de rectificar a sua proposta segundo tal critério.
Esta atitude não violaria o princípio da intangibilidade das propostas, por se manter inalterado o conteúdo de todas as propostas, onde o quadro de pessoal continuava a ser o mesmo, apenas se possibilitando, na proposta da ora recorrente, meros acertos dos encargos com pessoal, através de simples operações aritméticas — cfr, a este propósito, o acórdão do T. Pleno de 2005.06.16, no processo n.º 1204/03.
Atentas as razões expostas, parece-nos que o acto recorrido deveria ter sido anulado, pelo que assim não entendendo merecerá o acórdão impugnado censura.
Nestes termos, emitimos parecer no sentido do provimento parcial da revista.
No acórdão da formação deste Supremo Tribunal Administrativo que admitiu o recurso, refere-se o seguinte, sobre a questão que motivou a admissão do recurso:
Na sua decisão, de 07-05-09, o TCA Sul veio coonestar a decisão do TAF de ..., de 22-01-09, por, em síntese, considerar, tal como a 1ª instância, que “[…] não pode entender-se, ao contrário do que sustenta a Recorrente, que não houve uma alteração superveniente do quadro legal que rege o Concurso, dado que, desde a publicação do respectivo Anúncio, a exigência constante do Programa de Concurso é a de que os concorrentes formulem os preços propostos com base nos encargos com o pessoal estabelecidos no CTT em vigor à data da apresentação das propostas”. Cfr. fls. 10.
Mais se acrescentou no dito aresto que, “[…] tal como considerou a sentença recorrida, a exclusão da proposta da Recorrente, com fundamento no incumprimento do Programa do Concurso – impedindo, desse modo, a sua comparabilidade com as propostas dos restantes concorrentes, já que aquela se apresenta baseada em pressupostos diversos –, não padece de qualquer violação da lei dos princípios concursais”. – Cfr. fls. 11 da sentença do TCA Sul.
Já a aqui Recorrente sustenta, designadamente, “[…] que, ocorrendo uma alteração do quadro legal que rege o concurso com influência no preço final a propor pelos concorrentes, já depois da publicação do anúncio do concurso, esse novo regime não pode constituir parâmetro de conformidade das propostas a apresentar pelos concorrentes, determinando a sua admissão ou exclusão (…)”, sendo que, na sua óptica, as “regras para apresentação das propostas não podem sofrer flutuações, alterações ou modificações à medida que o tempo passa entre a data do anúncio e data limite da apresentação das propostas (…), defendendo, em especial, que passando “a vigorar novas regras legais que fixam os encargos mínimos obrigatórios com o pessoal que devem ser considerados pelos concorrentes no cálculo do preço proposto a concurso, vigentes depois da publicação do anúncio do concurso, esse novo regime não constitui parâmetro de conformidade das propostas a apresentar pelos concorrentes, determinando a sua admissão ou exclusão sob pena de violação do princípio da estabilidade.” – Cfr. fls. 8 e 9 da alegação do Recurso de Revista.
Como se vê, a questão a dirimir passa, fundamentalmente, pelo acerto ou desacerto da interpretação feita no Acórdão recorrido sobre o sentido e alcance do ponto a.4) alínea a) do n.º 1 do art.º 4º do Programa do Concurso onde se estipula “que as propostas devem ter em conta os encargos directos obrigatórios com o pessoal estabelecidos na CCT para o sector em vigor à data da apresentação das mesmas”.– Cfr. fls. 9 da sentença do TCA Sul.
Ora, trata-se aqui de questão cuja resolução requer um esforço interpretativo particularmente acentuado, apresentando um certo grau de dificuldade, sendo que se trata de matéria que pode vir a interessar a outros casos, uma vez que é usual a fixação da tal critério de adjudicação em concursos similares ao dos presentes autos, o que tudo aconselha a intervenção clarificadora deste STA no quadro do recurso de revista, dada a especial relevância jurídica da questão a dirimir».
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A) O concurso público internacional n.º ... para prestação de serviços de fornecimento de refeições e serviço de bar no Centro de ... de ... foi aberto pelo Instituto do ... e rege-se pelo anúncio, publicado em Diário da República de 27.2.2008, II série, pelo Programa do Concurso e Caderno de Encargos – ver docs n.º 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) A 27.2.2008 os valores vigentes para o subsídio de alimentação na tabela da Convenção Colectiva de Trabalho em vigor eram de €: 29,27 e de €: 27,00 — por acordo.
C) Com a publicação do BTE, n.º 13. de 8.4.2008 os valores do subsídio de alimentação, dos trabalhadores filiados na FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e Outro, foram alterados para €: 30,06 no ano de 2007 e para €: 30,84 no ano de 2008 – por acordo.
D) A tabela salarial aplicável aos trabalhadores filiados na FESHOT - Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e Outros (cantinas, Refeitórios e Fábricas de Refeições) é a da CCT celebrada entre a ARESP e a FESHOT, publicada no BTE, n.º 36, de 29.9.1998 – por acordo.
E) A data limite de apresentação das propostas foi até às 17 horas do dia 16.4.2008 – ver anúncio publicado no Diário da República, doc. n.º 1 junto com a petição inicial e processo administrativo apenso.
F) As concorrentes ao concurso, incluindo a Autora, apresentaram as suas propostas em 16.4.2008, com indicação de que o CCT que lhes era aplicável era o CCT entre a ARESP e a FETESE – ver processo administrativo apenso.
G) A proposta da Autora indicava os preços formulados com base no CGT celebrado entre a ARESP e a FETESE, publicado no BTE, 1ª Série, n.º 34, de 15.9.2006 - por acordo.
H) A 9.5.2008 o júri elaborou o relatório de análise das propostas, inserto a fls. 4438 a 4523 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de que se transcreve o seguinte: «4 - Análise do mérito técnico das propostas
O júri procedeu à análise técnica dos elementos integrantes de todas as propostas apresentadas pelos concorrentes admitidos, tendo em consideração os seguintes aspectos: Nota justificativa do preço proposto, tendo em conta:
a. NIF do concorrente,
b. Regime do contrato colectivo de trabalho,
c. Ordenado base para pessoal afecto ao refeitório (vencimento mensal),
d. Alimentação para pessoal afecto ao refeitório (encargos com a alimentação),
e. Seguro de acidentes de trabalho e responsabilidade civil,
f. Formação,
g. Medicina no trabalho,
h. Outros encargos com pessoal afecto ao refeitório,
i. Custos alimentares,
j. Custos não alimentares,
k. Outros custos relevantes.
Para efeitos de análise da proposta foi considerado como vencimento base o constante da tabela salarial publicada no Boletim ao Trabalho e ao Emprego, n.º 13, em 8.4.2008, o qual refere na cláusula 3ª que o referido CCT entra em vigor na data da sua publicação, e tem um período de vigência de 12 meses.
Da análise técnica a cada uma das propostas resulta a apreciação seguinte:
(...).
CONCORRENTE n.º 4 A…, SA
. preço médio do lote: €: 1,59
. preço unitário da refeição completa: €: 1,86
. Cumpre o disposto no art. 8º do Programa do Concurso relativamente à apresentação de custos nos campos de preenchimento obrigatório na Nota Justificativa do Preço Mensal
. Os vencimentos e respectivos encargos directos obrigatórios não estão de acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho em vigor para o Sector.
(...).
Face à análise e apreciação acima referidas, o júri do concurso entendeu propor:
– exclusão dos concorrentes A…, SA e B…, SA, por incumprimento do disposto no ponto a. 4), al. A) do n.º 1 do art. 4º do Programa do Concurso.
– exclusão dos concorrentes C…, SA, D…, Lda, por incumprimento do disposto nos n.º 3 e 4 do art. 8º do Programa do Concurso e da Nota Justificativa de Preço.
– proceder à ordenação das propostas das empresas concorrentes, tendo por base o critério de adjudicação definido no n.º 3 do art. 4º do Programa do Concurso e no n.º IV. 2.1 da Secção IV do Anúncio do Concurso:
Concorrentes preço médio do lote
E… 2,09€
F… 2,10
G… 2, 19
H… 2,43
5 – Conclusões
Nestes termos, o júri do concurso deliberou considerar a proposta economicamente mais vantajosa, (...) a do concorrente E…, SA.
Em face do atrás exposto, o júri do concurso deliberou ainda submeter à aprovação superior o seguinte projecto de decisão:
i) A adjudicação do contrato para «Prestação de Serviços de Fornecimento de refeições e serviço de bar para o Centro de Formação Profissional de ... à empresa E…, SA».
l) A 26.6.2008, a Autora foi notificada do relatório de análise das propostas, mediante ofício n.º ..., de 19.6.2008, onde se comunica a intenção de proceder à sua exclusão, por incumprimento do disposto no ponto a.4), al. A) do n.º 1 do art. 4º do Programa do Concurso – ver processo administrativo apenso.
J) Em sede de exercício do direito de audiência prévia, em 4.7.2008, a Autora apresentou reclamação escrita que juntou como doc. n.º 4 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido,
K) e juntou um documento com o novo preço da refeição de €: 1,90, o preço médio da tabela de bar de €: 0,51 e o preço médio da proposta por lote de €: 1,63, apresentando o mapa justificativo do preço proposto e fazendo contar os encargos com o pessoal de acordo com a tabela publicada no BTE n.º 13, de 8.4.2008, passando o preço final do concurso a ser o de €: 1.63 – ver doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
L) No relatório final, datado de 25.7.2008, o júri deliberou não existir fundamento nas reclamações apresentadas, pelo que manteve a intenção de: «exclusão dos concorrentes ... A… ... por incumprimento do disposto no ponto a.4), al. A) do n.º 1 do art. 4º do Programa do Concurso.
(...).
Após ordenação das propostas das empresas concorrentes, ..., tendo por base o critério de adjudicação definido n.º 3 do art. 4º do Programa do Concurso e n.º IV.2.1 da secção IV do anúncio do concurso:
Concorrentes preço médio do lote
E… 2,09€
F… 2,10
G… 2,19
H… 2,43
O júri do concurso deliberou considerar como a proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com o critério supra referido a proposta apresentada pelo concorrente E…, SA, propondo:
– A adjudicação do contrato para o «prestação de serviços de fornecimento de refeições e serviço de bar para o Centro de Formação Profissional de ... à empresa E…, SA, cujo preço do lote é €: 2,09, a que corresponde o valor da refeição completa de €: 3,16 acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado à taxa de 12%» – ver doc n.º 5 junto com o requerimento inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
M) Acto impugnado: Por deliberação do Conselho Directivo do Instituto do ..., de 9.9.2008, foi aprovado o relatório final de análise de propostas; autorizada a realização da despesa de €: 360,886,18, com Imposto sobre o Valor Acrescentado incluído, a adjudicação à empresa E…, SA e foi aprovada a minuta do contrato – ver fls. 4590 do processo administrativo apenso.
N) Em 19.9.2008 a Autora foi notificada da deliberação do Conselho Directivo do Instituto do ... – ver doc n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3 – A questão que é objecto do presente recurso excepcional de revista é identificada no acórdão que admitiu o recurso como sendo a de saber se é correcta ou não a interpretação feita no Acórdão recorrido sobre o sentido e alcance do ponto a.4) alínea a) do n.º 1 do art.º 4º do Programa do Concurso onde se estipula “que as propostas devem ter em conta os encargos directos obrigatórios com o pessoal estabelecidos na CCT para o sector em vigor à data da apresentação das mesmas”.
A Recorrente foi excluída do concurso por ter apresentado a sua proposta em 16-4-2008, contabilizando os referidos encargos com o pessoal com base na Convenção Colectiva de Trabalho (CCT) publicada no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) n.º 34, de 15-9-2006, e ter-se entendido que, tendo sido publicada antes da data da apresentação da proposta uma outra CCT, publicada no BTE n.º 13, de 8-4-2008, os encargos deveriam ser calculados com base nesta.
Por isso, entendeu-se na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... e no acórdão recorrido que a Recorrente violou o preceituado no ponto a.4), alínea A) do n.º 1 do art. 4.º do programa do concurso, pelo que se justificava a sua exclusão do concurso.
4 – No ponto a.4), alínea A) do n.º 1 do art. 4.º do programa do concurso refere-se que a adjudicação deveria efectuar-se tendo em contra o «preço da refeição» calculado com base, além do mais, os encargos directos obrigatórios com o pessoal estabelecidos na CCT para o sector em vigor à data da apresentação das propostas.
Na proposta da Recorrente não foram tidos em conta os encargos estabelecidos na CCT em vigor na data em que apresentou a proposta, mas sim os previstos na CCT que vigorava anteriormente.
O ponto 2.9 do anexo VI ao Programa do Concurso não permite a conclusão de que o «preço da refeição» deveria ser calculado com base em valor dos encargos com o pessoal diferentes dos que estavam previstos no CCT que devia ser aplicado, pois, se é certo que nela se faz indicação dos valores mínimos dos encargos com a alimentação do pessoal previstos no anterior CCT, em vigor no momento da publicação do Programa do Concurso, essa indicação é acompanhada da indicação de que esses valores correspondem ao «CCT aplicável», o que tem ínsito que, se passar a ser outro o «CCT aplicável», passem a ser os valores mínimos neste indicados os que devem ser observados no cálculo do valor da refeição.
De qualquer modo, versando este ponto 2 do anexo VI sobre os «encargos com o pessoal afecto ao refeitório» e o seu reflexo no preço da refeição, a interpretação razoável daquela referência ao «CTT aplicável» é a de que se refere ao CTT que é de aplicar no momento em que esse preço é apresentado, como elemento da proposta, não havendo qualquer justificação aceitável para se aventar que deveria ser apresentado um preço de refeição que, no momento em que a proposta é apresentada, já se sabe que não corresponde à realidade.
Por outro lado, a tese da Recorrente de que aquele ponto a.4), alínea A) do n.º 1 do art. 4.º do Programa do Concurso não lhe diz respeito, mas apenas ao júri, não pode ser aceite, pois, embora este ponto esteja incluído num artigo que tem a epígrafe «Critério de adjudicação», a aplicar pelo júri, aquele Programa refere expressamente, no art. 11.º, n.º 1, alínea d), que na formulação do «preço da refeição» «o concorrente deverá ter em conta», além do mais, «os encargos obrigatórios mensais com o pessoal, de acordo com o quadro de pessoal definido e as respectivas categorias do Contrato Colectivo de Trabalho (C.C.T.)». Assim, é de concluir que o Programa do Concurso impunha aos concorrentes a obrigação de calcularem o «preço da refeição»tendo em conta os referidos encargos com o pessoal de acordo com o CCT que era aplicável no momento em que era apresentada a proposta.
Se a alteração do CCT tivesse ocorrido depois de apresentada alguma ou algumas das propostas (situação em que o concorrente ou concorrentes teriam, naturalmente, calculado o «preço da refeição» como base no CTT em vigor no momento da apresentação, posteriormente alterado), os concorrentes que tivessem apresentado as propostas antes dessa alteração tendo em conta o CCT vigente no momento da apresentação teriam cumprido a referida exigência do Programa do Concurso, não se deparando, assim, quanto a esse ponto uma situação de falta dos requisitos exigidos na formulação das propostas. Numa situação desse tipo, justificar-se-ia claramente a aplicação da jurisprudência adoptada pelo Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 16-6-2005, recurso n.º 1204/03, em que se entendeu que deveria a Administração deveria providenciar no sentido de serem corrigidas as propostas que tivessem tido em conta o CCT revogado, pois tal correcção «não buliria com o princípio da intangibilidade das propostas», já que não alteraria o seu conteúdo, «uma vez que o quadro de pessoal se mantinha tal como foi indicado pelo concorrentes, consistindo a alteração em operações aritméticas de acerto dos vencimentos (e respectivos encargos obrigatórios) com o mínimo obrigatório face ao ACT considerado».
Mas, não foi uma situação deste tipo que ocorreu no caso em apreço, pois, no momento em que a Recorrente apresentou a proposta, já não estava em vigor o CCT em que baseou o «preço da refeição»que indicou, estando-se, assim, perante uma situação de não satisfação daquela exigência do Programa do Concurso.
Assim, tem de se concluir, como decidiram as instâncias, que ocorreu a violação daquela regra do Programa do Concurso.
5 – Assente que a Recorrente não cumpriu a referida exigência do Programa do Concurso, coloca-se a questão de saber se a Administração deveria, por força de princípios que deveria observar, ter corrigido oficiosamente a proposta ou convidado a Recorrente a corrigi-la, calculando o preço da refeição tendo em conta o CTT em vigor no momento em que a proposta foi apresentada.
Os princípios cuja violação é invocada pelo Recorrente são os «da comparabilidade, a concorrência e da igualdade» (conclusão 35.ª das alegações da Recorrente) e os da legalidade e estabilidade (referidos na parte final das mesmas alegações).
Como já se referiu, é de entender, na esteira da citada jurisprudência do Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo, que essa correcção não implica violação do princípio da estabilidade das propostas.
O princípio da concorrência é enunciado no art. 10.º do DL n.º 197/99, de 8 de Junho ( ( ) Ao concurso em causa, cujo anúncio foi publicado no Diário da República, II Série, de 27-2-2008 aplica-se o regime anterior ao Código dos Contratos Públicos, por força do disposto no art. 16.º, n.º 1, do DL n.º 18/2008, de 29 de Janeiro. ), nos seguintes termos:
Na formação dos contratos deve garantir-se o mais amplo acesso aos procedimentos dos interessados em contratar, e em cada procedimento deve ser consultado o maior número de interessados, no respeito pelo número mínimo que a lei imponha.
Visa-se com este princípio assegurar que à contratação pública tenham acesso todos os interessados em contratar, o que se justifica primacialmente pela presumível obtenção de melhores condições contratuais, que potencia a maior concorrência entre os interessados.
É corolário deste princípio que não sejam excluídos dos procedimentos pré-contratuais interessados em contratar cujas propostas apresentem deficiências que possam ser supridas sem pôr em causa as regras imperativas e os princípios a que devem obedecer os procedimentos administrativos relativos à formação dos contratos públicos, como está ínsito no art. 101.º, n.ºs 6 e 8, do referido DL n.º 197/99, em que se admite a possibilidade de serem completadas propostas nos casos de documentos em falta e omissões, normas estas que devem ser consideradas afloramento do princípio geral da possibilidade de sanação de deficiências procedimentais que possam ser sanadas, que se extrai dos arts. 61.º, n.º 2, e 76.º, n.ºs 1 e 2, do CPA e está em sintonia com o princípio constitucional e legal da proporcionalidade que deve enformar toda a actividade da Administração Pública (arts 266.º, n.º 2, da CRP e 5.º, n.º 2, do CPA).
No caso em apreço, assente que a correcção da proposta da Recorrente, limitada à tomada em conta dos valores dos encargos mínimos previstos no CCT aplicável a data da apresentação, não afectava o princípio da intangibilidade das propostas, a admissibilidade de correcção era imposta pelo referido princípio da concorrência, na interpretação acima referida, pois era possível evitar a exclusão da Recorrente sem pôr em causa os princípios a que deve obedecer a contratação pública.
Aliás, no caso em apreço, a Recorrente até corrigiu a sua proposta, no referido ponto em que era deficiente, antes de ser decidida a sua exclusão, ao pronunciar-se no exercício do direito de audição prévia [alínea k) da matéria de facto fixada], o que evidencia que a admissibilidade dessa correcção nem sequer prejudicava o desenvolvimento normal do concurso, pois a apreciação das propostas, com a da Recorrente já corrigida, podia ser efectuada precisamente no momento em que foi feita a apreciação das propostas dos restantes concorrentes.
Assim, é de concluir que o acto impugnado, que excluiu na Recorrente, enferma de vício de violação do princípio da concorrência, que constitui vício de violação de lei, que justifica a anulação do acto impugnado (art. 135.º do CPA).
6 – Julgando o Supremo Tribunal Administrativo em último grau de jurisdição e sendo de concluir que o acto impugnado deve ser anulado com fundamento num vício que impede a sua renovação, é de considerar prejudicado, por ser inútil (art. 137.º do CPC), o conhecimento dos outros vícios que lhe foram imputados, uma vez que da procedência da acção com outros fundamentos não resultariam diferentes efeitos a nível de execução do julgado.
7 – No âmbito do recurso excepcional de revista, cabe apreciar apenas apreciar se, no acórdão recorrido, se cometeu a violação da lei substantiva ou processual que lhe é imputada pelo recorrente, como se infere do preceituado no n.º 2 do art. 150.º do CPTA, em que se estabelece que «o recurso de revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual».
Neste recurso, ao contrário do que sucede nos recursos de apelação (art. 149.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPTA), o Tribunal de recurso não pode substituir-se às instâncias na apreciação em primeiro grau de jurisdição das questões que são colocadas na acção.
Assim, no caso em apreço, não cabe no âmbito do presente recurso excepcional de revista apreciar se a anulação deve ter as consequências que a Recorrente pretende que sejam retiradas da ilegalidade da exclusão da Recorrente, designadamente a nível da graduação dos concorrentes e adjudicação do contrato.
Termos em que acordam, em
– conceder a revista;
– revogar o acórdão recorrido;
– anular a deliberação impugnada, por violação do princípio da concorrência;
– ordenar a baixa do processo ao Tribunal Central Administrativo Sul a fim de reapreciar o recurso tendo como pressuposto a ilegalidade daquela deliberação.
Custas pelo Recorrido, que contra-alegou.

Lisboa, 30 de Setembro de 2009

Jorge Manuel Lopes de Sousa (relator)
Maria Angelina Domingues
Fernanda Martins Xavier e Nunes

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